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TPI E O CASO LUBANGA

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RDB
Revista de Direito Brasileira Ano 3 • vol.4 • jan.-abril. / 2013
8 
JustiçA CriMinAl eM Construção: o tribunAl penAl internACionAl 
e o CAso lubAnGA
Criminal justice under construction: the International Criminal 
Court and the Lubanga case
frAnçoise doMinique vAléry
Graduada em História e Langues Etrangeres Appliquées. Mestrados em História 
Contemporânea, Planejamento Urbano e Regional e Ciências Sociais. Doutorado 
em Planejamento Urbano e Regional - Institut d Aménagement Régional e 
Pós-Doutorado em Arquitetura - Ecole d´Architecture Marseille Luminy. 
Professora Doutora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UFRN. E-mail: francoisevalery@hotmail.com 
thiAGo oliveirA MoreirA
Mestre em Direito pelo PPGD/UFRN, Membro do Conselho Editorial das Revistas 
FIDES e Mens Agitat. Professor Mestre da Universidade Federal do Rio Grande 
do Norte- UFRN. E-mail: tomdireito@hotmail.com.
REcEbIDO Em: 28.08.12
ApROVADO Em: 23.11.12
 
resuMo 
A criação de uma instancia penal internacional, de caráter permanente 
e autônomo, resultou de longo processo histórico. Até final do século XX, as 
experiências acumuladas, a vontade de dar respostas às questões materiais e 
processuais de direito penal internacional e as frustrações internacionais em 
relação à falta de eficácia das soluções anteriores levaram os representantes 
dos Estados membros da ONU, presentes na Convenção de Roma, a aprovar 
em 1998 o Estatuto de Roma, pedra angular do Tribunal Penal Internacional. 
Desde sua entrada em vigor em 2002 até 2012, notabilizou-se pela expansão 
de suas atividades e inovações em termos de práticas processuais. No entanto, 
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 Revista de Direito BrasileiraAno 3 • vol.4 • jan.-abril. / 2013
o balanço de sua atuação ficou mitigado pelo pequeno numero de sentenças 
pronunciadas e pela ausência de efetividade de suas decisões. O que o caso 
Lubanga ilustra de maneira contundente. Os crimes apreciados pelo Tribunal 
Penal Internacional dizem respeito a fatos ocorridos em Ituri, na Republica 
Democrática do Congo, em 2002 e 2003, envolvendo contínua e sistemática 
violação de direitos humanos, a saber conscrição e enrolamento de crianças 
com menos de 15 anos como soldados. Apesar da longa duração do julgamento, 
iniciado em 2004, a recente condenação de Thomas Lubanga Dyilo por crimes 
de guerra cometidos em Ituri pelo Tribunal Penal Internacional, sinaliza 
avanços e limites na construção de um Direito Penal e Processual penal 
Internacional mais efetivo. 
pAlAvrAs-ChAve: DIREITO pEnAl InTERnAcIOnAl. cRImES DE guERRA. ESTATuTO 
DE ROmA. cOngO. THOmAS lubAngA. EfIcácIA DA SEnTEnçA. 
AbstrACt 
The creation of permanent and autonomous international criminal 
instance was resulted of long historical process. Until the late twentieth century, 
the accumulated experiences, the desire to answer the questions of substantive 
and procedural international criminal law and international frustration over 
the lack of effectiveness of previous solutions have led the representatives of 
UN Member States, the present Convention Rome to approve the 1998 Rome 
Statute, the cornerstone of the International Criminal Court. Since its entry into 
force in 2002 until 2012, was notable for expanding its activities and innovations 
in procedural practices. However, the balance of his performance was mitigated 
by the small number of sentences pronounced and the lack of effectiveness of 
their decisions. The Lubanga case that illustrates a blow. The crimes considered 
by the International Criminal Court relate to events that occurred in Ituri, in 
the Democratic Republic of Congo in 2002 and 2003, involving continuous 
and systematic violation of human rights, namely winding and conscription 
of children under the age of 15 as soldiers. Despite the long duration of the 
trial, which began in 2004, the recent conviction of Thomas Lubanga Dyilo 
for war crimes committed in Ituri by the International Criminal Court, signals 
progress and limits the construction of a Criminal Law and Criminal Procedure 
International more effective.
Keywords: InTERnATIOnAl cRImInAl lAw. wAR cRImES. ROmE STATuTE. 
cOngO. THOmAS lubAngA. EffEcTIVEnESS SEnTEncE
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suMário: Introdução. 1. Antecedentes do Tribunal Penal Internacional. 
2. Do Estatuto de Roma ao Tribunal Penal Internacional (TPI). 3. 
A dinâmica do processo, o caso Lubanga e a questão das crianças-
soldados. 4. Balanço e perspectivas do caso Lubanga e da atuação do 
TPI. Conclusão. Referências.
introdução
 
Até que ponto o longo julgamento e a recente condenação de Thomas 
Lubanga por crimes de guerra cometidos em Ituri (República Democrática do 
Congo), pelo Tribunal Penal Internacional, sinalizam avanços e limites no Direito 
Penal Internacional ? É a questão de pesquisa a qual se pretende responder, 
salientando-se que partimos da hipótese de que o Direito Penal Internacional e 
seu corolário, o Direito processual penal internacional, estão em construção. 
 O trabalho foi construído a partir de leituras de obras de referencias 
em Direito Internacional e completado por buscas em bibliotecas e banco 
de textos virtual, via internet. Contrariamente aos trabalhos que focalizam o 
Tribunal Penal Internacional e o Direito brasileiro, o tema pesquisado ainda 
não foi consubstanciado em livros; portanto, recorreu-se a fonte digital de 
informações, em sites que noticiassem estudos referentes ao caso Lubanga 
(sites da ONU e da corte penal internacional) e aos primeiros artigos que 
analisaram a recente decisão da Corte (março de 2012). O que explica a 
diversidade e heterogeneidade das fontes.
O resultado é um trabalho de cunho monográfico, com base bibliográfica 
e documental, que levanta questões relativas ao desenrolar do processo penal 
nos Tribunais e Cortes Internacionais, a saber, indagando como se processa 
a investigação, a ação penal em si, qual o procedimento adotado, que tipo de 
normas processuais aplicam-se ao caso específico, indagando finalmente: apesar 
da sentença condenatória por crimes de guerra, até que ponto pode-se falar em 
eficácia dos procedimentos processuais no julgamento de Thomas Lubanga? 
 O artigo apresenta a seguinte estrutura. No primeiro tópico, são 
lembrados alguns dos principais antecedentes do TPI, entre 1872 e 1998, no 
intuito de mostrar que a intenção de criar uma corte penal internacional de caráter 
permanente foi durante muito tempo frustrada, até a Convenção de Roma. Num 
segundo momento, sentiu-se a necessidade de apresentar alguns elementos do 
Estatuto de Roma, que define claramente os princípios de direito e de direito 
processual penal, consensuais entre a comunidade jurídica internacional naquele 
momento, que norteiam a ação dos diferentes órgãos que compõem o TPI. 
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Entre 2002 e 2012, realizaram-se os primeiros processos, no meio de intensos 
(e por vezes polêmicos) debates sobre estabelecimento de regras processuais 
e fortalecimento de procedimentos visando a efetividade de suas decisões. A 
terceira parte do artigo retrata o caso Lubanga, enquanto fato e contexto do 
primeiro julgamento da TPI: evoca a situação fática ocorrida em Ituri, na 
Republica Democrática do Congo, enfatiza a questão das “crianças-soldados”, 
principal elemento acusatório, e retrata a batalha jurídica que aconteceu até o 
julgamento ocorrido em abril de 2012. A quarta parte do artigo visa fazer um 
balanço do processo, ensejando também refletir sobre os primeiros dez anos de 
atuação do TPI, numa ótica conclusiva. 
1. AnteCedentes do tribunAl penAl internACionAl
 Nas últimas décadas, assistiu-se a um esforço sem precedentes,o de 
criar instancia penal internacional que punisse os responsáveis por violações do 
que se convencionou chamar de direito internacional humanitário (GARCIA, 
2008, p. 237; BORGES, 2006). Fruto da intenção de estabelecer jurisdição 
universal para julgamento de crimes de guerra, crimes contra a humanidade 
ou crimes que, com o correr do tempo, foram qualificados como merecendo 
reprovação de toda a comunidade internacional227. Pode-se afirmar que essa 
intenção foi reiteradamente formulada durante mais de um século, com avanços 
e recuos, até final do século XX. 
