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Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 2, p. 113-123, 2014. ISSN 1983-0882 113 O PAPEL DA ORALIDADE SOB A PERSPECTIVA V YGOTSKIANA: BREVE REVISÃO TEÓRICA E APRESENTAÇÃO DE INICIATIVAS PARA VALORIZAÇÃO DA ORALIDADE Wanderley Pivatto1, Sani de Carvalho Rutz da Silva2 Resumo: Este artigo, de cunho teórico, tem como objetivo realizar breve revisão acerca do tema oralidade, uma das áreas expressas nas Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil e fomentada nas matrizes da perspectiva Vygotskiana, como uma necessidade humana que proporciona a construção de significados e o desenvolvimento do pensamento. As crianças precisam do convívio com os outros sujeitos falantes para estabelecer, além de um canal comunicativo, um vínculo afetivo. Assim, elas podem exercitar sua fala, desenvolver a escuta e as habilidades de comunicação em diferentes contextos e ampliar gradativamente sua forma de expressão e seu conhecimento de mundo. Nessa perspectiva, mais do que uma revisão dos pressupostos teóricos que compõem a oralidade, apresentam-se algumas propostas visando a compartilhamento de ideias e servindo como subsidio para a prática docente. Palavras-chave: Oralidade. Infância. Vygotsky. THE ROLE OF ORALITY IN THE V YGOTSKYAN PERSPECTIVE: BRIEF THEORETICAL REVIEW AND PRESENTATION OF INITIATIVES FOR RECOVERY OF THE ORALITY Abstract: This work, a theoretical, has as objective to carry out a brief review about the theme orality, one of the areas expressed in the Curriculum Guidelines for the Children’s Education and encouraged in arrays of Vygotskyan perspective, as a human need which provides the construction of meanings and the development of thought. Children need socialising with the other speakers subjects to establish in addition to a communicative channel an affective bond. Thus, they may exercise their speech, develop listening and communication skills in different contexts and expand gradually its form of expression and your knowledge of the world. From this point of view, more than a review of the theoretical assumptions that comprise the orality, presents some proposals for the sharing of ideas and serving as Aids for the teaching practice Keywords: Orality. Childhood. Vygotsky. 1 Mestre em Ensino de Ciências Naturais e Matemática. 2 Professora permanente do quadro docente da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). O PAPEL DA ORALIDADE SOB A PERSPECTIVA VYGOTSKIANA: BREVE... Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 2, p. 113-123, 2014. ISSN 1983-0882 114 1 À GUISA DE INTRODUÇÃO A linguagem enquanto função possibilita o pensamento e permite a comunicação ampla do pensamento. É pela posse e pelo uso da linguagem, falando oralmente ao próximo ou mentalmente a si mesmo, que a criança consegue organizar o pensamento e torná-lo articulado com encadeamento, sequência e clareza. Com base em estudos linguísticos, a linguagem, quer oral, quer escrita, constitui um todo em que as palavras se estruturam em frases, que podem ser por meio de expressões, nas quais há uma relação de dependência psíquica significativa, formando uma sequência de fatos. Os itens centrais que foram examinados por Vygotsky (1996;2005) para identificar as características básicas do funcionamento do psiquismo do homem primitivo foram a memória, o pensamento, a linguagem oral e escrita e as operações numéricas. Para realizar essa tarefa, Vygotsky (2005) utilizou amplamente os dados obtidos por pesquisadores e, sobretudo, por viajantes que tiveram contato direto com os povos ditos primitivos. Nessa descrição é que se torna evidente o esquema de análise que irá imprimir uma direção à evolução dos processos psíquicos superiores, como a oralidade e a linguagem. Sobre a linguagem, Vygotsky (1996) afirma que os significados das palavras se desenvolvem por via natural e a história do desenvolvimento psicológico do significado da palavra nos ajuda a esclarecer, até certo ponto, como transcorre o desenvolvimento