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Icilio Vanni Lições de Philosophia do Direito

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LIÇÕES 
râ PHILOSOPHÍA 
^ D I R E I T O # 
S. T, F. 
P A T R I M Ô N I O 
TRADUZIDAS DA 3.A EDIÇÃO 
ITALIANA POR 
OCTAVIO PARANAGUÁ' 
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SÃO PAULO 
POCAI WEISS & C. 
1916 
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AO 
DR. JOÃO ARRUDA 
Primeira Parte 
Noção da Philosophic! do Direito 
CAPITULO I 
O CONHECIMENTO E OS SEUS GRAUS. SCIENCIA 
E PHILOSOPHIA 
Quem pretende estudar uma sciencía deve primeiramente procurar 
saber o que vem a ser essa sciencía. Assim, a nossa primeira investiga-
ção consistirá em saber o que vem a ser a Philosophia do Direito, o 
que significa e o que importa estudar philosophicameníe o direito. Para 
se fazer esta investigação é necessário retroceder á propria noção da 
sciencía e da philosophia, determinar a natureza e os graus do conhe-
mento e do saber. 
A mente humana é provida de uma faculdade fundamental, que 
os inglezes chamam discriminação, mediante a qual percebemos as dit-
ferenças e as semelhanças das coisas. Dessa faculdade deriva a natureza 
e o processo do nosso conhecimento. 
Em todos os seus estádios ou graus conhecer significa distin-
guir e relacionar: conhecer uma coisa significa distinguil-a de todas 
as outras coisas que foram percebidas como dissemelhantes, e, ao mesmo 
tempo, relacional-a com todas as que foram percebidas como seme-
lhantes. Esta natureza e este processo do nosso conhecimento implica 
que elle passa por uma serie ascendente de graus. Cada grau desta 
serie é representado por um processo sempre mais alto de generalisação, 
isto é, o nosso conhecimento é mais alto quanto maior é o numero de 
coisas que nelle comprehendemos. Assim, atravez de diversos graus, 
passa-se do particular ao universal, do conhecimento empírico eu vul-
gar ao conhecimento scientífico e deste ao conhecimento philosophíco. 
Um conhecimento é puramente empírico, quando consiste em co-
nhecer um facto ou phenomeno particular sem o pôr em relação com 
outro e, assim, sem saoer como e porque elle se proauziu. Pelo con-
trario, o connecimento se torna scientífico, quando consiste em uma 
cognição systematica dos factos e dos phenomenos, pondo um facto 
em relação com outros, de modo a descobrir as suas uniformidades e 
a determinar as suas leis. Assim, o conhecimento scientífico é o conhe-
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cimento de relações, de uniformidades, de leis. A sciencia funda-se 
sobre o postulado da uniformidade da natureza. As uniformidades po-
dem ser de três espécies: de igualdade ou desigualdade, de coexistência 
e de successão. Quando se trata de uniformidades de igualdade, como 
as estudadas pela mathematica, nós não temos verdadeiramente um objecto 
real para estudar, mas estudamos as relações abstractas ou as formas 
sob as quaes taes relações sé podem apresentar (a = a ) ; por conse''-
quencia, as sciencias que estudam as uniformidades de igualdade são 
chamadas, — principalmente por Wundt — sciencias jormaes. Exis-
tem, porém, outras sciencias que estudam as coisas, os phenomenos. 
Estas são as chamadas sciencias reaes, que têm por objecto relações 
de mera coexistência, isto é, de existência em conjuncto de varias coisas 
ou de varias propriedades em um mesmo objecto, como* a geographia, 
a mineralogía, etc, ou relações de successão. Neste ultimo casoi a sciencia 
tem por objecto um estudo especial. Se um phenomeno succède a um 
outro, a investigação scientifica consiste justamente em determinar o 
nexo causai, isto é, em achar a causa ou antecedente, pelo qual foi necessa-
riamente produzido o effeito ou conseqüente, em estabelecer as leis 
ou os modos regulares e constantes, com os quaes a causa produz o 
effeito. 
A noção que demos aqui da sciencia vale para o grupo de scien-
cias que se chamam sciencias theoricas. Mas ao lado destas está a 
categoria das chamadas sciencias praticas, sobre as quaes devemos in-
sistir especialmente. Estas sciencias não estudam um phenomeno real-
mente existente, mas o modo de produzir um phenomeno ; applicam 
as verdades obtidas, mediante as sciencias theoricas, para a consecução 
de um certo fim. Assim, ellas não formulam theoremas, mas preceitos 
regras dadas para o operar. 
A differença entre sciencias theoricas e praticas tem uma pro-
funda raiz nas proprias qualidades e funcções psychologicas da mente : 
as sciencias theoricas têm suas raizes na funcção da intelligencia e são, 
pois, destinadas á investigação da verdade — (àXVjfteía, como dizia 
Aristóteles na sua «-Metaphysical)-—; ao passo que as sciencias praticas 
têm suas raizes na funcção da vontade e não têm,,, pois, por fim a 
descoberta da verdade, mas o operar ( i p y o v ). Mas nas sciencias 
praticas são distinguidas, por sua vez, as que têm um caracter puramente 
technico das que assumem um caracter e um valor efhíco. Em certos 
casos a consecução de um fim é deixada á vontade de quem se propõe 
ou não oonseguil-o. Este é o caso do medico, do agricultor, etc, 
Estas sciencias praticas, nas quaes o fim 'pode ser conseguido e íambem 
pode não o ser, chamam-se geralmente sciencias technicas. Existem, 
ainda, fins necessários á vida e que devem, pois, ser conseguidos me-
diante certos meios que têm igualmente caracter de necessidade. Neste 
caso apparece um outro elemento, o elemento da obrigatoriedade do 
operar, do dever — (sollen, dizem os allemães para exprimir a neces-
sidade moral, em contraposição a miissen, que exprime a necessidade 
physica). Ora, as sciencias praticas que têm estes fins, cuja consecução 
é necessária, são designadas com o nome de sciencias ethicas, relativas 
á conducta individual ou publica, entre as quaes sãò das mais importantes 
a moral e o direito. 
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Porém, todas as sciencias, quer theoricas, quer praticas, referem-se 
sempre a uma ordem particular de factos ou de relações; e, assim, 
ellas não representam o ultimo grau a que pode chegar o nosso saber. 
Além disso, como cada sciencia ou grupo de sciencias estuda uma ordem 
particular de factos ou tie relações, acontece que, em sum ma, a sciencia 
representa um conhecimento fragmentário. A necessidade da divisão do 
trabalho, derivada, por sua vez, da limitação da nossa mente, faz com 
que haja necessidade de se scindir a totalidade dos phenomenos, que é 
essencialmente uma, em varias ordens particulares, cada uma das quaes é 
estudada por uma sojencia particular ou por um grupo de sciencias. 
Destes fragmentos e destas particularidades sente-se, por conse 
quencia, a necessidade de se subir a alguma coisa mais alta, de ligar, 
novamente aquillo que se distinguiu. Isto ainda por esta outra razão: 
cada sciencia estudando uma ordem particular de phenomenos, faz abs-
tracção do elemento do sujeito conhecente, ao passo que, em qualquer 
coisa que se estude, além do objecto conhecido, ha a mente, isto é, o 
sujeito que o conhece. E', portanto, necessário abraçar ao mesmo tempo 
a totalidade dos phenomenos e reunir o objecto e o sujeito; é necessá-
rio chegar, á unificação do saber. 
Esta é a tarefa da philosophia. Somos, pois, levados a esta 
por uma dupla necessidade : por uma necessidade subjectiva da mente, 
e por uma necessidade objectiva das coisas. Por uma necessidade subje-
ctiva no sentido que, justamente pela propria natureza do nosso pro-
cesso cognoscitivo, que é um processo de connexão, nós não nos sa-
tisfazemos com o nosso saber emquanto não chegamos a comprehendcr 
a totalidade das coisas. A nossa mente tem necessidade de chegar ao 
ultimo grau possível de generalisação, de ter uma noção do universo 
e de si mesma comprehendida na ordem universal. Além disto, quanto 
mais os conhecimentos se multiplicam, mais progridem as sciencias par-
ticulares, mais viva é a necessidade que o pensamento sente desta uni-
ficação. Elle procura obter o máximo resultado com o mínimo esforço 
possível, realisandona ordem do pensamento, mediante a philosophia, 
a lei do minimo meio. Mas nós somos, ainda, levados ao conhecimento 
philosophico por uma necessidade das coisas. Porque, como foi dito, 
os factos ou phenomenos são certamente múltiplos e de natureza diffé-
rente, e podem distinguir-se uns dos outros, de maneira a ser cada um 
objecto de uma sciencia particular, mas na realidade todos os pheno-
menos formam uma unidade indissolúvel, que se -chama o real na sua 
inteireza ; e, então, implicam sempre, além do objecto conhecido, o sujeito 
conhecente. 
A philosophia tem, pois, um objecto especifico, um conteúdo pró-
prio, que é a totalidade das coisas ou, em uma palavra, o universal. 
Assim, ella é verdadeiramente como foi pensada e definida por Aristó-
teles: ia sciencia do universal». E, valcndo-nos de uma definição de 
Spmcer, que representa a ordem especial de idéas á que nos inspiramos, 
podemos dizer que a philosophia é «a sciencia dos primeiros prin-
cípios» ou «.dos princípios mais geraes». 
Isto posto, pode-se immediatamente apanhar a relação que inter-
cede entre a philosojphia e as sciencias. Do que foi dito até aqui se 
deduz que a philosophia representa o complemento ou a integração das 
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sciencias. Cada uma das sciencias, justamente porque estuda uma ordem 
particular de factos, é impotente para tratar por si os problemas geraes, 
communs a todas a» sciencias; é incapaz, de estudar, por exemplo, em 
que consiste a causalidade, a igualdade e a desigualdade, etc. Segue-se, 
então, que as sciencias particulares têm necessidade de uma integração ; 
e c justamente a philosophia que integra as sciencias na unidade de 
uma investigação geral. E segue-se sempre o mesmo processo: assim 
como a sciencia, em relação ao conhecimento commum, unifica uma or-
dem de relações ou de phénomènes em uma lei, também a philosophia 
unifica todo o conjuncto das relações, dos phenomenos e das leis em uma 
lei suprema. Não ha, pois. uma diversidade de processo cognosciíno, 
passando da sciencia á philosophia, mas ha apenas uma differença de 
grau, pois a philosophia representa o ultimo grau de generalisação. 
