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1 1 O BRASIL E AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS: IMPLEMENTAÇÃO DE ACORDOS INTERNACIONAIS1 Cynthia D. Siqueira2 Isabel Siqueira3 RESUMO: O presente artigo trata a importância da cooperação via configuração de um regime internacional no âmbito das negociações internacionais como recurso coletivo dos atores estatais na busca de soluções mitigatórias e adaptativas para uma problemática ambiental transfronteiriça: a questão da alteração climática global na contemporaneidade. O foco se encontra na análise das fases do regime, tendo o processo de implementação do regime no Brasil, em especial sua recepção jurídica nas fases de ratificação e rule-making, o objeto do estudo de caso. PALAVRAS-CHAVE: Instituições Internacionais. Mudanças Climáticas. Implementação. BRASIL Y EL CAMBIO CLIMÁTICO: LA APLICACIÓN DE LOS ACUERDOS INTERNACIONALES RESUMEN: En este artículo se discute la importancia de la cooperación mediante el establecimiento de un régimen internacional en el marco de las negociaciones internacionales como un medio colectivo de actores estatales en la búsqueda de soluciones para la mitigación y la adaptación de los problemas transfronterizosambientales: la cuestión del cambio climático global en la actualidad. El foco se encuentra en la fase de análisis del sistema y el proceso de aplicación del régimen en Brasil, especialmente en sus fases de recepción legal de la ratificación y la elaboración de normas, el objeto del estudio de caso. PALABRAS-CLAVES: Instituciones internacionales. Cambio Climático. Implementación. 1 Primeira versão deste artigo foi apresentada na annual meeting of the ISA-ABRI JOINT INTERNATIONAL MEETING, 2009, Rio de Janeiro. 2Pesquisadora da Universidade Técnica de Lisboa. Especialista em Estudos Diplomáticos, Mestre em Relações Internacionais e Doutoranda em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável. Contato: profissional82@gmail.com 3 Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contato: belassf@hotmail.com 2 2 Introdução As demandas por soluções além do marco territorial das fronteiras nacionais estão presentes diante da complexidade de questões concernentes à temática ambiental, particularmente em relação às mudanças climáticas. O impacto da ação humana sobre o meio ambiente tal como a escassez de recursos não renováveis, assim como a degradação do meio ambiente e conflitos oriundos de tais fatores são questões em pauta na agenda de ações governamentais que exigem soluções emergenciais e eficazes. Entretanto, longe de serem preocupações distantes da realidade, os problemas ambientais têm reflexo direto no cotidiano social, interferindo na qualidade de vida e agravando as deficiências sócio-econômicas já existentes. O período vivenciado pelo sistema internacional após a segunda guerra mundial é marcado por inúmeras mudanças. A estrutura bipolar e a tensão da guerra fria emergem em conjunto com o fortalecimento das instituições internacionais, fóruns multilaterais de cooperação e novos temas na agenda internacional. Por mais contraditórias que sejam as mudanças vivenciadas no período da guerra fria, elas trouxeram importantes bases para a configuração do contexto mundial desde o seu fim. Dentre as novas configurações observadas no sistema internacional desde o fim da segunda guerra mundial, identifica-se a inserção crescente do tema ambiental na agenda das relações internacionais, a partir da década de 1970, destacando-se a Conferência Internacional Sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo e promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU). Apesar da estrutura política internacional se refletir na conferência (o bloco soviético não compareceu em protesto, já que a Alemanha oriental não podia participar), o evento fortaleceu a ação institucional e multilateral de decisões entre os estados e serviu de precedente para um debate até então marginalizado pelos atores estatais: o meio ambiente. Desde Estocolmo, outras duas conferências foram convocadas pela ONU para discutir as questões ambientais de modo amplo: uma na cidade do Rio de Janeiro em 1992 e outra no ano de 2002, em Joanesburgo. Apesar do envolvimento cada vez maior dos atores internacionais, tanto estatais como não-estatais e do grande avanço cooperativo no âmbito ambiental, tais conferências não conseguiram promover cooperação plena dos Estados em todos os pontos levantados nesses fóruns multilaterais e nas discussões acumuladas nos anos anteriores em aspectos específicos. 3 3 Assim, no cenário internacional observa-se um crescente processo de institucionalização da ordem ecológica4, considerando-se a criação de regimes na coordenação de políticas de cooperação entre os atores envolvidos. Neste sentido, o Regime Internacional de Mudanças Climáticas busca ações coordenadas entre os atores estatais na redução das emissões dos gases do efeito estufa e na mitigação do impacto das mudanças climáticas. Entretanto, a intensa barganha que se desenvolve no processo de negociação multilateral dentro do regime não oferece resoluções e consensos a curto prazo, e o tratado de 1997, conhecido por Protocolo de Kyoto, reflete a diversidade de interesses envolvidos. O Protocolo de Kyoto ainda não encontrou consenso entre Estados em vários pontos, atrasando mais o alcance das metas estabelecidas e o andamento do acordo. O Brasil desde a Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO/92), ocorrida em 1992, vem se destacando com uma política externa ambiental fundada na perspectiva do desenvolvimento sustentável. Para tanto, sua participação se faz presente não só nas convenções internacionais, envolvendo atores de todo o globo, como também em acordo bilaterais e regionais, como se verifica dentro do âmbito do MERCOSUL5. A execução de tais acordos deve levar em consideração, dentre outros pontos, o processo constitucional previsto para ratificação e as demandas internas do país. A percepção da interação entre os níveis doméstico e internacional nas negociações institucionais faz-se relevante para compreender a influência entre os diversos grupos de interesse que atuam nos dois níveis. Para atender aos objetivos deste trabalho, chamamos a atenção para o processo de execução dos tratados no plano interno dos Estados, que lida diretamente com esta dinâmica. O foco deste trabalho direciona-se à perspectiva teórica jurídica que lida com a recepção da norma internacional no direito interno. Mas também busca trazer alguns elementos relativos à implementação abordados pelas relações internacionais (herdados da Ciência Política), na qual considera a influência dos atores domésticos. Por motivo de escopo do trabalho, este segundo item não será explorado com a profundidade que requer, mas sim será 4 Ver VILLA, Rafael D. Agenda ecológica global e os regimes internacionais de meio ambiente. In: SOUZA, Matilde de (Org.). A Agenda Social das Relações Internacionais. Belo Horizonte: Ed. PUCMinas. 2005. Coleção Estudos em Relações Internacionais, pp. 159-160. 5 Ver decreto n. 5.208 de 17 de setembro de 2004 que promulga o Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul. 4 4 apresentado como uma tentativa de aliar duas áreas que se interligam nos estudos sobre cooperação internacional: Direito e Relações Internacionais. Na tentativa de identificar o compromisso brasileiro na execução dos tratados6 ambientais, o presente trabalho analisa as principaismedidas realizadas pelo governo brasileiro em relação ao aquecimento global que estejam em consonância com os acordos ratificados pelo Brasil em relação às mudanças climáticas. Para tanto, parte da análise do Protocolo de Kyoto, o Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do MERCOSUL, assim como do Plano Nacional de Mudanças Climáticas. 1. Cooperação, Regimes Internacionais e Direito 1.1. Cooperação Internacional A cooperação é um tema central na relação entre os Estados e assume cada vez mais espaço na condução de questões transnacionais e nas dinâmicas do sistema internacional. É um recurso de interação útil na busca pela resolução pacífica de litígios latentes ou efetivos e abarca as mais diversas áreas que vão desde as questões de segurança consideradas high politics até aquelas concernentes a temática mais social como meio ambiente e direitos humanos, até então consideradas low politics7 , mas que assume importância crescente na agenda das relações internacionais. Keohane (1984) faz uma importante distinção entre cooperação e harmonia. A harmonia trata da situação na quais as políticas dos atores facilitam atingir o objetivo do outro. Aqui, a busca do interesse próprio não prejudica os interesses dos outros, portanto, quando a harmonia impera, não há necessidade de cooperar. Já a cooperação requer que ações dos atores sejam trazidas para algum entendimento por um processo de negociação que é normalmente visto como um processo de policy coordinations. A cooperação então irá acontecer quando os atores envolvidos ajustam seus 6 Quanto a denominação de tratados, tecnicamente não há diferenças entre as diferentes terminologias (protocolo, acordo, tratado, convenção), A prática é que mantém terminologias diferentes por causa dos costurmes. "Tratado significa um acordo internacional concluído entre Estados em forma escrita e regulado pelo Direito Internacional, consubstanciado em um único instrumento ou em dois ou mais instrumentos conexos qualquer que seja a sua designação específica (grifo nosso)". MELO, Celso Delmanto de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Vol. I, 13ª edição. Rio de Janeiro. Ed. Renovar; 2001, p. 200. 