dos signos, como aparece por via natural o primeiro signo, como sobre a base do reflexo condicionado se realiza a dominação do mecanismo da designação, como surge, a partir desse mecanismo, um fenômeno novo que parece sair dos limites do reflexo condicionado. Sabe-se que nossas palavras não são inventadas, mas são resultados das experiências vivenciadas no cotidiano. No entanto, se perguntarmos a qualquer um, tal como fazem as crianças, por que certo objeto se chama assim, a maioria de nós não saberia responder. A história da linguagem está relacionada às grandes transformações sociais ocorridas ao longo dos tempos. O homem primitivo, com a habilidade das mãos e com a possibilidade de emitir sons, além de gritos naturais como forma de manifestação ou imitação dos ruídos de seres ou animais que pertenciam ao seu meio de convivência, começou a construir modelos representativos utilizados pelos membros de seu grupo como instrumento de comunicação, caracterizado como linguagem, compreendida como a matéria-prima para expressar o pensamento, cujas raízes possuem linha diferente de evolução. As linhas do pensamento e linguagem se cruzam, possibilitando que tal binômio se torne intelectual e verbal. Por meio da linguagem é que ocorrem as interações, aprendizagens, invenções, participações e toda manifestação do pensamento. A linguagem expressa a realidade social e cultural. Portanto, não é suficiente a aprendizagem de quantidade de palavras, mas é preciso que elas tenham significado de acordo com o contexto social, afinal, a linguagem não é homogênea. É preciso considerar a inserção cultural, a origem Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 2, p. 113-123, 2014. ISSN 1983-0882 115 Wanderley Pivatto, Sani de Carvalho Rutz da Silva geográfica dos sujeitos e a adequação do perfil conceitual a determinadas situações comunicativas. Assim, por exemplo, se um indivíduo é manézinho da ilha de Florianópolis e encontra um amigo para conversar sobre um tema polêmico, ele pode dizer: “oi, oi, oi, tás tolo!”. Por outro lado, se fosse um paraibano, ao conversar com um amigo, poderá dizer: “Oi, bichinho! Cumé qui tu tá?”. A análise sobre a adequação de cada uma dessas falas depende da capacidade de produzir significado aos seus pares, logo não existe linguagem correta ou incorreta, mas maneiras diversificadas de comunicação. Os indivíduos devem ser respeitados no seu modo de falar, já que a linguagem constitui sua subjetividade e contexto social. A escola possui papel fundamental no que se refere ao acesso e ao uso dos mais diversos tipos de linguagem. Por exemplo, na Educação Infantil, a linguagem é mediadora nas relações entre adultos, de crianças com crianças e de crianças com adultos, portanto, é essencial proporcionar experiências ricas e significativas de fala e escuta. Nessa direção, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2006) afirmam que as práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular na fase da Educação Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e brincadeiras, garantindo experiências que possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita e de convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos. Segundo Oliveira (1995), nessa fase a criança amplia o repertório de palavras como que por necessidade de entender as relações entre os significados que estão atrelados às palavras. Ela percebe que os vocábulos que símbolos funcionais que estruturam o seu pensamento tornam-se verbal. Para Vygotsky (1996), o pensamento verbal e a linguagem racional alteram o aspecto biológico inicial para uma função social e histórica da fala. A criança estará inserida numa cultura cuja linguagem já se encontra estruturada e organizada, o que ampliará seus horizontes de pensamento verbal quando expandir a suainteração com o meio. O sentido das palavras liga seu significado objetivo ao contexto de uso da língua e aos motivos afetivos e pessoais de seus usuários. Segundo Fávero et al. (2000), a partir de textos orais produzidos e gravados