Por conseqüência, entre a philosophia e a sciencia não pôde ha-
ver uma differença fundamental e muito menos um contraste. A philo-
sophia, pelo contrario, tendo como tarefa unificar os resultados das scien-
cias, obtém o seu material das proprias sciencias, vive e alimenta-se com 
os seus progressos. Não se deve crer que a philosophia seja uma mera 
somma dos últimos resultados das sciencias. E até nem é sufficiente e 
perfeita a noção que CoirUe deu da philosophia. Para elle, a philoso-
phia deive limitar-se a coordenar os últimos resultados das sciencias. A 
philosophia, pelo contrario, faz uma investigação superior, ella é. como 
dizia Bacon, uma scientia altior. Ella não toma como estão os re-
sultados das sciencias particulares, mas os òubmette a uma avaliação ou 
inspecção. A philosophia, ainda elabora ulteriormente estes resultados, 
unificando-os em um primeiro principio. E', pois, uma investigação dis-
tineta, mas obtida sempre das proprias entranhas das sciencias, de maneira 
que se trata de uma philosophia scientifica. E chamando-a assim, nós 
nos approximamos do pensamento animador, tanto do positivismo de 
Comte, como da philosophia synthetica de Spencer; pensamento que 
está em tão grande parte na philosophia de Wundt, apezar delia tender 
ultrapassar os limites da experiência, até se tornar metaphysica. 
Obtida assim esta noção da philosophia, da propria analyse do pro-
cesso cognoscitivo, acerescentamos que apezar da philosophia ter sempre 
por objecto o universal, a unificação do saber, e, pois, apezar de ser um 
o seu organismo, todavia este consta de três partes, correspondentes a 
três investigações especiaes da philosophia. A analyse dessas três partes 
foi feita na Italia, com mão de mestre, por Angiulli: «-La filosofia e 
Ia scuola» Napoli, 1888. 
Essas três investigações correspondem a três problemas que sempre, 
preoecuparam o pensamento philosophico. Elles são relativos: o pri-
meiro ao saber, o segundo ao ser, o terceiro ao operar. 
a) PROBLEMA DO SABER. Já foi dito que em cada um dos 
nossos conhecimentos temos dois momentos : o objecto conhecido e o 
sujeito conhecente. Ora, justamente em uma das suas primeiras investi-
gações, a philosophia tem por alvo o sujeito conhecente, isto é, a intelli-
gencia e. pois, o saber. Sob este aspectp, a philosophia é uma theoria da 
sciencia e das sciencias. Quando theoria da sciencia, a philosophia propõe-
se a investigar a origem e o fundamento do conhecimento, as condições 
a que o saber se deve submetter para que possa ser considerado legitimo 
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e válido. Em outras palavras, a philosophia quando indaga o conheci-
mento responde a este problema : «como e o que nós podemos co-
nhecer?». E quando ella se propõe a esta investigação é chamada g no-
seologia ou theoria do conhecimento. .Vias, ao mesmo tempo, ella é 
também uma theoria das sciencias ; e sob este aspecto, é chamada, princi-
palmente pelos escriptores" inglezes, e piste mologia. E como tal, a phi-
losophia coordena as varias sciencias, organisa-as, unifica-as, e isto é 
necessário porque, assim como é um o real ou a totalidade das coisas, 
também é realmente um o saber, que em todas as sciencias está dividido 
e que deve, pois, ser novamente trazido a unidade. A philosophia exercita, 
ao mesmo tempo, diante das sciencias particulares, uma funcção central 
de direcção e de inspecção, designando ás sciencias as condições, dentro 
das quaes se devem manter, para que possam adquirir um valor e uma 
legitimidade verdadeiramente scientifica. 
Quando é uma theoria do conhecimento e uma theoria das scien-
cias, isto é, nesta sua primeira parte, a philosophia pôde chamar-se 
critica, adoptando um adjectivo com que Emmanuel Kant renovou a 
philosophia. 
b) PROBLEMA DO SER. Nesta palavra está comprehendida toda 
a realidade das coisas ou totalidade dos phenomenos cósmicos. A tarefa 
da philosophia nesta parte é a universalidade ; e aqui a philosophia re-
sume e synthétisa os resultados de cada uma das sciencias e quer chegar 
a um principio único, do qual dependem todos os phenomenos do uni-
verso. Assim, sob este aspecto, segundo Spencer ((Primeiros princí-
pios»), a philosophia pôde chamar-se syntheüca. 
c) PROBLEMA DO OPERAR. Tratando das sciencias praticas, 
dissemos que o operar humano, principalmente na parte dominada pela 
idéa da necessidade do fim a conseguir, é o objecte» de varias sciencias, 
chamadas ethicas, que estudam o deve ser; a moral, o direito), a sciencia 
da educação, etc. 
Ora, estas sciencias também devem ter princípios communs, devem 
chegar a um alto grau de generalidade ; devem existir os primeiros 
princípios da conducta, assim como existem os do conhecimento e das 
coisas. A investigação de taes princípios constitue o objecto desta ter-
ceira parte da philosophia, que é chamada com uma velha designação 
philosophia pratica universal ou ethica em sentido laíissimo, como theo-
ria dos primeiros princípios de todas as sciencias ethicas. Como se chega 
aos primeiros princípios no campo do operar ? Estes princípios não po-
dem ser estabelecidos senão observando a natureza do homem, chegando 
ás condições e leis que regulam a sua existência, considerada quer indi\ i-
duaimente, quer no estado de associação. E, se quizermos estabelecer 
justamente quaes são os fins a que necessariamente o homem se deve 
propor e os meios necessários para os conseguir, é necessário unir no-
vamente a existência humana á ordem cósmica. O primeiro principio da 
conducta, o fim necessário, depende de saber o que é o homem no 
universo, que valor tem a sua existência, e, pois, o que se deve fazer 
com elle. Portanto, embora á primeira vista pareça que a ethica se 
occupa apenas de uma ordem particular de relações, as relações humanas,ella adquire um valor universal, um caracter essencialmente philosophico, 
porque une novamente o homem á totalidade das coisas. 
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CAPITULO II 
A PHILOSOPHIA DO DIREITO: SEU OBJECTO, NATUREZA, 
FUNCÇÃO E DIVISÃO 
Não se passa de um salto da sciencia d philosophia; entre uma 
e outra ha um grau intermédio representado por aquillo que se pôde 
chamar a philosophia de um grupo de scienaas. Um dado objecto, fa-
cto ou relação pôde ser contemporaneamente estudado por varias scien-
cias, as quaes compõem, assim, um grupo distincto. Então, a mesma 
exigência indeclinável do pensamento, que conduíz á philosophia, leva-nos 
ainda a unia investigação coordenadora no seio de um grupo de sciencias. 
Em todo o grupo de sciencias ha problemas geraes, princípios communs 
a todas as sciencias do grupo; cada uma délias, justamente por sua na-
tureza particular, é, por si, impotente para os examinar. Assim, é neces-
sário naquelle grupo dado uma investigação mais alta, que coordene as 
suas idéas mães, estabeleça os seus princípios communs, que, emfim, 
faça com elle uma synthèse, como a philosophic geral faz de todas as 
sciencias 
Esta investigação synthetica adquire depois um verdadeiro valor 
philosophico, quando une o objecto próprio daquelle dado grupo de 
sciencias com a ordem universal. De maneira que, em summa, na sua 
synthèse suprema, a philosophia geral não é senão a coordenação das 
syntheses parciaes feitas pelas philosophias particulares ou philosophia-, 
de um grupo de sciencias. 
As sciencias biológicas, por exemplo, são múltiplas e de natureza 
différente, mas todas estudam a vida nas suas diversas manifestações. Assim, 
teremos a botânica, a morphologia, a physiologia, a pathologia, etc. Em to-
das estas sciencias ha problemas geraes : o que é a vida, qual a 
sua origem, qual a sua relação com a ordem universal, etc. Ora. jus-
tamente todos estes problemas, que cada uma das citadas sciencias par-
ticulares é, por si, impotente para tratar, agitam-se no estudo da philo-
sophia das sciencias biológicas ou biologia em sentido restricto. Da 
mesma maneira todas as sciencias sociaes estudam os factos sociaes, mat. 
é necessário uma investigação distincta, superior, para estabelecer o que 
é o facto social, em que consiste a sociedade, quaes são os seus cara-
cteres differenciaes, etc. Esta investigação é feita pela philosophia das 
sciencias sociaes. 
Do que foi até agora dito, resulta mais bem precisado que o estudo 
philosophico de uma coisa não é de natureza especial, mas consiste em 
uma orientação especial do pensamento, pela qual nós consideramos a 
coisa de um ponto de vista especial, isto é, nófe a consideramos na tota-
lidade das suas relações, no systema de todas as coisas. 