7 High politics são temas considerados de maior importância pelos atores internacionais dentro da agenda internacional em relação as low politics. As primeira geralmente se associam a questões relativas à segurança e interesses estratégicos, enquanto que os temas sociais costumam ser designados pela segunda opção. 5 5 comportamentos às preferências dos outros por meio desse processo de coordenação de políticas. Em consideração a tais definições, entende-se que na ausência de harmonia, existem dois caminhos: a discórdia e a cooperação. A discórdia se configura na situação em que um governo entende a política de outro(s) governo(s) como prejudicial à obtenção de seus objetivos. Nestas circunstâncias, governo de um país que percebe as ações e políticas dos outros enquanto obstáculo irá buscar fazer com que os interesses que representa prevaleçam e assim, atinja seus objetivos. Isto irá configurar numa situação de conflito onde freqüentes desacordos levam às tentativas de ajustes de políticas que pode agravá-lo quando encontram resistência. Por outro lado, na existência do conflito, a cooperação se configura como recurso na sua resolução, na tentativa de superá-lo via processos de negociação e barganha. Neste processo, a conquista e manutenção de acordos reforçam os mecanismos de cooperação. O termo utilizado por Keohane8, conflito, pode configurar, inicialmente, uma ideia de embate direto de interesses entre os agentes. Entretanto, cabe ressaltar que em determinadas circunstâncias o “conflito” não se dá diretamente entre os agentes que buscam cooperação, mas podem estar ligados a uma dinâmica mais geral. Neste caso, os agentes buscariam a cooperação como forma de prevenir problemas e aumentar seu potencial. Como exemplo, pode-se citar alguns acordos cooperativos na área econômica, onde o objetivo é promover o desenvolvimento da exportação de determinados produtos e o acesso a outros. Os atores buscam acordos que os favoreçam mutuamente, aumentando as chances de crescimento econômico entre ambas. Em nosso objeto de estudo, o aquecimento global decorrente das mudanças climáticas identificadas pelos cientistas tem um impacto mundial, envolvendo questões transfronteiriças e exigindo a coordenação de políticas comuns de mitigação dos efeitos nocivos da ação antrópica a partir da cooperação entre os atores estatais. Quando os agentes estatais resolvem cooperar, instituições internacionais são formadas para promover o ajuste e a coordenação de políticas, assim como para estimular um comportamento dos agentes comprometido com a efetivação das diretrizes negociadas. 8 Ver KEOHANE, R. After hegemony: cooperation and discord in the word economy. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1994. 6 6 1.2. Instituições, Organizações Internacionais e Regimes A abordagem institucionalista emerge como uma perspectiva mais significativa do papel das instituições na viabilização da cooperação do que a abordagem realista poderia proporcionar. As teorias institucionalistas consideram as instituições como estrutura de cooperação voluntária que busca a resolução de problemas de ação coletiva e a promoção de benefícios. A idéia de que as instituições configuram meios de promoção da cooperação, realização de certa margem de previsibilidade e regularidade sobre as ações dos indivíduos é trabalhada por diversos teóricos, através de diferentes caminhos e conclusões.9 As instituições quando adquirem uma estrutura permanente se caracterizam como organizações formais multilaterais para o alcance de determinados fins. As organizações internacionais são tidas como “uma associação de Estados estabelecida mediante um acordo internacional por três ou mais Estados, para a realização de objetivos comuns, dotada de uma estrutura institucional e com órgãos permanentes, próprios e independentes dos Estados-membros.” (BARBÉ, 1995, p. 154) Nesta perspectiva, Oliveira (2007) destaca características específicas delineadoras deste tipo de instituição que a diferenciam de outras entidades associativas. São elas: composição essencialmente interestatal, base jurídica convencional, estrutura orgânica permanente e a independente autonomia dos Estados-membros. Portanto, as organizações internacionais são uma forma institucionalizada, com status permanente e estrutura burocrática própria, tendo como objetivo a cooperação entre os atores estatais. A partir do exposto, faz-se importante distinguir tais instituições de estruturas formais e burocráticas próprias dos chamados regimes. Os regimes se configuram como instituições que buscam, via estabelecimento de princípios, normas e regras a cooperação internacional em áreas específicas, gerando a percepção de novas condutas comportamentais pelos atores na busca de soluções. 9 Ver PETER, Guy. El Nuevo Institucionalismo: teoria institucional en ciencia politica. Barcelona: Editorial Gedisa, 1999. Ver também E. OSTROM, Elinor. Governing the commons: the evolution of institutions for colletive action. Cambridge: Cambridge University Press, 1999; REIS, F. Wanderley. Política e racionalidade. Belo Horizonte: UFMG/PROED/RBEP, 1984 e OFFE, Claus. Political Institutions and social power: conceptual explorations. In SHAPIRO et all. Rethinking Political Intitutions: the art of the State. New York: New York University Press,2006. 7 7 O conceito tradicional de regime é apresentado em 1975 por Ruggie10, tendo regime como “um grupo de expectativas mútuas, regras e regulamentos, planos, energias organizacionais e compromissos financeiros que são aceitos por um grupo de Estados”. Krasner (1982) também apresenta sua definição como: “... um grupo de princípios implícitos ou explícitos, normas, regras e procedimentos de decisão em torno dos quais as expectativas dos atores convergem em uma determinada área de relações internacionais. Os princípios são crenças de fatos e causação. As normas são padrões de comportamento definidos em termos de direitos e obrigações. As regras são prescrições ou proscrições para as ações e os procedimentos de decisões, as práticas para fazer e implementar as escolhas coletivas.” (p. 2) A observação superficial dos conceitos acima pode induzir uma perigosa percepção de regimes enquanto estruturas estáticas, quase imutáveis. Entretanto, neste trabalho opta-se por adotar a perspectiva de Zartman (2003), na qual um regime vai além das regras, normas, princípios e padrões de conduta associada à ideia de rigidez e estabilidade. Pelo contrário, entende-se aqui regimes como um processo político de barganha continuado, envolvendo negociações posteriores às iniciais, na medida em que se faça necessário para a governança do regime e de seus reajustes. O Regime Internacional sobre Mudanças Climáticas configura a instituição internacional em análise na busca da ação cooperativa da comunidade internacional na resolução de problemas decorrentes do fenômeno do aquecimento global. Spector (2003) parte da dinâmica do regime para descrever importantes etapas que envolvem as negociações dentro de sua estrutura. Identifica duas etapas dentro do regime: as negociações iniciais que ele denomina como pre-agreement e as negociações subseqüentes, denominadas de post-agreement. Nas negociações iniciais a preocupação é na identificação de acordos necessários e atores interessados. Concentra-se mais no estabelecimento de princípios e normas mais gerais que dê base para a formação do regime. Já no post-agreement o foco é na implementação do estabelecido no acordo inicial, sua viabilidade, assim como no trato com atores subnacionais e não- governamentais. Entende-se essa fase como um processo dinâmico de promoção de diálogo diante de questões não resolvidas no acordo inicial. De Spector considera com mais precisão as fases de interação durante as negociações de um regime entre o nível doméstico e o nível internacional. Importante ressaltar que as fases não acontecem de forma hierárquica, mas podem acontecer concomitante e concorrentemente. São elas: 