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4 * í a «fílTO ^ ? ICILIO VANNI ■* -»»-•-*».»,.. .3? M £rf^lTO'| ) * £ ?•' LIÇÕES râ PHILOSOPHÍA ^ D I R E I T O # S. T, F. P A T R I M Ô N I O TRADUZIDAS DA 3.A EDIÇÃO ITALIANA POR OCTAVIO PARANAGUÁ' l &?' 7 V i SÃO PAULO POCAI WEISS & C. 1916 0 r\ X AO DR. JOÃO ARRUDA Primeira Parte Noção da Philosophic! do Direito CAPITULO I O CONHECIMENTO E OS SEUS GRAUS. SCIENCIA E PHILOSOPHIA Quem pretende estudar uma sciencía deve primeiramente procurar saber o que vem a ser essa sciencía. Assim, a nossa primeira investiga- ção consistirá em saber o que vem a ser a Philosophia do Direito, o que significa e o que importa estudar philosophicameníe o direito. Para se fazer esta investigação é necessário retroceder á propria noção da sciencía e da philosophia, determinar a natureza e os graus do conhe- mento e do saber. A mente humana é provida de uma faculdade fundamental, que os inglezes chamam discriminação, mediante a qual percebemos as dit- ferenças e as semelhanças das coisas. Dessa faculdade deriva a natureza e o processo do nosso conhecimento. Em todos os seus estádios ou graus conhecer significa distin- guir e relacionar: conhecer uma coisa significa distinguil-a de todas as outras coisas que foram percebidas como dissemelhantes, e, ao mesmo tempo, relacional-a com todas as que foram percebidas como seme- lhantes. Esta natureza e este processo do nosso conhecimento implica que elle passa por uma serie ascendente de graus. Cada grau desta serie é representado por um processo sempre mais alto de generalisação, isto é, o nosso conhecimento é mais alto quanto maior é o numero de coisas que nelle comprehendemos. Assim, atravez de diversos graus, passa-se do particular ao universal, do conhecimento empírico eu vul- gar ao conhecimento scientífico e deste ao conhecimento philosophíco. Um conhecimento é puramente empírico, quando consiste em co- nhecer um facto ou phenomeno particular sem o pôr em relação com outro e, assim, sem saoer como e porque elle se proauziu. Pelo con- trario, o connecimento se torna scientífico, quando consiste em uma cognição systematica dos factos e dos phenomenos, pondo um facto em relação com outros, de modo a descobrir as suas uniformidades e a determinar as suas leis. Assim, o conhecimento scientífico é o conhe- - 2 - cimento de relações, de uniformidades, de leis. A sciencia funda-se sobre o postulado da uniformidade da natureza. As uniformidades po- dem ser de três espécies: de igualdade ou desigualdade, de coexistência e de successão. Quando se trata de uniformidades de igualdade, como as estudadas pela mathematica, nós não temos verdadeiramente um objecto real para estudar, mas estudamos as relações abstractas ou as formas sob as quaes taes relações sé podem apresentar (a = a ) ; por conse''- quencia, as sciencias que estudam as uniformidades de igualdade são chamadas, — principalmente por Wundt — sciencias jormaes. Exis- tem, porém, outras sciencias que estudam as coisas, os phenomenos. Estas são as chamadas sciencias reaes, que têm por objecto relações de mera coexistência, isto é, de existência em conjuncto de varias coisas ou de varias propriedades em um mesmo objecto, como* a geographia, a mineralogía, etc, ou relações de successão. Neste ultimo casoi a sciencia tem por objecto um estudo especial. Se um phenomeno succède a um outro, a investigação scientifica consiste justamente em determinar o nexo causai, isto é, em achar a causa ou antecedente, pelo qual foi necessa- riamente produzido o effeito ou conseqüente, em estabelecer as leis ou os modos regulares e constantes, com os quaes a causa produz o effeito. A noção que demos aqui da sciencia vale para o grupo de scien- cias que se chamam sciencias theoricas. Mas ao lado destas está a categoria das chamadas sciencias praticas, sobre as quaes devemos in- sistir especialmente. Estas sciencias não estudam um phenomeno real- mente existente, mas o modo de produzir um phenomeno ; applicam as verdades obtidas, mediante as sciencias theoricas, para a consecução de um certo fim. Assim, ellas não formulam theoremas, mas preceitos regras dadas para o operar. A differença entre sciencias theoricas e praticas tem uma pro- funda raiz nas proprias qualidades e funcções psychologicas da mente : as sciencias theoricas têm suas raizes na funcção da intelligencia e são, pois, destinadas á investigação da verdade — (àXVjfteía, como dizia Aristóteles na sua «-Metaphysical)-—; ao passo que as sciencias praticas têm suas raizes na funcção da vontade e não têm,,, pois, por fim a descoberta da verdade, mas o operar ( i p y o v ). Mas nas sciencias praticas são distinguidas, por sua vez, as que têm um caracter puramente technico das que assumem um caracter e um valor efhíco. Em certos casos a consecução de um fim é deixada á vontade de quem se propõe ou não oonseguil-o. Este é o caso do medico, do agricultor, etc, Estas sciencias praticas, nas quaes o fim 'pode ser conseguido e íambem pode não o ser, chamam-se geralmente sciencias technicas. Existem, ainda, fins necessários á vida e que devem, pois, ser conseguidos me- diante certos meios que têm igualmente caracter de necessidade. Neste caso apparece um outro elemento, o elemento da obrigatoriedade do operar, do dever — (sollen, dizem os allemães para exprimir a neces- sidade moral, em contraposição a miissen, que exprime a necessidade physica). Ora, as sciencias praticas que têm estes fins, cuja consecução é necessária, são designadas com o nome de sciencias ethicas, relativas á conducta individual ou publica, entre as quaes sãò das mais importantes a moral e o direito. _ 3 - Porém, todas as sciencias, quer theoricas, quer praticas, referem-se sempre a uma ordem particular de factos ou de relações; e, assim, ellas não representam o ultimo grau a que pode chegar o nosso saber. Além disso, como cada sciencia ou grupo de sciencias estuda uma ordem particular de factos ou tie relações, acontece que, em sum ma, a sciencia representa um conhecimento fragmentário. A necessidade da divisão do trabalho, derivada, por sua vez, da limitação da nossa mente, faz com que haja necessidade de se scindir a totalidade dos phenomenos, que é essencialmente uma, em varias ordens particulares, cada uma das quaes é estudada por uma sojencia particular ou por um grupo de sciencias. Destes fragmentos e destas particularidades sente-se, por conse quencia, a necessidade de se subir a alguma coisa mais alta, de ligar, novamente aquillo que se distinguiu. Isto ainda por esta outra razão: cada sciencia estudando uma ordem particular de phenomenos, faz abs- tracção do elemento do sujeito conhecente, ao passo que, em qualquer coisa que se estude, além do objecto conhecido, ha a mente, isto é, o sujeito que o conhece. E', portanto, necessário abraçar ao mesmo tempo a totalidade dos phenomenos e reunir o objecto e o sujeito; é necessá- rio chegar, á unificação do saber. Esta é a tarefa da philosophia. Somos, pois, levados a esta por uma dupla necessidade : por uma necessidade subjectiva da mente, e por uma necessidade objectiva das coisas. Por uma necessidade subje- ctiva no sentido que, justamente pela propria natureza do nosso pro- cesso cognoscitivo, que é um processo de connexão, nós não nos sa- tisfazemos com o nosso saber emquanto não chegamos a comprehendcr a totalidade das coisas. A nossa mente tem necessidade de chegar ao ultimo grau possível de generalisação, de ter uma noção do universo e de si mesma comprehendida na ordem universal. Além disto, quanto mais os conhecimentos se multiplicam, mais progridem as sciencias par- ticulares, mais viva é a necessidade que o pensamento sente desta uni- ficação. Elle procura obter o máximo resultado com o mínimo esforço possível, realisandona ordem do pensamento, mediante a philosophia, a lei do minimo meio. Mas nós somos, ainda, levados ao conhecimento philosophico por uma necessidade das coisas. Porque, como foi dito, os factos ou phenomenos são certamente múltiplos e de natureza diffé- rente, e podem distinguir-se uns dos outros, de maneira a ser cada um objecto de uma sciencia particular, mas na realidade todos os pheno- menos formam uma unidade indissolúvel, que se -chama o real na sua inteireza ; e, então, implicam sempre, além do objecto conhecido, o sujeito conhecente. A philosophia tem, pois, um objecto especifico, um conteúdo pró- prio, que é a totalidade das coisas ou, em uma palavra, o universal. Assim, ella é verdadeiramente como foi pensada e definida por Aristó- teles: ia sciencia do universal». E, valcndo-nos de uma definição de Spmcer, que representa a ordem especial de idéas á que nos inspiramos, podemos dizer que a philosophia é «a sciencia dos primeiros prin- cípios» ou «.dos princípios mais geraes». Isto posto, pode-se immediatamente apanhar a relação que inter- cede entre a philosojphia e as sciencias. Do que foi dito até aqui se deduz que a philosophia representa o complemento ou a integração das - 4 - sciencias. Cada uma das sciencias, justamente porque estuda uma ordem particular de factos, é impotente para tratar por si os problemas geraes, communs a todas a» sciencias; é incapaz, de estudar, por exemplo, em que consiste a causalidade, a igualdade e a desigualdade, etc. Segue-se, então, que as sciencias particulares têm necessidade de uma integração ; e c justamente a philosophia que integra as sciencias na unidade de uma investigação geral. E segue-se sempre o mesmo processo: assim como a sciencia, em relação ao conhecimento commum, unifica uma or- dem de relações ou de phénomènes em uma lei, também a philosophia unifica todo o conjuncto das relações, dos phenomenos e das leis em uma lei suprema. Não ha, pois. uma diversidade de processo cognosciíno, passando da