Segundo Jorge Miranda, apud Mazzuoli (2011, pp. 22 - 27), ao longo 
do século XX, o Direito Internacional Público foi fruto de amplo processo 
227 Segundo os doutrinadores, o primeiro antecedente da história do direito internacional penal 
foi a positivação, no século XIX, do chamado “direito de guerra”, modernamente conhecido como 
“direito internacional humanitário”, que ocorreu inicialmente por intermédio das Convenções de 
Haia, fruto das Conferências de Paz de 1899 e 1907. Essas Convenções determinaram, como prin-
cípio fundamental, que os beligerantes não têm o direito ilimitado quanto à escolha dos meios 
e métodos de prejudicar o inimigo, de forma que, os criminosos de guerra – os que violavam as 
leis e costumes de guerra – deveriam ser julgados pelos tribunais nacionais. Outra vertente do 
direito internacional humanitário, também positivada no início do século XIX, é a composta por 
normas que visam a proteger os civis no período de conflito armado e a estabelecer as condições 
dos militares feridos e dos prisioneiros de guerra. Também nesta vertente, quem desrespeitasse as 
regras, seria considerado criminoso de guerra, devendo ser julgado pelos tribunais nacionais. A 
positivação destas normas, cujo sucesso se deve às iniciativas da Cruz Vermelha Internacional é 
iniciada em 1864, atingindo seu apogeu com as Convenções de Genebra de 1949 e seus Protocolos 
de 1977. Por isso, o conjunto das normas que regulam meios e métodos utilizados nos conflitos, 
e das que protegem os civis, os feridos e os prisioneiros de guerra, compõem o chamado direito 
internacional humanitário. Mas foi somente a partir do estabelecimento dos tribunais internacio-
nais, Nuremberg e Tóquio, Iugoslávia e Ruanda e do Tribunal Penal Internacional, que os crimes 
de guerra passaram a ser punidos também por instâncias internacionais (BORGES, 2006).
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histórico que teve as seguintes características: universalização (passando-
se de um direito euro-americano para um direito internacional universal), 
regionalização (criação de espaços regionais com formas de cooperação 
bem definidas), institucionalização (presença de organizações internacionais 
e agencias especializadas), funcionalização (visando a regulamentação e 
solução de problemas e a criação de organismos internacionais capazes 
de implementá-las), humanização (em relação aos Direitos Humanos e a 
dignidade da pessoa humana), objetivação (superação do dogma da vontade 
dos Estados e passagem para regime de tratados), codificação (elaboração de 
textos em Comissões e Convenções) e jurisdicionalização (criação de vários 
tribunais para decidir as mais diversas questões envolvendo aspectos ligados 
às violações de direitos humanos). 
 Embora, segundo Mazzuoli (2011), o Direito Internacional tenha 
passado por três momentos históricos mais importantes228, para entender melhor 
os atuais debates e polêmicas em torno do TPI e da Justiça penal internacional, 
é bom trazer do passado algumas das informações mais significativas229. 
 Uma das primeiras tentativas foi feita ainda no século XIX, com a 
reclamação feita em 1872 por Gustave Moynier (um dos fundadores do Comitê 
Internacional da Cruz Vermelha), para que se crie um Tribunal Internacional para 
julgar os crimes de guerra praticados durante o conflito armado entre a Prússia 
e a França, em 1870-1871 (FERNANDES, 2006, p. 126; MAZZUOLI, 2011, p. 
39). Anos depois, tendo em vista a repercussão do primeiro genocídio do século 
XX, perpetrado em 1915 por autoridades turcas contra o povo armênio230, ainda 
se tentou negociar (no Tratado de Sèvres, em 1920) a entrega dos responsáveis 
para julgamento, sem se obter êxito, pois os turcos foram anistiados no Tratado 
de Paz de Lausanne, em 1923. 
 Com o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918, multiplicaram-se 
as tentativas visando a criação de instituições internacionais permanentes 
vocacionadas à responsabilização penal dos indivíduos encarregados e 
228 Mazzuoli (2011, p. 24) destaca um primeiro momento, de definição internacional ou consagra-
ção internacional dos direitos humanos (Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948); 
um segundo momento de consagração do direito de queixa, de recurso e de comunicação dos 
cidadãos contra o seu Estado perante as instâncias internacionais, e um terceiro de criação da 
Justiça penal Internacional. 
229 Segundo Mazzuoli (2011, pp. 24-25), define-se Justiça penal internacional como o aparato jurí-
dico e conjunto de normas instituídas pelo Direito Internacional, voltados a persecução e a repres-
são dos crimes perpetrados contra o próprio Direito Internacional, cuja ilicitude está prevista nas 
normas ou princípios do ordenamento jurídico internacional e cuja gravidade é de tal ordem e de 
tal dimensão, em decorrência do horror e da barbárie que determinam ou pela vastidão do perigo 
que provocam no mundo, que passam a interessar toda a sociedade dos Estados contemporâneos.
230 Mazzuoli (2011, pp. 39-40) refere-se ao massacre de quase um milhão de armênios, em 1915, 
tema de polêmicas entre povos e países até hoje. 
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eventuais atrocidades (GARCIA, 2008, p. 238). Mas, nenhuma proposta 
chegou a se concretizar231. Deste modo, entre as duas Guerras Mundiais, 
assistiu-se ao recrudescimento de acalorados debates na seara jurídica, 
visando proposta de estabelecimento de um tribunal internacional 
permanente, também sem sucesso232. 
 Durante a Segunda Guerra Mundial, foram realizadas várias reuniões 
visando organizar o futuro julgamento dos criminosos de guerra nazistas233. 
Quando chegou ao fim, os horrores da guerra, o ineditismo dos campos de 
concentração e os requintes de crueldade utilizados haviam predisposto a 
comunidade internacional a não aceitar mais que os crimes cometidos ficassem 
sem julgamento234. Havia, portanto, na época, certo entendimento sobre a 
necessidade de punição dos culpados, mas grande divergência sobre o modo 
mais correto de proceder (execução sumária, julgamento pelas instâncias locais 
ou por Tribunal das potências aliadas). Finalmente, um acordo foi selado, em 
agosto de 1945, pelos governos da França, Estados Unidos da América, Reino 
Unido e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas para criar um Tribunal 
Militar Internacional para julgar e punir os grandes criminosos de guerra das 
231 Por exemplo, a criação, em 1920, de uma Comissão sobre a responsabilidade dos Autores de 
Guerra e sobre a Aplicação de Penas por Violações às Leis e Costumes de Guerra, comissão es-
pecial para investigar a responsabilidade por atos de guerra e crimes contra a humanidade, que 
propôs a instituição de um Alto Tribunal compostos por juízes provenientes de vários países para 
o julgamento das violações mais graves. Por sua vez, o Tratado de Versalhes (assinado em 1919) 
propôs a instalação de um Tribunal especial constituído por cinco magistrados para julgar o Kai-
ser Guilherme II de Hollenzoller, considerado principal responsável pela eclosão da Primeira 
Guerra Mundial, mas este fugiu e nunca foi julgado. Quando aos criminosos de guerra julgados 
pela Suprema Corte do Reich em Leipzig, de acordo com Lei alemã de dezembro de 1919, o 
resultadodos trabalhos foi muito tímido, já que dos 900 presumíveis culpados, apenas 12 foram 
efetivamente julgados e somente 2 condenados. 
232 Por exemplo, no quadro do Comitê consultivo de Juristas da Liga das Nações, que não endos-
sou a proposta, julgada prematura e pouco realista; mais tarde, o projeto de criação de uma Corte 
Internacional de Justiça Penal Internacional, formulado pela Associação de Direito Internacional, 
em 1926, não logrou sucesso; finalmente, a Convenção pela criação de um Tribunal penal Inter-
nacional para julgar delitos terroristas (que tinham ocorrido em 1934) foi apresentada à Liga das 
Nações em 1937, mas não entrou em vigor por absoluta ausência de ratificação.
233 Declaração de Londres e Criação da Comissão de Crimes de Guerra das Nações Unidades, 
em 1943; Conferência de Moscou também em 1943; Conferência de Yalta em fevereiro de 1945 e 
Conferência de Potsdam em agosto de 1945, todas visando “o justo castigo” dos delinquentes de 
guerra e demais culpados de atrocidades ou delitos de guerra. 
234 Fundando-se nessa convicção, com base na Declaração de Moscou de 1943, firmada por Roo-
sevelt, Churchill e Stalin, os governos aliados, antes do final da guerra, estabelecem que os crimi-
nosos de guerra cujos crimes tivessem localização geográfica definida deveriam ser julgados no 
país onde os crimes foram cometidos. Já quanto aos crimes sem localização geográfica precisa, 
cujas ações estendiam suas consequências por todo o continente europeu, deveriam ser julgados 
de acordo com o que seria posteriormente definido. 
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potencias europeias do Eixo, conhecido com Tribunal Militar Internacional de 
Nuremberg235. De fato, vários processos foram levados a efeito por esta Corte 
penal, entre 1945 e 1949, para julgar os grandes criminosos nazistas, o que levou 
os doutrinadores a afirmarem que foi a partir do estabelecimento do Tribunal de 
Nuremberg que se pode realmente falar num direito internacional penal, como 
regime específico e distinto de responsabilidade, principalmente no tocante à 
questão da proteção aos Direitos Humanos.
 No entanto, a formulação deste modelo de Corte internacional sofreu 
muitas críticas, dentre as quais podemos citar: a ofensa ao princípio da 
imparcialidade do juiz (indicado pelo vencedor), a ausência do duplo grau de 
jurisdição, a afronta aos princípios da legalidade e da irretroatividade da lei 
penal, e talvez a crítica mais contundente feita ao Tribunal Militar de Nuremberg, 
a de não passar de Tribunal de exceção, de motivação eminentemente política, 
arbitrariamente constituído e controlado pelas potencias vendedoras, aplicando 
uma lei para os vencidos e outra para os vencedores. Alias, a mesma crítica 
foi feita ao Tribunal de Tóquio236, Corte internacional encarregada de julgar os 
criminosos japoneses, de controvertida atuação jurídica e de parcos resultados, 
em relação às punições por graves violações dos direitos humanos no Extremo-
Oriente, já que não foram questionados nem os ataques atômicos a Hiroshima 
e Nagasaki pelos Estados Unidos, nem a invasão da Manchúria pela União 
Soviética, respectivamente considerados como crimes contra a humanidade e 
contra a paz, praticados pelas potencias vencedoras. 