pelos próprios alunos, é possível propor atividades de identificação de tópicos e subtópicos, relacionando-os posteriormente à elaboração de textos escritos para observar como se estruturam os parágrafos. Outra sugestão das autoras é identificar marcas de oralidade em textos jornalísticos, percebendo os efeitos de sentido, e em crônicas, para caracterizar a construção dos personagens. Comparar textos orais e escritos produzidos por uma mesma pessoa e dois textos orais produzidos por pessoas diferentes, em situações distintas de comunicação, também são sugestões das autoras para um efetivo trabalho com a compreensão e a produção textual. Já a professora Castilho (1998) propõe a combinação de textos (como conversação simétrica/textos teatrais; conversação assimétrica/cartas, crônicas, noticiários de jornais O PAPEL DA ORALIDADE SOB A PERSPECTIVA VYGOTSKIANA: BREVE... Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 2, p. 113-123, 2014. ISSN 1983-0882 116 e revistas; aulas e conferências/narrativas e descrições contidas em romances e contos) para que se faça a interação entre a língua falada e a língua escrita. Assim, pode-se perceber como se constroem esses textos e o que caracteriza a modalidade em cada um deles. O professor de Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo (USP) Marcuschi (2001), por outro lado, relata experiências feitas com alunos de Letras e sugere atividades de retextualização nas quais, a partir de um texto oral, passa-se a outros, em um processo contínuo de reescrita, tentando sempre manter as informações básicas, mas modificando o original passo a passo. O autor destaca, entretanto, que às vezes as transformações acabam por alterar também as informações iniciais, o que pode ser discutido com a turma. Atividades como as descritas acima não exigem muito material audiovisual, mas acabam por ir além de mostrar como se estruturam os textos orais e escritos. Propiciam, na verdade, o que se espera de todas as aulas: a participação ativa do aluno, na construção do seu próprio conhecimento, por meio de textos, ou seja, leitura e produção. Com um pouco mais de aprofundamento, o professor pode mostrar aspectos linguísticos envolvidos, fazendo aquilo que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) (BRASIL, 1998) propõem e alguns professores não sabem o que significa: análise linguística. Este artigo tem como foco apresentar a oralidade como campo de experiência para o desenvolvimento da aprendizagem, valorizar o dinamismo como campo de experiências na infância e apresentar, de modo inacabado, algumas iniciativas que buscam colaborar com o professor em sala de aula no que concerne a atividades envolvendo oralidade. 2 A ORALIDADE COMO CAMPO DE EXPERIÊNCIA E DE APRENDIZAGEM A oralidade é a capacidade de as pessoas transformarem o pensamento em palavras, fornecendo sentido a ideias, sentimentos, perspectivas e desejos. Embora o ser humano possua a possibilidade genética de falar, isso só se desenvolverá se forem proporcionadas interações com outros sujeitos falantes. Para Vygotsky (1996), o processo de aquisição da oralidade não ocorre pela simples memorização de palavras repetidas insistentemente para as crianças, mas se efetiva em um ambiente rico em possibilidades e interações com adultos e outras crianças que conversam com elas e no qual têm também oportunidade de presenciar diálogos entre esses sujeitos. Nessa perspectiva, desde o nascimento, o bebê possui a capacidade de ouvir e emitir sons, sem a intenção de comunicação. Por exemplo, usa o choro para manifestar um desconforto, fome ou até mesmo pedido de carinho. O significado dos gestos emitidos pelos bebês é interpretado pelos sujeitos falantes a sua volta. Se um bebê emite o som de Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 2, p. 113-123, 2014. ISSN 1983-0882 117 Wanderley Pivatto, Sani de Carvalho Rutz da Silva “pa - pa”, o pai pode interpretar como um fato intencional imitando o gesto do bebê. É por intermédio da relação com outros sujeitos falantes que a