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Reações Químicas - Energia de Gibbs

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Aula 15 - Terceira Lei da Termodinâmica e Energia de Gibbs 
 
1. Entropias absolutas 
 
 A entropia da Terceira Lei, em qualquer temperatura, S(T), é igual à área sob a 
curva no gráfico de Cv/T versus T, entre T = 0 e a temperatura T. (Ver figura abaixo) 
 
Figura 1 - A entropia absoluta (ou entropia da Terceira Lei) de uma substância é 
calculada estendendo-se as medidas das capacidades caloríficas até T = 0 (ou o mais 
perto possível desse valor) e determinando-se a área sob o gráfico de Cv/T versus T até a 
temperatura de interesse. A área é igual à entropia absoluta na temperatura T. 
 
Seu valor, que geralmente é chamado de “entropia” de uma substância, depende da 
pressão. Por exemplo, uma pressão alta limitaria um gás a um volume menor e assim 
reduziria sua entropia. Selecionamos, portanto, uma pressão padrão e registramos a 
entropia molar padrão, ��� , a entropia molar de uma substância no seu estado padrão, na 
temperatura de interesse. Na tabela 1 apresentamos alguns valores a 25ºC. Vale a pena 
nos determos um instante nos valores apresentados na tabela 1verificando se eles são 
consistentes com a nossa compreensão de entropia. Todas as entropias molares padrão 
são positivas, pois a elevação da temperatura de uma amostra acima de T = 0 
invariavelmente aumenta a sua entropia do valor S(0) = 0. Outra característica é que a 
entropia molar padrão do diamante (2,4 J.K-1.mol-1) é menor que a da 
grafita (5,70 J.K-1.mol-1). Essa diferença é consistente com o fato de que os átomos estão 
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unidos menos rigidamente na grafita que no diamante e, por isso, a sua desordem térmica 
é maior. 
 Outra observação interessante diz respeito a água. As entropias molares padrão do 
gelo, da água e do vapor de água, a 25ºC, são respectivamente: 45, 70 e 189 J.K-1.mol-1. 
Esse aumento corresponde à desordem crescente em ir do estado sólido para o líquido e, 
deste, para pó gasoso. 
 
Tabela 1. Entropias molares padrão de algumas substâncias a 25ºC. 
Substância ��� (J.K-1.mol-1) 
Gases: 
Amônia, NH3 192,5 
Dióxido de Carbono, CO2 213,7 
Hélio, He 126,2 
Hidrogênio, H2 130,7 
Neônio, Ne 146,3 
Nitrogênio, N2 191,6 
Oxigênio, O2 205,1 
Vapor de água, H2O 188,8 
Líquidos: 
Água, H2O 69,9 
Benzeno, C6H6 173,3 
Etanol, CH3CH2OH 160,7 
Sólidos: 
Carbonato de Cálcio, CaCO3 92,9 
Carbonato de Magnésio, MgCO3 65,7 
Chumbo, Pb 64,8 
Cloreto de sódio, NaCl 72,1 
Cobre, Cu 33,2 
Diamante, C 2,4 
Estanho, Sn (branco) 51,6 
 Sn (cinza) 44,1 
Grafita, C 5,7 
Óxido de Cálcio, CaO 39,8 
Óxido de Magnésio, MgO 26,9 
Sacarose, C12H22O11 360,2 
 
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Entretanto, somente com muita dificuldade é que as capacidades caloríficas 
podem ser medidas em temperaturas muito baixas, particularmente perto de T = 0. 
Porém, sabe-se que muitas substâncias não-metálicas têm uma capacidade calorífica que 
obedece a lei T3 de Debye: 
 
 Em temperaturas perto de T = 0, CV,m = aT3 (1) 
onde a é uma constante empírica que depende da substância e que é determinada 
ajustando-se a equação 1 a uma série de medidas perto de T = 0. Conhecendo-se o valor 
de a, fica fácil calcular a entropia molar a baixas temperaturas. 
 