Vejamos agora o que é a philosophia do direito, quaes os seus 
caracteres e a sua natureza (Vanni, «Problema delia filosofia dei di-
rUio», Verona 1890). O direito também é estudado por um grupo 
de sciencias: as sciencias jurídicas. Estas são múltiplas; umas têm caracter 
histórico, outras têm caracter systematico ou dogmático. Dada esta mul-
tiplicidade de sciencias, por causa daquella necessidade do processo co-
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gnoscitivo que nós já sabemos, ha necessidade de chegar ao ultimo grau 
de generalidade, de unificar o saber jurídico. No campo das sciencias 
jurídicas também ha problemas geraes e presuppostos communs, que ne-
nhuma daquellas sciencias pôde tratar por si só: o que1 é direito, donde 
vem, qual o seu fim, qual funcção exerce na vida social. E', portanto, 
evidente, que, para o exame destes problemas.; é necessário uma sciencia 
altior, coordenadora das idéas mães das diversas sciencias juridicas, uma 
sciencia dos primeiros princípios do direito e que, ao mesmo tempo, 
o inclua e o explique no systema de todas as coisas. Nisto resume-se 
a natureza da philosophia do direito. Se ella deve reunir o direito ao 
systema geral do universo, segue-se que os seus materiaes não lhe serão 
fornecidos exclusivamente pelas sciencias juridicas, mas ainda por outras 
ordens de sciencias. Portanto, embora a philosophia do direito deva 
viver em continuo contacte com as sciencias juridicas e deva obter 
delia grande parte dos materiaes para as suas construcções, todavia 
não se pode dizer que a philosophia do direito seja uma sciencia jurí-
dica, uma parte da jurisprudência, pois é uma sciencia distincta e au-
tônoma, com sua feição particular constituída pelo seu caracter phi-
losophic©. 
Mas nós devemos ver, de um modo mais concreto e especifico, 
o que a philosophia do direito se propõe a fazer. A philosophia do di-
reito deve fazer três investigações; e nós para não darmos délias uma 
noção arbitraria, procuraremos obtel-as da propria natureza do objecte 
por ella estudado, isto é, do direito. 
O direito é primeiramente objecte de um ramo particular do sa-
ber, que é a sciencia jurídica ; elle é, além disto, um facto que se produz 
nas sodedadjes humanas, com um processo de formação histórica; e, fi-
nalmente, como a moral e qualquer outra norma de conducta, o direito 
refere-se ao operar humano. Levando em consideração esses três ele-
mentos essenciaes, que estão na propria natureza objectiva do direito, 
se delineam as três investigações que a philosophia do direito deve fazer. 
a) INVESTIGAÇÃO CRITICA. Esta investigação é relativa ao 
saber jurídico. Sobre isto nós devemos indagar qual é o fundamento 
e quaes as condições que deve obedecer a sciencia jurídica, para estar 
segura da legitimidade e da validade dos seus resultados. 
Ora, a philosophia do direito não pôde fazer por si uma theoria 
do conhecimento, A theoria do conhecimento applica-se a todos os 
ramos do saber, tanto á mathematica como ao direito, e, além disto, ella 
já foi dada pela «gnoseologia», cujos resultados são, pois, um presupposto 
para a philosophia do direito. Mas esse presupposto deve ser aplicado de 
modo mais immediate ao saber jurídico; e nessa applicação mais directa 
está o fim dessa investigação critica. Além1 disto, a philosophia do di-
reito, nessa applicação, pôde trazer uma contribuição propria, pois, ella 
pôde, melhor do que qualquer outra sciencia, conhecer o que é o 
direito e quaes os caracteres differenciaes ; e, portanto, melhor que uma 
theoria geral do conhecimento, pôde estabelecer o fundamento do co-
nhecimento jurídico e determinar as condições e os limites do saber 
jurídico. Assiin, também, quanto á questão da origem da idéa do 
direito, isto 6, se nós temos na nossa mente a idéa da justiça. Ora, a 
gnoseologia diz se existem ou não idéas innatas, e as suas conclusões 
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constituem um presupposto para a philosophia do direito. Esta, porém, 
contribue para augmentai" o valor dos resultados obtidos pela gnoseo-
logia. Com efíeito, indagando o que é o direito, ella estabelece que é 
uma norma obrigatória de conducta, assegurada na sociedade humana por 
um órgão especial, e que regula as relações dos homens que convivem 
em sociedade. Assim, sem querer ser uma gnoseologia, a philosophia 
do direito pôde, todavia, affirmai" que não pôde haver uma idéa innata 
do direito, pois elle presuppùe a existência da sociedade e das relações 
sociaes. Portanto, tem razão de ser, uma investigação critica, na qual 
a philosophia do direito applica os dados da gnoseologia ao direito, 
trazendo-lhe, ainda, uma contribuição propria. Além disto, nesta mesma 
investigação, a philosophia do direito é uma theoria das sciencias jurí-
dicas, quando as classifica e as organisa, quando faz voltar á unidade 
o saber jurídico, dividido em virtude da limitação da mente. Ainda 
aqui, ao mostrar os laços existentes entre as diversas sciencias juridicas, 
ella tem uma competência propria, mais especial e directa que a da 
theoria geral do conhecimento. A philosophia do direito, emfim, exer-
cita sobre cada uma das sciencias jurídicas uma funcção central de di-
recção e inspecção,designando-lhes as condições e os limites em que 
se devem manter, para que possam chegar a resultados que tenham va-
lidade scientifica, e experimentando o valor dos próprios resultados. 
b) INVESTIGAÇÃO SYNTHETICA OU PHENOxMENOLOGIA 
JURÍDICA. O direito é um phenomeno que se produz na sociedade 
com um processo de formação histórica; e, assim, elle não só existe 
actualmente e assume diversas formas nas diversas condições de lugar 
e nas diversas sociedades humanas, mas ainda teve uma origem e uma 
evolução, isto é, uma serie de transformações na historia. O complexo 
destas transformações constitue a phenomenologia do direito, a qual é, 
sem duvida, o objecte de sciencias juridicas particulares, como são as 
sciencias históricas e as sciencias descriptivas do direito: historia uni-
versal do direito, sciencia comparada das instituições juridicas, legislação 
comparada, etc. Mas estas sciencias operam no campo dos particulares, 
estudando as instituições juridicas de vários povos, em vários momentos 
históricos. Comtudo, ao lado do particular ha o geral. Assim, é ne-
cessário estudar, ainda, o processo de formação histórica do direito, 
na sua origem e na sua evolução ; e, além das variedades accidentaes, 
é necessário estudar os elementos constantes e uniformes. Ora, nós 
já sabemos que da uniformidade se chega ás leis. Ainda aqui, portanto, 
é possível e mesmo necessário chegar a uma generalisação ou synthèse, 
que determine as leis que regulam a origem e a evolução do direito 
na historia. Esta é a phenomenologia jurídica que foi chamada, ainda, 
«theoria synthetica do direito», porque na unidade de um principio syn-
thefico se deve dizer o que é, porque existe e o que faz o direito ; 
ella pôde, pois, ser chamada «philosophia da historia do direito-. E 
ainda, para explicar completamente uma coisa do ponto de vista philo-
sopkioo, é necessário consideral-a na totalidade das suas relações ; c 
devemos, portanto, pôr o phenomeno jurídico em relação com todos os 
ou ti os phenomenos com os quaes, na realidade, elle se acha unido. Ora, 
o direito produz-se na sociedade humana e a phenomenologia social 
compõe um systema, porque, como veremos, todos os phenomenos so-
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ciaes (população, economia, moral, religião, direito, etc.) estão indisso-
luvclmente ligados um ao outro e exercitam um sobre o outro uma 
serie de reciprocas influencias. Por conseqüência, cada um dos pheno-
menos sociaes tíeve ser integrado na unidade de toda a vida social e, assim, 
a phenomenologia jurídica também deve ser estudada onde effectivamente se 
desenvolve, isto é, na mais vasta, solida e complexa phenomenologia 
social. Em outras palavras, é necessário que a phenomenologia jurídica 
se torne uma theoria sociológica do direito. Somente se olhando deste 
ai tu ponto de vista, poder-se-ha comprehender o que é effectivamente 
o direito, quaes as razões da sua existência, quaes as causas que deter-
minaram a Sua origenr e a sua transformação no tempor e quaes, enfim, 
as verdadeiras forças productoras do direito e a verdadeira tuncção que 
elle exerce na sociedade e na historia. Masç feito isto, a necessidade 
da mente continua ainda e alarga-se ainda o angulo visual pelo qual ella 
deve olhar o phenomeno jurídico. Depois que o phenomeno jurídico 
foi posto em relação com outros phenomenos sociaes e com a unidade 
da vida social, apparece immediatamente a necessidade de uma investiga-
ção mais alta sobre o que o direito tem feito em relação ao desenvolvi-
mento das sociedades humanas, sobre a futfeçao exercida pelo direito 
na historia Jda civilisação; o que, em outras palavras significa investigar 
o valor e o significado que o direito tem para a vida humana e para 
os seus fins. Mas, a vida humana faz parte de um systema mais vasto, 
que é todo o systema cósmico; a vida é uma parte do mundo, e, por-
tanto, indagar o valor e o significado do direito para a vida humana, 
implica investigar as relações do direito com o systema de todas as 
coisas. Nesta relação com a ordem universal a phenomenologia do di-
reito adquire um verdadeiro e alto valor philosophico. 
c) INVESTIGAÇÃO DEONTOLOGICA. Dissemos que o direito 
também é considerado como uma das formações históricas que se re-
ferem á conducta humana. Daqui a necessidade de uma terceira inves-
tigação de caracter pratico e que se pôde chamar ethica ou, ainda, deon-
tologica (deontologia jurídica). 
Quando se trata de coisas relativas aos homens e ás sociedades 
humanas e, sobretudo, quando se trata de normas de conducta e, por-
tanto, do direito também, não se pôde satisfazer com a constatação 
do facto, do conhecimento daquillo que existiu e daquillo que existe. 
O facto refere-se á consecução dos fins humanos ; tem, pois, - necessi-
dade de ser avaliado. Surge então, a exigência de uma investigação pos-
terior, que estabeleça se aquillo que existe tem razão de ser, se aquillo 
que existe deve existir ou deve existir diversamente. Portanto, além do 
-. -, o TO ôéov. Alem de necessária, esta investigação é legitima, 
isto é, tem todos os caracteres de uma investigação scientifica, como qualquer 
outra investigação pratica. E não é uma investigação vã. As normas 
de conducta e, portanto, também o direito são indubitavelmente o pro-
ducto de uma formação histórica ; mas dahi não vem a conseqüência 
de que sobre esta formação não se possa exercitar uma acção qualquer. 
Comte foi quem observou em primeiro lugar que, de todos os phe-
nomenos, os phenomenos sociaes são os mais complexos, isto é, de-
pendem de um maior concurso de causas; e que, justamente por isto, 
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são também os mais modificaveis. A possibilidade de intervenção é ma-
xima para elles. 