 Além disso, até o período pós-guerra, o Estado era considerado o grande 
violador dos Direitos Humanos, de tal modo que a maioria dos esforços voltou-
se para o desenvolvimento de mecanismos sui generis capazes de defender os 
indivíduos das consequências deste autoritarismo estatal, como mostra Mazzuoli 
(2011). Isto porque a ideia de inimputabilidade dos líderes governantes estava 
de tal modo radicada na cultura política, que dificultava a punição daqueles que 
cometeram as mais terríveis atrocidades contra a dignidade da pessoa humana. 
Surgiu então a necessidade de se proteger tais direitos de maneira universal, fazendo 
235 Composto por quatro Juízes e suplentes, todos designados pelas potencias signatárias, o tribu-
nal tinha competência para julgar e punir todas as pessoas que cometeram, individualmente ou 
como membros de organizações, crimes contra a humanidade, crimes contra a paz e crimes de 
guerra. Para os culpados, o tribunal poderia aplicar qualquer pena considerada justa, inclusiva a 
pena capital. Assim dos 22 acusados, doze foram condenados à pena de morte por enforcamento 
e executados na noite de 16 de outubro de 1946. 
236 Composto por maior número de juízes (11), todos designados pelo Comando Supremo das 
Potencias Aliadas, tinha competência para julgar e punir criminosos de guerra do Extremo 
Oriente que, a titulo individual ou como membros de organizações, fossem acusados de crimes 
contra a paz, de guerra convencional e contra a humanidade (GARCIA, 2008, p. 246). Este 
Tribunal funcionou de 1946 a 1948 e julgou 28 acusados. 
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com que todos os Estados assumissem o compromisso de fazer valer estes direitos, 
não apenas no campo teórico, mas principalmente no prático (MORAES, 2009). 
 Logo, percebe-se que o Direito Internacional, notadamente penal, 
tomou dimensão maior no que diz respeito à proteção efetiva e universal dos 
Direitos Humanos (COMPARATO, 2003; MAZZUOLI, 2011), pois, apesar 
de tais Direitos estarem resguardados em âmbito internacional, a punição 
por possíveis violações ficava por conta de cada Estado, o que denotava falta 
de efetividade de tal proteção, já que por diversas vezes os Estados ficavam 
omissos no desempenho desta função. Portanto, enquanto os indivíduos não 
obtivessem status de sujeito de direitos e deveres perante a ordem jurídica 
internacional, e enquanto não fossem determinadas as definições dos crimes 
que poderiam ser praticados (crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes 
contra a humanidade), dificilmente os institutos e mecanismos que vinham 
sendo criados para buscar a paz e segurança internacionais, atenderiam a seus 
escopos (MAZZUOLI, 2006). 
 Os estudos sobre a segunda metade do século XX mostram que o 
compromisso com o primado do direito internacional para a condução das 
relações internacionais foi, de algum modo, esquecido (GARCIA, 2008, p. 
250), durante o período da Guerra Fria237 e da descolonização. Foi a extrema 
gravidade dos acontecimentos na ex-Iugoslávia e em Ruanda que precipitaram, 
de alguma forma, a necessidade de estabelecimento imediato de tribunal para 
julgar os culpados das atrocidades cometidas principalmente contra Sérvios e 
Bosniacos de um lado, entre Tutsis e Hutus do outro. 
 A década de 90 passou então a representar um momento de importância 
fundamental para o desenvolvimento do direito internacional penal, quando 
várias decisões foram tomadas e implementadas para atingir maior efetividade. 
Em 1993, foi criado, por força de Resolução do Conselho de Segurança (trata-se 
de Tribunal ad hoc, ou seja, para determinada missão e circunstância específica), 
o Tribunal Internacional Penal para a antiga Iugoslávia, a fim de julgar as 
pessoas acusadas de graves violações ao direito internacional humanitário, 
crime de genocídio e contra a humanidade, cometidos naquela região a partir de 
1991. Em 1994, também por iniciativa do Conselho de Segurança, foi criado o 
Tribunal de Ruanda (Resolução n. 955 do Conselho de Segurança de 8/11/94), 
com sede em Arusha, na Tanzânia, com competência para julgar os crimes de 
genocídio e violações ao direito internacional humanitário, ocorridos a partir de 
1990 naquele país.
237 Segundo Garcia (2008, p. 250), a exceção dos Protocolos adicionais (1977) às Convenções de 
Genebra, para proteger as vitimas dos conflitos armados, com ou sem caráter internacional, o 
período não foi propício a grandes progressos no campo do Direito humanitário conducentes à 
implementação da uma jurisdição penal internacional.- 192 - 
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 Ainda em 1994, o Projeto de Estatuto para uma Corte Permanente 
Internacional, elaborado pela Comissão de Direito Internacional da ONU, cujos 
trabalhos foram retomados a partir de 1989, foi apresentado na 49a Assembleia 
Geral das Nações Unidas. A Comissão sugeriu então a convocação de uma 
conferência internacional para discussão e aprovação da Convenção. A partir de 
1995, um Comitê procedeu à elaboração final do que seria a futura Convenção 
de Roma, negociada e aprovada em 1998, e que estabeleceu, finalmente, uma 
jurisdição permanente para julgar os crimes de guerra, contra a paz, contra a 
humanidade e os de genocídio.
 Em setembro de 1998, mesmo ano da negociação da Convenção de 
Roma, um marco importante para o direito internacional penal foi a primeira 
condenação internacional pelo crime de genocídio no âmbito do Tribunal 
Internacional para Ruanda238. A partir deste momento, os procedimentos 
avançaram nos últimos anos para a condenação de diversos autores de crimes 
de guerra, contra a humanidade e de genocídio239. 
Também no ano de 2001 foram criados, no Timor Leste (1999) e no 
Camboja (para julgar as atrocidades cometidas pelo Khmer Vermelho, entre 
1975 e 1979), os chamados “tribunais nacionais internacionalizados”, uma 
experiência inédita de parceria, entre a ONU e os países envolvidos, para 
dotar os tribunais nacionais de condições especiais a fim de julgar os crimes 
internacionais cometidos nesses países.
 Finalmente, em 2002, entrou em vigor o Estatuto de Roma, pedra 
angular para atuação do TPI240, e as discussões acerca da punição dos crimes 
de guerra e contra a humanidade passaram a ser reconhecidas como um dos 
assuntos mais importantes para a comunidade internacional, bem como para o 
Brasil241.
238 Na ocasião, o ex-prefeito Ruandês, Jean-Paul Akayesu, foi considerado culpado por seu papel 
no massacre de 500 mil pessoas da etnia tutsi durante a guerra em Ruanda, em 1994.
239 Em junho de 2001, Slodoban Milosevic, ex-presidente da Iugoslávia, foi entregue ao Tribunal, 
acusado de crimes de guerra e crimes contra a humanidade, sendo a primeira vez na história que 
um chefe de Estado foi preso para ser julgado por um Tribunal Internacional. Em agosto do mes-
mo ano, o general servo-bósnio Radislav Krstic foi condenado a 46 anos de prisão pelo crime de 
genocídio, o massacre de 8 mil muçulmanos na Bósnia em 1995 (Srebrenica), o maior na Europa 
desde o holocausto da segunda guerra.
240 Conforme Valério de Oliveira Mazzuoli (2006), o Estatuto do TPI entrou em vigor interna-
cional, em 1º de julho de 2002, correspondendo ao primeiro dia do mês seguinte ao termo do 
período de 60 dias após a data do depósito do sexagésimo instrumento de ratificação, de aceitação, 
de aprovação ou de adesão junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas, nos termos do art. 126, 
§ 1º. Ou seja, ocorreu quando houve a ratificação de sessenta Estados. 
241 No caso do Brasil, o governo brasileiro assinou o tratado internacional referente ao Estatuto 
de Roma do TPI em 07 de fevereiro de 2000, havendo, portanto a possibilidade da punição, pois 
o Estatuto foi posteriormente aprovado pelo Parlamento brasileiro por meio do Decreto Legisla-
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2. do estAtuto de roMA Ao tribunAl penAl internACionAl (tpi)
 O Estatuto de Roma desempenha papel central na atuação do TPI. Define 
claramente os princípios de direito e de direito processual penal, consensuais 
entre a comunidade jurídica internacional naquele momento, que norteiam a 
ação dos diferentes órgãos que compõem o TPI, mas revelou-se de delicada 
aplicação em termos de normas processuais. 
 Foi sob sua égide que, entre 2002 e 2012, realizaram-se os primeiros 
processos, suscitando intensos (e por vezes polêmicos) debates sobre seguimento 
ou estabelecimento de regras processuais e fortalecimento de procedimentos 
visando a efetividade de suas decisões, como pode-se ver na condução do 
processo do caso Lubanga.