sciencia á philosophia, mas ha apenas uma differença de grau, pois a philosophia representa o ultimo grau de generalisação. Por conseqüência, entre a philosophia e a sciencia não pôde ha- ver uma differença fundamental e muito menos um contraste. A philo- sophia, pelo contrario, tendo como tarefa unificar os resultados das scien- cias, obtém o seu material das proprias sciencias, vive e alimenta-se com os seus progressos. Não se deve crer que a philosophia seja uma mera somma dos últimos resultados das sciencias. E até nem é sufficiente e perfeita a noção que CoirUe deu da philosophia. Para elle, a philoso- phia deive limitar-se a coordenar os últimos resultados das sciencias. A philosophia, pelo contrario, faz uma investigação superior, ella é. como dizia Bacon, uma scientia altior. Ella não toma como estão os re- sultados das sciencias particulares, mas os òubmette a uma avaliação ou inspecção. A philosophia, ainda elabora ulteriormente estes resultados, unificando-os em um primeiro principio. E', pois, uma investigação dis- tineta, mas obtida sempre das proprias entranhas das sciencias, de maneira que se trata de uma philosophia scientifica. E chamando-a assim, nós nos approximamos do pensamento animador, tanto do positivismo de Comte, como da philosophia synthetica de Spencer; pensamento que está em tão grande parte na philosophia de Wundt, apezar delia tender ultrapassar os limites da experiência, até se tornar metaphysica. Obtida assim esta noção da philosophia, da propria analyse do pro- cesso cognoscitivo, acerescentamos que apezar da philosophia ter sempre por objecto o universal, a unificação do saber, e, pois, apezar de ser um o seu organismo, todavia este consta de três partes, correspondentes a três investigações especiaes da philosophia. A analyse dessas três partes foi feita na Italia, com mão de mestre, por Angiulli: «-La filosofia e Ia scuola» Napoli, 1888. Essas três investigações correspondem a três problemas que sempre, preoecuparam o pensamento philosophico. Elles são relativos: o pri- meiro ao saber, o segundo ao ser, o terceiro ao operar. a) PROBLEMA DO SABER. Já foi dito que em cada um dos nossos conhecimentos temos dois momentos : o objecto conhecido e o sujeito conhecente. Ora, justamente em uma das suas primeiras investi- gações, a philosophia tem por alvo o sujeito conhecente, isto é, a intelli- gencia e. pois, o saber. Sob este aspectp, a philosophia é uma theoria da sciencia e das sciencias. Quando theoria da sciencia, a philosophia propõe- se a investigar a origem e o fundamento do conhecimento, as condições a que o saber se deve submetter para que possa ser considerado legitimo - 5 e válido. Em outras palavras, a philosophia quando indaga o conheci- mento responde a este problema : «como e o que nós podemos co- nhecer?». E quando ella se propõe a esta investigação é chamada g no- seologia ou theoria do conhecimento. .Vias, ao mesmo tempo, ella é também uma theoria das sciencias ; e sob este aspecto, é chamada, princi- palmente pelos escriptores" inglezes, e piste mologia. E como tal, a phi- losophia coordena as varias sciencias, organisa-as, unifica-as, e isto é necessário porque, assim como é um o real ou a totalidade das coisas, também é realmente um o saber, que em todas as sciencias está dividido e que deve, pois, ser novamente trazido a unidade. A philosophia exercita, ao mesmo tempo, diante das sciencias particulares, uma funcção central de direcção e de inspecção, designando ás sciencias as condições, dentro das quaes se devem manter, para que possam adquirir um valor e uma legitimidade verdadeiramente scientifica. Quando é uma theoria do conhecimento e uma theoria das scien- cias, isto é, nesta sua primeira parte, a philosophia pôde chamar-se critica, adoptando um adjectivo com que Emmanuel Kant renovou a philosophia. b) PROBLEMA DO SER. Nesta palavra está comprehendida toda a realidade das coisas ou totalidade dos phenomenos cósmicos. A tarefa da philosophia nesta parte é a universalidade ; e aqui a philosophia re- sume e synthétisa os resultados de cada uma das sciencias e quer chegar a um principio único, do qual dependem todos os phenomenos do uni- verso. Assim, sob este aspecto, segundo Spencer ((Primeiros princí- pios»), a philosophia pôde chamar-se syntheüca. c) PROBLEMA DO OPERAR. Tratando das sciencias praticas, dissemos que o operar humano, principalmente na parte dominada pela idéa da necessidade do fim a conseguir, é o objecte» de varias sciencias, chamadas ethicas, que estudam o deve ser; a moral, o direito), a sciencia da educação, etc. Ora, estas sciencias também devem ter princípios communs, devem chegar a um alto grau de generalidade ; devem existir os primeiros princípios da conducta, assim como existem os do conhecimento e das coisas. A investigação de taes princípios constitue o objecto desta ter- ceira parte da philosophia, que é chamada com uma velha designação philosophia pratica universal ou ethica em sentido laíissimo, como theo- ria dos primeiros princípios de todas as sciencias ethicas. Como se chega aos primeiros princípios no campo do operar ? Estes princípios não po- dem ser estabelecidos senão observando a natureza do homem, chegando ás condições e leis que regulam a sua existência, considerada quer indi\ i- duaimente, quer no estado de associação. E, se quizermos estabelecer justamente quaes são os fins a que necessariamente o homem se deve propor e os meios necessários para os conseguir, é necessário unir no- vamente a existência humana á ordem cósmica. O primeiro principio da conducta, o fim necessário, depende de saber o que é o homem no universo, que valor tem a sua existência, e, pois, o que se deve fazer com elle. Portanto, embora á primeira vista pareça que a ethica se occupa apenas de uma ordem particular de relações, as relações humanas,ella adquire um valor universal, um caracter essencialmente philosophico, porque une novamente o homem á totalidade das coisas. 6 CAPITULO II A PHILOSOPHIA DO DIREITO: SEU OBJECTO, NATUREZA, FUNCÇÃO E DIVISÃO Não se passa de um salto da sciencia d philosophia; entre uma e outra ha um grau intermédio representado por aquillo que se pôde chamar a philosophia de um grupo de scienaas. Um dado objecto, fa- cto ou relação pôde ser contemporaneamente estudado por varias scien- cias, as quaes compõem, assim, um grupo distincto. Então, a mesma exigência indeclinável do pensamento, que conduíz á philosophia, leva-nos ainda a unia investigação coordenadora no seio de um grupo de sciencias. Em todo o grupo de sciencias ha problemas geraes, princípios communs a todas as sciencias do grupo; cada uma délias, justamente por sua na- tureza particular, é, por si, impotente para os examinar. Assim, é neces- sário naquelle grupo dado uma investigação mais alta, que coordene as suas idéas mães, estabeleça os seus princípios communs, que, emfim, faça com elle uma synthèse, como a philosophic geral faz de todas as sciencias Esta investigação synthetica adquire depois um verdadeiro valor philosophico, quando une o objecto próprio daquelle dado grupo de sciencias com a ordem universal. De maneira que, em summa, na sua synthèse suprema, a philosophia geral não é senão a coordenação das syntheses parciaes feitas pelas philosophias particulares ou philosophia-, de um grupo de sciencias. As sciencias biológicas, por exemplo, são múltiplas e de natureza différente, mas todas estudam a vida nas suas diversas manifestações. Assim, teremos a botânica, a morphologia, a physiologia, a pathologia, etc. Em to- das estas sciencias ha problemas geraes : o que é a vida, qual a sua origem, qual a sua relação com a ordem universal, etc. Ora. jus- tamente todos estes problemas, que cada uma das citadas sciencias par- ticulares é, por si, impotente para tratar, agitam-se no estudo da philo- sophia das sciencias biológicas ou biologia em sentido restricto. Da mesma maneira todas as sciencias sociaes estudam os factos sociaes, mat. é necessário uma investigação distincta, superior, para estabelecer o que é o facto social, em que consiste a sociedade, quaes são os seus cara- cteres differenciaes, etc. Esta investigação é feita pela philosophia das sciencias sociaes. Do que foi até agora dito, resulta mais bem precisado que o estudo philosophico de uma coisa não é de natureza especial, mas consiste em uma orientação especial do pensamento, pela qual nós consideramos a coisa de um ponto de vista especial, isto é, nófe a consideramos na tota- lidade das suas relações, no systema de todas as coisas. Vejamos agora o que é a philosophia do direito, quaes os seus caracteres e a sua natureza (Vanni, «Problema delia filosofia dei di- rUio», Verona 1890). O direito também é estudado por um grupo de sciencias: as sciencias jurídicas. Estas são múltiplas; umas têm caracter histórico, outras têm caracter systematico ou dogmático. Dada esta mul- tiplicidade de sciencias, por causa daquella necessidade do processo co- _ 7 - gnoscitivo que nós já sabemos, ha necessidade de chegar ao ultimo grau de generalidade, de unificar o saber jurídico. No campo das sciencias jurídicas também ha problemas geraes e presuppostos communs, que ne- nhuma daquellas sciencias pôde tratar por si só: o que1 é direito, donde vem, qual o seu fim, qual funcção exerce na vida social. E', portanto, evidente, que, para o exame destes problemas.; é necessário uma sciencia altior, coordenadora das idéas mães das diversas sciencias juridicas, uma sciencia dos primeiros princípios do direito e que, ao mesmo tempo, o inclua e o explique no systema de todas as coisas. Nisto resume-se a natureza da philosophia do direito. Se ella deve reunir o direito ao systema geral do universo, segue-se que os seus materiaes não lhe serão fornecidos exclusivamente