Além disto, a formação histórica do direito, como em geral todas 
as formações sociaes, não é um producto espontâneo e inconsciente das 
coisas, mas um producto da actividade psychica do homem. Na base 
do facto social está o factor mental. E a analyse psychologica combi-
nada com a anaJyse sociológica mostra como o factor da vida social 
e da evolução social, que é justamente a mente, intervém de modo sem-
pre mais consciente e reflexo. A evolução social quanto mais progressiva, 
mais implica a actividade desta força consciente, reflexa, voluntária. 
Assim, trata-se de uma evolução histórica que não é mais fatal, mas 
que pôde ser regulada, dirigida e modificada dentro de certos limites. 
Apparece, então, a pergunta, se existe alguma coisa melhor para fazer e 
em que consiste ; e manifesta-se, pois, a intervenção da ethica, da deon-
toiogia. E a ethica não se satisfaz com aquillo que existe, com as 
condições do facto existente, mas propõe-se a renoval-o e transformal-o 
em sentido progressivo, ü mesmo applica-se ao direito. Também o 
direito é o resultado de uma formação histórica, porém, em relação 
ao direito, também não podemos ficar satisfeitos com a pura pheno-
menologia ; e, pelo contrario, devemos investigar se as instituições vi-
gentes correspondem a exigências racionaes, isto é, se são intrínseca-
mente justas. Desta investigação poder-se-ha tirar os critérios com os 
quaes experimentamos as instituições vigentes e aconselhamos a Sua 
reforma quando fôr necessária; e, assim, imprimimos á actividade le-
gislativa uma direcção scientifica e racional. Com isto, a philosophia do 
direito não pôde pretender fazer o direito. Ella teve esta pretenção 
por muito tempo, de maneira que a sua historia é principalmente a 
historia de uma sciencia que se propunha a construir um direito ra-
cional, também chamado direito natural ou ideal. Mas a philosophia 
do direito íoi sempre abandonando esta il legitima pretenção, pois, desde 
que o direito apparece como o resultado de um processo de formação 
histórica, é evidente que para a sciencia, e mais ainda para a philosophia, 
o direito é um dado a estudar e não um facto a produzir. 
Na investigação pratica a philosophiado direito assume eviden-
temente um caracter ethico, porque tudo o que se refere ao dever existir, 
á avaliação e á transformação progressiva dos factos pertence í ethica. 
Reapparece ao mesmo tempo o aspecto philosophico da nossa sciencia. 
Com effeito, a avaliação ethica, que é feita pela deontoiogia jurídica, é 
obtida pela analyse da natureza do homem, da existência humana e 
dos seus fins. A razão intrínseca e o valor das instituições jurídicas 
mede-se justamente pelos fins a que se deve propor o operar humano, 
individual e collectivo. Fins, que, como os meios para os conseguir, se 
deduz das leis da vida individual e, sobretudo, das da vida em com-
mum. Em outras palavras, este é o problema pratico da philosophia 
do direito: dado que os homens convivam e cooperem entre si, como 
se devem comportar para que a convivência subsista e a cooperação 
perdure de modo harmônico e efficaz ? Mas, como já sabemos, para en-
tender a natureza do homem e os fins da existência é necessário con-
siderar estes dois em relação á ordem universal. Dahi o caracter philoso-
phico da investigação. 
• 
Assam, delineamos as três investigações fundamentaes, que a phi-
losophia do direito deve fazer. Estas investigações são distinctas, mas 
inseparáveis. Uma presuppõe a outra, completam-se reciprocamente e 
integram-se juntamente em unidade de systema. Chegado a este ponto, 
podemos dar a definição da philosophia do direito do seguinte modo : 
«A philosophia do direito é a sciencia que, ao mesmo (empo que 
integra as sciencias jurídicas na unidade dos seus princípios mais ge-
raes, reúne o direito á ordem universal, em relação ao qual explica 
a sua formação histórica na sociedade humana e investiga as suas exi-
gências racionaes do pomo de vista ethico.» 
Fareoe-nos que esta noção da philosophia do direito é a que 
corresponde melhor ás exigências do pensamento e da vida. Corresponde 
primeiramente - ás exigências do pensamento. Com efteito, o pensamento 
humano, pela propria natureza do processo cognoscitivo, não se satisfaz, 
emquanto não alcança o ultimo grau de generalisação, emquanto não 
inclue uma coisa no systema universal. Esta necessidade que estimula 
o pensamento humano de movimento em movimento, repercute tam-
bém no campo do direito ; e é uma necessidade comprehender o di-
reito em harmonia com uma theoria do conhecimento, com uma conce-
pção do mundo e com a explicação do valor da vida, dos seus fins e 
dos seus destinos. 
Mas esta definição responde, ainda, ás exigências da vida. A vida 
pede á sciencia não só a constatação dos phenomenos existentes, mas 
ainda quaes as instituições mais aptas para satisfazer os fins da exis-
tência, para assegurar a conservação das sociedades humanas e o seu 
progresso no caminho da civilisação. 
CAPITULO III 
RELAÇÕES DA PHILOSOPHIA DO DIREITO COM AS 
SCIENCIAS AFFINS 
Determinada a noção da philosophia do direito, devemos ver 
agora as suas relações com as sciencias affins, por uma dupla razão. 
Primeiramente, porque se pôde melhor determinar a noção de uma 
sdiencia, quando se distingue esta das outras, com as quaes poderia ser 
confundida; em segundo lugar, porque, assim, conheceremos os subsí-
dios que as sciencias affins podem prestar á construcção de uma scien-
cia tão complexa e que têm necessidade de tantos elementos, como a 
philosophia do direito. Examinaremos, pois, as relações da philosophia 
do direito com a philosophia geral, com as sciencias anthropologicas, 
com as sciencias jurídicas, com as sciencias sociaes e, finalmente, com 
as sciencias políticas. Esta investigação poderá, ainda, servir para fixar 
bem a distincção entre as sciencias jurídicas, sociaes e políticas. 
l.o Relações da philosophia do direito com a philosophia geral. 
— A philosophia do direito é, como já vimos, sciencia philosophica, 
emquanto reúne o direito á ordem universal. Mas o universal é estudado 
pela philosophia. Assim, a philosophia do direito deverá recorrer ine-
- 12 -
vitavelmente aos primeiros princípios que a philosophia geral estabelece. 
Primeiramente, esta a auxiliará^ como theoria critica do direito, ficando 
como seus presuppostos os resultados da theoria do conhecimento. Ainda 
a auxiliará no que se refere á concepção do universo e no que tende 
a explicar o phenomeno jurídico, em relação á ordem cósmica inteira. 
Ha, depois, a ultima parte da philosophia, isto é, a ethica em sentido 
lato, que estabelece, de maneira muitíssimo geral, os primeiros princí-
pios da conducta e os fins da vida. E a philosophia do direito, que 
estuda sob um certo aspecto a conducta e os fins da vida, deve ele-
var-se seriamente até estes principios, emquanto é investigação pratica 
ou ethica. 
2.° Relações da philosophia do direito com as sciencias anthropologic 
cas.—Sob a designação de «sciencias anthropologicas» podemos compre-
hender todas as sciencias que estudam o homem, as quaes se ramificam, 
depois, em varias categorias. Ahi está comprehendida primeiramente a 
anthropologia no sentido restricto, sciencia esta, que progrediu tanto 
nos nossos tempos, apezar de não ter adquirido, ainda, um aspecto in-
teiramente distincto e de não se estar bem de accordo no fixar o seu 
objecto. De todo modo, podemos entender a anthropologia como a 
historia natural do gênero humano, de maneira que ella estuda o homem 
do mesmo ponto de vista que estuda outro ser qualquer da escala 
zoológica. A' anthropologia geral é incluída, depois, a physiologia hu-
mana e a psychologia. 
E' evidente que todas estas sciencias, principalmente a psychologia, 
devem fornecer elementos preciosos e mesmo indispensáveis, para a 
construcção de uma philosophia do direito. O direito é feito para o 
homem ; portanto, uma theoria philosophica do direito deve começar 
por conhecer a natureza humana, em todas as suas manifestações e, 
sobretudo, nas suas varias tendências, necessidades, funcções e faculda-
des. Além disto, o direito regula as acçôes humanas e seria absurdo 
querer comprehender o homem, sem ter primeiramente adquirido um 
adequado conhecimento do processo psychico do qual a acção deriva. 
Tudo o que se refere á avaliação jurídica de um acto e á responsabili-
dade que delle se segue, se torna inexplicável, separado do conhecimento 
do processo da vontade, que é processo psychologico. Assim, a psy-
chologia investe e invade o direito ; e, até, ao principiar a propria no-
ção do direito surge um problema psychologico fundamental. A phi-
losophia do direito deve, antes de tudo, investigar como é possível a 
existência do direito como norma e do direito como faculdade. 
Para que possa haver urna norma de conducta é necessário que 
existam sereb constituídos psycho logicamente de modo a serem capazes 
de a comprehender e de uniformar com ella a propria acção. Em outras 
palavras, a norma de conducta presuppõe necessariamente seres intelli-
gentes, que comprehendam o seu valor universal e que existam de 
maneira que a norma possa exercitar sobre elles um motivo efficaz, 
isto é, que sejam capazes de moralidade. 
Porém, assim considerado subjectivamente, o direito não seria 
possível sem o concurso de outras condições e propriedades de ordem 
psychologica. Com efteito, o direito attribue ao homem a qualidade de 
- 13 -
subjectam iuris, isto é, sancciona-lhe a personalidade jurídica. Mas 
seria inconcebivei que o direito pudesse fazer isto, se não houvesse nas 
propriedades e condições psychologicas do homem um substrato apto, 
que consiste nistot que o homem antes de ser e para poder ser pessoa 
no sentido jurídico, o é no sentido psychologico, isto é, tem a con-
sciência de si ou autoconsciencia, com o relativo poder de se determinar 
por motivos conscientes. 
