Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Metodologia da Economia Bibliografia: Blaug (1993), parte I – cap 1; Boumans & Davis (2010), cap. 1; Marin & Fernández (2004) Aulas 2 e 3 a) O positivismo lógico e a “visão recebida” ; b) Popper e o falseacionismo 1 1. A epistemologia do S. XX: a “visão recebida” • O S. XIX presencia avanços da ciência, mas especialmente da fé na ciência. É o século da convicção inabalável no progresso continuo da humanidade. • Esse atitude cientificista se une no século XX com desenvolvimentos em filosofia e em matemáticas que supõem que o essencial é construir uma ciência livre das ambigüidades da linguagem cotidiana. • Isso converge numa escola que define o estilo de filosofia da ciência do S. XX: o positivismo lógico, proposto por um grupo de filósofos de Viena (o “Círculo de Viena”, portanto) reunidos em torno de Moritz Schlick especialmente na década de 1920. • Por ter sido predominante na primeira metade do século e por ser o pano de fundo contra o qual se levantaram as escolas críticas, esta perspectiva pode ser melhor definida como a “visão recebida”. • Esta visão foi se modificando ao longo dos anos. Proponentes posteriores chamaram-na de “empirismo lógico”, mas também tem elementos de outras correntes filosóficas. 2 1. A epistemologia do S. XX: a “visão recebida” As características fundamentais do positivismo lógico são: • A) Defesa do empirismo: todo conhecimento deve se originar nos sentidos (são a única coisa da qual temos certeza). • B) Toda linguagem pode ser expressa em formulações lógicas. • C) O conhecimento científico só pode ter dois tipos de afirmações, das que se diz que têm sentido: • Analíticas: são verdadeiras ou falsas por definição (1+1=2) • Sintéticas a posteriori: são verdadeiras ou falsas de acordo com resultados de observações. (Esse cão é preto). 3 1. A epistemologia do S. XX: a “visão recebida” As características fundamentais do positivismo lógico (cont.): • D) Para terem sentido, as afirmações devem ser testáveis ou, no mínimo, em princípio verificáveis. • Essa ponte resiste um peso de até 30 toneladas (testável). • Há vida em outros planetas (em princípio verificável). • E) As afirmações que não entram em nenhuma dessas categorias são metafísicas, e portanto não têm sentido. • Nossa nação tem vocação de grandeza (não verificável). • F) Há um único método científico, que vale para todas as ciências. • G) A física constitui o modelo de boa ciência. 4 1. A epistemologia do S. XX: a “visão recebida” A questão da formulação de leis: • Supõe-se que um dos critérios da boa ciência seja a formulação de leis. • Mas as leis não são observáveis pelos sentidos, logo têm que existir outros critérios. • Uma visão ingênua simplesmente supõe que as leis são generalizações de observações empíricas: • Joguei sódio metálico na água e explodiu. • Fiz isso várias vezes. • Outros me disseram que com eles aconteceu o mesmo. • Logo, posso fazer a lei: “Jogar sódio metálico na água provoca explosões”. • Essas leis permitem explicar e prever. • Mas a maioria das leis é mais complicada; “F=m.a” implica uma série de termos dificilmente verificáveis (como calculo a força?). • Por isso, surge outra visão de como podemos fazer explicações: a visão nomológico-dedutiva de explicação. 5 1. A epistemologia do S. XX: a “visão recebida” A visão nomológico-dedutiva da explicação: • Há um fenômeno a ser explicado (o explanandum) • Temos um conhecimento prévio que permite explicar o fenômeno (o explanans). • O explanans tem que ter no mínimo uma observação e uma lei (nomos), mas elas podem ser mais. • A partir das observações e das leis chegamos no explanandum por dedução. 6 1. A epistemologia do S. XX: a “visão recebida” A visão nomológico-dedutiva da explicação (cont.): • Exemplo: queremos explicar porque em certo tempo e lugar o preço da batatinha aumentou (explanandum), e sabemos (explanans) • Observação empírica 1: a firma X tem nesse lugar o monopólio da batatinha. • Observação empírica 2: os salários da firma X aumentaram. • Lei: sempre que aumentam os custos de um monopólio, este aumentará os preços. • Logo, o preço da batatinha aumentou. • Veja que este mesmo raciocínio permite explicar e prever. Se isto ocorreu no passado, o explicamos; se ocorrer no futuro, o prevemos. 