 Inicialmente, é interessante ressaltar que o TPI tem forte e sólido 
embasamento jurídico e que sua atuação é norteada pelo respeito a uma série 
de princípios do direito penal internacional, à diferença das Cortes que o 
antecederam. Em todo momento, no Estatuto de Roma e no regimento interno 
do TPI, é lembrado o respeito aos seguintes princípios:
 a) Nulum crimen sine lege: como decorrência deste princípio, entende-
se que ninguém será penalmente responsável por crime que não esteja, no 
momento em que ocorrer, previsto como conduta típica sob jurisdição do TPI e, 
ainda, que a interpretação dos crimes será realizada de maneira restritiva (não 
admitindo analogia em prejuízo do réu); 
 b) Nulla poena sine lege: as penas aplicáveis devem ter previsão no 
Estatuto (vale lembrar que tal princípio respeita à qualidade da pena, já que o 
diploma não prevê a quantidade de pena aplicável a cada crime, ficando isto a 
cargo do juiz); 
 c) Irretroatividade ratione personae: somente haverá responsabilidade 
por crimes previstos no Estatuto após sua entrada em vigor. Há previsão de 
aplicação do direito mais favorável ao acusado, quando ocorre mudança 
benéfica antes da sentença definitiva;
 d) Responsabilidade penal individual: sendo este tema de grande 
relevância, pois são responsáveis criminalmente perante a ordem internacional, 
as pessoas naturais que cometerem crimes de jurisdição do TPI (há previsão de 
autoria e participação), desconsideram-se as qualidades oficiais dos indivíduos 
tivo nº 112, de 06.06.2002, e promulgado pelo Decreto nº 4388, de 25.09.2002. Conforme ensina 
Mazzuoli (2006), o depósito da carta de ratificação brasileira foi feito em 20.06.2002, momento 
a partir do qual o Brasil já se tornou parte do respectivo tratado. E por força do art. 5º, § 2º da 
Constituição de 1988 o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional integrou-se ao direito 
brasileiro como status de norma constitucional, não podendo nenhum dos diretos e garantias nele 
constantes ser abolido por meio algum no Brasil, nem sequer por emenda constitucional. 
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(ou seja, não se aplicam as imunidades) e a responsabilidade do Estado não é 
ilidida pela responsabilização do indivíduo, tendo parcela de responsabilidade 
no crime, responderá junto com ele. Destaca-se que os menores de 18 anos são 
inimputáveis, e que o Estatuto prevê algumas excludentes de responsabilidade, 
tais como: legítima defesa, coação sob ameaça de morte ou lesão grave, doença 
mental, dentre outras. 
 e) Elementos de intencionalidade: diz-se que são puníveis os crimes 
cometidos intencionalmente e com conhecimento dos elementos materiais do 
crime (Art. 30, 2 do Estatuto de Roma).
 Foi importante lembrar esses princípios, pois, nos processos realizados 
entre 2002 e 2012, foram evocados e discutidos a exaustão determinados tópicos 
tais como autoria e intencionalidade (quais os graus de autoria e modalidades de 
participação dos acusados nos crimes que lhes foram imputados? Sabiam e teriam 
cometidos intencionalmente os crimes pelos quais são perseguidos pelo TPI?). 
 Como visto, o TPI, enquanto jurisdição criminal permanente, dotada de 
personalidade jurídica própria, com sede em Haia, na Holanda, mas vinculada 
ao sistema das Nações Unidas, tem base sólida242. São três suas principais 
características: a de não ter sido Tribunal instituído por tratado comum, mas 
por um tratado especial de natureza centrífuga e que por isso detém natureza 
supraconstitucional, cujas normas derrogam (superaram) todo tipo de norma 
de Direito Interno; sua independência, já que seu funcionamento independe de 
qualquer tipo de ingerência externa; seu funcionamento como justiça automática, 
já que o TPI não depende,para seu pleno funcionamento, de qualquer aceite do 
Estado de sua competência jurisdicional (MAZZUOLI, 2011, pp. 46-48). 
 No que diz respeito à sua estrutura e funcionamento, o Estatuto do TPI 
é um texto relativamente enxuto, composto por um total de 128 artigos (com um 
preâmbulo e dividido em treze capítulos). O art. 1º do mesmo consagra o princípio 
da complementaridade e estabelece que o TPI tem competência subsidiária em 
relação às jurisdições nacionais, que continuam responsáveis por investigar e 
processar os crimes cometidos pelos seus nacionais, salvo nos casos em que os 
Estados se mostrem incapazes ou não demonstrem efetiva vontade de punir seus 
criminosos (MAZZUOLI, 2011, p. 49). Funcionando assim como “tapaburacos” 
(segundo Luigi Conrorelli, apud MAZZZUOLI, 2011, p. 50). 
 Exerce, portanto, sua jurisdição sobre pessoas físicas maiores 
de 18 anos (competência ratione personae), sempre tendo um caráter 
242 Para Mazzuoli (2011, p. 41), o TPI é a primeira instituição global permanente de justiça penal 
internacional, com competência para processar e julgar os chamados crimes internacionais, 
entendendo-se como tais as violações das obrigações essenciais para a manutenção da paz e 
da segurança da sociedade internacional no seu conjunto. Os fundamentos jurídicos do TPI 
encontram-se analisados por Ambos Kai em várias de suas publicações. 
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complementar às jurisdições internas e em relação aos crimes mais graves de 
transcendência internacional, cometidos após a entrada em vigor do Estatuto 
(competência ratione temporis). Sua competência criminal é ampla (RITTA, 
2006), pois os crimes referidos pelo preâmbulo do Estatuto de Roma são 
imprescritíveis. Enquadram-se em quatro categorias (competência ratione 
materiae): crime de genocídio243, crimes contra a humanidade e crimes de 
guerra244 e crime de agressão245. 
Frente a acusações tão graves, os interpelados pelo TPI tem sim clara 
responsabilidade penal (Art. 25 do Estatuto de Roma) e não podem se excusar 
em função de sua condição: talvez este seja um dos pontos mais importantes a 
ser comentado. O art. 27246 do Estatuto de Roma julga irrelevante a qualidade 
oficial daqueles que cometem os crimes por ele definidos, já que, conforme 
coloca Mazzuoli (2006), as imunidades ou privilégios especiais concedidos aos 
indivíduos em função de sua condição como ocupantes de cargos ou funções 
estatais, seja segundo o seu direito interno, seja segundo o Direito Internacional, 
não constituem motivos que impeçam o Tribunal de exercer a sua jurisdição em 
relação a tais assuntos. Ainda ressalta que o Estatuto elide qualquer possibilidade 
de invocação da imunidade de jurisdição por parte daqueles que cometeram 
crimes contra a humanidade, genocídio, crimes de guerras ou de agressão, 
a diferença do que acontecia nas Cortes anteriores247. Assim, de acordo com 
243 Foi experiência do Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia, que levou ao banco 
dos réus o ex-presidente da Sérvia, Slobodan Milosevic, acusado de genocídio, durante a Guerra 
da Bósnia, que mostrou a necessidade da criação de uma Corte Criminal Permanente, junto à 
ONU, para o julgamento de responsáveis pela prática de crimes contra a humanidade. 
244 Os crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade já tinham sido defini-
dos no art. 6º do Acordo de Londres (Tribunal de Nuremberg), conforme mostra Mazzuoli (2011, 
pp. 31-32). 
245 Nota-se que o crime de agressão carece desta definição, o que causa certas dúvidas acerca da 
conduta que se pretendeu tipificar. 
246 Estatuto de Roma, Art. 27 - Irrelevância da Qualidade Oficial. 1. O presente Estatuto será apli-
cável de forma igual a todas as pessoas sem distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em 
particular, a qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro de Governo ou do 
Parlamento, de representante eleito ou de funcionário público, em caso algum eximirá a pessoa 
em causa de responsabilidade criminal nos termos do presente Estatuto, nem constituirá de per se 
motivo de redução da pena. 2. As imunidades ou normas de procedimento especiais decorrentes 
da qualidade oficial de uma pessoa, nos termos do direito interno ou do direito internacional, não 
deverão obstar a que o Tribunal exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa. 
247 Conforme já mencionado, os anos 90, assistiu-se a criação de Tribunais Penais Internacionais 
ad hoc pelo Conselho de Segurança da ONU, para apurar delitos cometidos em várias regiões do 
mundo, tais como a ex-Iugoslavia e o Ruanda. Essas Cortes internacionais, apesar das críticas 
quanto ao seu modo de criação e as suas imperfeições, caminharam no sentido de acabar com 
a impunidade de criminosos que, detentores de cargos oficiais, valiam-se dessas posições como 
forma de intimidação sobre seus respectivos poder judiciário nacional (FERNANDES, 2006). 
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a sistemática do Direito Internacional Penal, não podem os genocidas e os 
responsáveis pelos piores crimes cometidos contra a humanidade acobertar-se 
pela prerrogativa de foro, pelo fato de que exerciam uma função pública ou de 
liderança à época do delito (MAZZUOLI, 2006). 
 Além disso, outro elemento importante a ser comentado é a natureza 
das penas que podem cominadas, após processo legal de instrução e 
julgamento248 pelo TPI. 
 No tocante ao seu funcionamento, o TPI tem capacidade jurídica 
necessária ao desempenho de suas funções (Art. 4 do Estatuto de Roma), e, 
conforme já dito, sua atuação está calcada no princípio da complementaridade, 
agindo apenas quando esgotadas ou falhas as instâncias internas dos Estados, 
podendo julgar crimes cometidos nos Estados-Partes (incluindo-se suas 
extensões territoriais, como as embarcações) ou por nacional destes Estados 
(arts. 6º a 8º do Estatuto de Roma). 