Portanto, é necessário ir buscar a solução de um problema que 
é fundamental para a sciencia e para a philosophic do direito nas mais 
intimas entranhas da psychologia. 
3.°Relações da philosophia do direito com as sciencias jurídi-
cas. — Dissemos, delineando a noção da philosophia do direito, que ella 
é uma sciencia philosophica e que, como tal conserva diante das scien-
cias jurídicas a sua independência e autonomia, mas que, todavia, ella 
deve viver em uma continua e fecunda alliança com estas sciencias, 
que lhe fornecem grande parte do seu material e os resultados das 
quaes ella se occupa em coordenar e unificar. 
Mas, se todas as sciencias jurídicas offerecem subsídios e fornecem 
materiaes á philosophia do direito, ha, ainda, algumas com que, por suas 
naturezas, ella deve viver em relações mais immediatas. Estas são, 
de um lado, as sciencias historicas e descriptivas do direito e, do outro, 
as sciencias jurídicas que têm, também, um certo caracter synthetico 
e geral. 
Sciencias históricas e descriptivas do direito. — Na sua phenome-
nologia, a philosophia do direito propõe-se a elaborar uma theoria syn-
thetica dos phenomenos jurídicos. 
Porém, estes phenomenos jurídicos são particularmente represen-
tados pelas sciencias historicas e descriptivas e especialmente pela historia 
universal do direito, que, fornecendo cada um dos particulares, prepara 
a generalisação inductiva da philosophia do direito, fia, ainda, uma 
outra sciencia histórica do direito, é a historia comparada do direito. 
Como veremos melhor dentro em pouco, para a philosophia do 
direito construir uma theoria phenomenologiea não basta a simples obser-
vação histórica, é necessário, ainda, a comparação, mediante a quaí, con-
frontando os institutos dos diversos povos nos diversos momentos histó-
ricos, se colhe os elementos communs, constantes e uniformes. Assim, 
a philosophia do direito tira parte do seu material também da sciencia 
ou historia comparada do direito, que é uma sciencia ainda jovem, por-
que, deixando de lado antecipadores e precursores, se pôde dizer que 
na segunda metade do século dezenove, é que ella foi inaugurada por 
obra de um insigne jurisconsulte inglez, Henry Sumner Maine, que 
eftectuou a applicação ao direito, daquelle mesmo processo methodico, 
que fez surgir a philologia comparada, a sciencia comparada das 
religiões, dos rnythos, etc Maine em uma das suas primeiras obras 
{«.Direito antigo»,18òl ) e depois em outras successivas, fez a applica-
ção do methodo comparativo á jurisprudência, no que se refere aos 
povos de raça arjana, confrontando especialmente o direito dos povos 
orientaes da antiga Índia com o de outros povos do grupo índo-germa-
nico ; e chegou, deste modo, a resultados tão fecundos, que as suas 
inducções, em grande parte, servem de base para uma philosophia histo-
- 14 -
rîica ido direito. Depois de Maine, a sciencia comparada do direito 
continuou a progredir. A comparação, que antes se limitava aos povos 
de raça ariana, extendeu-se aos de outras raças ; e, em obras clássicas 
accumularam-se preciosos materiaes, para se utilisar, principalmente por 
obra de Kovalewsky, de Kohler, de Leist, de Wilkett, etc. A juris-
prudência ethnologica foi uma applicação especial da sciencia compa-
rada do direito; o seu mérito deve ser attribuido a um jurisconsulte 
allemão, Albert Hermann Post, que em muitas obras suas, reunidas 
em compêndio — «Grundriss», — applicou o methodo elhnographico 
á comparação jurídica; isto é, extendendo a comparação a todos os 
povos da terra, mas confrontando-os não como povos, mas como raças 
e, assim, sob o ponto de vista ethnico, onde a jurisprudência ethnologica se 
funda largamente sobre os dados de uma outra jovem sciencia, que é a ethnc*-
logia comparada moderna. Post queria fazer da jurisprudência ethnologica 
uma verdadeira philosophia do direito. Não ha duvida, que, para fazer 
um estudo synthetico da phenomenologia do direito, devemos auxiliar-
nos grandemente com os dados comparativos preparados pela «sciencia 
comparada do direito» e pela «jurisprudência ethnologica». Porém, seria 
um erro igrave crer q\xé estas sciencias se confundem com a philoso-
phia do direito ou bastem para a constituir. Elias fornecm os elemen-
tos para a generalisação e nada mais. 
Sciencias jurídicas que têm caracter synthetico e geral. — 
Também com estas sciencias a philosophia do direito está ligada 
pelos "laços mais íntimos. Estas são a encyclopedia jurídica e a nova 
sciencia geral do direito ou jurisprudência geral. 
Ninguém duvida que a encyclopedia jurídica tem o caracter de 
uma soíencia jurídica geral ; todavia o seu conceito não está fixado com 
o accordo de todos os seus cultores. Todos a consideram como uma scien-
cia que trata do direito sob o aspecto da sua unidade. Porém, alguns, 
entre os quaes Filomusi Guelfi («Enciclopédia giuridica>), entenderam-
na e olham-na mais do ponto de vista philosophico, ou comprehendem 
nella o elemento philosophico, de maneira que nem sempre ella é niti-
damente distinguida da philosophia do direito. Outros, e segundo nós 
justamente, entendem-na como uma mera theoria synthetica do direito 
positivo considerado no momento histórico actual ; e desta opinião é 
também Del Giudice («Enciclopédia giuridica ) . 
De qualquer modo que se considere a encyclopedia jurídica — e 
principalmente daquelle ultimo modo, — ei la é sempre distinguida da 
philosophia do direito, que tem por objecto todo o direito positivo, e não 
somente o actual, e que como investigação pratica, investiga, ainda, o 
que o direito pôde e deve ser. Isto, porém, não im'pede que a philo-
sophia do direito, justamente quando quer construir uma theoria syn-
thetica dos phenomenos jurídicos, se deva auxiliar grandemente com 
os tíados de uma sciencia, como a encyclopedia, que quer recolher e 
reconstruir a unidade do direito. 
Falamos, ainda, de uma nova tendência, de uma nova construc-
ção synthetica, representada pela theoria geral do direito ou jurispru-
dência geral. Esta tendência manifestou-se na Inglaterra, por obra da 
escola analytica de jurisprudência, da qual foi fundador John Austin 
(«Leituras sabre a Jurisprudência Gerah ou «Philosophia do direito 
15 -
positivo»). Elle, depois de ter considerado que no direito dos diversos 
povos, e principalmente dos povos mais adiantados, ha princípios ou 
elementos communs, poz-se a elaborar uma jurisprudência não mais par-
ticular e nacional, mas geral, observando justamente e comparando entre 
si os diversos systemas legislativos mais desenvolvidos, para tirar délies 
os elementos communs. 
De modo completamente independente da escola analytica de ju-
risprudência, accentuou-se, depois, na Allemanha, a tendência a attingir 
estes princípios geraes, a elaborar urna theoria geral do direito. Adolf 
Merkel deu a esta direcção uma forma systematica e quiz fazer desta 
theoria geral do direito uma verdadeira e propria philosophia do di-
reito, retirando das sciencias jurídicas particulares os princípios geraes. 
Este programma da sua escola Merkel desenvolveu nas suas obras : 
«Elementos da theoria geral do direito» (na Encyclopedia de Holtzen-
dor//, 5.a edição); («Encyclopedia Jurídica» 2.a edição, Berlim, 1900). 
Assim, a jurisprudência geral de Austin, da mesma maneira que 
a theoria geral do direito de Merkel, não pôde certamente constituir 
uma verdadeira philosophia do direito, porque a philosophia do direito, 
como vimos, não se deve limitar a unificar os resultados das varias scien-
cias jurídicas ou os princípios communs dos diversos systemas de direito 
positivo, mas deve, ainda, chegar aos primeiros princípios do direito e 
reunil-os á ordem universal. A tendência de Austin e também a de 
Merkel são, pois, dirigidas a uma generalisação ou synthèse, mas esta 
generalisação não pôde ter um caracter philosophico. Todavia, estas 
tendências, justamente por terem uma indole generalisadora, apezar de 
permanecerem Üístinctas, devem fornecer elementos preciosos á philo-
sophia do direito, emquanto theoria gerale synthetica das sciencias ju-
rídicas. Portanto, resumindo, a philosophia do direito se deve achar 
em immédiate contacte com as sciencias jurídicas e mais especial-
mente com as sciencias históricas do direito e com as sciencias 
ou tendências que são, por seu caracter, generalisadoras, como a ency-
clopedia jurídica e a mais recentemente desenvolvida theoria geral do 
direito. 
4.° Relações da philos-ophia do direito com as sciencias sociaes. 
— Entende-se por sciencias sociaes as sciencias que têm por objecto 
os faôtos que nascem das relações dos homens consociados entre si. 
Porém, com isto não queremos dizer que o facto social seja um facto 
exclusivamente humano ; pois, como foi provado recentemente de modo 
scientifico, muitas espécies de animaes vivem no estado de associação ; e 
já Aristóteles observara, desde o seu tempo, que o homem é o único 
animal politico, mas «não é o único animal gregario. 
Todavia, a sociedade humana caracterisa-se por certos elementos 
especificos e differenciaes, que a distinguem nitidamente das sociedades 
animaes. E nesta distincção está a razão de ser da sociologia, como 
sciencia distincte da biologia e da psychologia. O facto social animal não 
ultrapassa os limites de um facto biológico e psycologico; e, assim, 
elle constitue o objecto de um capitulo da psychologia comparada. 