10 Ver KEOHANE, R. Op. cit. 8 8 PLANO INTERNACIONAL PLANO DOMÉSTICO Formação de Regime: esta fase compreende as negociações para a fixação de normas e processo de governança em uma determinada área objeto de cooperação. Ratificação: aceitação formal dos atores domésticos de cada Estado (quando previsto na constituição do país). Momento de debate formal e informal com atores governamentais e não governamentais Governança do Regime: fase ligada a operacionalização e governança do regime. Rule-Making: fase de adequar a legislação interna às mudanças necessárias para implementação nacional do regime. Criação ou adaptação de leis domésticas. Envolvimento de debate formal e informal. Atores legislativos e dos grupos interessados. Ajustamento do Regime: alargamento ou contração do regime. Fase em que se ajusta o regime às novas demandas, informações, questões problemas, entre outros itens que flexibilizem o regime para as mudanças necessárias. Enforcement, Monitoring and Reporting Negotiations: mecanismos e negociações relacionados à implementação dos novos regulamentos e legislações. Mecanismos de monitoramento, coerção e de distribuição e produção de informação são usuais nesta fase. Quadro 1: Fases do Regime Internacional Fonte: Adaptado de Spector (2003). Esta percepção dinâmica dos regimes leva em consideração a interação, também dinâmica, dos níveis doméstico e internacional, no qual os interesses dos grupos envolvidos, sejam grupos domésticos privados/públicos ou grupos internacionais/transnacionais estatais/não estatais, influenciam-se mutuamente conforme as possibilidades das fases descritas11. Na década de 1990, discutiu-se a necessidade de se proceder a uma integração mais cautelosa do pensamento referente à política interna e à tomada de decisões no âmbito da política externa12. Young (1994), ao propor seu modelo alternativo de análise baseado na barganha institucional (a partir do mainstream utilitarista), destaca que os Estados enquanto entidades coletivas envolvem vários grupos cujos interesses frequentemente diferem em relação a algum assunto. Isto gera uma extensa barganha intra-parte, assim como a barganha inter-partes. Ao se pensar sob essa perspectiva, pode-se perceber então que há uma consideração teórica do Estado não como um ser unitário, mas sim como o resultado da interação de complexos interesses e grupos domésticos que o compõe. É com Moravicski (1997) que esta perspectiva fica mais clara, ao destacar que o liberalismo entende que o comportamento dos atores no sistema 11 Para base mais aprofundada, ver PUTNAM, Robert D. Diplomacy and domestic politics: the logic of two-level games. International Organization, Summer 1988, v.42 n3, MIT Press. 12 Ver DOUGHERTY, James E. e PFALTZGRAFF Jr, Robert L. Relações Internacionais: as teorias em confronto. Lisboa, Gradiva; 2003.Página 763. 9 9 internacional é reflexo da barganhas, interações e formação de preferências na esfera doméstica. As preferências formadas no âmbito estatal são guias do comportamento dos Estados no sistema internacional. Os Estados nada mais são do que instituições dentro de certo território que reflete o processo de barganha institucional. Neste sentido, Putnam (1998), descreve a tomada de decisão em política externa. Através da análise fundamentada nos jogos de dois níveis, discute a interação da diplomacia com a política doméstica, assim como a interação dos atores nos níveis internacional e nacional. Destaca a importância de se considerar os diversos grupos de pressão no âmbito interno, ou seja, grupos domésticos que procuram alcançar seus interesses pressionando o governo a adotar políticas favoráveis no âmbito internacional. O caminho diplomático a ser realizado deve ser adaptado àquilo que os outros Estados acharão aceitável, mas também àquilo que os vários grupos domésticos podem ser persuadidos a aceitar. 1.3. Execução de tratados e o direito internacional A compreensão da cooperação a partir da formação e negociação nos regimes internacionais se associa com as contribuições do direito internacional em relação a importância dos tratados e na compreensão jurídica específica de cada estado signatário do regime na fase de ratificação. Cada estado tem suas normas internas relativas à incorporação de tratados internacionais na legislação doméstica. Além de identificar quais são estas normas no caso brasileiro, faz-se necessário apresentar duas concepções teóricas que informarão o tipo de procedimento adotado. Quanto à incorporação dos tratados internacionais ao direito interno prevalecem as teorias dualista e monista, que discutem a existência ou não de duas ordens, uma internacional e outra interna. Para a corrente dualista, há uma inegável separação entre estas ordens. Afirma também que é o aspecto internacionalque regula as relações entre os Estados, enquanto que a convivência civil entre os indivíduos de um determinado Estado é intermediada pela ordem interna. A teoria Dualista, que preceitua a existência de duas ordens jurídicas distintas, deixa claro que não existe conflito entre elas, tendo em vista que não há qualquer tipo de relação entre ambas, fazendo com que estes dois âmbitos jurídicos corram paralelamente. 10 10 Já para a teoria monista, as ordens internacional e interna seriam uma só, fariam parte de um sistema único que compõe o ordenamento jurídico. Tal teoria se dá em função do argumento de que, no caso do estado obrigar-se na ordem internacional, ele estaria utilizando-se de sua soberania, soberania esta reconhecida pela própria ordem internacional. É importante ressaltar que a Constituição Federal Brasileira de 1988 não faz menção expressa a qualquer uma das correntes, mas predomina a idéia de que o Brasil adota a corrente dualista, ou seja, para que um tratado ratificado produza efeitos no ordenamento jurídico interno é necessário que o Presidente da República emita um Decreto Legislativo, com a finalidade de conferir validade jurídica e cumprimento ao tratado. Tal fato revela que, no caso brasileiro, a norma derivada de um tratado internacional não é aplicada diretamente, devendo ser transformada em norma do ordenamento jurídico interno. 2. Abordagem histórica: meio ambiente na agenda internacional O homem tem direito fundamental à liberdade, à igualdade e a condições de vida adequadas em ambiente cuja qualidade lhe permita viver com dignidade e bem-estar, e cabe-lhe a solene responsabilidade de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações atuais e futuras. A esse respeito condenam-se e devem ser eliminadas as políticas que promovem ou fazem durar o apartheid, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão ou dominação estrangeira. (Declaração de Estocolmo. Princípio I. 1972) 2.1 – Considerações iniciais Até poucas décadas atrás, pensar que a ação do homem pudesse causar danos irreversíveis ao meio ambiente, a ponto de colocar em risco a vida da própria espécie humana, não era uma hipótese considerada fora do círculo acadêmico. Parecia algo distante da realidade, mais próximo de um roteiro de ficção. O assunto, até então limitado ao meio científico, ganhou gradualmente espaço na pauta governamental, bem como conquistou especial atenção de organizações internacionais, imprensa e setores da sociedade civil. Apesar de presente desde o início do século XX nas preocupações entre governos, a temática ambiental tinha um papel pontual, ligado em grande parte as questões 11 11 econômicas13. Será principalmente a partir da Conferência Internacional sobre Meio Ambiente Humano, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1972, na cidade de Estocolmo, que o meio ambiente começa a ganhar espaço de peso na agenda internacional. A partir de então, ganha cada vez mais importância e atenção dos diversos atores internacionais, mas não sem evidenciar conflitos entre os atores estatais. 2.2. Meio ambiente e sua ascensão na agenda internacional Aspectos ambientais não são objetos recentes de tratados entre estados. Antes da Guerra Fria, quando não se faziam tão presentes os impactos da revolução industrial, as preocupações estavam voltadas aos aspectos comerciais e da livre navegação em áreas comuns entre os Estados (SOARES, 2003). Posteriormente, apesar de danos transfronteiriços já se mostrarem presentes, uma percepção de caráter mais sistêmico em relação às questões ambientais e os efeitos da ação humana sobre o meio ambiente pouco se desenvolveu entre os estados, envolvidos na tensão da Guerra Fria. O meio ambiente entendido enquanto valor autônomo no direito internacional e integrado a uma visão sistêmica14 como percebido na atualidade é um fenômeno relativamente recente, se destacando a partir da década de 1970. Antes desse período, a concepção que permeava as discussões governamentais na área estava atrelada a uma lógica reducionista, em que o meio ambiente era entendido como natureza stricto sensu, sem se considerar o impacto da ação do homem sobre o seu meio15. A preocupação em torno da questão ambiental nas primeiras décadas do século passado, atrelava-se a preocupações de ordem econômica e pontual. Exemplo disso são as leis relativas à regulamentação da pesca. A respeito de tais leis, Soares (2003) argumenta: O caráter utilitário das raras convenções (...) nada mais eram do que arranjos administrativos de natureza comercial, com vista na preservação dos cardumes de peixes, pela via de uma regulamentação uniformizada entre as legislações nacionais (e menos com a instituição de entidades internacionais de controle e aplicação das normas acordadas entre os Estados). (P. 39) 13 Ver SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional do meio ambiente : emergência, obrigações e responsabilidades. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 39-41. 14 A teoria sistêmica surge na biologia e se expande para outras áreas do conhecimento, em contraposição à teoria reducionista. Nela o organismo é visto como um sistema integrado dotado de organização e interdependência. Os elementos que compõe o todo não atuam isoladamente, mas em uma constante interação entre si. Na esfera ambiental, essa teoria proporciona um salto qualitativo na visão de meio ambiente, onde o seu conceito passa a defini-lo não como um conjunto de elementos naturais sem conexão, mas sim um sistema integrado de interação da flora e fauna, onde o homem se interrelaciona, afetando o meio ambiente e sendo afetado. 15 SOARES, Op. Cit; p. 39. 12 12 A revolução industrial, ocorrida há mais de dois séculos, proporcionou inúmeros avanços tecnológicos e uma significativa mudança nas estruturas sociais, bem como na relação do indivíduo com o meio. Entretanto, a busca incessante pela obtenção do lucro, tornou-se foco de um processo de industrialização desenfreada, à margem de qualquer planejamento de seu avanço sobre o meio sócio-ambiental, observado pelo crescimento urbano descontrolado e pelos problemas relativos aos impactos ambientais. As conseqüências do processo de industrialização iniciado na Inglaterra e expandido principalmente aos países do hemisfério norte, começaram a ganhar proporções negativas de grande porte e difíceis de camuflar. A geração de uma série de efeitos prejudiciais ao meio ambiente, inicialmente em âmbito local, depois evoluindo para a esfera regional, nacional e global, assim como inúmeros acidentes ecológicos que provocaram elevados danos ambientais transfronteiriços, chamou a atenção não só de cientistas, mas de toda a comunidade internacional para o assunto, além de servir de alvo para a crescente opinião pública. O período conturbado do entre guerras, bem como da Guerra Fria, direcionava as atenções estatais para as tensões políticas e econômicas instauradas nas relações internacionais e influenciava nas dinâmicas cooperativas entre blocos oposicionistas. Até mesmo a tentativa de fortalecimento de fóruns multilaterais de cooperação era atingida pela estrutura bipolar do sistema internacional. Reflexo disso se deu no âmbito das Nações Unidas através do sistema de veto no Conselho de Segurança que, neste período, acabava por se configurar como empecilho na agilidade das decisões, já que tanto Estados Unidos como a então União Soviética utilizavam o poder de veto para barrar propostas feitas um pelo outro. Entretanto, a partir de 1960, outros enfoques ganharam espaço à mercêda situação bipolar protagonizada pelos Estados Unidos e pela União Soviética. As sociedades capitalistas com avançado estágio de desenvolvimento industrial e econômico, como os EUA e países da Europa Ocidental, viram emergir uma opinião pública mais crítica, questionadora e exigente, que se preocupava não somente com a promoção das políticas sociais básicas (já que as necessidades essenciais como saúde, educação e infra-estrutura estavam supridas), mas se focavam em questões consideradas marginais nas Hight Politics do polarizado sistema internacional. Aliado a isto, acrescenta-se o fato de que o impacto da ação antrópica motivada pela produção industrial, pelo crescimento demográfico e urbano torna-se cada vez mais visível. Neste 13 13 contexto, surge de forma crescente o debate em torno da temática ambiental, mas sob uma nova perspectiva. Surge sob a ótica da interação do homem com o seu meio, a responsabilidade sobre os impactos de suas ações e sobre a necessidade de preservação para as gerações futuras. A interdependência de todo sistema mundial através das questões relacionadas ao meio ambiente, ficava cada vez mais evidente e exigia a tomada de decisões e ações comuns para garantir a qualidade de vida. 2.3- As principais conferências ambientais16 2.3.1- Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente Humano O debate da temática ambiental ganha importante atenção institucional na agenda internacional com Conferência Internacional sobre Meio Ambiente Humano, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em Estocolmo, no ano de 1972 e seus resultados principais, quais sejam: • Dia Mundial do Meio Ambiente: 05 de junho; • Incorporação definitiva do meio ambiente nas agendas multilaterais; • Ampliação da noção de meio ambiente: abandono da visão reducionista em prol da sistêmica; • Nova atividade: princípio da cooperação internacional no âmbito ambiental; • PNUMA: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP em inglês): com 58 países com um Fundo Internacional do Meio Ambiente (FMA ou GEF). Os países ricos destinam parte do seu PIB que será gerenciado pelo PNUMA; • Estímulo à criação de órgãos ambientais nacionais em dezenas de países; • Plano de ação: os dois principais tópicos são: 109 recomendações ambientais aos países e o plano vigia que incorpora monitoramento por satélite da situação global ambiental; • A Declaração de Estocolmo: texto com 26 princípios. É o primeiro documento internacional tratando do meio ambiente. 16 Ver LAGO, André Aranha C. do. Estocolmo, Rio e Joanesburgo: o Brasil e as três conferências ambientais das Nações Unidas. Brasília: IRBr/FUNAG, 2006. 14 14 O mundo pós-Estocolmo fortaleceu o debate ambiental através da realização de inúmeros tratados e conferências em diversas áreas ambientais específicas, com a declaração em 1978 dos 15 princípios norteadores (Draft Principles), da Carta da Natureza em 1982 (mais ambiental do que política) e principalmente com o Relatório Brundltland (1987) que se desenvolveu em torno de três objetivos: 1. exame crítico da situação mundial; 2. propor novas formas de cooperação internacional; 3. compatibilizar desenvolvimento econômico e meio ambiente (pivô da crise entre o eixo norte-sul, como se verá adiante). O resultado foi a criação do amplo conceito de “desenvolvimento sustentável”. No relatório da COMISSÃO MUNDIAL SOBRE O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (1988), desenvolvimento sustentável é entendido como aquele que “satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações satisfazerem suas próprias necessidades”. 2.3.2 - Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento A questão ambiental ganhou maior intensidade e sistematização no debate a partir do fim da guerra fria, constituindo grande marco a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO 92), realizada em 1992 na cidade do Rio de Janeiro. Apesar das grandes crises econômicas que invadiram a década de 1970 com do choque do petróleo (1973 – 1979) e o aumento da dívida externa dos países em desenvolvimento, seu salto qualitativo foi trazer a solução apresentada pelo Relatório Brundtland, depois de anos de debate, sobre a então incompatibilidade entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental. A saída é dada pela adoção do desenvolvimento sustentável, onde o crescimento econômico é realizado de modo a causar o menor impacto possível no meio ambiente, promovendo o desenvolvimento sócio-ambiental. A ECO-92 é considerada a maior conferência sobre o assunto, com 178 países representados (sendo que no período a ONU tinha 180 países membros). Após esta conferência, diversas medidas foram tomadas com o objetivo de concretizar essa nova percepção na gestão ambiental mundial, que deveria envolver todos os atores sociais e atuantes interna e externamente ao Estado na garantia da qualidade de vida. Destacam-se: 15 15 • A adoção de documentos soft law, tal como a Declaração do Rio (com 27 princípios com foco no desenvolvimento sustentável), Declaração sobre Florestas e a Agenda 21. • A Agenda 21 é um texto global não obrigatório que estabelece metas de ação para a promoção do desenvolvimento sustentável, onde cada país se compromete a desenvolver sua própria Agenda 21 em cima dos 4 pontos seguintes: 1. definição do problema; 2. possíveis soluções; 3. atores envolvidos; 4. meios de implementar as soluções apresentadas. • A partir do impacto das pesquisas científicas divulgadas através do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC/ONU), o aumento do debate promovido pelos atores internacionais, especialmente a mídia, Ong’s e Organizações Internacionais, atuou como forma de pressão para ações mais efetivas e comprometidas por parte dos Estados, responsáveis pela implantação nas políticas públicas internas deste novo modelo de gestão. • A Convenção-quadro que foi ratificada no ano de 1997 em Kyoto (Protocolo de Kyoto) que traz compromissos mais concretos na ação estatal. Apesar da adesão da imensa maioria dos Estados, países com alto índice de poluição como os Estados Unidos, não ratificaram o documento, iniciando novas rodadas de negociação. 