pelas sciencias juridicas, mas ainda por outras ordens de sciencias. Portanto, embora a philosophia do direito deva viver em continuo contacte com as sciencias juridicas e deva obter delia grande parte dos materiaes para as suas construcções, todavia não se pode dizer que a philosophia do direito seja uma sciencia jurí- dica, uma parte da jurisprudência, pois é uma sciencia distincta e au- tônoma, com sua feição particular constituída pelo seu caracter phi- losophic©. Mas nós devemos ver, de um modo mais concreto e especifico, o que a philosophia do direito se propõe a fazer. A philosophia do di- reito deve fazer três investigações; e nós para não darmos délias uma noção arbitraria, procuraremos obtel-as da propria natureza do objecte por ella estudado, isto é, do direito. O direito é primeiramente objecte de um ramo particular do sa- ber, que é a sciencia jurídica ; elle é, além disto, um facto que se produz nas sodedadjes humanas, com um processo de formação histórica; e, fi- nalmente, como a moral e qualquer outra norma de conducta, o direito refere-se ao operar humano. Levando em consideração esses três ele- mentos essenciaes, que estão na propria natureza objectiva do direito, se delineam as três investigações que a philosophia do direito deve fazer. a) INVESTIGAÇÃO CRITICA. Esta investigação é relativa ao saber jurídico. Sobre isto nós devemos indagar qual é o fundamento e quaes as condições que deve obedecer a sciencia jurídica, para estar segura da legitimidade e da validade dos seus resultados. Ora, a philosophia do direito não pôde fazer por si uma theoria do conhecimento, A theoria do conhecimento applica-se a todos os ramos do saber, tanto á mathematica como ao direito, e, além disto, ella já foi dada pela «gnoseologia», cujos resultados são, pois, um presupposto para a philosophia do direito. Mas esse presupposto deve ser aplicado de modo mais immediate ao saber jurídico; e nessa applicação mais directa está o fim dessa investigação critica. Além1 disto, a philosophia do di- reito, nessa applicação, pôde trazer uma contribuição propria, pois, ella pôde, melhor do que qualquer outra sciencia, conhecer o que é o direito e quaes os caracteres differenciaes ; e, portanto, melhor que uma theoria geral do conhecimento, pôde estabelecer o fundamento do co- nhecimento jurídico e determinar as condições e os limites do saber jurídico. Assiin, também, quanto á questão da origem da idéa do direito, isto 6, se nós temos na nossa mente a idéa da justiça. Ora, a gnoseologia diz se existem ou não idéas innatas, e as suas conclusões 8 — constituem um presupposto para a philosophia do direito. Esta, porém, contribue para augmentai" o valor dos resultados obtidos pela gnoseo- logia. Com efíeito, indagando o que é o direito, ella estabelece que é uma norma obrigatória de conducta, assegurada na sociedade humana por um órgão especial, e que regula as relações dos homens que convivem em sociedade. Assim, sem querer ser uma gnoseologia, a philosophia do direito pôde, todavia, affirmai" que não pôde haver uma idéa innata do direito, pois elle presuppùe a existência da sociedade e das relações sociaes. Portanto, tem razão de ser, uma investigação critica, na qual a philosophia do direito applica os dados da gnoseologia ao direito, trazendo-lhe, ainda, uma contribuição propria. Além disto, nesta mesma investigação, a philosophia do direito é uma theoria das sciencias jurí- dicas, quando as classifica e as organisa, quando faz voltar á unidade o saber jurídico, dividido em virtude da limitação da mente. Ainda aqui, ao mostrar os laços existentes entre as diversas sciencias juridicas, ella tem uma competência propria, mais especial e directa que a da theoria geral do conhecimento. A philosophia do direito, emfim, exer- cita sobre cada uma das sciencias jurídicas uma funcção central de di- recção e inspecção,designando-lhes as condições e os limites em que se devem manter, para que possam chegar a resultados que tenham va- lidade scientifica, e experimentando o valor dos próprios resultados. b) INVESTIGAÇÃO SYNTHETICA OU PHENOxMENOLOGIA JURÍDICA. O direito é um phenomeno que se produz na sociedade com um processo de formação histórica; e, assim, elle não só existe actualmente e assume diversas formas nas diversas condições de lugar e nas diversas sociedades humanas, mas ainda teve uma origem e uma evolução, isto é, uma serie de transformações na historia. O complexo destas transformações constitue a phenomenologia do direito, a qual é, sem duvida, o objecte de sciencias juridicas particulares, como são as sciencias históricas e as sciencias descriptivas do direito: historia uni- versal do direito, sciencia comparada das instituições juridicas, legislação comparada, etc. Mas estas sciencias operam no campo dos particulares, estudando as instituições juridicas de vários povos, em vários momentos históricos. Comtudo, ao lado do particular ha o geral. Assim, é ne- cessário estudar, ainda, o processo de formação histórica do direito, na sua origem e na sua evolução ; e, além das variedades accidentaes, é necessário estudar os elementos constantes e uniformes. Ora, nós já sabemos que da uniformidade se chega ás leis. Ainda aqui, portanto, é possível e mesmo necessário chegar a uma generalisação ou synthèse, que determine as leis que regulam a origem e a evolução do direito na historia. Esta é a phenomenologia jurídica que foi chamada, ainda, «theoria synthetica do direito», porque na unidade de um principio syn- thefico se deve dizer o que é, porque existe e o que faz o direito ; ella pôde, pois, ser chamada «philosophia da historia do direito-. E ainda, para explicar completamente uma coisa do ponto de vista philo- sopkioo, é necessário consideral-a na totalidade das suas relações ; c devemos, portanto, pôr o phenomeno jurídico em relação com todos os ou ti os phenomenos com os quaes, na realidade, elle se acha unido. Ora, o direito produz-se na sociedade humana e a phenomenologia social compõe um systema, porque, como veremos, todos os phenomenos so- __ 9 — ciaes (população, economia, moral, religião, direito, etc.) estão indisso- luvclmente ligados um ao outro e exercitam um sobre o outro uma serie de reciprocas influencias. Por conseqüência, cada um dos pheno- menos sociaes tíeve ser integrado na unidade de toda a vida social e, assim, a phenomenologia jurídica também deve ser estudada onde effectivamente se desenvolve, isto é, na mais vasta, solida e complexa phenomenologia social. Em outras palavras, é necessário que a phenomenologia jurídica se torne uma theoria sociológica do direito. Somente se olhando deste ai tu ponto de vista, poder-se-ha comprehender o que é effectivamente o direito, quaes as razões da sua existência, quaes as causas que deter- minaram a Sua origenr e a sua transformação no tempor e quaes, enfim, as verdadeiras forças productoras do direito e a verdadeira tuncção que elle exerce na sociedade e na historia. Masç feito isto, a necessidade da mente continua ainda e alarga-se ainda o angulo visual pelo qual ella deve olhar o phenomeno jurídico. Depois que o phenomeno jurídico foi posto em relação com outros phenomenos sociaes e com a unidade da vida social, apparece immediatamente a necessidade de uma investiga- ção mais alta sobre o que o direito tem feito em relação ao desenvolvi- mento das sociedades humanas, sobre a futfeçao exercida pelo direito na historia Jda civilisação; o que, em outras palavras significa investigar o valor e o significado que o direito tem para a vida humana e para os seus fins. Mas, a vida humana faz parte de um systema mais vasto, que é todo o systema cósmico; a vida é uma parte do mundo, e, por- tanto, indagar o valor e o significado do direito para a vida humana, implica investigar as relações do direito com o systema de todas as coisas. Nesta relação com a ordem universal a phenomenologia do di- reito adquire um verdadeiro e alto valor philosophico. c) INVESTIGAÇÃO DEONTOLOGICA. Dissemos que o direito também é considerado como uma das formações históricas que se re- ferem á conducta humana. Daqui a necessidade de uma terceira inves- tigação de caracter pratico e que se pôde chamar ethica ou, ainda, deon- tologica (deontologia jurídica). Quando se trata de coisas relativas aos homens e ás sociedades humanas e, sobretudo, quando se trata de normas de conducta e, por- tanto, do direito também, não se pôde satisfazer com a constatação do facto, do conhecimento daquillo que existiu e daquillo que existe. O facto refere-se á consecução dos fins humanos ; tem, pois, - necessi- dade de ser avaliado. Surge então, a exigência de uma investigação pos- terior, que estabeleça se aquillo que existe tem razão de ser, se aquillo que existe deve existir ou deve existir diversamente. Portanto, além do -. -, o TO ôéov. Alem de necessária, esta investigação é legitima, isto é, tem todos os caracteres de uma investigação scientifica, como qualquer outra investigação pratica. E não é uma investigação vã. As normas de conducta e, portanto, também o direito são indubitavelmente o pro- ducto de uma formação histórica ; mas dahi não vem a conseqüência de que sobre esta formação não se possa exercitar uma acção qualquer. Comte foi quem observou em primeiro lugar que, de todos os phe- nomenos, os phenomenos sociaes são os mais complexos, isto é, de- pendem de um maior concurso de causas; e que, justamente por isto, • - 10 — são também os mais modificaveis. A possibilidade de intervenção é ma- xima para elles. Além disto, a formação histórica do direito, como em geral todas as formações sociaes, não é um producto espontâneo e inconsciente das coisas, mas um producto da actividade psychica do homem. Na base do facto social está o factor mental. E a analyse