Como lembra Mazzuoli (2011, p. 54), a composição do Tribunal, 
de acordo com o art. 34 do Estatuto de Roma, é a seguinte: Presidência 
(responsável pela administração da Corte); uma seção de recursos, uma seção 
de julgamento em primeira instância e uma seção de instrução; Gabinete do 
Promotor ou Procurador, dotado da bastante autonomia; Secretaria (competente 
para assuntos não judiciais da administração do TPI). 
 Deste modo, o TPI é considerado, pelos estudiosos, uma grande 
evolução no que tange à proteção dos direitos humanos na seara internacional, 
já que, como instituição independente e imparcial, transmite à comunidade 
internacional uma sensação de transparência e segurança em relação aos 
julgamentos que venham a ser realizados pelo mesmo.
 No que tange ao processo, há grande liberdade para o TPI agir ou não 
agir, solicitar o início ou a suspensão do processo, encaminhar recursos, já que 
a devolução de matérias no TPI é feita por meio da apelação e da revisão de 
sentença. As penas aplicáveis aos crimes submetidos ao julgamento desta Corte 
estão elencadas no art. 77 do Estatuto. São elas: pena de reclusão por período não 
superior a trinta anos, e pena de prisão perpétua, quando justificada pela extrema 
gravidade do crime ou pelas condições pessoais do condenado. Além disso, é 
possível aplicar facultativa ou cumulativamente a pena de multa e o sequestro do 
produto, dos bens ou haveres procedentes direta ou indiretamente do crime. 
248 Segundo o Estatuto de Roma e Regimento Interno do TPI, se for considerado culpado, o réu 
estará sujeito às seguintes penas: 1 - reclusão pelo prazo não superior a trinta anos; 2 - prisão 
perpétua, dependendo da gravidade do delito cometido e das circunstâncias pessoais do acusado; 
3 - multa; e 4 - confisco de bens procedentes direta ou indiretamente da prática do crime. Coloca 
Lewandowski (2002) que a pena será cumprida em um dos Estados-partese poderá ser reduzida 
depois do cumprimento de um terço ou de 25 anos, no caso de prisão perpétua, atentando-se para 
a colaboração prestada pelo réu durante o julgamento. 
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 Os julgamentos feitos pelo TPI norteiam-se pela busca de efetiva 
justiça, a qual é alcançada através de um julgamento justo, transparente e que 
assegura direitos básicos aos condenados (principalmente no tocante a ampla 
defesa), pois não se pode tentar “reparar” o dano causado à humanidade por 
meio de um julgamento que cause injustiça (STEINER, 2000, p. 301). 
 O juiz do TPI tem, portanto, destacado papel pois tem, dentre outras, a 
faculdade de escolher em qual Estado (dentre aqueles que se dispõe a receber os 
condenados) será cumprida a pena, sempre considerando as maiores condições 
de aplicação da norma internacional sobre tratamento de presos, nacionalidade 
e opinião do acusado (STEINER, 2000, p. 302). Importante destacar que o 
preso pode ser removido para outro Estado a qualquer tempo, a pedido dele ou 
até mesmo de ofício pelo TPI. 
 A iniciativa da investigação fica a cargo de outra figura importante 
do processo, o Promotor (ou Procurador), que dá início ao procedimento 
investigatório de ofício ou a requerimento do Conselho de Segurança (CS), o 
que denota a independência do órgão de persecução penal, característica muito 
importante do TPI. Ressalta-se que o TPI não tem polícia própria, por isso, o 
bom andamento do processo, para a consecução dos escopos do julgamento, 
dependem da cooperação dos Estados. Alias, a cooperação é um dos deveres 
impostos pelo Estatuto aos Estados que, ratificaram o tratado, se submetendo às 
obrigações que lhes são impostas. 
 O Estatuto do TPI consagra a responsabilidade penal individual 
nos seguintes termos (de acordo com o art. 25, 3): “[...] autoria imediata 
(individual); coautoria (com outro(s)) e autoria mediata (por meio de outra 
pessoa) (CHOUKR, 2000, p. 33). Além disso, prevê formas de participação, 
quais sejam, ordenar, propor ou induzir a prática do crime, consumado ou 
tentado e, ainda, facilitar, ajudar, encobrir ou colaborar de algum modo para a 
consecução da conduta criminosa, na maneira tentada ou consumada. Estende-
se, também, a autoria àqueles que fazem com que pessoas sob seu comando 
pratiquem crimes, e àqueles que comandam a prática de crimes, informação 
bastante relevante quando se quer analisar as modalidades de realização de 
processos realizados entre 2002 e 2012, tais como o processo movido pelo TPI, 
a pedido da Republica Democrática do Congo, contra Thomas Lubanga.
 
3. A dinâMiCA do proCesso, o CAso lubAnGA e A questão dAs CriAnçAs-
soldAdos
 Como resultado de importante proposta de construção sintética de 
normas de direito penal e de direito processual penal, já que continha um 
conjunto de princípios e normas destinadas a regular todas as fases de uma 
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persecução criminal (investigação, processo e julgamento), o Estatuto de Roma 
foi saudado como verdadeiro código básico de direito internacional penal 
(BEHRENS, 2009, p. 63). Foi a partir do mesmo que começou aplicação de 
suas regras e procedimentos ao primeiro processo sobre os crimes de guerra na 
região do Darfur (no Sudão), aprovado em 31 de março de 2005 pelo Conselho 
de Segurança da ONU, e aos processos abertos a seguir. 
Como se dá a fase de investigação no Estatuto de Roma? Pode ser 
iniciada de duas maneiras, seja diretamente por iniciativa do Promotor, seja 
em decorrência de ter havido a comunicação do crime ao TPI. Incumbe então 
ao Ministério Público realizar uma delicada fase de investigação preparatória, 
coordenando os primeiros trabalhos de investigação, com o objetivo de 
averiguar se há mesmo elementos suficientes que confirmem as suspeitas 
iniciais de ocorrência do crime. Neste momento, o Promotor (ou Ministério 
Público) dispõe de certa liberdade para coletar as informações necessárias junto 
aos Estados implicados na denúncia, junto a ONU ou outras entidades, bem 
como junto a outras pessoas. 
 Com base no material coletado, o Promotor poderá então decidir 
que existem fundamentos suficientes para instauração de uma investigação 
formal e apresentara à Sala de Questões Preliminares uma petição requerendo 
a abertura formal das investigações, ou então entender que não existem 
elementos suficientes para o pleito e comunicar aos requerentes e interessados 
a suspensão da investigação. Esse passo é muito importante pois trata-se 
de estabelecer a real existência de base mínima de informações sobre as 
circunstâncias do crime e a real possibilidade de incriminar (ou não) o(s) 
suspeito(s). Fase ao final da qual o promotor poderá entender que o caso não 
deve ser levado a julgamento (art. 53, 2) ou formular uma acusação e submeter 
o fato à Câmara de Pré-Julgamento (art. 53, 1). 
 É, portanto esta Câmara de Pré-Julgamento que faz o juízo de 
admissibilidade da acusação (art. 61). Exige-se que estejam presentes o 
Ministério Público e a pessoa investigada. O Ministério Público é então 
obrigado a apresentar as provas de que dispõe, mas não suas testemunhas, 
que somente serão ouvidas na fase de julgamento (art. 61,5). O investigado, 
por sua vez, deve ser informado, antes da audiência e num prazo razoável, da 
acusação e do teor das provas contra ele (art. 61, 3) para poder preparar sua 
defesa (art. 61,6). 
 Ao final deste momento, a Câmara poderá rejeitar a acusação (art. 61, 
7, b) ou acatá-la (art. 61, 7, a), se julgar as provas suficientes para incriminar 
a pessoa acusada do(s) crime(s) a ela imputado(s). Nesta fase intermediária, o 
juiz tem relevante papel a desempenhar, pois pode, ou não, acolher o pedido 
de envio de caso a julgamento, solicitar que a acusação forneça mais provas, 
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aprofunde a investigação ou reexamine a qualificação do crime (art. 61, 7). A 
doutrina ressalta portanto a importância desta fase intermediária no processo 
penal frente à CPI, em termos de instrução provisória e juízo de admissibilidade, 
como forma de ser evitado o seguimento de processo com uma acusação 
destituída de suficiente embasamento (FERNANDES, 2000, p. 176).
Tudo isso porque, no Estatuto de Roma, foi adotado o princípio da 
oportunidade quanto à ação penal, que poderá não ser exercida no interesse da 
justiça, considerando-se a gravidade do crime, os interesses da vítima, a idade 
ou a enfermidade do investigado e seu papel no crime (art. 53). 
 É importante sublinhar o papel crucial do Ministério Público, que tem 
o dever de investigar a ocorrência das circunstâncias do crime denunciado, 
mas deve fazê-lo respeitando o direito à ampla defesa: de um lado, o direito 
de qualquer pessoa (testemunha ou investigado) de não se auto-incriminar, 
de não ser submetido a qualquer tipo de coerção, tortura, ameaça, crueldade, 
tratamento desumano ou degradante, de não ser detido ilegalmente e que lhe 
seja providenciado tradutor e interprete, se necessário (art. 55, 1). De outro 
lado, o direito do acusado de permanecer calado, sem que o silêncio possa ser 
considerado em seu desfavor, o direito à assistência jurídica ou judiciária e o 
direito de ser interrogado na presença de um advogado (art. 55, 1 e 2). 