2.3.3 – Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável) Ao sucesso conferido a ECO-92 seria delineada uma perspectiva positiva no processo de cooperação entre os Estados (e atores não-estatais) nos assuntos ambientais. Entretanto, questão como a globalização é vista por estudiosos como um entrave a essa dinâmica. Nesta linha, LAGO (2006) observa que: A perspectiva de que o desenvolvimento sustentável seria a base de um novo paradigma de cooperação internacional, no entanto, revelou-se ilusória, uma vez que o processo de globalização se sobrepôs. O desenvolvimento sustentável não é necessariamente incompatível com a globalização: para muitos, ao contrário, a preocupação com o meio ambiente é uma das 16 16 conseqüências da globalização. Entretanto, vários aspectos apontam para as dificuldades que a globalização representa para a tentativa de se impor o desenvolvimento sustentável como novo paradigma, como a incompatibilidade entre o crescimento das empresas transnacionais e a mudança dos padrões de produção e consumo.” (pp.85-86) Portanto, apesar dos avanços jurídicos e técnicos que pudessem levar a um contexto de cooperação, convivia-secom grande dificuldade de implementação dos princípios levantados em 1992. Junto a isso, o fato de a década de 1990 ter constituído um período de grande crescimento econômico, avanço tecnológico, expansão do modelo capitalista de desenvolvimento (exemplo chinês), sem contar a dissolução da estrutura bipolar com o fim da guerra fria; proporciona o avanço da globalização e com ela da disseminação dos padrões ocidentais de consumo e de vida (a exemplo do norte- americano), agravando ainda mais o progresso do desenvolvimento sustentável. Foi dentro deste contexto que se realizou a Cúpula de Joanesburgo, na tentativa de colocar em prática os princípios da ECO-92. De pouca expressão em relação às duas conferências analisadas anteriormente, a conferência de Joanesburgo, realizada em 2002, objetivava implementar o Protocolo de Kyoto. Sobre análise da eficácia do multilaterismo diante do contexto citado, LAGO observa “o sistema multilateral, que parecia haver-se fortalecido no Rio, tornara-se referência de insucesso pela falta de resultados.” (pg. 87). Realizada poucos meses após as Conferências de Doha e de Monterrey, a Cúpula de Joanesburgo demonstrou estreita relação com as agendas do comércio, financiamento e meio ambiente.Recebendo mais críticas do que aplausos, seu mérito foi a afirmação de pontos cruciais para o desenvolvimento, principalmente para os países em desenvolvimento. Dentre eles podemos citar: erradicação da pobreza (com a decisão política de criação do fundo mundial de solidariedade para erradicação da pobreza), políticas de saneamento, água, saúde, produtos perigosos, pesca e biodiversidade. Importante destacar que desde a ECO-92 importantes negociações se desenvolveram, como se viu com o Protocolo de Kyoto e as reuniões das Conferências das Partes, assim como o tema ganhou grande espaço na mídia internacional, principalmente com a divulgação dos relatórios do IPCC, Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima, que realiza estudos ambientais feitos por cientistas de todo o mundo sobre os impactos da ação humana no meio ambiente. As principais causas de aceleração das mudanças climáticas se desenvolvem a partir de três aspectos: o crescimento demográfico mundial, a expansão urbana e o 17 17 paradigma tecnológico-desenvolvimentista. (VILLA, 2005). O IPCC, na investigação do impacto da ação humana sobre o meio, utiliza-se de recursos científicos a fim de fornecer uma base teórica para entendê-lo. O relatório do IPCC coloca a necessidade de diminuição entre 50% a 85% das emissões de dióxido de carbono (CO2) até a metade deste século para que seja possível preservação do planeta. Apesar de conter afirmativas alarmantes, os dados científicos sustentam tais argumentos e já é possível sentir no dia-a-dia os efeitos do aquecimento global desde as mudanças bruscas de temperatura, até a ocorrência além do normal de vários desastres naturais. Em 2007, o IPCC publica o seu mais impactante relatório, divulgado em diversas partes e concluído em novembro, provocando discussões calorosas em todas as esferas de decisão. O documento representa um grande avanço, pois atua como pressão para que medidas governamentais eficazes sejam tomadas desde já, além de responsabilizar também o indivíduo sobre os acontecimentos ambientais, o que estimula um senso de responsabilidade social e ambiental, além da ação conjunta entre governo e sociedade. Neste sentido, a Carta de Brasília, fruto do Seminário Internacional "Agenda 21 Local e Desenvolvimento Sustentável nas Cidades do Mercosul"17 também constitui importante documento de orientação dentro do Brasil, reafirmando as diretrizes de ação nacional em prol do desenvolvimento sustentável e da responsabilidade ambiental. Alerta sobre a crise ambiental que vivenciamos e mostra a amplitude de sua dimensão, que vai além dos pontos estritamente ecológicos. Embora a questão ambiental seja hoje amplamente debatida e divulgada na comunidade internacional, assistimos, nos últimos anos, a um agravamento da crise ambiental planetária, com o modelo dominante de produção e consumo induzindo um estilo de vida insustentável e excludente, que ameaça a continuidade da vida no nosso planeta. (...) A crise ambiental não é uma crise somente ecológica é, também, social, política e cultural, cujo enfrentamento requer uma ação global em prol de um novo modelo civilizatório. 2.4. O Regime Internacional sobre Mudanças do Clima Após a Convenção de Viena e o seu Protocolo de Montreal18, onde foi estabelecido pelos Estados um importante mecanismo de cooperação na redução do 17 Realizado na cidade de Brasília nos dias 11 e 12 de dezembro de 2006 e organizado pelo Ministério do Meio Ambiente. 18 Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destróem a Camada de Ozônio, adotado em Montreal em 16 de setembro de 1987. 18 18 buraco na camada de ozônio, outro tema ambiental demandou a cooperação dos Estados, levando à criação de um regime: o problema da mudança climática no planeta. A partir do alerta do IPCC criou-se a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, aberta à assinatura dos Estados durante a ECO 92. Entrou em vigor em 1994 e no ano de 1997 adotou-se o Protocolo de Kyoto que estabelece metas específicas à redução dos gases de efeito estufa que contribuem para o aquecimento global. Em seu Anexo I, estabelece metas obrigatórias para os países desenvolvidos, baseadas no princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada sem vinculação de metas obrigatórias para os países em desenvolvimento. Entrou em vigor em 2005 e tem nas sessões da Conferência das Partes sua instância de negociação e ajustamento de implementação. Sobre a convenção quadro, Soares (2002) esclarece: Neste modelo, o que os estados fazem é estabelecer um tratado que é um quadro – na verdade quadro é uma expressão muito mal traduzida de cadre, em francês, framework, em inglês ou marco em espanhol, que deveria ter sido traduzida por moldura. O estado estabelece uma moldura normativa de direitos e deveres e deixa à conferência das partes, e a outras instâncias, o dever e o poder de pintar aquele quadro, ou seja, preencher aquele quadro sem sair da moldura. (Pág. 177) Atualmente o Regime Internacional de Mudanças Climáticas – RIMC, vive uma fase de ajustamento. O Protocolo de Kyoto estabelece metas iniciais a serem cumpridas pelos Estados membros até 2012. Estava previsto um protocolo substitutivo ao fim deste prazo. Para tanto, desde 2007 iniciou-se um processo de discussão no âmbito do RIMC que tem por objetivo identificar os impasses de implementação doméstica e de cumprimento das metas iniciais de modo a configurar uma nova fase da cooperação através da elaboração de um protocolo substitutivo. Entretanto, até então, as Conferências das Partes e as negociações ocorridas ao longo do ano têm se mostrado insuficiente para a deliberação do tão esperado acordo para 2012. A expectiva estava na COP 15, ocorrida em dezembro de 2009 na Dinamarca. Entretanto, após um exaustivo ciclo de debates e negociações o êxito alcançado se limitou a um declaração de intenções, sem compromissos obrigatórios assumidos e um forte clima de frustração entre os atores estatais e entre os atores não estatais que acompanham as negociações. A COP seguinte também não se configurou como o marco final das discussões, estando ainda em aberta as expectativas por um acordo qualitativo, mesmo que em cima do prazo, que possibilite metas mais ambiciosas, a ratificação pelos EUA e a solução para a questão dos países emergentes. 