criança progressivamente cria um canal de comunicação e é por meio de olhares, sorrisos e sons que se estreita a relação. O pensamento e a oralidade possuem momentos diferentes de evolução e podem ser caracterizados de acordo com o Quadro 1 abaixo. Quadro 1 - Etapas do pensamento e da oralidade segundo a perspectiva Vygotskiana Etapa pré-oralidade do pensamento Predomínio de uma inteligência prática, desprovida de oralidade. Por exemplo, se um bebê deseja pegar um objeto sobre a mesa, ele puxará a toalha que está sob o objeto para perto de si. Resolve o problema pela ação prática, sem planejamento, portanto, evolui sem linguagem. Paralela: etapa pré-intelectual da oralidade Predomínio da linguagem emocional. Utiliza-se da oralidade pré-intelectual antes de adquirir a língua utilizada pelos sujeitos de seu convívio social. Assim, por meio das interações sociais, os signos e os significados culturais vão progressivamente deixando de fazer parte do mundo externo e sendo internalizados e transformados pela criança. Aproximadamente dois anos de idade: oralidade intelectual e o pensamento verbal As crianças começam a pensar com palavras, representam o mundo por meio de conceitos. Começam a verbalizar seus pensamentos. Nomeiam objetos, animais e pessoas. O papel do adulto é fundamental, pois é por meio de brincadeiras, jogos e diálogos que a criança repete, pergunta, interpreta e reorganiza sua fala. Fonte: Vygostsky, (1996). As etapas pré-oralidade no desenvolvimento do pensamento e pré-intelectual no desenvolvimento da oralidade podem ser entendidas pelo exemplo exposto por Oliveira (1995, p. 46) que afirma: “antes de dominar a linguagem, a criança demonstra capacidade de resolver problemas práticos, de utilizar instrumentos e meios indiretos para conseguir determinados objetivos. Ela é capaz, por exemplo, de subir numa cadeira para alcançar um brinquedo”. Isso demonstra que a criança possui inteligência prática que permite que ela atue sobre o meio sem a necessidade da verbalização, apenas com o uso de instrumentos. As funções sociais da fala, no entanto, manifestam-se muito cedo, quando a criança reage positivamente a estímulos de seus familiares como busca de alívio emocional O PAPEL DA ORALIDADE SOB A PERSPECTIVA VYGOTSKIANA: BREVE... Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 2, p. 113-123, 2014. ISSN 1983-0882 118 ou para estabelecer uma relação social, demonstrando uma pré-intelectualidade no desenvolvimento da fala (VYGOTSKY, 1996). Ocorre então, mais ou menos aos dois anos de idade, a união do pensamento e da fala, que até então encontravam-se separados, dando início a uma nova forma de comportamento. Essa nova forma refere-se ao início do entendimento, por parte da criança, de que ela tem domínio da verbalização e de que ela pode relacionar-se com os objetos, nominando-os. Esse é o momento em que a fala começa a ser transformada em pensamento e em que o pensamento e a fala se encontram. Para Vygotsky (1996), nessa fase a criança amplia seu repertório de palavras como que por necessidade de entender as relações entre os significados que estão atrelados às palavras. Ela percebe que os vocábulos são símbolos funcionais que estruturam o seu pensamento. O pensamento verbal e a linguagem racional alteram o aspecto biológico inicial para uma função social e histórica da fala. A criança estará inserida em uma cultura cuja linguagem já se encontra estruturada e organizada, o que ampliará seus horizontes de pensamento verbal quando expandir a sua interação com o meio. “O sentido das palavras ligaseu significado ao contexto da linguagem e aos motivos afetivos e pessoais de seus usuários. Relaciona-se com o fato de que a experiência individual é sempre mais complexa do que a generalização contida nos signos” (OLIVEIRA, 1995, p. 50). Por conseguinte, Vygotsky (1996) defende que a leitura e a escrita devem ter significado para a criança e devem surgir da necessidade interior para serem, posteriormente, indispensáveis e relevantes para ela. Para existir uma