psychologica combi- nada com a anaJyse sociológica mostra como o factor da vida social e da evolução social, que é justamente a mente, intervém de modo sem- pre mais consciente e reflexo. A evolução social quanto mais progressiva, mais implica a actividade desta força consciente, reflexa, voluntária. Assim, trata-se de uma evolução histórica que não é mais fatal, mas que pôde ser regulada, dirigida e modificada dentro de certos limites. Apparece, então, a pergunta, se existe alguma coisa melhor para fazer e em que consiste ; e manifesta-se, pois, a intervenção da ethica, da deon- toiogia. E a ethica não se satisfaz com aquillo que existe, com as condições do facto existente, mas propõe-se a renoval-o e transformal-o em sentido progressivo, ü mesmo applica-se ao direito. Também o direito é o resultado de uma formação histórica, porém, em relação ao direito, também não podemos ficar satisfeitos com a pura pheno- menologia ; e, pelo contrario, devemos investigar se as instituições vi- gentes correspondem a exigências racionaes, isto é, se são intrínseca- mente justas. Desta investigação poder-se-ha tirar os critérios com os quaes experimentamos as instituições vigentes e aconselhamos a Sua reforma quando fôr necessária; e, assim, imprimimos á actividade le- gislativa uma direcção scientifica e racional. Com isto, a philosophia do direito não pôde pretender fazer o direito. Ella teve esta pretenção por muito tempo, de maneira que a sua historia é principalmente a historia de uma sciencia que se propunha a construir um direito ra- cional, também chamado direito natural ou ideal. Mas a philosophia do direito íoi sempre abandonando esta il legitima pretenção, pois, desde que o direito apparece como o resultado de um processo de formação histórica, é evidente que para a sciencia, e mais ainda para a philosophia, o direito é um dado a estudar e não um facto a produzir. Na investigação pratica a philosophiado direito assume eviden- temente um caracter ethico, porque tudo o que se refere ao dever existir, á avaliação e á transformação progressiva dos factos pertence í ethica. Reapparece ao mesmo tempo o aspecto philosophico da nossa sciencia. Com effeito, a avaliação ethica, que é feita pela deontoiogia jurídica, é obtida pela analyse da natureza do homem, da existência humana e dos seus fins. A razão intrínseca e o valor das instituições jurídicas mede-se justamente pelos fins a que se deve propor o operar humano, individual e collectivo. Fins, que, como os meios para os conseguir, se deduz das leis da vida individual e, sobretudo, das da vida em com- mum. Em outras palavras, este é o problema pratico da philosophia do direito: dado que os homens convivam e cooperem entre si, como se devem comportar para que a convivência subsista e a cooperação perdure de modo harmônico e efficaz ? Mas, como já sabemos, para en- tender a natureza do homem e os fins da existência é necessário con- siderar estes dois em relação á ordem universal. Dahi o caracter philoso- phico da investigação. • Assam, delineamos as três investigações fundamentaes, que a phi- losophia do direito deve fazer. Estas investigações são distinctas, mas inseparáveis. Uma presuppõe a outra, completam-se reciprocamente e integram-se juntamente em unidade de systema. Chegado a este ponto, podemos dar a definição da philosophia do direito do seguinte modo : «A philosophia do direito é a sciencia que, ao mesmo (empo que integra as sciencias jurídicas na unidade dos seus princípios mais ge- raes, reúne o direito á ordem universal, em relação ao qual explica a sua formação histórica na sociedade humana e investiga as suas exi- gências racionaes do pomo de vista ethico.» Fareoe-nos que esta noção da philosophia do direito é a que corresponde melhor ás exigências do pensamento e da vida. Corresponde primeiramente - ás exigências do pensamento. Com efteito, o pensamento humano, pela propria natureza do processo cognoscitivo, não se satisfaz, emquanto não alcança o ultimo grau de generalisação, emquanto não inclue uma coisa no systema universal. Esta necessidade que estimula o pensamento humano de movimento em movimento, repercute tam- bém no campo do direito ; e é uma necessidade comprehender o di- reito em harmonia com uma theoria do conhecimento, com uma conce- pção do mundo e com a explicação do valor da vida, dos seus fins e dos seus destinos. Mas esta definição responde, ainda, ás exigências da vida. A vida pede á sciencia não só a constatação dos phenomenos existentes, mas ainda quaes as instituições mais aptas para satisfazer os fins da exis- tência, para assegurar a conservação das sociedades humanas e o seu progresso no caminho da civilisação. CAPITULO III RELAÇÕES DA PHILOSOPHIA DO DIREITO COM AS SCIENCIAS AFFINS Determinada a noção da philosophia do direito, devemos ver agora as suas relações com as sciencias affins, por uma dupla razão. Primeiramente, porque se pôde melhor determinar a noção de uma sdiencia, quando se distingue esta das outras, com as quaes poderia ser confundida; em segundo lugar, porque, assim, conheceremos os subsí- dios que as sciencias affins podem prestar á construcção de uma scien- cia tão complexa e que têm necessidade de tantos elementos, como a philosophia do direito. Examinaremos, pois, as relações da philosophia do direito com a philosophia geral, com as sciencias anthropologicas, com as sciencias jurídicas, com as sciencias sociaes e, finalmente, com as sciencias políticas. Esta investigação poderá, ainda, servir para fixar bem a distincção entre as sciencias jurídicas, sociaes e políticas. l.o Relações da philosophia do direito com a philosophia geral. — A philosophia do direito é, como já vimos, sciencia philosophica, emquanto reúne o direito á ordem universal. Mas o universal é estudado pela philosophia. Assim, a philosophia do direito deverá recorrer ine- - 12 - vitavelmente aos primeiros princípios que a philosophia geral estabelece. Primeiramente, esta a auxiliará^ como theoria critica do direito, ficando como seus presuppostos os resultados da theoria do conhecimento. Ainda a auxiliará no que se refere á concepção do universo e no que tende a explicar o phenomeno jurídico, em relação á ordem cósmica inteira. Ha, depois, a ultima parte da philosophia, isto é, a ethica em sentido lato, que estabelece, de maneira muitíssimo geral, os primeiros princí- pios da conducta e os fins da vida. E a philosophia do direito, que estuda sob um certo aspecto a conducta e os fins da vida, deve ele- var-se seriamente até estes principios, emquanto é investigação pratica ou ethica. 2.° Relações da philosophia do direito com as sciencias anthropologic cas.—Sob a designação de «sciencias anthropologicas» podemos compre- hender todas as sciencias que estudam o homem, as quaes se ramificam, depois, em varias categorias. Ahi está comprehendida primeiramente a anthropologia no sentido restricto, sciencia esta, que progrediu tanto nos nossos tempos, apezar de não ter adquirido, ainda, um aspecto in- teiramente distincto e de não se estar bem de accordo no fixar o seu objecto. De todo modo, podemos entender a anthropologia como a historia natural do gênero humano, de maneira que ella estuda o homem do mesmo ponto de vista que estuda outro ser qualquer da escala zoológica. A' anthropologia geral é incluída, depois, a physiologia hu- mana e a psychologia. E' evidente que todas estas sciencias, principalmente a psychologia, devem fornecer elementos preciosos e mesmo indispensáveis, para a construcção de uma philosophia do direito. O direito é feito para o homem ; portanto, uma theoria philosophica do direito deve começar por conhecer a natureza humana, em todas as suas manifestações e, sobretudo, nas suas varias tendências, necessidades, funcções e faculda- des. Além disto, o direito regula as acçôes humanas e seria absurdo querer comprehender o homem, sem ter primeiramente adquirido um adequado conhecimento do processo psychico do qual a acção deriva. Tudo o que se refere á avaliação jurídica de um acto e á responsabili- dade que delle se segue, se torna inexplicável, separado do conhecimento do processo da vontade, que é processo psychologico. Assim, a psy- chologia investe e invade o direito ; e, até, ao principiar a propria no- ção do direito surge um problema psychologico fundamental. A phi- losophia do direito deve, antes de tudo, investigar como é possível a existência do direito como norma e do direito como faculdade. Para que possa haver urna norma de conducta é necessário que existam sereb constituídos psycho logicamente de modo a serem capazes de a comprehender e de uniformar com ella a propria acção. Em outras palavras, a norma de conducta presuppõe necessariamente seres intelli- gentes, que comprehendam o seu valor universal e que existam de maneira que a norma possa exercitar sobre elles um motivo efficaz, isto é, que sejam capazes de moralidade. Porém, assim considerado subjectivamente, o direito não seria possível sem o concurso de outras condições e propriedades de ordem psychologica. Com efteito, o direito attribue ao homem a qualidade de - 13 - subjectam iuris, isto é, sancciona-lhe a personalidade jurídica. Mas seria inconcebivei que o direito pudesse fazer isto, se não houvesse nas propriedades e condições psychologicas do homem um substrato apto, que consiste nistot que o homem antes de ser e para poder ser pessoa no sentido jurídico, o é no sentido psychologico, isto é, tem a con- sciência de si ou autoconsciencia, com o relativo poder de se determinar por motivos conscientes. Portanto, é necessário ir buscar a solução de um problema que é fundamental para a sciencia e para a philosophic do direito nas mais intimas entranhas da psychologia. 3.