7 1. A epistemologia do S. XX: a “visão recebida” • Em termos mais gerais, temos: Leis: L1,....Ln Condições iniciais: c1, ..., cn Conclusão: E • A linha marca que esse é um processo dedutivo • Todavia, esse raciocínio tem problemas: Quem toma anticoncepcionais corretamente não engravida. Maria fez isso. Maria não engravidou. • Mas veja que, do ponto de vista formal, daria o mesmo resultado se falássemos de João. • Logo, a explicação envolve mais do que uma dedução, implica conhecer os fatores relevantes (ter uma noção de causalidade) que está além da mera relação formal entre sentenças. Explanans Explanandum 8 2. Os problemas da indução e a crítica de Popper • Vimos que a indução desempenha um papel fundamental na visão recebida: a partir dela podemos fazer as generalizações, logo as leis. • Todavia, nunca podemos ter certeza que uma generalização do tipo das leis é verdadeira: nunca vamos poder observar todos os casos passados, presentes e futuros da lei (o famoso caso de “todos os cisnes são brancos”). Portanto, a indução não pode nos fornecer conhecimento completamente certo. • Para fugir desses limites, foram propostas diversas saídas: 9 2. Os problemas da indução e a crítica de Popper • Instrumentalismo: não importa se as leis são verdadeiras, o importante é se nos ajudam para predizer eventos • P.ex., dizer que todos os homens são auto-interessados pode ser mantida mesmo que saibamos que nem todo mundo é assim, se as predições feitas com essa teoria mostram-se verdadeiras. • Confirmacionismo: as leis expressam conhecimento provável sobre o mundo, e quanto mais vezes verificamos que elas funcionam, maior grau de confiança podemos atribuir a essa lei. • P.ex., mesmo que não verifiquemos todos os casos possíveis de funcionamento da lei da demanda, cada vez que vemos um resultado que a confirma, nossa confiança nela aumenta. 10 2. Os problemas da indução e a crítica de Popper • A saída mais conhecida para o problema da indução é a critica do filósofo austríaco Karl Popper. • Segundo Popper, o critério de validade científica deveria ser o falseacionismo. • O falseacionismo enfatiza que infinitas confirmações não podem confirmar que uma generalização (lei) é verdadeira, mas um único contra-exemplo pode demonstrar que não o é. 11 2. Os problemas da indução e a crítica de Popper • Popper reconhece que sempre podemos modificar nossas afirmações de modo que não sejam falseadas (os cisnes negros australianos). • Portanto, o que caracteriza a boa ciência é evitar essas manobras, o que ele chama de “estratégias de imunização”. • Para Popper, a boa ciência é a que faz predições arriscadas. • Os casos que levaram Popper a formular sua visão de ciência: Marx, Freud (Popper não gostava deles) e Einstein (o modelo popperiano de boa ciência). 12 2. Os problemas da indução e a crítica de Popper • Para Popper, o conhecimento avança através da elaboração de teorias (conjuntos de leis), que devem ser submetidas aos seguintes testes: A. Verificar a consistência lógica (interna) da teoria proposta. B. Verificar se pode ser falseada (i.e., é possível imaginar uma situação na qual ela não funcione), ou se é tautológica (sempre funciona). C. Compará-la com as teorias existentes que explicam o mesmo fenômeno, para verse ela explica todas as coisas anteriormente explicadas e ainda algumas mais. D. Testá-la, aplicando-a algum fenômeno concreto que decorre dela. Se o resultado é favorável, se diz que a teoria foi corroborada. •. Se algum dos passos não se verifica, a teoria passa a ser vista como refutada 13 2. Os problemas da indução e a crítica de Popper • A perspectiva de Popper quanto à filosofia da ciência pode ser condensada assim: A. As teorias científicas não são inferidas indutivamente a partir da experiência, e o conhecimento obtido nunca pode ser completamente garantido; todo conhecimento é provisório. B. As teorias nunca podem ser definitivamente verificadas, mas podem ser definitivamente refutadas (falseadas). C. O cientista deve escolher entre teorias conflitantes, eliminando as falseadas e encontrando critérios racionais para escolher entre as não-falseadas. 14 2. Os problemas da indução e a crítica de Popper • Para as ciências sociais, Popper entende que sua visão geral de filosofia da ciência (o falseacionismo) não é suficiente. • As explicações nas ciências sociais devem levar em conta as intenções dos agentes. • Esta mudança de visão em grande parte foi decorrência do trabalho de Popper por longos anos na LSE, rodeado por filósofos e cientistas sociais, especialmente economistas. • Nesse sentido, ele propõe outra metodologia, que ele denominou “análise situacional”. 15 2. Os problemas da indução e a crítica de Popper • Segundo essa visão, a análise típica das ciências sociais é algo assim: a) Descrição da situação: o agente A encontra-se na situação C, b) Análise da situação: na situação do tipo C, o apropriado é fazer G. c) Princípio da racionalidade: os agentes sempre respondem adequadamente dada a situação na qual se encontram. d) Explanandum: logo A fez G • Crítica: o princípio da racionalidade, que ocupa o lugar da lei, não pode ser testado, ao contrário de qualquer lei; logo, essa é uma afirmação metafísica (para Popper, não teria cabida numa explicação científica). 16 Slide 1 Slide 2 Slide 3 Slide 4 Slide 5 Slide 6 Slide 7 Slide 8 Slide 9 Slide 10 Slide 11 Slide 12 Slide 13 Slide 14 Slide 15 Slide 16
Compartilhar