 Com base no comentário anterior, constata-se que o Ministério Público, 
no processo penal internacional, desempenha um papel muito relevante e 
atuante, bastante próximo do modelo norte-americano, onde o promotor 
coordena os trabalhos de investigação e decide sobre o seguimento a ser dado 
ao caso (FERNANDES, 2000, p. 175). 
 Após esses preliminares, entra-se na fase mais esperada e talvez a 
mais importante, a de audiência para instrução, debates e julgamento. Nestaoportunidade, o juiz do TPI pode determinar a produção de provas. Uma das 
provas mais debatidas é com certeza a confissão de culpa249 por ensejar elementos 
suficientes para proferir sentença condenatória. Outro tipo de prova bastante 
controvertida é aquela ensejada por depoimentos confidenciais e anônimos250, 
249 Segundo Fernandes (2000, p. 177) é muito importante ressaltar a importância do art. 65 que 
trata da confissão de culpa, que pode ser aceita pelo juiz desde que seja atendido um conjunto de 
hipóteses de aceitação: que o acusado tenha clara compreensão da natureza e das consequências 
da confissão de culpa (alínea a), que a confissão tenha sido feita voluntariamente e após o acusado 
ter consultado previamente advogado de defesa (alínea b), que a confissão esteja em consonância 
com os fatos (alínea c) e com as acusações e peças complementares apresentadas pelo Promotor 
(alíneas d, e) bem como com declarações de testemunhas e do próprio acusado. 
250 Segundo Choukr e Ambos (2000, pp. 301-302), em virtude das condições especiais do caso, 
o Tribunal para ex-Iugoslávia orientou os julgadores no sentido de admissão de depoimentos 
confidenciais e anônimos, por se tratar de vítimas e testemunhas de sérias e reiteradas violações 
sexuais, por causa do direito à proteção da privacidade da dignidade das vítimas e por causa do 
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aceitáveis em circunstancias excepcionais e desde que não prejudiquem o 
direito do acusado a um julgamento justo e público, configurando-se num 
das derrogações de reconhecidas garantias processuais. Neste ponto, a 
experiência dos Tribunais internacionais foi de garantir tratamento justo 
não só para com o acusado, mas também com as vítimas e testemunhas 
(FERNANDES, 2000, p. 177). 
 Motivo pelo qual é importante ressaltar as normas do Estatuto de 
Roma que asseguram ao acusado, durante o processo, direito à ampla defesa, 
a um julgamento equitativo, a ter conhecimento da acusação a ele imputada 
e a do encerramento do processo num prazo razoável. De fato, o Estatuto de 
Roma adota o princípio da presunção de inocência (art. 66,1). Atribui o ônus 
da prova de culpa do acusado a quem o acusa (art. 66,2). Consagra o princípio 
do in dúbio pro reo (art. 66,3), já que para proferir sentença condenatória, o 
Tribunal deve estar convencido da culpabilidade do acusado, além de qualquer 
dúvida razoável. 
 Outras garantias de direito são claramente expressas no Estatuto de 
Roma, tais como: a garantia de imparcialidade do juiz (art. 64,4); a do sigilo de 
informações confidenciais (art. 64,6) e a de publicidade do julgamento, embora 
o juiz possa decidir que determinadas diligências se efetuem à porta fechada, se 
necessário (art. 64,7). 
 Via de regra, o julgamento ocorrerá na sede do Tribunal, sendo 
necessária a presença do acusado, embora seja possível que ele seja retirado, 
em casos excepcionais e por tempo determinado, se perturbar insistentemente 
a audiência (art. 63,2). Quanto à produção de prova durante a audiência de 
julgamento, as partes podem apresentar toda e qualquer prova que interesse 
ao caso e o juiz pode também, de ofício, determinar a produção de provas (art. 
69,3). Finalmente, a leitura das normas processuais penais contidas no Estatuto 
de Roma indica que o julgamento deve, preferencialmente, ser tomado por 
unanimidade dos membros do Tribunal, sendo permitido o voto por maioria, 
desde que a sentença seja devidamente fundamentada nos elementos e provas 
trazidas ao processo (art. 74,2). 
 Após essas considerações sobre a condução do processo no quadro 
do TPI, passa-se a expor o caso Thomas Lubanga Dyialo251, como exemplo 
significativo de atuação deste mesmo Tribunal na África252. Escolheu-se o caso 
risco de re-traumatização advindo do potencial confronto entre vítimas e acusado. 
251 Doravante citado como Lubanga.
252 O TPI concentrou seus esforços em crimes cometidos na África, em grande medida, por dois 
motivos. Em primeiro lugar, porque só o Conselho de Segurança da ONU pode determinar a 
abertura de processos no TPI, o que exige um acordo de potências internacionais. Como a África 
é um continente pouco relevante do ponto de vista político e seus governos costumam ser fra-
cos internacionalmente, ficam mais vulneráveis. Além disso, os conflitos na África costumam ser 
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Lubanga por ter sido retratado em todas as mídias do mundo (PINHEIRO, 2010), 
já que Lubanga, de nacionalidade congolesa, foi o primeiro réu condenado pelo 
Tribunal Penal Internacional:
 O Tribunal Penal Internacional (TPI), pela primeira vez em sua história 
de dez anos, condenou nesta quarta-feira (14), em Haia, na Holanda, 
um acusado de crimes de guerra. O réu em questão é o ex-líder rebelde 
congolês Thomas Lubanga, de 51 anos, que pode cumprir prisão 
perpétua por recrutar crianças e transformá-las em soldados de sua 
milícia entre 2002 e 2003 na República Democrática do Congo. Após a 
sentença desta quarta, os magistrados anunciarão a condenação em uma 
audiência posterior, cuja data ainda não foi fixada. A pena máxima que 
Lubanga pode pegar é de prisão perpétua, uma vez que o TPI não pode 
condenar alguém à morte (Revista Época, em 14.03.2012).
 Segundo informações repassadas pela mesma revista, “a Promotoria 
demonstrou que o acusado Thomas Lubanga é culpado pelo alistamento de 
menores de 15 anos em conflito armado”, concluíram os juízes na primeira 
sentença emitida pelo TPI desde sua criação em 2002. Tomada por unanimidade 
pelos três juízes do tribunal, a decisão também concluiu que o acusado “sabia” 
e “era consciente” do delito de recrutamento de menores para as fileiras de 
seu grupo militar, o Exército da Libertação do Congo, assim como do conflito 
armado na região. Os magistrados consideraram comprovado sem espaço para 
dúvidas que as forças dirigidas por Lubanga recrutavam meninos e meninas 
para atuarem “ativamente” em “hostilidades”.
 Os meninos eram alistados para as fileiras e obrigados a realizar 
tarefas domésticas e de guardas pessoais de segurança. Já as meninas eram 
obrigadas a servirem os comandantes como “escravas sexuais”, confirmaram os 
juízes. A acusação de estupros contra as meninas foi proposta pela Promotoria, 
mas os juízes decidiram não incluí-la entre outros motivos para agilizar o 
processo contra o ex-líder rebelde congolês Lubanga, de 51 anos, que recrutou 
principalmente crianças da etnia hema e as transformou em soldados de sua 
milícia entre 2002 e 2003, na região de Ituri (sudeste da República Democrática 
do Congo), para lutar no conflito armado local entre esta etnia e a lendu, que 
disputavam o controle das minas de ouro na região.
mais sangrentos e os crimes de guerra mais claros que em outros países. Assim, atualmente o TPI 
tem processos por crimes de guerra cometidos em Uganda, Sudão, na República Democrática do 
Congo, Líbia, Costa do Marfim e Quênia. Nos países de fora da África, só há investigações pre-
liminares em andamento: Afeganistão, Geórgia, Colômbia, Guiné, Honduras, Coreia do Norte, 
Nigéria e nos territórios palestinos.
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 Trata-se de caso cercado de polemicas, já que na sentença, houve forte 
crítica à Promotoria então dirigida pelo argentino Luis Moreno Ocampo, que, 
na opinião dos juízes “não tinha de ter delegado seus trabalhos de investigação 
a intermediários” na zona 253. Outro aspecto que serviu também para levantar 
dúvidas sobre a capacidade do TPI é o fato de uma das pessoas que responde 
as mesmas acusações feitas a Lubanga ser, até hoje, general do Exército da 
República Democrática do Congo. 
 Segundo Kai Ambos (2011, p. 94) que analisou o caso em 
profundidade, Lubanga estava sendo acusado pelapromotoria do TPI de 
ter cometido crimes de Guerra na variante do compromisso forçado (Item 
de Acusação 1) e do Alistamento Militar (Item de Acusação 2) de crianças 
menores de quinze anos em grupos armados, bem como de engajamento ativo 
(Item de Acusação 3) em hostilidades consoante o Artigo 8, Parágrafo 2 (e) 
(vii) do Estatuto da CPI 1,2. Todos os fatos ocorreram durante um conflito 
não-internacional (segundo classificação própria ao Estatuto de Roma) numa 
região da Republica Democrática do Congo, fronteira com a Uganda ao leste 
e com o Sudão ao norte.