19 19 2.4.1.O Brasil e as negociações dentro do regime A atuação brasileira dentro das negociações do Protocolo de Kyoto merece destaque. Fruto da Convenção Quadro sobre Mudanças do Clima, o Protocolo foi adotado 1997, mas só entrou em vigor em 2005. Ele prevê metas específicas para a redução dos gases do efeito estufa para os países constantes do Anexo I ao protocolo. O Brasil participou ativamente desde a formulação da Convenção do Clima, na ECO 92 lançando alguns pressupostos que marcariam o Protocolo. Desde a ECO 92, o Brasil trouxe a defesa do princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada que atribui aos países desenvolvidos maior atuação para fazer frente ao problema da elevação da temperatura média da Terra. Tal princípio resultou na figura do controvertido Anexo I no Protocolo de Kyoto, onde lista os países que ficaram com a obrigação de reduzir as suas emissões de gases do efeito estufa, com a estipulação de metas de redução constante no protocolo. O Brasil é um árduo defensor de tal princípio, por entender em sua política externa que os países desenvolvidos são os grandes responsáveis pelo atual estágio de degradação ambiental, já que eles iniciaram e desenvolveram-se com base no processo industrial de crescimento econômico, altamente nocivo para o meio ambiente por, entre outros fatores, explorar exaustivamente os recursos naturais e utilizar tecnologia poluente. O argumento se materializa na idéia de que os países em desenvolvimento, por terem começado tardiamente seu processo de industrialização, não podem ser responsabilizados de igual maneira pela degradação ambiental. Além do mais, a imposição de metas aos países desenvolvidos, além de ser considerado um acerto histórico, é também viável, já que os mesmos possuem recursos e tecnologia limpa para alcançar a proposta do desenvolvimento sustentável. Sobre o assunto, Vargas (2004) esclarece: As assimetrias que marcam o sistema internacional requerem que os esforços que buscam lidar com as mudanças ambientais, em particular aquelas de caráter global, levem em consideração as distintas responsabilidades históricas, especialmente das sociedades mais avançadas, pela deterioração do meio ambiente global, bem como as diferentes capacidades das nações de responderem aos desafios colocados por aquelas mudanças. (VARGAS, pág. 120) A posição brasileira dentro das negociações no Regime Internacional sobre Mudanças Climáticas engloba a transferência de recursos e tecnologia limpa dos países desenvolvidos para os em desenvolvimento, assim como defende os Mecanismos de 20 20 Desenvolvimento Limpo (MDL), no qual foi inicialmente proposto como criação de um fundo de recursos para que os países em desenvolvimento pudessem investir em práticas de desenvolvimento sustentável. 2.4.1.1. Vantagens e desvantagens brasileiras nas negociações Com uma rica biodiversidade e importantes reservas de recursos naturais, o país se destaca por sua matriz energética relativamente limpa, com emissão de gás carbônico (per capita) reduzida. Entretanto, grande quantidade de gás carbônico emitido pelo desmatamento das florestas tropicais brasileiras, a exploração indiscriminada dos recursos naturais, assim como a falta de políticas públicas ambientais eficazes mostram o longo caminho a ser percorrido. Um importante aspecto ressaltado pela posição brasileira é a de que o princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada também se justifica pelas diferentes fontes poluentes utilizadas. Aponta que o uso de combustíveis fósseis, utilizados em grande escala nos países industrializados, emite maior quantidade de gases do efeito estufa. Dentro deste argumento é possível apresentar as vantagens que o Brasil possui dentro das negociações, justamente por sua matriz energética. Gráfico 1. Oferta Interna de Energia – Brasil 2007 (%) * Fonte: Plano Nacional de Mudança do Clima a partir de dados do Balanço Energético Nacional – 2008. O país tem como principal vantagem sua matriz energética e os investimentos crescentes na produção da mesma. Ele conta hoje com uma das matrizes mais limpas do 21 21 planeta, com 46% de sua energia vinda de fontes renováveis, de natureza limpa e diversificada, números que revelam que a emissão global nacional é pequena em relação aos demais países do globo e, portanto não refletem a tendência mundial, que possui grande parte de sua energia produzida a partir de fontes não-renováveis, conforme salienta o Plano Nacional de Mudança do Clima (PNMC): O setor energético brasileiro, relativamente aos demais países, é extremamente limpo e, um dos maiores desafios é sustentar esta condição, considerando a crescente demanda de energia elétrica. Atualmente, a matriz energética conta com uma participação de 45,8% de renováveis enquanto a média mundial é de 12,9 %. Os investimentos brasileiros no desenvolvimento e produção das matrizes energéticas se dão através do estímulo à disseminação e ao uso de energia limpa e oferecem ao país uma grande vantagem comparativa como produtores de energia limpa19. Diferentemente do que ocorre nos países desenvolvidos, a maior parte das emissões de CO2 no Brasil é proveniente da mudança no uso da terra, os desmatamentos e as queimadas que respondem por cerca de 75% do dióxido de carbono produzido no Brasil. Desse total, 59% são provenientes da Amazônia. Gráfico 2. Emissões de CO2 por setor - 1994 * Fonte: Plano Nacional de Mudança do Clima. 19 Segundo o Plano Nacional de Mudança do Clima: Os biocombustíveis brasileiros como o etanol, e em menor escala o biodiesel, são fontes de riqueza inconteste para o País. Sua produção gera renda no campo e sua utilização desloca fontes fósseis que tanto impactam no clima, quanto na qualidade do ar que se respira. O fomento à crescente substituição de fontes fósseis no setor de transportes brasileiro poderá permitir um aumento médio anual do uso de etanol de 11% nos próximos anos. 22 22 Conforme verificado no gráfico acima, o Brasil tem encontrado problemas no enfrentamento do desmatamento e do mau uso da terra, principalmente no que concerne à conversão de florestas para uso agropecuário. É importante ressaltar que grande porcentagem do desmatamento ocorre na região amazônica, demandando do governo brasileiro políticas públicas intersetoriais que possam atuar na prevenção e mitigação deste problema. Gráfico 3. Evolução das Taxas de Desmatamento na Amazônia *Fonte: Plano Nacional de Mudança do Clima A diplomacia brasileira, no âmbito das negociações do Regime Internacional de Mudanças Climáticas, reconhece a necessidade de políticas mais efetivas no combate ao desmatamento, entretanto aponta a necessidade de transferência de recursos e tecnologia limpa aos países em desenvolvimento, assim como destaca o papel das matrizes energéticas renováveis: "Conscientes de que nossa principal fonte de emissões é o desmatamento, propusemos, no âmbito da Convenção Quadro, um sistema de incentivos positivos pelo qual os países desenvolvidos, que - pela letra da Convenção - têm a obrigação de fornecer ou facilitar recursos financeiros e tecnologia para combater a mudança do clima em países em desenvolvimento, possam complementar nossos esforços de reduzir as emissões por desmatamento. (...) Ainda assim, é bom que se diga que se, por hipótese, acabássemos com o desmatamento, no Brasil e no mundo inteiro, não solucionaremos os problemas apresentados pela mudança do clima. A única forma de fazê-lo efetivamente é mudar progressivamente a matriz energética mundial, introduzindo fontes renováveise limpas” (SERRA, 9). Entretanto, é importante destacar que o país adota medidas domésticas que visam fortalecer sua posição de interlocutor ativo no âmbito das negociações do RIMC. Neste sentido, o anúncio de metas de redução para o país entre 36% e 39% a serem alcançadas até 2020 veio fortalecer esse papel. Entretanto, o grande desafio de controle 23 23 dos desmatamentos ilegais em território nacional, especialmente na Amazônia, podem comprometer tal compromisso no âmbito das metas voluntárias. Por outro lado, ao tomar a iniciativa de estabelecer tais metas, o Brasil atenua a tensão dentro do RIMC no qual países industrializados pressionam os países não Anexo I, principalmente os países emergentes, a assumirem metas. Deste modo também, o país avança mais um passo em sua legitimação de interlocutor, estimulando a adoção de metas voluntárias por outros países fora do Anexo I. Porém, apesar da iniciativa, o estatus de metas voluntárias ainda não satisfazem as posições de países como os Estados Unidos no cumprimento das responsabilidades a encargo dos países com metas obrigatórias. 