 
2. A Entropia Padrão de Reações 
 
 Quando há a formação de um gás numa reação, como numa combustão, podemos 
prever que normalmente a entropia aumenta. Quando há um consumo de gás, como na 
fotossíntese, é normalmente seguro prever que a entropia diminui. Entretanto, para 
estimarmos um valor quantitativo da variação de entropia e para prever o sinal da 
variação quando nenhum gás estiver envolvido, precisamos realizar um cálculo explícito. 
 A diferença da entropia molar entre os produtos e os reagentes, nos seus 
respectivos estados padrões, é chamada de entropia padrão de reação, ∆���. Ela pode 
ser expressa em termos de entropias molares das substâncias do mesmo modo que 
usamos para entalpia padrão de reação: 
 
 ∆��� = ∑���� �
�������� − ∑���� �����������	 (2) 
 
onde � são os coeficientes estequiométricos na equação química. 
 
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Exemplo 1: Para a reação 2H2(g) + O2(g) → 2H2O(l) esperamos uma entropia de reação 
negativa, tendo em vista que os gases são consumidos na reação. Para determinar o valor 
explicitamente, usamos os valores obtidos na tabela 1: 
∆��� =����� �
�������� −����� �����������	 
∆��� = 2��� ����, !� − "2��� ���, �� + ��� ���, ��$ 
∆��� = 2 × �70	(. *+,. -�!+,� − .2 × �131	(. *+,. -�!+,� +× �205	(. *+,. -�!+,�2 
∆��� = −327	(. *+,. -�!+, 
 
3. A Espontaneidade das Reações Químicas 
 O resultado do cálculo mostrado no exemplo 1 é, a primeira vista, bastante 
surpreendente. Sabemos que a reação entre o hidrogênio e o oxigênio é espontânea e que, 
uma vez iniciada, avança explosivamente. Não obstante, a variação de entropia que a 
acompanha é negativa: a reação resulta em menos desordem e ainda assim é espontânea? 
 A resolução desse paradoxo aparente realça uma característica da entropia e 
ocorre sistematicamente ao longo da química: é essencial considerar a entropia tanto do 
sistema como das suas vizinhanças ao decidir se um processo é espontâneo ou não. A 
redução da entropia de 327 J.K-1.mol-1 só está relacionada com o sistema, a mistura 
reacional. Para aplicar a Segunda Lei corretamente, precisamos calcular a entropia total, a 
soma das variações de entropia no sistema e nas vizinhanças. Pode ser que a entropia do 
sistema diminua quando ocorrer uma transformação, mas pode haver um aumento mais 
do que compensador na entropia das vizinhanças, de modo que a variação global da 
entropia seja positiva. O oposto também pode ocorrer. Neste caso, portanto, estaríamos 
errados em concluir que uma mudança seria espontânea somente nos baseando no 
aumento da entropia do sistema. Quando consideramos as implicações da variação da 
entropia, é necessário que levemos em conta, sempre, a sua variação total: no sistema e 
nas vizinhanças. 
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 Para calcular a variação de entropia nas vizinhanças, quando uma reação ocorre à 
pressão constante, usamos a equação: : 3�456 = − 789 interpretando o ∆H como a entalpia 
da reação. 
Exemplo 2: Para a reação de formação da água no exemplo 1, com: 
 ∆��� = - 572 kJ.mol-1 
a variação de entropia das vizinhanças (que são mantidas em 25ºC, a mesma temperatura 
que a mistura reacional) é: 
 3�456 = − 789 = −
+:;�	<=.�>?@A
�BC	D 
3�456 = +1,92 × 10F	 (. *+,. -�!+, 
Podemos ver agora que a variação de entropia é positiva: 
3�G>GH? = �−327	(. *+,. -�!+,	� + I1,92	 × 10F	 (. *+,. -�!+,J 
3�G>GH? = +1,59 × 10F	 (. *+,. -�!+, 
 
Esse cálculo confirma, como sabemos da experiência, que a reação é fortemente 
espontânea. Desse modo, a espontaneidade é um resultado da desordem considerável que 
a reação gera nas vizinhanças: a água existe, embora a H2O (l) tenha uma entropia menor 
que os reagentes gasosos, pela tendência da energia para se dispersar nas vizinhanças. 
 