°Relações da philosophia do direito com as sciencias jurídi- cas. — Dissemos, delineando a noção da philosophia do direito, que ella é uma sciencia philosophica e que, como tal conserva diante das scien- cias jurídicas a sua independência e autonomia, mas que, todavia, ella deve viver em uma continua e fecunda alliança com estas sciencias, que lhe fornecem grande parte do seu material e os resultados das quaes ella se occupa em coordenar e unificar. Mas, se todas as sciencias jurídicas offerecem subsídios e fornecem materiaes á philosophia do direito, ha, ainda, algumas com que, por suas naturezas, ella deve viver em relações mais immediatas. Estas são, de um lado, as sciencias historicas e descriptivas do direito e, do outro, as sciencias jurídicas que têm, também, um certo caracter synthetico e geral. Sciencias históricas e descriptivas do direito. — Na sua phenome- nologia, a philosophia do direito propõe-se a elaborar uma theoria syn- thetica dos phenomenos jurídicos. Porém, estes phenomenos jurídicos são particularmente represen- tados pelas sciencias historicas e descriptivas e especialmente pela historia universal do direito, que, fornecendo cada um dos particulares, prepara a generalisação inductiva da philosophia do direito, fia, ainda, uma outra sciencia histórica do direito, é a historia comparada do direito. Como veremos melhor dentro em pouco, para a philosophia do direito construir uma theoria phenomenologiea não basta a simples obser- vação histórica, é necessário, ainda, a comparação, mediante a quaí, con- frontando os institutos dos diversos povos nos diversos momentos histó- ricos, se colhe os elementos communs, constantes e uniformes. Assim, a philosophia do direito tira parte do seu material também da sciencia ou historia comparada do direito, que é uma sciencia ainda jovem, por- que, deixando de lado antecipadores e precursores, se pôde dizer que na segunda metade do século dezenove, é que ella foi inaugurada por obra de um insigne jurisconsulte inglez, Henry Sumner Maine, que eftectuou a applicação ao direito, daquelle mesmo processo methodico, que fez surgir a philologia comparada, a sciencia comparada das religiões, dos rnythos, etc Maine em uma das suas primeiras obras {«.Direito antigo»,18òl ) e depois em outras successivas, fez a applica- ção do methodo comparativo á jurisprudência, no que se refere aos povos de raça arjana, confrontando especialmente o direito dos povos orientaes da antiga Índia com o de outros povos do grupo índo-germa- nico ; e chegou, deste modo, a resultados tão fecundos, que as suas inducções, em grande parte, servem de base para uma philosophia histo- - 14 - rîica ido direito. Depois de Maine, a sciencia comparada do direito continuou a progredir. A comparação, que antes se limitava aos povos de raça ariana, extendeu-se aos de outras raças ; e, em obras clássicas accumularam-se preciosos materiaes, para se utilisar, principalmente por obra de Kovalewsky, de Kohler, de Leist, de Wilkett, etc. A juris- prudência ethnologica foi uma applicação especial da sciencia compa- rada do direito; o seu mérito deve ser attribuido a um jurisconsulte allemão, Albert Hermann Post, que em muitas obras suas, reunidas em compêndio — «Grundriss», — applicou o methodo elhnographico á comparação jurídica; isto é, extendendo a comparação a todos os povos da terra, mas confrontando-os não como povos, mas como raças e, assim, sob o ponto de vista ethnico, onde a jurisprudência ethnologica se funda largamente sobre os dados de uma outra jovem sciencia, que é a ethnc*- logia comparada moderna. Post queria fazer da jurisprudência ethnologica uma verdadeira philosophia do direito. Não ha duvida, que, para fazer um estudo synthetico da phenomenologia do direito, devemos auxiliar- nos grandemente com os dados comparativos preparados pela «sciencia comparada do direito» e pela «jurisprudência ethnologica». Porém, seria um erro igrave crer q\xé estas sciencias se confundem com a philoso- phia do direito ou bastem para a constituir. Elias fornecm os elemen- tos para a generalisação e nada mais. Sciencias jurídicas que têm caracter synthetico e geral. — Também com estas sciencias a philosophia do direito está ligada pelos "laços mais íntimos. Estas são a encyclopedia jurídica e a nova sciencia geral do direito ou jurisprudência geral. Ninguém duvida que a encyclopedia jurídica tem o caracter de uma soíencia jurídica geral ; todavia o seu conceito não está fixado com o accordo de todos os seus cultores. Todos a consideram como uma scien- cia que trata do direito sob o aspecto da sua unidade. Porém, alguns, entre os quaes Filomusi Guelfi («Enciclopédia giuridica>), entenderam- na e olham-na mais do ponto de vista philosophico, ou comprehendem nella o elemento philosophico, de maneira que nem sempre ella é niti- damente distinguida da philosophia do direito. Outros, e segundo nós justamente, entendem-na como uma mera theoria synthetica do direito positivo considerado no momento histórico actual ; e desta opinião é também Del Giudice («Enciclopédia giuridica ) . De qualquer modo que se considere a encyclopedia jurídica — e principalmente daquelle ultimo modo, — ei la é sempre distinguida da philosophia do direito, que tem por objecto todo o direito positivo, e não somente o actual, e que como investigação pratica, investiga, ainda, o que o direito pôde e deve ser. Isto, porém, não im'pede que a philo- sophia do direito, justamente quando quer construir uma theoria syn- thetica dos phenomenos jurídicos, se deva auxiliar grandemente com os tíados de uma sciencia, como a encyclopedia, que quer recolher e reconstruir a unidade do direito. Falamos, ainda, de uma nova tendência, de uma nova construc- ção synthetica, representada pela theoria geral do direito ou jurispru- dência geral. Esta tendência manifestou-se na Inglaterra, por obra da escola analytica de jurisprudência, da qual foi fundador John Austin («Leituras sabre a Jurisprudência Gerah ou «Philosophia do direito 15 - positivo»). Elle, depois de ter considerado que no direito dos diversos povos, e principalmente dos povos mais adiantados, ha princípios ou elementos communs, poz-se a elaborar uma jurisprudência não mais par- ticular e nacional, mas geral, observando justamente e comparando entre si os diversos systemas legislativos mais desenvolvidos, para tirar délies os elementos communs. De modo completamente independente da escola analytica de ju- risprudência, accentuou-se, depois, na Allemanha, a tendência a attingir estes princípios geraes, a elaborar urna theoria geral do direito. Adolf Merkel deu a esta direcção uma forma systematica e quiz fazer desta theoria geral do direito uma verdadeira e propria philosophia do di- reito, retirando das sciencias jurídicas particulares os princípios geraes. Este programma da sua escola Merkel desenvolveu nas suas obras : «Elementos da theoria geral do direito» (na Encyclopedia de Holtzen- dor//, 5.a edição); («Encyclopedia Jurídica» 2.a edição, Berlim, 1900). Assim, a jurisprudência geral de Austin, da mesma maneira que a theoria geral do direito de Merkel, não pôde certamente constituir uma verdadeira philosophia do direito, porque a philosophia do direito, como vimos, não se deve limitar a unificar os resultados das varias scien- cias jurídicas ou os princípios communs dos diversos systemas de direito positivo, mas deve, ainda, chegar aos primeiros princípios do direito e reunil-os á ordem universal. A tendência de Austin e também a de Merkel são, pois, dirigidas a uma generalisação ou synthèse, mas esta generalisação não pôde ter um caracter philosophico. Todavia, estas tendências, justamente por terem uma indole generalisadora, apezar de permanecerem Üístinctas, devem fornecer elementos preciosos á philo- sophia do direito, emquanto theoria gerale synthetica das sciencias ju- rídicas. Portanto, resumindo, a philosophia do direito se deve achar em immédiate contacte com as sciencias jurídicas e mais especial- mente com as sciencias históricas do direito e com as sciencias ou tendências que são, por seu caracter, generalisadoras, como a ency- clopedia jurídica e a mais recentemente desenvolvida theoria geral do direito. 4.° Relações da philos-ophia do direito com as sciencias sociaes. — Entende-se por sciencias sociaes as sciencias que têm por objecto os faôtos que nascem das relações dos homens consociados entre si. Porém, com isto não queremos dizer que o facto social seja um facto exclusivamente humano ; pois, como foi provado recentemente de modo scientifico, muitas espécies de animaes vivem no estado de associação ; e já Aristóteles observara, desde o seu tempo, que o homem é o único animal politico, mas «não é o único animal gregario. Todavia, a sociedade humana caracterisa-se por certos elementos especificos e differenciaes, que a distinguem nitidamente das sociedades animaes. E nesta distincção está a razão de ser da sociologia, como sciencia distincte da biologia e da psychologia. O facto social animal não ultrapassa os limites de um facto biológico e psycologico; e, assim, elle constitue o objecto de um capitulo da psychologia comparada. Porém, estas investigações sobre o facto social animal devem ser utili- sadas também pelas sciencias sociaes e pela philosophia do direito, porque, mesmo se prescindindo da questão, da origem do homem e da continua- ção que possa ter o facto social animal no facto social humano, fica sempre, que a explicação do facto social fundamental que é o instincto de sociedade, tem as suas raizes no facto social animal. E, além disto, acham-se nas sociedades animaes os germens primários ou rudimentos de factos que têm caracter especificamente humano. E, descendo-se a applicações concretas, o Estado é essencialmente um facto social humano ; porém, nas proprias