3. Incorporação de tratados internacionais no direito brasileiro e as fases de ratificação e rule-making do Regime Internacional de Mudanças Climáticas Acordos internacionais multilaterais, como é o caso do tratado proveniente da CQNUMC têm seu momento inicial na realização da própria convenção internacional, onde ele será publicado mundialmente. Os países interessados em participar comparecem e dão início, conforme já exposto, a fase da negociação, que se dá por votação e na qual serão decididos quais os temas que farão parte do conteúdo do tratado. Ao término da votação, os Estados que desejarem realiza a assinatura do mesmo. Essa assinatura atesta sua concordância com o texto e as resoluções do tratado que uma vez assinado, entretanto a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969) prevê a ratificação interna aos Estados para validar seu compromisso, através de um ato discricionário manifestando a vontade estatal de se submeter ao tratado sendo assim considerada a importância do âmbito doméstico na negociação internacional. Nesta fase, após a assinatura, o tratado será transformado em projeto de lei e submetido ao Congresso Nacional, que emite sua aprovação através de um decreto legislativo para que posteriormente o Presidente da República possa ratificá-lo. Fato que demonstra que o poder executivo depende, para comprometer externamente o Estado, de algo mais que sua própria vontade. Antes de tudo, um comprometimento estatal internacional envolve uma gama de interesses domésticos e de grupos de pressão internos que afetam o posicionamento durante as negociações, que por sua vez são afetados também pelos interesses internacionais presentes durante a barganha institucional. Após a promulgação e publicação pelo presidente, o tratado adquire vigência no ordenamento jurídico interno com hierarquia de lei federal ordinária. 24 24 Regra geral, as normas previstas nos tratados internacionais ingressam no direito nacional como atos normativos infraconstitucionais. Em nossa Constituição não há disposição que mencione exatamente seu lugar no ordenamento, ou seja, se estes tratados estariam abaixo das leis ou a elas se sobreporiam em caso de conflito, se as revogariam ou se seriam por elas revogadas. No caso da ratificação da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima o governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação da Convenção Quadro das Nações Unidas, em 28 de fevereiro de 1994, passando a mesma a vigorar, para o Brasil, em 29 de maio de 1994 a partir da aprovação do texto da Convenção pelo Decreto n.01, de 03 de fevereiro de 1994. O decreto n.2.652, de 1º de julho de 1998 promulgou a convenção no território brasileiro, que fora assinada pelos países em 9 de maio de 1992. O protocolo de Kyoto, que compõe a Convenção (vinculada ao regime jurídico internacional sobre mudança do clima), foi adotado em dezembro de 1997. O Decreto n.144, de 20 de junho de 2002 aprovou o texto e em 23 de agosto de 2002 o governo brasileiro ratificou o protocolo após as discussões iniciadas um ano antes no Congresso Nacional. O Decreto n. 5445, de 12 de maio de 2005 promulgou o documento após a sua entrada em vigor internacional a partir de 16 de fevereiro de 2005. Após a ratificação do protocolo, o governo brasileiro aprovou por via do Decreto Legislativo n. 333, de 24 de julho de 2003, o texto do Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul, celebrado em Assunção em 22 de junho de 2001. O governo brasileiro depositou seu instrumento de ratificação em 9 de outubro de 2003 e o referido acordo entrou em vigor internacional em 23 de junho de 2004. Por fim, o Decreto n. 5.208, de 17 de setembro de 1994. 3.1. Fase rule-making A ratificação dos tratados internacionais referentes à mudança climática por si só não demonstra o comprometimento brasileiro na implementação do regime. Apesar de serem essenciais a correlação de todas as fases descritas por Spector, no presente artigo direcionaremos maior atenção para o processo de produção de normas que contemple os princípios e compromissos assumidos pelo Brasil no regime. Em conseqüência da proposta brasileira que incorpora o princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada no âmbito das negociações do regime, os 25 25 países ausentes do Anexo I não possuem metas de redução. Apesar do Brasil não possuir obrigações quantificadas de redução, o país não está isento de responsabilidade frente à Convenção. Uma das principais obrigações brasileiras como país signatário da CQNUMC é a elaboração e atualização periódica do Inventário Nacional de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases do Efeito Estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal. O Brasil apresentou seu primeiro inventário em dezembro de 2004. O inventário é feito a partir das diretrizes do IPCC e das diretrizes designadas para a elaboração das comunicações nacionais das partes não incluídas no Anexo I da Convenção do Clima e inclui apenas as emissões e remoções de gases de efeito estufa causados pela ação humana (antrópica). Para tanto, as emissões foram estimadas a partir dos seguintes setores: energia, processos industriais, uso de solventes e outros produtos, agropecuária, mudança no uso da terra e florestas, e tratamento de resíduos. Assim como o país realiza seus inventários, algumas iniciativas estaduais são destacadas como a produção de inventários no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Outras obrigações remetem à cooperação científica, técnica e educação no âmbito da temática ambiental; comunicações nacionais com informações sobre programas nacionais e atividades empreendidas em conformidade com o artigo 10 do protocolo e de acordo com as decisões pertinentes da Conferência das Partes; assim como na elaboração e elaboração de programas nacionais que contenham medidas para mitigar os impactos sobre o meio e para facilitar uma adaptação adequada à mudança do clima. No âmbito do MERCOSUL, o Brasil também se direciona pelos princípios da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvido (1992) presentes no Acordo-Quadro de Meio Ambiente do MERCOSUL. Os compromissos assumidos pelos Estados Parte, dentre outros, reforçam a diretriz do desenvolvimento sustentável20, da pesquisa científica, da cooperação tecnológica e busca, dentro da realidade apresentada, uniformizar as legislações internas para a promoção do equilíbrio ambiental. 20 Art. 4º O presente Acordotem como objetivo o desenvolvimento sustentável e a proteção do meio ambiente mediante a articulação entre as dimensões econômica, social e ambiental, contribuindo para uma melhor qualidade do meio ambiente e de vida das populações. 26 26 Dentre as questões de redução obrigatória, o governo brasileiro promove medidas nacionais para o combate ao desmatamento21 e uso de combustíveis fósseis. Quanto às de caráter voluntário, o Estado Brasileiro investe, dentre outros, na promoção de Mecanismos e Desenvolvimento Limpo (MDL)22, no incentivo à eficiência energética, na gestão de resíduos, na produção limpa, nos sistemas agro-silvo-pastoris e plantio direto na agricultura. As responsabilidades ambientais assumidas no âmbito do Regime Internacional e do MERCOSUL ganham atenção crescente no contexto brasileiro com o lançamento, em primeiro de dezembro de 2008, do Plano Nacional das Mudanças do Clima, fruto do Programa Nacional de Mudanças do Clima, onde é apresentado um diagnóstico interno das fontes poluentes nacionais, assim como meios e metas internas para fazer frente a elas. O objetivo é “incentivar o desenvolvimento das ações do Brasil colaborativas ao esforço mundial de combate ao problema (ambiental) e criar as soluções internas para o enfrentamento de suas conseqüências”. (PNMC, p. 7). Nele são identificadas duas vertentes principais de atuação: aumentar a eficiência no uso dos recursos naturais do país e equacionar as mudanças no uso da terra com suas implicações nas emissões brasileiras de gases do efeito estufa. “Neste contexto, mesmo não tendo obrigações quantificadas de reduções de emissões no âmbito do CQNUMC, por não ter responsabilidade histórica significativa pelo acúmulo de gases do efeito estufa na atmosfera, o Brasil vem buscando encontrar um caminho onde o esforço de mitigação da mudança do clima seja efetivo e a garantia do bem-estar de seus cidadãos a principal variável”. (PNMC, p. 8) É importante destacar que os compromissos assumidos pelo Brasil e os demais países em desenvolvimento estão condicionados ao financiamento e transferência de tecnologias por parte dos países desenvolvidos (CQNUMC, p. 4.7). O direito interno brasileiro é receptivo às diretrizes no âmbito do Protocolo de Kyoto e do Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do MERCOSUL23, seja pela própria Constituição Federal de 1988 que logrou importante papel à proteção ambiental, como pela Lei n. 6938, de 31 de agosto de 1981 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. São inúmeras as iniciativas legislativas ocorridas desde a entrada do país na 21 Exemplo disto é o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM) que resultou na diminuição de 59% da taxa anual de desmatamento neste bioma entre os anos de 2004 e 2007. 