 Segundo reiteração feita por Sylvia Helena Steiner (2010, p. 220), os 
fatos referem-se ao crime de guerra de recrutamento e utilização de crianças-
soldado por grupos armados atuantes no território da República Democrática 
do Congo, conduta extremamente grave254, e que foi considerada como crime 
de guerra, nos termos do art. 8 do Estatuto de Roma. Interessante se faz citar o 
comentário da mesma:
Tendo atuado como juíza na fase preliminar do processo, que culminou 
com a decisão que enviou o acusado a julgamento, creio que posso tentar 
traduzir, em poucas palavras, o impacto que o recrutamento e utilização 
253 Para os magistrados, que rejeitaram os depoimentos de três testemunhas por falta de credibi-
lidade, o fato de terem usado intermediários aumentou o “risco” para as testemunhas, especial-
mente as crianças que foram arregimentadas como soldados (noticia veiculada pela revista Época, 
14.03.2012).
254 Segundo a mesma autora, desde o fim da segunda grande guerra, aconteceram, e ainda acon-
tecem, em situações de lutas internas ou regionais. Em outras palavras, em conflitos de caráter 
não internacional. Como uma das consequências desse fato, o perfil das partes envolvidas nesses 
conflitos também mudou. Hoje, se pode afirmar que a quase maioria das partes envolvidas em 
conflitos armados são civis, e que a quase maioria das vítimas desses conflitos armados são tam-
bém civis não envolvidos de qualquer modo nas hostilidades. Ao assassinato sistemático, à trans-
ferência forçada de populações inteiras, à destruição de vilas e cidades, soma-se nesses conflitos 
o recrutamento cada vez mais intenso de meninos e meninas e sua utilização como combatentes, 
por grupos armados que se estruturam, geralmente, sobre as bases da nacionalidade, etnia ou 
religião de seus membros (STEINER, 2010.p. 220). 
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de crianças em conflitos armados produz sobre milhares de crianças em 
diversas partes do mundo. Essas condutas são consideradas pelo Estatuto 
de Roma como dentre as mais sérias violações a direitos fundamentais, 
e por isso, previstas como crimes de guerra, que põem em risco a paz e a 
sobrevivência da humanidade (STEINER, 2010, p. 220).
 Os crimes apontados teriam sido cometidos pelas Forças Patrióticas 
para a Libertação do Congo - FPLC, braço armado da União dos Patriotas 
Congoleses - UPC, fundado em setembro de 2002 e pela própria UPC. Na 
ocasião, como cofundador da UPC, Presidente da UPC e comandante em 
chefe das FPLC, Lubanga teria exercido função-chave, o que motivou a 
acusação dele e de outros comandantes das FLPC e membros partidários da 
UPC (AMBOS, 2011). 
 A investigação realizada por Kai Ambos (2011) retrata detalhadamente 
o histórico processual, que passamos a evocar: a denúncia de graves violações 
aos direitos humanos em Ituri (RDC) foi submetida à Câmara de pré-Julgamento 
em 5 de julho de 2004. Uma ordem de prisão contra Lubanga foi expedida em 10 
de fevereiro de 2006, ao término da qual o mesmo foi preso e transferido para o 
TPI em 17 de março de 2006. Ele foi convocado pela primeira vez à Corte, em 20 
de março de 2006, para tomar conhecimento dos objetos principais de acusação 
e para ser esclarecido sobre os seus direitos. Em 15 e 19 de maio de 2006, a 
juíza Sylvia Steiner (do Brasil) promulgou duas decisões fundamentais com 
relação ao sistema de divulgação dos meios probatórios e ao estabelecimento 
de um cronograma relativo ao andamento dos trabalhos. Em 28 de julho e 20 de 
outubro de 2006, vítimas foram admitidas para tomar parte no caso Lubanga255. 
 Cabe observar que não restaram dúvidas quanto à situação das vítimas, 
na sua maioria crianças na época dos fatos, tornando mais fácil entender 
a relação causal entre os conflitos assim chamados de “inter-étnicos” e a 
vitimização cada vez mais de meninos e meninas, incluindo-se aí sua utilização 
como combatentes. 
Esses meninos e meninas são recrutados, geralmente, à força, mas 
muitas vezes são entregues às milícias por seus próprios pais, pois 
estes se sentem incapazes de proteger a sua própria comunidade. 
Muitas vezes, as crianças se alistam voluntariamente, porque veem 
os grupos armados a única maneira de protegerem às suas famílias. 
Outros, porque ficaram órfãos, e querem vingar a perda dos pais 
e parentes assassinados por outros grupos rivais. Não é incomum o 
255 Segundo Ambos (2011), de acordo com a Regra 85 do Regimento Processual da CPI, uma 
relação direta causal (“causal link”) entre as lesões sofridas e os objetos de acusação é necessária.
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alistamento voluntário como forma de obtenção de comida e de uma 
suposta proteção. Há depoimentos e provas incontestáveis de sequestro 
de crianças, de suas casas ou de suas escolas, ou mesmo em plena rua, à 
luz do dia. São enviados a campos de treinamento, onde são submetidos 
a rigoroso treinamento nas mesmas condições de soldados adultos. São 
ameaçados e punidos em caso de tentativa de deserção. Muitas vezes 
permanecem nas milícias para proteger suas famílias contra retaliações 
(STEINER, 2010, p. 221). 
 Voltando ao andamento do processo, Kai Ambos salienta a dificuldade 
de cada passo dos procedimentos do TPI, como por exemplo a questão da 
preparação das testemunhas com relação aos seus interrogatórios durante os 
debates judiciais em plenário256. A audiência para a confirmação da acusação 
ocorreu entre 9 e 28 de novembro de 2006, assim sendo, com a confirmação 
da acusação, o processo preliminar chegou ao seu fim e o caso Lubanga passou 
para a alçada da Câmara de Julgamento I, sob a presidência do juiz britânico 
Adrian Fulford. 
Em 30.11.2007 a Câmara confirmou a proibição da preparação das 
testemunhas. Para a preparação da apresentação de provas nos debates 
judiciais em plenário, a Câmara tomou providências para a constituição 
de peritos e conclamou as partes, na medida do possível, a decidirem 
sobre um perito único instruindo-o de comum acordo. Além disso, 
elaborou os princípios básicos para o interrogatório de testemunhas 
que, entre outros assuntos, objetivavam limitar ao mínimo possível 
os agravos inerentes ao processo, em especial para as testemunhas–
vítimas (AMBOS, 2011, p.94).
 
 Foi somente em janeiro de 2008 que a Câmara de Julgamento se 
posicionou acerca da admissão de vítimas no processo em plenário aberto, bem 
como sobre a abrangência de suas participações257. 
 Foi então que iniciou a fase mais polêmica do processo, em julho de 
2008, quando a Câmara descobriu que o Promotor tinha feito amplo uso ilícito 
256 Na oportunidade, similarmente ao adotado pelo Tribunal das Nações Unidas para a ex-
Iugoslávia e para Ruanda, se negou à promotoria uma preparação com abrangência. 
257 Segundo Kai Ambos (2011, pp. 94-95) ela era da opinião que também vítimas, não diretamente 
feridas pelos atos denunciados, poderiam tomar parte no processo, contanto que ao menos seus 
interesses pessoais tivessem sido, de fato, afetados. Esta opinião, no entanto, não resistiu ao exame 
pelo Tribunal de Recursos, uma vez que consoante o artigo 68 (3) este somente considera como 
fato consumado quesito de trauma pessoal, quando as vítimas forem prejudicadas pelos atos 
denunciadosde forma causal.
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do direito da observância de sigilo com relação a determinados documentos 
e informações. A Câmara receou então que, em consequência, o acusado 
não poderia mais contar com a garantia de um processo justo e determinou a 
suspensão do processo, bem como a soltura do acusado. O promotor impetrou 
recursos contra as duas decisões. O Tribunal de Recursos determinou efeito 
suspensivo às decisões, de forma que Lubanga permaneceu em prisão preventiva 
até o esclarecimento definitivo da situação jurídica e o recomeço dos trabalhos.
 Em setembro de 2008, a Câmara de Julgamento indeferiu petição do 
ministério público para a anulação da suspensão do processo. Em outubro de 
2008, a Câmara proferiu duas decisões258. Finalmente, em janeiro de 2009, o 
julgamento de Lubanga começou, já que, conforme “Decisão pela Confirmação 
da Acusação” (consoante o Art. 61, Parágrafo 722) parecia “existir evidência 
suficiente para confirmar a suspeita premente que o acusado cometeu cada 
um dos delitos que lhe são atribuídos”. Não somente a Corte tinha “premissas 
substanciais para acreditar”, mas também “suspeita fundamentada” e convicção 
da culpa do acusado, acima de qualquer dúvida (“beyond reasonable doubt”)259. 
Finalmente, a sentença do caso Lubanga foi proferida em março de 2012, 
conforme informado no texto (VALLADARES, 2012). 
 Encaminhando-se pelo fim do artigo, pretende-se apresentar algumas 
considerações sobre o processo. É hora de balanço. 
4. bAlAnço e perspeCtivAs do CAso lubAnGA e dA AtuAção do tpi
 Com certeza, o processo apresentou pontos inovadores nos seus 
procedimentos, não mais copiados das decisões ou procedimentos realizados 
por Cortes anteriores, mas frutos de reflexão própria. Os mais ousados 
foram certamente os que dizem respeito à presença das vitimas, testemunhas 
e intermediários, que foram bastante contestados, mas decisivos para o 
julgamento. Pois, 129 vítimas tiveram parte ao processo, desempenhando papel 
pioneiro nas disposições processuais do TPI, no tocante ao direito das vítimas 
participarem do processo criminal como um todo. 