 
 
 
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A Energia de Gibbs 
1. Introdução: 
 
Um dos problemas ao se considerar a entropia já deve ter ficado claro: temos que 
trabalhar com duas variações de entropia, a variação no sistema e a variação nas 
vizinhanças e então verificar o sinal da soma entre elas. 
O grande teórico americano J.W. Gibbs (1839 – 1903), responsável pela 
fundamentação da termodinâmica química no fim do século XIX, descobriu como 
combinar esses dois cálculos num único. 
 
2. Funções do Sistema: 
 
A variação de entropia total que ocorre devido a um processo é dada por: 
 ∆�G>GH?	 =	∆� + ∆�456 (1) 
 
onde ∆S é a variação de entropia do sistema; para uma transformação espontânea, 
∆S > 0. Se o processo ocorrer à pressão e temperatura constantes, podemos usar a 
equação 3�456 = − 789 para expressar a variação da entropia das vizinhanças em função 
davariação de entalpia do sistema, ∆H. Assim temos: 
 
 ∆�G>GH?	 = 	∆� − 789 (2) 
 
A grande vantagem dessa equação é que ela expressa a variação da entropia total, 
do sistema e das suas vizinhanças, em função somente das propriedades do sistema. A 
única restrição é que a pressão e a temperatura devem permanecer constantes no decorrer 
do processo. 
 
Vamos agora, primeiro, introduzir a energia de Gibbs, G, que é definida como: 
 
 K = � − L� (3) 
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como H, T e S são funções de estado então G também é uma função de estado. A 
variação da energia de Gibbs, ∆G, a temperatura constante, surge devido às variações da 
entalpia e da entropia e é dada por: 
 
A temperatura constante: ∆K 	 ∆� � L∆� (4) 
 
Comparando as equações 2 e 4, vemos que 
 
A temperatura e pressão constantes: ∆K 	 �L∆�G>GH? (5) 
Logo, a temperatura e pressão constantes, a variação da energia de Gibbs de um sistema é 
proporcional à variação global de entropia, do sistema mais a das suas vizinhanças. 
 
3. Propriedades da Energia de Gibbs 
 
A diferença em sinal entre ∆G e ∆STotal implica que a condição para um processo ser 
espontâneo muda de ∆STotal > 0, em termos de entropia total (que é sempre verdade), para 
∆G < 0, em termos de energia de Gibbs (para processos que ocorrem a temperatura e 
pressão constantes). Isto é: numa transformação espontânea, a temperatura e pressão 
constantes, e energia de Gibbs diminui. (ver figura 1) 
 