verdadeira aprendizagem da linguagem escrita é imprescindível que o ato de ler e de escrever permita ao indivíduo o pensar e o expressar suas ideias, opiniões e sentimentos. À medida que as crianças ampliam suas potencialidades de interação social, os conceitos se transformam segundo a lógica de seu pensamento. Aos poucos são acrescentados elementos importantes no desenvolvimento de sua linguagem: a oralidade, que, segundo Vygotsky (1996), as crianças conseguem usar da temporalidade para estabelecer sua comunicação com os sujeitos falantes. Os relatos de seu cotidiano, a exploração de livros de história, assim como possibilidades de contar e recontar histórias, são experiências fundamentais para que as crianças desenvolvam sua capacidade de diálogo por meio da oralidade. Pode-se acrescentar as brincadeiras de faz de conta, que contribuem para o desenvolvimento da oralidade, pois permitem a imaginação, a imitação, o posicionamento sob a perspectiva do outro, a aprendizagem para a hora de ouvir e se comunicar. A construção da oralidade é fruto de um processo de interação entre o sujeito e os meios social, físico e cultural, não ocorrendo, portanto, de modo homogêneo. Cada um tem seu tempo e seu ritmo e seu desenvolvimento depende diretamente de sua participação em atos de linguagem. Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 2, p. 113-123, 2014. ISSN 1983-0882 119 Wanderley Pivatto, Sani de Carvalho Rutz da Silva 3 DINAMISMO DA ORALIDADE COMO CAMPO DE EXPERIÊNCIA NA INFÂNCIA A escola que oferece Educação Infantil é o locus para promover experiências diversificadas de aprendizagem da oralidade. À medida que todos participam do processo educativo - crianças e adultos dialogam, compreendem a fala do outro, expressam pensamentos e sentimentos -, passam a estabelecer relações interpessoais. Assim, é importante criar possibilidades de experiências de oralidade desde os primeiros meses de vida. Quanto mais as crianças puderem falar em situações diferentes, como contar o que lhes aconteceu em casa, contar histórias, dar um recado, explicar um jogo ou pedir uma informação, mais poderão desenvolver suas capacidades de maneira significativa (BRASIL, 1998, p. 121). Com a possibilidade de falar, as crianças traduzem seus modos idiossincráticos de pensar. É nessa direção que a Educação Infantil precisa planejar momentos para troca de experiências com as crianças, o que permitirá uma ação mais dinâmica na sociedade. O trabalho com as crianças na Educação Infantil deve promover a audição (escuta) e a atenção à sua oralidade, aos movimentos, aos gestos e demais ações. O ponto de vista de que som e significado, nas palavras, são elementos separados e com vidas separadas, tem sido muito prejudicial para o estudo tanto dos aspectos fonéticos quanto dos aspectos semânticos da linguagem. [...] essa separação entre som e significado é responsável em grande parte pela esterilidade da fonética e da semântica clássicas (VYGOTSKY, 2005, p. 4). Os responsáveis pela criança e as instituições de Educação Infantil podem proporcionar momentos distintos de uso da fala e escuta, nos quais as crianças possam participar, como: folhear livros e revistas, ouvir e contar histórias, fazer relatos de suas vivências, brincar de faz de conta, dar um recado, explicar uma regra, ouvir uma orientação para o desenvolvimento de uma atividade, participar de uma peça de teatro ou cantar uma música. Além dessas atividades, Goulart (2007) cita a importância dos profissionais quando vivenciarem outros locais fora da instituição com suas crianças, como passeios, visitas, idas a parques, museus, exposições, cinema e tantos outros locais, criando oportunidade para as crianças conversarem com outras pessoas, resolverem problemas simples ou tomarem decisões, ampliando e desenvolvendo o diálogo. Por isso, é importante contribuir para a ampliação do vocabulário das crianças, claro que com cautela e atividades direcionadas como em uma conversa, evitando um simples gesto de uma resposta memorizada. Outro cuidado é a utilização excessiva de palavras infantilizadas ou no diminutivo, entendendo que a relação com a criança O PAPEL DA ORALIDADE SOB A PERSPECTIVA VYGOTSKIANA: BREVE... Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 2, p. 113-123, 2014. ISSN 1983-0882 120 será mais forte. O importante é os professores estarem atentos às especificidades das crianças, às suas habilidades desenvolvidas e à aquisição da oralidade. 4 ALGUMAS INICIATIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO DA ORALIDADE O desenvolvimento da oralidade é um processo que requer pesquisa e dedicação dos profissionais que trabalham na Educação Infantil. Nessa direção, apontam-se como recorte, algumas iniciativas apresentadas por pesquisadores (Kramer, 1999; Fernandes, 2001; Bassedas, 2006) que podem contribuir para esse momento importante da criança. • trabalhos em pequenos grupos nos quais, a partir de uma tarefa proposta, como a discussão de um tema polêmico ou a preparação de uma apresentação para a turma, as crianças podem trocar ideias, expor argumentos e opiniões, vivenciar a prática do diálogo como forma de construção de conhecimento coletivo; • debates com a turma, em que, a partir de um eixo motivador, como uma imagem, um texto lido, um filme assistido, as crianças podem confrontar os próprios posicionamentos com os dos demais; • roda de conversas, a partir das quais a criança se exercita no falar de si mesma, na autoanálise e na autoavaliação, ao mesmo tempo em que o trabalho se torna mais personalizado e o profissional passa a se relacionar mais diretamente com as crianças; • conversas informais do profissional com a turma, constituindo momentos em que, espontaneamente, a educadora pode abrir espaço para a troca de ideias, entre uma atividade e outra; • dramatização de textos ou de situações do cotidiano, em que as crianças assumam diferentes papéis, em contextos diversos, e possam perceber a necessidade de adequação da linguagem e da utilização de diferentes recursos linguísticos em função das situações vividas pelas personagens. Além disso, as dramatizações são oportunidades para o estímulo da capacidade de memorização. Esse recurso tem diversas outras vantagens: torna o processo da aprendizagem mais agradável; permite que a criança se coloque em relevo, exteriorize sentimentos, sonhos ou condutas que, em geral, passam despercebidos. Facilita a mudança de atitudes e de postura da criança frente ao grupo, na medida em que ela se expõe e obtém a aceitação dos demais, sendo um valioso instrumento para lidar com a autoestima das crianças; • contação de histórias, em que as crianças vão ouvir e contar histórias a partir de uma imagem e/ou fazer reconto oral de história lida pela educadora, debater diferentes interpretações de textos, partilhar vivências e experiências; • realizar com as crianças sínteses orais - o que, quando, onde, como, quem - de histórias, notícias e desenhos animados; • instituir o dia da caixa surpresa - em que uma criança da turma, a cada semana, Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 2, p. 113-123, 2014. ISSN 1983-0882 121 Wanderley Pivatto, Sani de Carvalho Rutz da Silva por meio de sorteio, trará um objeto que será surpresa. Esse objeto pode estar relacionado com algum tema trabalhado. A criança vai oferecendo pistas sobre os objetos e os colegas tentam descobrir; • usara língua falada em diferentes situações, buscando empregar a variedade linguística adequada (jogral, dramatizações, declamação de poemas, rimas ou parlendas, trava-línguas etc.); • propor várias brincadeiras e jogos, em que as crianças deverão ouvir orientações e regras, para depois desenvolvê-las (macaco disse amarelinha, bingo, dominó, memória, entre outras); • propor atividades de culinária, em que as crianças têm de ouvir o passo a passo da receita para depois desenvolvê-la. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A formação social da criança é concebida por meio da relação com outras crianças ou adultos, pois não há socialização sem convívio social. Segundo Vygotsky (1996), é na interação com o outro que a criança desenvolve sua capacidade cognitiva, seu pensamento e sua oralidade. Partindo da premissa de que a ação comunicativa tem uma meta, um conteúdo, uma forma, um contexto e um interlocutor, é preciso acompanhar o desenvolvimento da oralidade nas crianças nas diferentes situações vivenciadas, para repensar as práticas pedagógicas desenvolvidas e proporcionar novos desafios e aprendizagens, considerando as especificidades de cada criança e do grupo. Nessa direção, ainda é possível, como sugestão, organizar o espaço e o tempo de modo a favorecer o desenvolvimento da oralidade, preparado para momentos em que as crianças possam dialogar com os sujeitos falantes. Nessa perspectiva, a presença do professor em sala de aula justifica-se mais em função de atuar como mediador do conhecimento, de forma que os estudantes aprendam os saberes escolares em interação com o outro, e não apenas os recebam passivamente. O papel do professor ganha relevância e importância ao contribuir para que o estudante desenvolva sua oralidade. Cabe ao professor colocar-se como ponte entre o estudante e o conhecimento e cabe ao estudante participar ativamente desse processo. Com relação às iniciativas apresentadas por Kramer (1999), Fernandes (2001), e Bassedas (2006), recomendamos que, no planejamento, o professor utilize metodologias que facilitem o acesso ao pensamento dos estudantes, configurando um interessante aspecto a ser considerado em relação aos problemas enfrentados na prática pedagógica. No universo da sala de aula professor e estudante se relacionam o tempo todo, no entanto, o professor não ensina apenas transmitindo ou reproduzindo conteúdos mesmo que com métodos testados. O fato é que esse intenso relacionamento pode favorecer a aprendizagem dos estudantes e analisar sobre como professor e estudante se aproximam na construção de um laço de confiança e respeito. O PAPEL DA ORALIDADE SOB A PERSPECTIVA VYGOTSKIANA: BREVE... Caderno pedagógico, Lajeado, v. 11, n. 2, p. 113-123, 2014. ISSN 1983-0882 122 Por fim, as discussões de Vygotsky (1996;2005) acerca da aquisição e do desenvolvimento da linguagem oral e escrita ampliam-se, pois o autor, além do exposto, interessou-se em conceber as raízes genéticas do pensamento e da linguagem, no estudo da formação de conceitos pelas crianças, no desenvolvimento dos conceitos científicos na vida e na escola e na relação entre pensamento e palavra. O aprofundamento dessas questões permitirão a ampliação no entendimento das formas como a criança constrói sua relação com a cultura letrada e como os professores poderão interferir positivamente neste processo. A aprendizagem ocorre quando há inclusão de novos conhecimentos, valores e habilidades que são próprias da cultura e da sociedade. Não se deve subordinar a aprendizagem ao desenvolvimento. Segundo Vygotsky (2005), para que possa haver desenvolvimento é necessário que se produza uma série de aprendizagens, que são uma condição prévia. A aprendizagem na interação com outras pessoas oferece a possibilidade ao indivíduo de avançar em seu desenvolvimento psicológico. REFERÊNCIAS BASSEDAS, H. Aprender a ensinar na Educação Infantil. In: Intercomunicação e Linguagens. Porto Alegre 2006. p. 74-81. BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Referencial Curricular para a Educação Infantil: Conhecimento de Mundo, vol. 3. Brasília-MEC/SEF, 1998. BRASIL, CNE. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília- MEC/SEF, 2006. CASTILHO, A. A língua falada no ensino de português. São Paulo: Contexto, 1998. FÁVERO, L. et al. Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino de língua materna. São Paulo: Cortez, 2000. FERNANDES, M. Os segredos da alfabetização: Teoria e prática para professores e pais. São Paulo: Ediouro, 2001. GOULART, M. I. Infância (s): Crianças de 0 a 6 anos e suas especificidades. In: Educação Infantil-Infâncias - Curso de Pedagogia UABUFMG, 2007. KRAMER, S. 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