Porém, estas investigações sobre o facto social animal devem ser utili-
sadas também pelas sciencias sociaes e pela philosophia do direito, porque, 
mesmo se prescindindo da questão, da origem do homem e da continua-
ção que possa ter o facto social animal no facto social humano, fica 
sempre, que a explicação do facto social fundamental que é o instincto 
de sociedade, tem as suas raizes no facto social animal. E, além disto, 
acham-se nas sociedades animaes os germens primários ou rudimentos 
de factos que têm caracter especificamente humano. E, descendo-se a 
applicações concretas, o Estado é essencialmente um facto social humano ; 
porém, nas proprias sociedades animaes achamos o desenvolvimento de 
certos sentimentos ou impulsos, que são, em parte, os mesmos que 
concorreram para determinar a formação do Estado. Existem, com effeito, 
certas espécies de animaes, que vivem em grupos, com uma certa coope-
ração e que se poem debaixo da direcção do mais forte, que os dirige, 
Ora, é evidente que, se quizermos investigar a gênese psychologica 
do Estado, deveremos levar em conta estes elementos. O mesmo se 
pode dizer de outros institutos: família, propriedade, etc. Seria, sem 
duvida, absurdo falar da existência de um direito de propriedade nos 
animaes ; porém, é certo que o instincto ou o sentimento pelo qual 
o animal, depois que agarra uma coisa, a retém firmemente é o pri-
meiro germen do sentimento psychologico que está na base da propriedade. 
Mas é do mundo social humano, é dos factos que se desenvolvem 
na convivência humana, que a philosophic do direito tem que tirar 
indispensáveis subsídios, recorrendo ás sciencias que os estudam. Ora, 
se demos uma única noção do facto social, como o que deriva das 
relações dos homens associados, é certo que estas relações são múltiplas 
e diversas e, assim, dão lugar a factos ou phenomenos sociaes da 
mais variada natureza. Por conseqüência, como temos varias espécies 
de phenomenos sociaes, também teremos varias sciencias sociaes, cada 
uma das quaes devemos pôr, agora, em relação com a philosophia do 
direito. 
Ainda ao lado das sciencias sociaes, nestes últimos tempoa se 
veiu desenvolvendo uma outra sciencia, tendo caracter synthetico e uni-
tário, que é a sociologia. Também devemos vêr as relações desta com 
a philosophia do direito. Earemos isto com certa largueza. devido á 
actual condição da sociologia, cujo conceito não está ainda completamente 
seguro. A sociologia, embora também tenha tido os seus precursores, 
foi formulada systematicamente como sciencia pelo fundador da philo-
phia positiva. Augusto Comte. Elle, elaborando uma das suas idéas 
mais geniaes, a da classificação hierarchica das sciencias e procedendo 
nesta classificação com o critério de uma complexidade crescente e de 
uma generalidade decrescente, de modo a partir, das sciencias que es-
tudam os phenomenos mais geraes e menos complexos, pôz no grau 
infimo a mathematica e no grau supremo a sociologia ou sciencia dos 
phenomenos sociaes. A constituição da sociologia tinha no pensamento 
de Comte um duplo intento. Primeiramente, o de applicar ás sciencias 
que estudam o homem e a sociedade o methodo positivo, considerando 
os phenomenos sociaes ao lado de todos os outros submettidos a leis 
e fazendo o seu estudo consistir na observação, ajudada pelo raciocínio. 
Em segundo lugar, propunha-se a considerar os phenomenos sociaes 
na sua unidade, do ponto de vista do conjuncto (vue d'ensemble). 
Mas, não obstante isto, e apezar dos progressos que a sociologia fez de 
__ I ; — 
Comte até hoje, ella é ainda uma sciencia que procura a si mesma e 
não conseguiu, ainda, precisar bem a seu conteúdo, os seus limites e 
as suas relações com cada uma das sciencias sociaes. 
Nós, procuraremos determinar com a maior precisão possível, 
a verdadeira noção da sociologia, para podermos ver as suas relações 
com a philosophia do direito. 
Noção da Sociologia ("Programma critico di Sociologia», Pe-
rugia, '1888). Para se poder dizer o que é uma sciencia é necessário 
partir da realidade objectiva, isto é, do próprio exame das coisas que 
uma sciencia estuda. Da analyse da vida social deve resultar o con-
ceito da sociologia, que a estuda na sua unidade, e o de cada uma 
das sciencias sociaes, que a estudam na sua variedade. A vida social 
apresenta, a uma immediata observação, dois momentos distinctos: o 
momento da multiplicidade e o da unidade. Com effeito, temos pri-
meiramente, na vida social phénomènes múltiplos e de natureza diffé-
rente. Começa ,pelo phenomeno da população (elemento pessoal), que 
se pôde considerar em si mesma, sob o aspecto que se diz demographifo 
ou, ainda, do ponto de vista da sua subsistência, mediante certos meios 
(riqueza), que dão vida ao phenomeno econômico. Temos, depois, uma 
organisação política desta população, que vive num dado território e 
tai organisação dá lugar ao phenomeno do Estado e a todos os outros 
phenomenos políticos a este connexos. Os phenomenos determinados 
pelas crenças religiosas estão comprehendidos em um outro grupo ; 
e também está comprehendido em um outro grupo o conjuncto dos 
phenomenos relativos á condueta e ao operar humano, donde a for-
mação da moral, do direito e do costume. Restam, finalmente, os phe-
nomenos que se referem á vida intellectual em todas as suas manifesta-
ções, á cultura em geral, á sciencia, á arte. 
Examinando-se todos estes factos, que são os vários factos da 
vida social, achamos que cada um délies tem uma natureza e physiono-
mia proprias, depende de causas ou condições que lhe são particulares, 
offerece um ponto de vista próprio, do qual pode ser visto. Isto cons-
titue o especifico de um dado phenomeno social, onde a economia se 
distingue da religião, etc. Em todo facto social ha o que o caractérisa, 
a cooperação ; mas, esta assume formas diversas. Ha, pois, na pheno-
menologia social o múltiplo e o diverso. f 
Porém, ao lado da multiplicidade dos phenomenos sociaes temos, 
também, a sua unidade, que é a unidade da vida social. Os seus vá-
rios phenomenos apparecem, a uma observação superficial, independen-
tes, não ligados entre si por alguma relação. Mas, um estudo mais pro-
fundo prova que elles são estreitamente, indissoluvelmente connexos e 
interdependentes, isto é, existe entre elles, como bem disse Comte, a 
mesma solidariedade ou consensus, que anima as varias partes de um 
mesmo organismo. Desta mutua e intima alliança que os conduz a 
causas communs, compõe-se ou deriva o que se chama o estado geral 
de uma sociedade.O systema da vida social, apezar de apresentar phenomenos múl-
tiplos, é em si, essencialmente um, no espaço e no tempo. E' um no 
espaço, no sentido que, em todo o tempo, uma sociedade qualquer apre-
senta esta solidariedade e connexão de phenomenos, constitue um todo 
- 18 -
e tem vida propria. E' um no tempo, também, porque um estado geral da 
sociedade, em um dado momento histórico, é seguido por um outro estado 
gerai da sociedade, no momento histórico successivo e estes diversos 
estados succedendo-se um ao outro, compõem a evolução social, o mo-
vimento da sociedade na historia. Ora, esta successão dos diversos es-
tados constitue uma unidade, justamente porque o conseqüente é de-
terminado pelo antecedente e o estado successivo está em relação de 
continuidade e de filiação necessária com o que o precedeu ; e isto 
não poderia ser diversamente. A sociedade é, pois, também uma na 
successão do tempo. Se, na realidade, é esta unidade a natureza 
cia vida social, a sciencia que a estuda deve reflectir fielmente esta 
realidade. Assim, ainda no estudo scientifico da phenomenologia social, 
devemos encontrar o momento da multiplicidade e o da unidade. Cada 
phenomeno social deve constituir o objecto de uma sciencia social dis-
tineta e autônoma; e teremos, então, uma sciencia da população, da 
economia, da linguagem, da moral, do direito, do costume, etc. Esta 
necessidade objectiva, nascida da propria natureza dos phenomenos, re-
flecte-se em uma necessidade subjectiva que é a da divisão do trabalho, 
da distinoção e da analyse, pois, para poder comprehender bem um 
dado phenomeno, é necessário poder isolal-o mentalmente de todos os 
outros, aos quaes na realidade elle está unido. Acima das sciencias 
sociaes deve haver, ao mesmo tempo, uma outra sciencia complexa e syn-
thetSca, que estude não as múltiplas e diversas relações sociaes, mas 
o systema social na sua unidade, indissoluvelmente integrado. Esta 
sciencia foi chamada por Comte sociologia, que também se poderia 
dizer theoria geral da sociedade. Portanto, a sociologia tem um objecto 
próprio, um conteúdo especifico, ella é considerada não como uma sim-
ples colheita dos resultados das diversas sciencias sociaes, mas como 
uma synthèse, no sentido scientifico da palavra, que deve chegar aos 
princípios que determinam e regulam a vida social, considerada na sua 
unidade. 
Por isso a sociologia não é, como foi entendida por alguns, uma 
simples denominação genérica de todas as sciencias sociaes. Stuart Mill 
dizia que a palavra «sociologia» era um barbarismo com modo, mas ac-
crescentamos, que se tornaria um barbarismo inutil, se o adoptassemos 
neste significado, augmentando os equívocos em um campo, onde exa-
ctamente é necessário procurar, a todo o custo, eliminar os equívocos. 
t muito menos devemos entender a sociologia, como alguns crêm, — e 
para isso Comte havia deixado lugar — como a sciencia única dos 
phenomenos sociaes, de maneira que não se teria mais cada uma das 
sciencias sociaes, uma independente da outra, mas, como é essencial-
mente uma a vida social, também seria uma a sciencia que- a estuda. Se-
gundo este conceito, a sociologia Viria a ser uma encyclopedia que abra-
çaria em si todas as manifestações da vida social. Porem é um conceito 
que não corresponde a realidade das coisas, porque, como já dissemos, 
cada um dos phenomenos sociaes tem seus caracteres específicos e deve, 
pois, ser estudado por uma sciencia particular distineta. Todavia, este 
conceito errôneo da sociologia tem uma parte de verdade, corresponde 
ao que se pôde chamar exigência sociológica, que é a exigência da 
coordenação unitária das varias sciencias sociaes. Elias devem, 6em 
» 
- 19 — 
duvida, permanecer autônomas ou distinctas, devem considerar isolada-
mente os phenomenos que estudam, para os poder analysar perfeita-
mente. Este isolamento não pôde, porem, significar uma independência 
absoluta; e não se deve nunca, quando se estuda um certo phenomeno 
social, perder de vista a relação de intima solidariedade que o une aos 
outros, ti é mesmo necessário, que cada uma das scíencias sociaes faça 
convergir os seus resultados a um ponto central, que é a sciencia uni-
tária da sociedade ou sociologia. 