 
Figura 1: O critério para uma transformação ser espontânea é o aumento da entropia 
do sistema, e das vizinhanças. Limitando-nos a trabalhar a pressão e temperatura 
constantes, podemos nos restringir apenas às propriedades do sistema. Nessas condições, 
expressamos o critério de espontaneidade como uma tendência do sistema de se deslocar 
para um estado com uma energia de Gibbs menor. 
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Nunca devemos esquecer que ao dizer que um sistema tende a se deslocar para uma 
energia de Gibbs menor estamos apenas dizendo de um modo diferente que um sistema e 
suas vizinhanças tendem, juntos, para uma entropia total maior. 
O único critério de espontaneidade numa transformação é a entropia total, ou seja, a 
soma da entropia do sistema e das suas vizinhanças; a energia de Gibbs é apenas outra 
maneira de expressar a variação da entropia total em função somente das propriedades do 
sistema. Essa nova forma de se exprimir a espontaneidade só é válida para processos que 
ocorrem à temperatura e pressão constantes. Todas as reações químicas espontâneas em 
condições de temperatura e pressão constantes, incluindo as responsáveis pelos processos 
de crescimento, aprendizagem e reprodução, são reações que ocorrem no sentido da 
diminuição da energia de Gibbs. 
Uma segunda característica da energia de Gibbs é que o valor de ∆G para um 
processo é igual à quantidade máxima de trabalho, diferente do trabalho de expansão, 
que pode ser extraído do processo a temperatura e pressão constantes. Chamamos todas 
as formas de trabalho diferentes daquele que surge da expansão do sistema de trabalho 
de não – expansão, w'. Pode ser o trabalho elétrico, se o processo ocorrer dentro de uma 
célula eletroquímica ou uma célula biológica, ou outros tipos de trabalhos mecânico, 
como a compressão de uma mola ou a contração de um músculo. 
Agora podemos observar que a energia de Gibbs é uma medida das reservas de 
trabalho de não-expansão das reações químicas: se conhecermos ∆G, então sabemos o 
trabalho máximo de não-expansão que podemos, a princípio, aproveitar de uma reação. 
Em alguns casos, o trabalho de não-expansão é extraído como energia elétrica. Este é o 
caso quando a reação ocorre numa pilha eletroquímica; a pilha combustível é um tipo 
especial de pilha eletroquímica. 
Em outros casos, a reação pode ser usada na síntese de outras moléculas. Este é o 
caso nas células biológicas, onde a energia de Gibbs disponível pela hidrólise do ATP 
(trifosfato de adenosina) formando ADP é usada na síntese de proteínas a partir de 
aminoácidos, para a contração muscular e para fazer funcionar os circuitos neurais em 
nossos cérebros. 
 
 
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Exemplo 1: Admita que certo pássaro, pequeno, tenha massa de 30g. Qual é a massa 
mínima de glicose que ele tem que consumir para voar para um galho que está situado 
10 m acima do solo? A variação da energia de Gibbs proveniente da oxidação de 1,0 mol 
de C6H12O6(s) formando dióxido de carbono e água, a 25ºC, é 2828 kJ. 
 
 
O trabalho a ser feito é: 
 w' = (30 x 10-3 kg) x (9,81 m.s-2) x (10 m) 
 w' = 3,0 x 9,81 x 1,0 x 10-1 J 
 
lembrem-se que: 1 kg.m2.s-2 = 1 J 
 
 
O número de moles de glicose, n, que deve ser oxidado para gerar uma variação da 
energia de Gibbs com esse valor, admitindo que 1 mol dê 2828 kJ, é: 
 
 � = F,M	N	B,C,	N	,,M	N	,M@A	O�,C�C	×	,MP	=.�>?@A = 
F,M	N	B,C,	N	,,M	N	,M@Q
�,C�C moles 
 
Portanto, como a massa molar, M, da glicose é 180 g.mol-1, a massa, m, de glicose que 
deve ser oxidada é: 
 - = �.R = SF,M	N	B,C,	N	,,M	N	,M@Q�,C�C T × �180	�.-�!+,� = 1,9 × 10+V� 
 
Isto é, o pássaro tem que consumir pelo menos 0,19 mg de glicose para o esforço 
mecânico. 
 
 
Alguma informação sobre o significado de G vem da sua definição como H – TS. 
A entalpia é uma medida da energia que pode ser obtida do sistema como calor. O termo 
TS é uma medida da quantidade de energia armazenada no movimento aleatório das 
moléculas que compõem a amostra. Trabalho, como vimos, é a energia transferida de 
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modo ordenado, assim não podemos esperar obter trabalho da energia armazenada 
aleatoriamente. A diferença entre a energia total e a energia armazenada aleatoriamente, 
H –TS, que é a energia de Gibbs, está disponível para que trabalho seja feito. 
Em outras palavras, a energia de Gibbs é a energia armazenada no movimento 
ordenado das moléculas no sistema e na sua distribuição.

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