22 Os MDLs possuem grande destaque nas diretrizes brasileiras de implementação, explorando o potencial energético país, assim como territorial e a disponibilidade de recursos naturais presentes no Brasil. 23 Na condição de tratado internacional, tanto a CQNUMC, o Protocolo de Kyoto e o Acordo-Quadro Sobre Meio Ambiente do MERCOSUL foram recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro com base nos artigos 49 e 84 da Constituição Federal de 1988. 27 27 CQNUMC, sendo importante destacar o favorecimento de princípios do MDL na produção legislativa24. Entretanto, atuando diretamente sobre o objeto do Regime Internacional de Mudanças Climáticas, o governo brasileiro apresentou ao Congresso Nacional, em 5 de junho de 2008, o projeto de lei n. 3.535 que propõe a Política Nacional sobre Mudança do Clima e fixa seus objetivos, princípios, diretrizes e instrumentos, assim como orientará a elaboração de planos, programas e ações nacionais e estaduais. Identificar a produção legislativa com vistas à implementação do regime requer destacar também iniciativas para o envolvimento dos outros atores no processo de rule- making. Neste sentido, destaca-se o envolvimento de uma estrutura burocrática diversificada para implementação através da criação do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas25 e o Comitê Interministerial de Mudança do Clima26. O primeiro é presidido pelo Presidente da República e é composto por representantes do setor empresarial, da sociedade civil, da academia, Organizações Não- Governamentais, ministros de estado, presidentes de agências reguladoras, além de secretários estaduais de meio ambiente. É, portanto, um espaço institucional de atuação dos diversos grupos de interesses domésticos e tem por objetivo “(...) conscientizar e mobilizar a sociedade para discussão e tomada de posição sobre os problemas decorrentes da mudança do clima por gases de efeito estufa, bem como sobre o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo” (Decreto n. 3.515/00). O Comitê Interministerial de Mudança do Clima é coordenado pela Casa Civil da Presidência da República e é composto por órgãos federais mais o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Contabiliza-se o envolvimento de quinze ministérios, além da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, sendo os outros de interesse não-estatais representados pelo Fórum. O objetivo do comitê é elaborar a Política e o Plano Nacional de Mudança do Clima com a colaboração das contribuições dos atores estatais, da sociedade civil, grupos privados e do legislativo. Em relação ao legislativo destaca-se a criação da Comissão Mista Especial de Mudanças Climáticas do Congresso Nacional, por meio do Ato Conjunto n. 01/2007, 24 Alguns exemplos de legislações que favorecem o MDL: Lei 10.438/02 que cria o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA); a lei 11.097, de 14 de janeiro de 2005 que inclui o biodiesel na matriz energética brasileira. Em 2004 o poder executivo publicou os Decretos 5.297 e 5.298, os quais referem-se a redução dos tributos PIS/PASEP e COFINS na comercialização e produção do biodiesel e redução do IPI sobre o mesmo produto, respectivamente. 25 Através do Decreto n. 3.515, de 20 de junho de 2000. 26 Através do Decreto n.6.263, de novembro de 2007. 28 28 com o objetivo de acompanhar, monitorar e fiscalizar as ações relativas às mudanças do clima no país. O relatório final foi encaminhado para apreciação nos ministérios e inclui algumas proposições legislativas em tramitação no Senado Federal e na Câmara dos Deputados relativas à matéria (ver item IV.3.2 do relatório final da comissão). Por fim, cabe expor a abertura de alguns espaços institucionais para o envolvimento de outros atores doméstico na implementação do Protocolo de Kyoto através do Decreto n. 6.263/2007 que estabelece processos de consulta pública visando à transparência do processo de elaboração do Plano Nacional de Mudança do Clima e à participação popular. Neste processo ocorreram consultas públicas como a III Conferência Nacional de Meio Ambiente e os “Diálogos Setoriais” que constituíram em reuniões do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Considerações Finais A dimensão transfronteiriça relacionada ao tema da mudança climática global, demanda esforços de cooperação entre os Estados e a aplicação doméstica das normas, princípios e regras do regime na legislação e nas políticas públicas nacionais. Entretanto, a implementação dos tratados internacionais requer a observância das especificidades de cada país, atuando sobre suas desvantagens e desenvolvendo as potencialidades locais que contribuam com a mitigação e resolução do aquecimento global. Demanda também a abertura de espaços institucionais para participaçãodos atores domésticos na incorporação das diretrizes do regime. Neste sentido, as disposições constitucionais que orientam o processo de ratificação no Brasil adotam um sistema predominantemente dualista para a incorporação dos tratados internacionais no direito interno. Isto quer dizer que, considerando-se a interação constante entre os níveis doméstico e internacional, as prerrogativas constitucionais brasileiras de incorporação da norma internacional no direito interno contempla os jogos de interesses e grupos de pressão existentes internamente que, atuando sobre o processo de ratificação e de rule-making informarão ao governo as demandas e interesses dos grupos domésticos envolvidos. Isto fica perceptível tanto pela necessidade de ratificação via processo legislativo, que permite a atuação dos grupos de interesses privados e públicos do país, como pela abertura de espaços institucionais promovidos em razão da implementação do Protocolo de Kyoto e das diretrizes do Regime Internacional de Mudanças Climáticas. A criação do Fórum 29 29 Brasileiro de Mudanças Climáticas, do Comitê Interministerial, da III Conferência Nacional de Meio Ambiente e dos diálogos setoriais, assim como da produção legislativa relacionada à mudança climática, posteriormente à entrada do país na CQNUMC, são exemplos de abertura à participação de grupos domésticos no processo de implementação nacional. Além destes aspectos é importante destacar que o Brasil, apesar de não ter obrigações quantificadas dentro do regime, apresenta medidas em direção ao cumprimento das responsabilidades obrigatórias e não obrigatórias estabelecidas no âmbito das negociações internacionais, enfatizando o desenvolvimento do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e da eficiência energética, assim como o combate ao desmatamento. Exemplo de maior destaque é o lançamento do Plano Nacional de Mudanças Climáticas e as metas voluntárias assumidas em Dezembro de 2009 para a COP 15 de redução das emissões domésticas entre 36% e 38% até 2020. Por sua vez, enfatiza a necessidade de financiamento e de transferências de recursos dos países industrializados aos países em desenvolvimento, conforme o princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada. A partir do exposto, conclui-se que há a presença de diversos elementos (produção legislativa, abertura de espaços institucionais, políticas e planos de ação) direcionados à implementação dos tratados internacionais de mudança climática no cenário brasileiro, incluindo o cumprimento de responsabilidades obrigatórias e não obrigatórias. Entretanto, tais iniciativas ao se mostrarem atreladas ao princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada e às transferências de recursos e tecnologias podem encontrar barreiras à implementação do regime na medida em que o estabelecimento de metas não é obrigatório e, portanto, não é passível de cobrança, o que pode prejudicar futuramente o comprometimento efetivo aos princípios do regime. REFERÊNCIAS BRASIL. 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