sociedades animaes achamos o desenvolvimento de certos sentimentos ou impulsos, que são, em parte, os mesmos que concorreram para determinar a formação do Estado. Existem, com effeito, certas espécies de animaes, que vivem em grupos, com uma certa coope- ração e que se poem debaixo da direcção do mais forte, que os dirige, Ora, é evidente que, se quizermos investigar a gênese psychologica do Estado, deveremos levar em conta estes elementos. O mesmo se pode dizer de outros institutos: família, propriedade, etc. Seria, sem duvida, absurdo falar da existência de um direito de propriedade nos animaes ; porém, é certo que o instincto ou o sentimento pelo qual o animal, depois que agarra uma coisa, a retém firmemente é o pri- meiro germen do sentimento psychologico que está na base da propriedade. Mas é do mundo social humano, é dos factos que se desenvolvem na convivência humana, que a philosophic do direito tem que tirar indispensáveis subsídios, recorrendo ás sciencias que os estudam. Ora, se demos uma única noção do facto social, como o que deriva das relações dos homens associados, é certo que estas relações são múltiplas e diversas e, assim, dão lugar a factos ou phenomenos sociaes da mais variada natureza. Por conseqüência, como temos varias espécies de phenomenos sociaes, também teremos varias sciencias sociaes, cada uma das quaes devemos pôr, agora, em relação com a philosophia do direito. Ainda ao lado das sciencias sociaes, nestes últimos tempoa se veiu desenvolvendo uma outra sciencia, tendo caracter synthetico e uni- tário, que é a sociologia. Também devemos vêr as relações desta com a philosophia do direito. Earemos isto com certa largueza. devido á actual condição da sociologia, cujo conceito não está ainda completamente seguro. A sociologia, embora também tenha tido os seus precursores, foi formulada systematicamente como sciencia pelo fundador da philo- phia positiva. Augusto Comte. Elle, elaborando uma das suas idéas mais geniaes, a da classificação hierarchica das sciencias e procedendo nesta classificação com o critério de uma complexidade crescente e de uma generalidade decrescente, de modo a partir, das sciencias que es- tudam os phenomenos mais geraes e menos complexos, pôz no grau infimo a mathematica e no grau supremo a sociologia ou sciencia dos phenomenos sociaes. A constituição da sociologia tinha no pensamento de Comte um duplo intento. Primeiramente, o de applicar ás sciencias que estudam o homem e a sociedade o methodo positivo, considerando os phenomenos sociaes ao lado de todos os outros submettidos a leis e fazendo o seu estudo consistir na observação, ajudada pelo raciocínio. Em segundo lugar, propunha-se a considerar os phenomenos sociaes na sua unidade, do ponto de vista do conjuncto (vue d'ensemble). Mas, não obstante isto, e apezar dos progressos que a sociologia fez de __ I ; — Comte até hoje, ella é ainda uma sciencia que procura a si mesma e não conseguiu, ainda, precisar bem a seu conteúdo, os seus limites e as suas relações com cada uma das sciencias sociaes. Nós, procuraremos determinar com a maior precisão possível, a verdadeira noção da sociologia, para podermos ver as suas relações com a philosophia do direito. Noção da Sociologia ("Programma critico di Sociologia», Pe- rugia, '1888). Para se poder dizer o que é uma sciencia é necessário partir da realidade objectiva, isto é, do próprio exame das coisas que uma sciencia estuda. Da analyse da vida social deve resultar o con- ceito da sociologia, que a estuda na sua unidade, e o de cada uma das sciencias sociaes, que a estudam na sua variedade. A vida social apresenta, a uma immediata observação, dois momentos distinctos: o momento da multiplicidade e o da unidade. Com effeito, temos pri- meiramente, na vida social phénomènes múltiplos e de natureza diffé- rente. Começa ,pelo phenomeno da população (elemento pessoal), que se pôde considerar em si mesma, sob o aspecto que se diz demographifo ou, ainda, do ponto de vista da sua subsistência, mediante certos meios (riqueza), que dão vida ao phenomeno econômico. Temos, depois, uma organisação política desta população, que vive num dado território e tai organisação dá lugar ao phenomeno do Estado e a todos os outros phenomenos políticos a este connexos. Os phenomenos determinados pelas crenças religiosas estão comprehendidos em um outro grupo ; e também está comprehendido em um outro grupo o conjuncto dos phenomenos relativos á condueta e ao operar humano, donde a for- mação da moral, do direito e do costume. Restam, finalmente, os phe- nomenos que se referem á vida intellectual em todas as suas manifesta- ções, á cultura em geral, á sciencia, á arte. Examinando-se todos estes factos, que são os vários factos da vida social, achamos que cada um délies tem uma natureza e physiono- mia proprias, depende de causas ou condições que lhe são particulares, offerece um ponto de vista próprio, do qual pode ser visto. Isto cons- titue o especifico de um dado phenomeno social, onde a economia se distingue da religião, etc. Em todo facto social ha o que o caractérisa, a cooperação ; mas, esta assume formas diversas. Ha, pois, na pheno- menologia social o múltiplo e o diverso. f Porém, ao lado da multiplicidade dos phenomenos sociaes temos, também, a sua unidade, que é a unidade da vida social. Os seus vá- rios phenomenos apparecem, a uma observação superficial, independen- tes, não ligados entre si por alguma relação. Mas, um estudo mais pro- fundo prova que elles são estreitamente, indissoluvelmente connexos e interdependentes, isto é, existe entre elles, como bem disse Comte, a mesma solidariedade ou consensus, que anima as varias partes de um mesmo organismo. Desta mutua e intima alliança que os conduz a causas communs, compõe-se ou deriva o que se chama o estado geral de uma sociedade.O systema da vida social, apezar de apresentar phenomenos múl- tiplos, é em si, essencialmente um, no espaço e no tempo. E' um no espaço, no sentido que, em todo o tempo, uma sociedade qualquer apre- senta esta solidariedade e connexão de phenomenos, constitue um todo - 18 - e tem vida propria. E' um no tempo, também, porque um estado geral da sociedade, em um dado momento histórico, é seguido por um outro estado gerai da sociedade, no momento histórico successivo e estes diversos estados succedendo-se um ao outro, compõem a evolução social, o mo- vimento da sociedade na historia. Ora, esta successão dos diversos es- tados constitue uma unidade, justamente porque o conseqüente é de- terminado pelo antecedente e o estado successivo está em relação de continuidade e de filiação necessária com o que o precedeu ; e isto não poderia ser diversamente. A sociedade é, pois, também uma na successão do tempo. Se, na realidade, é esta unidade a natureza cia vida social, a sciencia que a estuda deve reflectir fielmente esta realidade. Assim, ainda no estudo scientifico da phenomenologia social, devemos encontrar o momento da multiplicidade e o da unidade. Cada phenomeno social deve constituir o objecto de uma sciencia social dis- tineta e autônoma; e teremos, então, uma sciencia da população, da economia, da linguagem, da moral, do direito, do costume, etc. Esta necessidade objectiva, nascida da propria natureza dos phenomenos, re- flecte-se em uma necessidade subjectiva que é a da divisão do trabalho, da distinoção e da analyse, pois, para poder comprehender bem um dado phenomeno, é necessário poder isolal-o mentalmente de todos os outros, aos quaes na realidade elle está unido. Acima das sciencias sociaes deve haver, ao mesmo tempo, uma outra sciencia complexa e syn- thetSca, que estude não as múltiplas e diversas relações sociaes, mas o systema social na sua unidade, indissoluvelmente integrado. Esta sciencia foi chamada por Comte sociologia, que também se poderia dizer theoria geral da sociedade. Portanto, a sociologia tem um objecto próprio, um conteúdo especifico, ella é considerada não como uma sim- ples colheita dos resultados das diversas sciencias sociaes, mas como uma synthèse, no sentido scientifico da palavra, que deve chegar aos princípios que determinam e regulam a vida social, considerada na sua unidade. Por isso a sociologia não é, como foi entendida por alguns, uma simples denominação genérica de todas as sciencias sociaes. Stuart Mill dizia que a palavra «sociologia» era um barbarismo com modo, mas ac- crescentamos, que se tornaria um barbarismo inutil, se o adoptassemos neste significado, augmentando os equívocos em um campo, onde exa- ctamente é necessário procurar, a todo o custo, eliminar os equívocos. t muito menos devemos entender a sociologia, como alguns crêm, — e para isso Comte havia deixado lugar — como a sciencia única dos phenomenos sociaes, de maneira que não se teria mais cada uma das sciencias sociaes, uma independente da outra, mas, como é essencial- mente uma a vida social, também seria uma a sciencia que- a estuda. Se- gundo este conceito, a sociologia Viria a ser uma encyclopedia que abra- çaria em si todas as manifestações da vida social. Porem é um conceito que não corresponde a realidade das coisas, porque, como já dissemos, cada um dos phenomenos sociaes tem seus caracteres específicos e deve, pois, ser estudado por uma sciencia particular distineta. Todavia, este conceito errôneo da sociologia tem uma parte de verdade, corresponde ao que se pôde chamar exigência sociológica, que é a exigência da coordenação unitária das varias sciencias sociaes. Elias devem, 6em » - 19 — duvida, permanecer autônomas ou distinctas, devem considerar isolada- mente os phenomenos que estudam, para os poder analysar perfeita- mente. Este isolamento não pôde, porem, significar uma independência absoluta; e não se deve nunca, quando se estuda um certo