Relações da philosophia do direito com a sociologia. — Fica 
primeiramente assentado, que a philosophia do direito deve perma-
necer a-'.tonoma e distincta da sociologia. O direito, considerado so-
mente pelo seu lado phenomenico, é um dos momentos ou aspectos da vida 
social, apresenta caracteres e condições especificas e, assim, deve ser estudado 
por uma sciencia independente. A philosophia do direito não pôde ser 
incluída nem confundida na sociologia, como alguém pretendeu. Por 
sua vez, é impossível fazer da philosophia do direito uma sociologia. 
Isto, entre nós, foi feito por Roberto Ardigó, que deu por conteúdo a 
sua «Sociologia» a explicação da formação da justiça, partindo do con-
ceito que o direito é a força espc.fica do organismo social. Porém, 
apezar da importância da funcç'o que ahi exerce o direito, não é por 
isso que elle comprehende em si toda a vida social ; pois, nem a pode 
explicar toda. Portanto, a philosophia do direito não pôde ser toda 
a sociologia. 
Porem, fixada esta distincção, ha sempre a necessidade indecli-
nável de relações estreitíssimas entre as duas sciencias. Aquillo que cha-
mamos exigência sociológica affirma-se no máximo grau na philosophia 
do direito. Com effeito, ella deve estudar o phenomeno jurídico na 
totalidade das suas relações ; e as mais immediatas destas relações são 
justamente as que o direito tem com todos os outros phenomenos so-
ciaes. A exigência da correlação é commum a todas as sciencias so-
ciaes, ao direito, á economia, etc. Mas ella se manifesta, no que diz 
respeito ao dlireitoí, de modo especialissimo, porque o direito exerce na 
vida social uma funcção especial, isto é, uma funcção de garantia. O 
direito extende esta garantia a todos os elementos da vida social, reli-
gião, moral, economia, sciencia, arte, etc, emquanto as relações que délies 
derivam referem-se ás condições indispensáveis da vida em commum. O 
que o direito quer garantir é a vida em commum, a existência e o desen-
volvimento social. Por conseqüência, diante dos outros phenomenos so-
ciaes o direito assume um certo caracter de generalidade, reproduz, de 
algum modo, aquella unidade cuja manutenção, em grande parte, é 
obra sua. São estas as razões pelas quaes a philosophia do direito deve, 
em grande partie, fundar-se sobre a sociologia. Isto principalmente 
quanto á sua parte phenomenologica. O phenomeno jurídico deve ser 
comprehendjdo e explicado em relação á toda vida social. Com effeito, 
as variações dos phenomenos jurídicos são determinadas pelas varia-
ções que apresenta a sociedade toda. A evolução do direito é parallela 
e correlatava á evolução social toda. Assim, somente uma sciencia geral 
que explique o desenvolvimento histórico da sociedade humana poderá 
il luminar uma theoria que investigue as variações do direito no tempo. 
- 20 
Emquanto a philosophia do direito deve fazer a investigação pratica, 
esta consiste em deduzir o fundamento e a necessidade do direito, das 
condições da vida em commum. E' necessário, então, começar por 
estabelecer quaes são estas condições. Para se saber isto é necessário re-
correr a uma theoria geral da sociedade, que diga o que é a socie-
dade e a cooperação social, quaes as necessidades que lhe são inhérentes 
e quaes as garantias que lhe são indispensáveis. 
Estas são as relações que a philosophia do direito deve manter 
com a sociologia. Vejamos agora as 
Relações da philosophia do direito com cada uma das sciencias 
sociaes. — a) Demographia ou sciencia da população. — A qualidade, 
a quantidade, os modos de agrupamento em classe da população são 
dos principaes factores das relações sociaes que o direitoregula. Assim, a 
philosophia do direito, para bem entender estas relações, deve levar 
em contas as variações quantitativas e qualitativas que a população soffre. Estas 
variações são descriptas e reduzidas, o quanto' possível, a leis da demo-
graphia, que já se destacou nitidamente da estatística e da economia 
política. Um dos momentos capitães da theoria da população é, pois, 
a sua relação com os meios de subsistência. Esta relação determina 
certos problemas sociaes que interessam grandemente a philosophia do 
direito e que se repercutem nas theorias da propriedade, da assistência, etc. 
b) Psychologia social. — Os homens associados, "entre os quaes 
se instituem as relações que dissemos ser materia de todas as sciencias 
sociaes, exercem acções mutuas uns sobre os outros, do ponto de vista 
psychologico. Não se associam somente os corpos, mas ainda as men-
tes, produzindo aquillo que Cattaneo chamava uma psychologia de mentes 
associadas. D'estas influencias psychicas que os vários componentes de 
uma sociedade exercitam uns sobre os outros surgem sentimentos com-
muns, ideas dominantes e, sobretudo, vontades convergentes, isto é, 
todos os chamados producios espirituaes, psycho-sociaes ou p^ycho-collec-
íivos de uma certa sociedade. Taes são principalmente a linguagem 
os mythos e, emfim, o costume nas suas três diversas manifestações: 
moral, direito e costume no sentido restricto. O direito é, pois, um 
phenomeno psycho-collectivo, que têm suas raizes na consciência social 
e principalmente nas suas manifestações que representam a vontade col-
lectiva. Assim, é nas mais profundas entranhas da psychologia social, 
que se deve procurar a explicação do direito e também a do Estado. 
Hoje já se pôde fazer isto, utilisando os progressos que vem fazendo 
este ramo da psychologia, que se chama psychologia social ou psycho-
logia dos povos. 
c) Estatística social. — Esta sciencia é a que indaga, com 
methodo quantitativo, a regularidade da vida social, mediante a obser-
vação dos phenomenos sociaes, em massa ou grandes números. Consta-
tou-se, com effeito, que os phenomenos sociaes não se dão por acaso, 
accidentalmente, mas que, pelo contrario, mesmo os que, a primeira 
vista, parecem os mais accidentaes — matrimônios, delictos, suicídios, 
etc. — se verificam com uma certa regularidade. A estatística social, 
estudando o que ha de uniforme nos phenomenos sociaes, pôde apresentar 
o estado geral de uma sociedade em um certo momento histórico. Ora, 
a philosophia jurídica tem necessidade de conhecer o estado geral da 
- 21 -
sociedade, para indagar as exigências e estudar as condições sociaes, 
com as quaes o direito se deve uniformar. E, assim', ei la se deve pôr 
em relação com a estatística social e principalmente com a parte que 
concerne os phenomenos relativos á moralidade (estatística moral). 
Achamos um exemplo typico destas regularidades no facto do 
equilíbrio dos sexos. Isto é, ha, principalmente no periodo de tempo 
em que são mais freqüentes os matrimônios, um certo equilíbrio nu-
mérico entre o sexo masculino e o feminino, que Messedaglia cha-
mou, com expressão incisiva, o indice natural da monogamia. Por isto 
a exigência ethica do matrimônio monogamico, satisfeita pela sua fôrma 
historicamente mais evoluída, corresponde ás proprias condições da 
relação numérica, em que se acham os dois sexos em uma sociedade. 
Mencionamos, por ultimo, outras duas sciencias sociaes, tendo 
um caracter mais particular. 
d) Moral social. — A morai social, como o direito, também estu-
da a conducta em um certo momento, mas estuda-a de um duplo modo. 
Primeiramente, emquanto a conducta é regulada por um complexo de 
normas positivas, que se chamam normas moraes e que são também, 
como as normas jurídicas, o producto de um processo de formação 
histórica (phenomenologia moral); em segundo lugar, a moral social, 
fazendo uma investigação pratica, estuda o fundamento intrínseco das 
normas moraes. Ora, desde que o operar humano é substancialmente 
um, elle é o objecto de duas espécies de normas, a norma moral e a 
norma jurídica; e, portanto, de duas sciencias diversas, moral e direito; 
segue-se que estas duas sojencias devem ser unidas pelas mais inti-
mas relações. 
e) Economia social. — A economia social pôde ser definida 
como «a sciencia que estuda a ordem social da riqueza» ; isto é, que estuda o 
phenomeno da riqueza na sua uniformidade e nas suas leis e emquanto 
dá lugar a relações sociaes. Desta noção vemos as relações da eco-
nomia social com a philosophia do direito. Não é verdade o que sus-
tenta o maierialismo histórico, isto é, que toda a vida social deve ser 
explicada em relação á economia, de modo que as variações de todos 
os phenomenos sociaes dependem das variações da estructura econômica 
da sociedade. Um dos mais importantes factores do direito, principal-
mente em certos aspectos, é, como veremos opportunamente, o factor 
econômico. E daqui surge uma primeira serie de relações da phi-
losophia do direito com a economia social. Além disso, nem sempre 
o conteúdo do direito se resolve em um interesse econômico, ou ao 
menos economicamente commensuravel ; mas, sem duvida, uma grande 
parte da materia regulada pelo direito é capaz de avaliação econômica, 
tem caracter patrimonial. Assim, seria impossível comprehender a in-
tima significação das normas e institutos jurídicos, cuja materia é eco-
nômica, sem um adequado conhecimento da relação econômica, ao qual 
está sobre posto. Pense-se, emfim, que o direito concerne a apropriação 
e distribuição dos bens, que regula o meu e o teu, que se refere a 
interesses, dos quaes surgem as chamadas questões sociaes, para depois 
se convencer da necessidade daquillo que Romagnosi chamava uma com-
penetração profunda do direito com a economia, compenetração pro-
- 22 -
curada recentemente por Wagner no seu tratado de (Economia Po-
lítica >. 