phenomeno social, perder de vista a relação de intima solidariedade que o une aos outros, ti é mesmo necessário, que cada uma das scíencias sociaes faça convergir os seus resultados a um ponto central, que é a sciencia uni- tária da sociedade ou sociologia. Relações da philosophia do direito com a sociologia. — Fica primeiramente assentado, que a philosophia do direito deve perma- necer a-'.tonoma e distincta da sociologia. O direito, considerado so- mente pelo seu lado phenomenico, é um dos momentos ou aspectos da vida social, apresenta caracteres e condições especificas e, assim, deve ser estudado por uma sciencia independente. A philosophia do direito não pôde ser incluída nem confundida na sociologia, como alguém pretendeu. Por sua vez, é impossível fazer da philosophia do direito uma sociologia. Isto, entre nós, foi feito por Roberto Ardigó, que deu por conteúdo a sua «Sociologia» a explicação da formação da justiça, partindo do con- ceito que o direito é a força espc.fica do organismo social. Porém, apezar da importância da funcç'o que ahi exerce o direito, não é por isso que elle comprehende em si toda a vida social ; pois, nem a pode explicar toda. Portanto, a philosophia do direito não pôde ser toda a sociologia. Porem, fixada esta distincção, ha sempre a necessidade indecli- nável de relações estreitíssimas entre as duas sciencias. Aquillo que cha- mamos exigência sociológica affirma-se no máximo grau na philosophia do direito. Com effeito, ella deve estudar o phenomeno jurídico na totalidade das suas relações ; e as mais immediatas destas relações são justamente as que o direito tem com todos os outros phenomenos so- ciaes. A exigência da correlação é commum a todas as sciencias so- ciaes, ao direito, á economia, etc. Mas ella se manifesta, no que diz respeito ao dlireitoí, de modo especialissimo, porque o direito exerce na vida social uma funcção especial, isto é, uma funcção de garantia. O direito extende esta garantia a todos os elementos da vida social, reli- gião, moral, economia, sciencia, arte, etc, emquanto as relações que délies derivam referem-se ás condições indispensáveis da vida em commum. O que o direito quer garantir é a vida em commum, a existência e o desen- volvimento social. Por conseqüência, diante dos outros phenomenos so- ciaes o direito assume um certo caracter de generalidade, reproduz, de algum modo, aquella unidade cuja manutenção, em grande parte, é obra sua. São estas as razões pelas quaes a philosophia do direito deve, em grande partie, fundar-se sobre a sociologia. Isto principalmente quanto á sua parte phenomenologica. O phenomeno jurídico deve ser comprehendjdo e explicado em relação á toda vida social. Com effeito, as variações dos phenomenos jurídicos são determinadas pelas varia- ções que apresenta a sociedade toda. A evolução do direito é parallela e correlatava á evolução social toda. Assim, somente uma sciencia geral que explique o desenvolvimento histórico da sociedade humana poderá il luminar uma theoria que investigue as variações do direito no tempo. - 20 Emquanto a philosophia do direito deve fazer a investigação pratica, esta consiste em deduzir o fundamento e a necessidade do direito, das condições da vida em commum. E' necessário, então, começar por estabelecer quaes são estas condições. Para se saber isto é necessário re- correr a uma theoria geral da sociedade, que diga o que é a socie- dade e a cooperação social, quaes as necessidades que lhe são inhérentes e quaes as garantias que lhe são indispensáveis. Estas são as relações que a philosophia do direito deve manter com a sociologia. Vejamos agora as Relações da philosophia do direito com cada uma das sciencias sociaes. — a) Demographia ou sciencia da população. — A qualidade, a quantidade, os modos de agrupamento em classe da população são dos principaes factores das relações sociaes que o direitoregula. Assim, a philosophia do direito, para bem entender estas relações, deve levar em contas as variações quantitativas e qualitativas que a população soffre. Estas variações são descriptas e reduzidas, o quanto' possível, a leis da demo- graphia, que já se destacou nitidamente da estatística e da economia política. Um dos momentos capitães da theoria da população é, pois, a sua relação com os meios de subsistência. Esta relação determina certos problemas sociaes que interessam grandemente a philosophia do direito e que se repercutem nas theorias da propriedade, da assistência, etc. b) Psychologia social. — Os homens associados, "entre os quaes se instituem as relações que dissemos ser materia de todas as sciencias sociaes, exercem acções mutuas uns sobre os outros, do ponto de vista psychologico. Não se associam somente os corpos, mas ainda as men- tes, produzindo aquillo que Cattaneo chamava uma psychologia de mentes associadas. D'estas influencias psychicas que os vários componentes de uma sociedade exercitam uns sobre os outros surgem sentimentos com- muns, ideas dominantes e, sobretudo, vontades convergentes, isto é, todos os chamados producios espirituaes, psycho-sociaes ou p^ycho-collec- íivos de uma certa sociedade. Taes são principalmente a linguagem os mythos e, emfim, o costume nas suas três diversas manifestações: moral, direito e costume no sentido restricto. O direito é, pois, um phenomeno psycho-collectivo, que têm suas raizes na consciência social e principalmente nas suas manifestações que representam a vontade col- lectiva. Assim, é nas mais profundas entranhas da psychologia social, que se deve procurar a explicação do direito e também a do Estado. Hoje já se pôde fazer isto, utilisando os progressos que vem fazendo este ramo da psychologia, que se chama psychologia social ou psycho- logia dos povos. c) Estatística social. — Esta sciencia é a que indaga, com methodo quantitativo, a regularidade da vida social, mediante a obser- vação dos phenomenos sociaes, em massa ou grandes números. Consta- tou-se, com effeito, que os phenomenos sociaes não se dão por acaso, accidentalmente, mas que, pelo contrario, mesmo os que, a primeira vista, parecem os mais accidentaes — matrimônios, delictos, suicídios, etc. — se verificam com uma certa regularidade. A estatística social, estudando o que ha de uniforme nos phenomenos sociaes, pôde apresentar o estado geral de uma sociedade em um certo momento histórico. Ora, a philosophia jurídica tem necessidade de conhecer o estado geral da - 21 - sociedade, para indagar as exigências e estudar as condições sociaes, com as quaes o direito se deve uniformar. E, assim', ei la se deve pôr em relação com a estatística social e principalmente com a parte que concerne os phenomenos relativos á moralidade (estatística moral). Achamos um exemplo typico destas regularidades no facto do equilíbrio dos sexos. Isto é, ha, principalmente no periodo de tempo em que são mais freqüentes os matrimônios, um certo equilíbrio nu- mérico entre o sexo masculino e o feminino, que Messedaglia cha- mou, com expressão incisiva, o indice natural da monogamia. Por isto a exigência ethica do matrimônio monogamico, satisfeita pela sua fôrma historicamente mais evoluída, corresponde ás proprias condições da relação numérica, em que se acham os dois sexos em uma sociedade. Mencionamos, por ultimo, outras duas sciencias sociaes, tendo um caracter mais particular. d) Moral social. — A morai social, como o direito, também estu- da a conducta em um certo momento, mas estuda-a de um duplo modo. Primeiramente, emquanto a conducta é regulada por um complexo de normas positivas, que se chamam normas moraes e que são também, como as normas jurídicas, o producto de um processo de formação histórica (phenomenologia moral); em segundo lugar, a moral social, fazendo uma investigação pratica, estuda o fundamento intrínseco das normas moraes. Ora, desde que o operar humano é substancialmente um, elle é o objecto de duas espécies de normas, a norma moral e a norma jurídica; e, portanto, de duas sciencias diversas, moral e direito; segue-se que estas duas sojencias devem ser unidas pelas mais inti- mas relações. e) Economia social. — A economia social pôde ser definida como «a sciencia que estuda a ordem social da riqueza» ; isto é, que estuda o phenomeno da riqueza na sua uniformidade e nas suas leis e emquanto dá lugar a relações sociaes. Desta noção vemos as relações da eco- nomia social com a philosophia do direito. Não é verdade o que sus- tenta o maierialismo histórico, isto é, que toda a vida social deve ser explicada em relação á economia, de modo que as variações de todos os phenomenos sociaes dependem das variações da estructura econômica da sociedade. Um dos mais importantes factores do direito, principal- mente em certos aspectos, é, como veremos opportunamente, o factor econômico. E daqui surge uma primeira serie de relações da phi- losophia do direito com a economia social. Além disso, nem sempre o conteúdo do direito se resolve em um interesse econômico, ou ao menos economicamente commensuravel ; mas, sem duvida, uma grande parte da materia regulada pelo direito é capaz de avaliação econômica, tem caracter patrimonial. Assim, seria impossível comprehender a in- tima significação das normas e institutos jurídicos, cuja materia é eco- nômica, sem um adequado conhecimento da relação econômica, ao qual está sobre posto. Pense-se, emfim, que o direito concerne a apropriação e distribuição dos bens, que regula o meu e o teu, que se refere a interesses, dos quaes surgem as chamadas questões sociaes, para depois se convencer da necessidade daquillo que Romagnosi chamava uma com- penetração profunda do direito com a economia, compenetração pro- - 22 - curada recentemente por Wagner no seu tratado de (Economia Po- lítica >. Com isto esgotamos a analyse das relações da philosophia do direito com a sociologia e com as sciencias sociaes particulares. Desta analyse surge este conceito geral : o direito não é qualquer coisa abs- tracta, uma forma vasia. Em baixo da torma ha o conteúdo concreto, que é dado pela sociedade em todas as suas manifestações. Qualquer estudo do direito, e mais do que todos o philosophico, presuppõe, pois, o conhecimento da vida social. 