Com isto esgotamos a analyse das relações da philosophia do 
direito com a sociologia e com as sciencias sociaes particulares. Desta 
analyse surge este conceito geral : o direito não é qualquer coisa abs-
tracta, uma forma vasia. Em baixo da torma ha o conteúdo concreto, 
que é dado pela sociedade em todas as suas manifestações. Qualquer 
estudo do direito, e mais do que todos o philosophico, presuppõe, 
pois, o conhecimento da vida social. 
5.° Relações da philosophia do direito com as sciencias polificas. 
— Para determinar estas relações é necessário partir de um con-
ceito exacto das sciencias políticas, distinguindo-as das sciencias so-
ciaes e jurídicas. 
Como sabemos, as sciencias sociaes são as que estudam os phé-
nomènes que nascem das relações dos homens associados ; e as scien-
cias jurídicas são as que estudam as normas de direito que regulam 
estas relações sociaes. Vejamos agora, em relação a estas, quaes são as 
sciencias políticas. 
Todos estão de accordo, quando se sustenta que as sciencias po-
líticas se referem ao Estado, porem, surgem divergências e incertezas, 
quando se trata de estabelecer sob qual aspecto se referem ao Estado. 
Para eliminar estas duvidas é necessário partir da observação da realidade. 
Ora, o Estado pode ser considerado debaixo de três pontos de 
vista. 
l.o Do ponto de visia social. Pôde ser estudado como uma 
fôrma de convivência e de cooperação, a convivência e a coopera-
ção política ; pôde ser estudado na sua composição social, isto é, nos 
elementos sociaes que o constituem, nas forças donde resulta e é sustentado, 
etc. Estuda-se, assim, um facto que é um dos aspectos da complexa pheno-
menologia social. 
2.° Do ponto de vista jurídico. O Estado, tanto na sua cons-
tituição como no seu fundamento, é regulado por normas de direito e, 
pois, sob este aspecto, elle é objecto das sciencias jurídicas, ao passo 
que sob o ponto de vista antecedente, é objecto da sociologia e das 
sciencias sociaes.3.0 Do ponto de vista politico. Este é o momento da actividade 
e da finalidade do Estado, emquanto exerce a sua acção para a consecu-
ção de certos fins, empregando certos meios ; e, assim, se pôde dizer que 
as sciencias políticas são as sciencias dos fins e dos meios do Estado. 
Teremos, então, uma sciencia política geral, que indaga quaes os fins 
do Estado e quaes os meios mais aptos para os conseguir e, depois, 
as sciencias políticas particulares, que indagam separadamente cada um 
dos fins do Estado : sciencia da administração, sciencia das finanças, 
política ecclesiastica, etc. 
Para termos esta noção mais clara appliquemol-a a um caso con-
creto : ao imposto. O imposto pôde ser estudado : — a) do ponto de 
vista jurídico, isto é, emqujanto estabelecido por lei, e temos, pois, um 
complexo de normas jurídicas (direito financeiro), que determinam os 
modos da sua applicação, arrecadação, etc. ; — b) do ponto de vista 
social, isto é, quando dá lugar a certos phenomenos econômicos ; por 
- 23 -
txemplo, o da sua translação ou repercução dos productores sobre os 
consumidores; — c) do ponto de vista politico, como faz a sciencia 
das finanças, que estabelece os princípios e os critérios, mediante os 
quaes o Estado deve procurar os meios econômicos necessários á con­
secução dos seus diversos fins. 
A philosophia do direito acha­se em continuas e intimas relações 
de subsídios e connexão com as sciencias políticas. Com effeito, a 
philosophia do direito também estuda o Estado, primeiramente o Es­
tado emquanto é um presupposto necessário do direito. Além disso, 
estuda­o de um ponto de vista especial, quando é philosophia do direito 
publico. Emfim, a philosophia do direito, pela sua natureza synthetics, 
tem necessidade de reunir a forma do Estado em que as varias scien­
cias fizeram distincções, olhar o Estado na sua inteireza e também sob 
o aspecto politico que as sciencias políticas estudam. 
CAPITULO IV 
METHODOS DA PHILOSOPHIA DO DIREITO 
Entende­se por methodo o processo lógico que a mente segue 
para chegar á descoberta da verdade. Os methodos fundamentaes, como 
todos sabem, são dois: o inductivo e o deductivo; e, quanto ao que 
se refere a sua natureza, veja­se as clássicas «Lógicas» de Stuart Mill, 
Bain, levons, Wundt e Sigwart. Recordamos apenas, que o methodo 
'deduoëvo é o que parte de uma premissa de indole geral e tira as 
conseqüências particulares que ella encerra ; o methodo inductivo é o 
que da observação de factos particulares chega a leis. Estes dois metho­
dos são distinctes um do outro, mas não são dois methodos opposros. 
O contraste que se manifestou entre elles desde o tempo de Bacon 
e que perdurou até ha poucos annos, está hoje inteiramente posto de lado. 
Actualmente, em todo o campo das sciencias sociaes e no conceito aos 
lógicos em geral, prevalece a idéa da unidade fundamental dos dois 
■methodos, de maneira que elles apparecem como partes integrantes de 
um hiesmo methodo, como órgãos de uma mesma funcção. Este con­
ceito teve a sua confirmação nas investigações especiaes, feitas sobre a na­
tureza e o processo da inducção e da deducção. Viu­se, com effeito, que, 
ao mesmo tempo que se emprega um dos dois methodos, também se 
emprega necessariamente o outro. E, assim, a deducção implica tam­
bém elementos inductivos, quando parte de premissas que são o resul­
tado de uftia generalisação precedente; e, vice­versa, a inducção não 
consiste, como poude crer Bacon no seu tempo, em uma simples reduc­
ção dos factos particulares a um principio geral, mas, é sempre acompa­
nhada de raciocinios, de theorias, de hypotheses, que são elementos cre­
ductivos. 
A unidade fundamental dos methodos presuppõe, porem, que a 
deducção seja entendida em um sentido scientifico. Isto é, falla­se 
da dedução que se funda sobre uma premissa legitimamente posta e 
que possa conduzir a conseqüências tendo valor scientifico ; premissa 
esta, que consiste em uma verdade axiomatica oiî é o resultado de uma 
- 24 -
inducção precedente. Bem diversa é a deducção que parte de princípios 
aprioristicos, 'de premissas arbitrarias, que não são axiomas nem ver-
dades demonstradas ou demonstraveis e que tem, pois, um valor pura-
mente subjectivo. E esta era a deducção contra a qual combatia Bacon 
no seu tempo, proclamando a necessidade da reforma do methodo. Por 
exemplo, a (premissa de que partiam os physicos : «a natureza tem horror 
do vasio» não tem nenhum fundamento de facto, não é demonstrada 
nem é demonstravel. Porém, se dissermos: «todos os phenomenos humanos 
derivam de processes mentaes», esta é uma premissa legitima ; mas se 
accrescentarmos : «todos os processos mentaes resolvem-se em movimentos 
moleculares do cérebro», esta premissa materialistica nunca foi demons-
trada e não é capaz de o ser ; desta, pois, não se poderia tirar senão 
conseqüências illegítimas. Estabelecidos estes conceitos, vê-se logo, que 
hoje não se pode mais fazer questão, se uma sciencia é inducriva ou 
deductiva, mas ha somente para se investigar a proporção reladva, na 
qual em uma mesma sciencia se combinam juntamente a inducção e a 
deducção. De maneira que, por um principio lógico geral, uma sciencia 
é unais adiantada, quanto mais deductiva ; e, assim, o ideal de toüa 
sciencia é approximar-se o mais possível da mathematica, e a investi-
gação a se fazer em \xma dada sciencia é ver dentro de que iimiteb 
a dedução pôde entrar nella. Assim, a physica mais progrediu, quanU 
mais se tornou deductiva, ao passo que a metereologia e a esíatisnca, 
que dão os primeiros passos no caminho da generalisação, ficaram no 
infimo grau. 
CJma outra investigação necessária, a propósito do methodo, é a 
íelativa á forma especial que um methodo assume em uma sciencia 
especial. Embora os methodos sejam fundamentalmente dois, íodavia, 
um methodo reveste-se de um modo distincto, assume uma physionomia 
particular, conforme a .natureza do objecto estudado e o que uma sciencia se 
propõe a fazer. Assim, ha varias formas de inducção: a inducção pro-
pria das sciencias naturaes tem uma forma diversa da das sciencias históri-
cas e esta, por sua vfcz, é diversa da inducção mathematica ou quanti-
tativa, de que se serve a estatística, etc. 
Applicando á philososphia do direito o que até agora dissemos, 
achamos também aqui, não o predomínio absoluto de um methodo, mas 
a combinação do methodo inductivo com o deductivo. Portanto, aqui 
também será questão saber em que proporção elles se combinam e quaes 
os aspectos especiaes que assumem os methodos geraes. Para rsso, e 
principalmente no que se refere ao segundo caso, é necessário que se 
mantenha bem distinctas as três investigações que a philosophia ao di-
reito faz, porque a proporção da combinação dos methodos varia com-
forme a natureza délias. 
Na investigação critica, referente ao fundamento do saber judaico, 
trata-se, principalmente, dos presuppostos que a philosophia do direito 
tira da gnoseologia; e, assim, prevalece o methodo deductivo. Mas, aqui 
também entra a inducção, emquanto os princípios geraes da gnoseoiogia 
são avaliados pela analyse inductiva, que por sua conta faz a philosopma 
da idéa do direito, tirando-a da observação do direito positivo na historia 
A investigação pratica ou deontologica também se funda prevalen-
temente sobre a deducção. Com effelco, ei Ia parte de certas premissas 
— 25 — 
sobre a natureza humana, que foram estabelecidas pelas sciencias anthro-
pologicas, e de outras premissas sobre as condicções da vida em com-
mun, que foram estabelecidas pelas sociologia e pelas sciencias sociaes. 
Destas propriedades da natureza humana e destas condições da convivên-
cia deduz-se o que o direito deve fazer para assegurar as condições de 
que depende a consecução dos fins humanos. Mas aqui nesta parte 
também entra o methodo inductivo, pois a natureza humana não- é con-
siderada

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