5.° Relações da philosophia do direito com as sciencias polificas. — Para determinar estas relações é necessário partir de um con- ceito exacto das sciencias políticas, distinguindo-as das sciencias so- ciaes e jurídicas. Como sabemos, as sciencias sociaes são as que estudam os phé- nomènes que nascem das relações dos homens associados ; e as scien- cias jurídicas são as que estudam as normas de direito que regulam estas relações sociaes. Vejamos agora, em relação a estas, quaes são as sciencias políticas. Todos estão de accordo, quando se sustenta que as sciencias po- líticas se referem ao Estado, porem, surgem divergências e incertezas, quando se trata de estabelecer sob qual aspecto se referem ao Estado. Para eliminar estas duvidas é necessário partir da observação da realidade. Ora, o Estado pode ser considerado debaixo de três pontos de vista. l.o Do ponto de visia social. Pôde ser estudado como uma fôrma de convivência e de cooperação, a convivência e a coopera- ção política ; pôde ser estudado na sua composição social, isto é, nos elementos sociaes que o constituem, nas forças donde resulta e é sustentado, etc. Estuda-se, assim, um facto que é um dos aspectos da complexa pheno- menologia social. 2.° Do ponto de vista jurídico. O Estado, tanto na sua cons- tituição como no seu fundamento, é regulado por normas de direito e, pois, sob este aspecto, elle é objecto das sciencias jurídicas, ao passo que sob o ponto de vista antecedente, é objecto da sociologia e das sciencias sociaes.3.0 Do ponto de vista politico. Este é o momento da actividade e da finalidade do Estado, emquanto exerce a sua acção para a consecu- ção de certos fins, empregando certos meios ; e, assim, se pôde dizer que as sciencias políticas são as sciencias dos fins e dos meios do Estado. Teremos, então, uma sciencia política geral, que indaga quaes os fins do Estado e quaes os meios mais aptos para os conseguir e, depois, as sciencias políticas particulares, que indagam separadamente cada um dos fins do Estado : sciencia da administração, sciencia das finanças, política ecclesiastica, etc. Para termos esta noção mais clara appliquemol-a a um caso con- creto : ao imposto. O imposto pôde ser estudado : — a) do ponto de vista jurídico, isto é, emqujanto estabelecido por lei, e temos, pois, um complexo de normas jurídicas (direito financeiro), que determinam os modos da sua applicação, arrecadação, etc. ; — b) do ponto de vista social, isto é, quando dá lugar a certos phenomenos econômicos ; por - 23 - txemplo, o da sua translação ou repercução dos productores sobre os consumidores; — c) do ponto de vista politico, como faz a sciencia das finanças, que estabelece os princípios e os critérios, mediante os quaes o Estado deve procurar os meios econômicos necessários á con secução dos seus diversos fins. A philosophia do direito achase em continuas e intimas relações de subsídios e connexão com as sciencias políticas. Com effeito, a philosophia do direito também estuda o Estado, primeiramente o Es tado emquanto é um presupposto necessário do direito. Além disso, estudao de um ponto de vista especial, quando é philosophia do direito publico. Emfim, a philosophia do direito, pela sua natureza synthetics, tem necessidade de reunir a forma do Estado em que as varias scien cias fizeram distincções, olhar o Estado na sua inteireza e também sob o aspecto politico que as sciencias políticas estudam. CAPITULO IV METHODOS DA PHILOSOPHIA DO DIREITO Entendese por methodo o processo lógico que a mente segue para chegar á descoberta da verdade. Os methodos fundamentaes, como todos sabem, são dois: o inductivo e o deductivo; e, quanto ao que se refere a sua natureza, vejase as clássicas «Lógicas» de Stuart Mill, Bain, levons, Wundt e Sigwart. Recordamos apenas, que o methodo 'deduoëvo é o que parte de uma premissa de indole geral e tira as conseqüências particulares que ella encerra ; o methodo inductivo é o que da observação de factos particulares chega a leis. Estes dois metho dos são distinctes um do outro, mas não são dois methodos opposros. O contraste que se manifestou entre elles desde o tempo de Bacon e que perdurou até ha poucos annos, está hoje inteiramente posto de lado. Actualmente, em todo o campo das sciencias sociaes e no conceito aos lógicos em geral, prevalece a idéa da unidade fundamental dos dois ■methodos, de maneira que elles apparecem como partes integrantes de um hiesmo methodo, como órgãos de uma mesma funcção. Este con ceito teve a sua confirmação nas investigações especiaes, feitas sobre a na tureza e o processo da inducção e da deducção. Viuse, com effeito, que, ao mesmo tempo que se emprega um dos dois methodos, também se emprega necessariamente o outro. E, assim, a deducção implica tam bém elementos inductivos, quando parte de premissas que são o resul tado de uftia generalisação precedente; e, viceversa, a inducção não consiste, como poude crer Bacon no seu tempo, em uma simples reduc ção dos factos particulares a um principio geral, mas, é sempre acompa nhada de raciocinios, de theorias, de hypotheses, que são elementos cre ductivos. A unidade fundamental dos methodos presuppõe, porem, que a deducção seja entendida em um sentido scientifico. Isto é, fallase da dedução que se funda sobre uma premissa legitimamente posta e que possa conduzir a conseqüências tendo valor scientifico ; premissa esta, que consiste em uma verdade axiomatica oiî é o resultado de uma - 24 - inducção precedente. Bem diversa é a deducção que parte de princípios aprioristicos, 'de premissas arbitrarias, que não são axiomas nem ver- dades demonstradas ou demonstraveis e que tem, pois, um valor pura- mente subjectivo. E esta era a deducção contra a qual combatia Bacon no seu tempo, proclamando a necessidade da reforma do methodo. Por exemplo, a (premissa de que partiam os physicos : «a natureza tem horror do vasio» não tem nenhum fundamento de facto, não é demonstrada nem é demonstravel. Porém, se dissermos: «todos os phenomenos humanos derivam de processes mentaes», esta é uma premissa legitima ; mas se accrescentarmos : «todos os processos mentaes resolvem-se em movimentos moleculares do cérebro», esta premissa materialistica nunca foi demons- trada e não é capaz de o ser ; desta, pois, não se poderia tirar senão conseqüências illegítimas. Estabelecidos estes conceitos, vê-se logo, que hoje não se pode mais fazer questão, se uma sciencia é inducriva ou deductiva, mas ha somente para se investigar a proporção reladva, na qual em uma mesma sciencia se combinam juntamente a inducção e a deducção. De maneira que, por um principio lógico geral, uma sciencia é unais adiantada, quanto mais deductiva ; e, assim, o ideal de toüa sciencia é approximar-se o mais possível da mathematica, e a investi- gação a se fazer em \xma dada sciencia é ver dentro de que iimiteb a dedução pôde entrar nella. Assim, a physica mais progrediu, quanU mais se tornou deductiva, ao passo que a metereologia e a esíatisnca, que dão os primeiros passos no caminho da generalisação, ficaram no infimo grau. CJma outra investigação necessária, a propósito do methodo, é a íelativa á forma especial que um methodo assume em uma sciencia especial. Embora os methodos sejam fundamentalmente dois, íodavia, um methodo reveste-se de um modo distincto, assume uma physionomia particular, conforme a .natureza do objecto estudado e o que uma sciencia se propõe a fazer. Assim, ha varias formas de inducção: a inducção pro- pria das sciencias naturaes tem uma forma diversa da das sciencias históri- cas e esta, por sua vfcz, é diversa da inducção mathematica ou quanti- tativa, de que se serve a estatística, etc. Applicando á philososphia do direito o que até agora dissemos, achamos também aqui, não o predomínio absoluto de um methodo, mas a combinação do methodo inductivo com o deductivo. Portanto, aqui também será questão saber em que proporção elles se combinam e quaes os aspectos especiaes que assumem os methodos geraes. Para rsso, e principalmente no que se refere ao segundo caso, é necessário que se mantenha bem distinctas as três investigações que a philosophia ao di- reito faz, porque a proporção da combinação dos methodos varia com- forme a natureza délias. Na investigação critica, referente ao fundamento do saber judaico, trata-se, principalmente, dos presuppostos que a philosophia do direito tira da gnoseologia; e, assim, prevalece o methodo deductivo. Mas, aqui também entra a inducção, emquanto os princípios geraes da gnoseoiogia são avaliados pela analyse inductiva, que por sua conta faz a philosopma da idéa do direito, tirando-a da observação do direito positivo na historia A investigação pratica ou deontologica também se funda prevalen- temente sobre a deducção. Com effelco, ei Ia parte de certas premissas — 25 — sobre a natureza humana, que foram estabelecidas pelas sciencias anthro- pologicas, e de outras premissas sobre as condicções da vida em com- mun, que foram estabelecidas pelas sociologia e pelas sciencias sociaes. Destas propriedades da natureza humana e destas condições da convivên- cia deduz-se o que o direito deve fazer para assegurar as condições de que depende a consecução dos fins humanos. Mas aqui nesta parte também entra o methodo inductivo, pois a natureza humana não- é con- siderada
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