 Instituições e organizações não governamentais também tiveram 
258 Na sua decisão relativa à suspensão do processo, rejeitou terceiro recurso do promotor e con-
firmou suspensão. Em sua segunda decisão sobre a liberação de Lubanga, a Câmara reverteu a 
decisão acerca da libertação, argumentando essencialmente que no caso de a suspensão condicio-
nal, como era o caso, o Tribunal não estava permanentemente impedido de exercer a jurisdição e, 
portanto, a libertação incondicional não era uma” consequência inevitável “, especialmente se 
a ordem de manutenção da prisão “puder ser revogada em um futuro não muito distante”. Então, 
em novembro de 2008, a decisão foi revista, concluindo-se que as razões para a suspensão não 
mais subsistiam. O processo podia continuar. 
259 Demais aspectos processuais são detalhados por Kai Ambos, no citado artigo (2011). 
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presença destacada, tais como a Human Right Watch, representada pela advogada 
Annecke Van Woudenberghe, que acompanhou todo o processo, a Federação 
Internacional dos Direitos Humanos - FIDH260 e suas organizações em RDC, 
tais como a Associação Africana Dos Direitos do Homem – ASADHO261, o 
Grupo Lotus262 e a chamada Liga dos Eleitores263, garantindo a participação da 
sociedade civil nacional e internacional no monitoramento do processo. 
 Tendo em vista a possibilidade de recurso e a continuidade do processo 
até a sentença final, as organizações estão elaborando ampla estratégia de 
sensibilização da população e comunicação em toda a RDC dos resultados 
do processo. Estão igualmente se mobilizando para que haja continuidade das 
investigações e persecução penal dos envolvidos em graves crimes sexuais 
cometidos em RDC e particularmente na região dos Kivus.
 Portanto, a questão dos crimes sexuais, da escravidão sexual das 
meninas enroladas como crianças soldados, dos estupros e de outras violações 
dos direitos das crianças e das mulheres estão sendo discutidas novamente, já 
que as acusações referentes a esses crimes foram formalmente descartadas no 
caso Lubanga, nesta etapa do processo. 
 No balanço negativo, há a omissão dos juizes em relação a esses casos 
de violência contra meninas e mulheres, crimes cuja importância foi descartada 
pelos julgadores por vários motivos, apesar do TPI ter se mostrado preocupado 
com a generalização da violência sexual utilizada como meio de guerra.
260 «Cette première décision de condamnation des juges de la CPI arrive à la fin du procès pilote de 
la Cour, qui a façonné les pratiques devant cette juridiction pénale internationale jeune et unique» 
declarou Souhayr Belhassen, Presidente da FIDH. «Les nombreux enseignements que nous pouvons 
tirer de ce procès - qu’il s’agisse du droit des accusés à un procès équitable, des droits des victimes à 
participer, de la protection des témoins et des victimes, ou encore du rôle des intermédiaires - ont déjà 
commencé à être appliqués dans des procès en cours et doivent continuer à l’être à l’avenir».
261 «Ce procès a certainement contribué à mieux faire connaître la pratique du recrutement et de l’uti-
lisation d’enfants soldats en RDC, mais également dans d’autres régions en guerre. La condamnation 
de Thomas Lubanga envoie un signal fort aux responsables de ces crimes internationaux qui ne sont 
pas à l’abri de poursuites», declarou Jean-Claude Katende, Presidente da ASADHO.
262 «Le procès Lubanga et ce verdict ont un potentiel dissuasif important sur la commission de crimes 
internationaux dans le pays, et en particulier sur l’utilisation des enfant soldats. Ce verdict contri-
buera à consolider la légitimité de la Cour, indispensable à l’exercice d’un réel pouvoir préventif», 
declarou Dismas Kitenge, Presidente do Grupo Lotus e Vice-Presidente da FIDH. «Il appartient 
aussi aux autorités congolaises d’arrêter et de transférer à la CPI Bosco Ntaganda, sous mandat 
d’arrêt international pour sa responsabilité présumée en tant que co-auteur des crimes reprochés à 
Lubanga», a-t-il ajouté.
263 «Les victimes ont eu un apport essentiel au procès Lubanga. Elles ont exprimé leurs vues et pré-
occupations, aux différents stades de la procédure, ont pu contester notamment l’étendue limitée des 
charges à l’encontre de Lubanga et demander à ce que certains faits soient requalifiés afin que les 
crimes sexuels subis par les filles soldats soient mieux examinés», declarou Paul Nsapu, Presidente 
da Liga dos eleitores e secretário Geral da FIDH.
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 Além das “esquecidas” (as mulheres) e da questão do genocídio 
(também descartado no processo Lubanga), nota-se que algumas decisões 
do TPI são bastante controvertidas no seu alcance. Faltam-lhes efetividade, 
muito mais por causa de interferências políticas do que de fatores jurídicos. 
Por exemplo, sabe-se que o TPI expediu mandado de prisão contra Omar al-
Bahir, acusado de violência no Darfur (região profundamente marcada por 
assassinatos, torturas, violações de direitos humanos, pilhagens e ataques 
contra civis). O TPI deixou de fora, pelo menos por enquanto, as acusações 
de genocídio. O procurador do TPI, Luís Moreno-Ocampo afirmou que se o 
Governo do Sudão não executar a ordem de captura, o Conselho de Segurança 
da ONU terá de garantir a conformidade. O Sudão não poderia opor-se ao 
Conselho de Segurança, nem ao TPI,e se al-Bashir viajar no espaço aéreo 
internacional, poderia (em princípio) ser interceptado e detido. O governo 
sudanês rejeitou de imediato o mandado e disse que o governo não vai entregar 
al-Bashir. A China (membro permanente do Conselho deSegurança da ONU), 
a União Africana (UA) e a Liga Árabe (LA) afirmaram que se opõem ao 
pedido de prisão internacional em países-membros, temendo que este tipo de 
mandado desestabilize a região, aprofunde o conflito no Darfur e ameace o já 
difícil processo de paz entre o norte e o sul do Sudão.
Na República Democrática do Congo, conforme visto anteriormente, o 
TPI está processando Lubanga por crimes de guerra, mas também Germain 
Katanga e Mathieu Ngudjolo Chui (por crimes de guerra e crimes contra a 
humanidade) e contra Bosco Ntaganda fora expedido um mandado de prisão. 
 Na Uganda, a citada corte expediu mandato de prisão contra Joseph 
Kony, Vincent Otti, Okot Odhiambo e Dominic Ongwen. O Parlamento 
Europeu emitiu uma resolução em 21 de outubro de 2008, apoiando o 
TPI e está convencido que, numa perspectiva em longo prazo, o TPI 
contribuirá para a prevenção de novas atrocidades, salientando ainda que 
a não detenção de Joseph Kony resultou na continuação de atrocidades e 
da violação dos direitos humanos.
 O Tribunal Penal Internacional também acusa Jean-Pierre Bemba 
Gombo, da República Centro-Africana, por três tipos de crimes contra a 
humanidade (estupro, tortura e assassinato) e cinco tipos de crimes de guerra 
(estupro, tortura, ultrajes à dignidade da pessoa, em particular por meio de 
tratamentos humilhantes e degradantes, saques a aglomerados populacionais, 
mesmo quando tomados de assalto, e assassinato). 
Portanto, como única corte criminal permanente em caráter mundial, 
hoje com quase dez anos de vida, pode-se afirmar que ainda está começando 
a dar os seus primeiros passos, mas já bastante firmes. Sua aceitação é ao 
mesmo tempo ampla e limitada pelos citados percalços, criados principalmente 
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pelos países que se renderam à sua jurisdição (mas não querem executar suas 
decisões), por outros que assinaram o Estatuto que criou o Tribunal, mas 
não o ratificaram (é o caso da Rússia) e por muitos países que preferiram 
nem assinar o pacto (Estados Unidos e China, por exemplo). Deste modo, a 
ressaltada rejeição à corte vai aos poucos diminuindo, mas é ainda suficiente 
para frustrar a efetividade de suas decisões.
 Seu formato e forma de atuação são bastante peculiares. O Tribunal 
Penal Internacional funciona como a Justiça Criminal no Brasil, só que com 
todas as instâncias concentradas numa casa só. As diferenças, no entanto, 
são estruturais. No Brasil, discute-se se o Ministério Público pode comandar 
investigações criminais. No TPI, a promotoria, que fica dentro da corte, embora 
trabalhe independentemente, é a única responsável pelas investigações. É o 
promotor-chefe e sua equipe de peritos que saem a campo para colher as provas.
 Na hora de formular a denúncia, ele escolhe aquilo que vai usar e monta 
a sua peça processual. Só as provas usadas são abertas para conhecimento do 
acusado, mas recentemente, o TPI paralisou um processo porque considerou 
que provas não abertas para a defesa estavam sendo usadas.
 Como foi mostrado, o corpo de julgadores é dividido em duas turmas 
que fazem a análise prévia do caso e decidem se o acusado deve ir a julgamento 
ou não (o equivalente à sentença de pronúncia no Brasil); uma câmara é 
responsável pelo julgamento em si e outra cuida apenas das apelações.
O TPI não tem uma polícia própria. Para aplicar Justiça, ele precisa 
da colaboração dos países. A corte também não faz parte da ONU, 
embora o intercâmbio de informações e de esforços com o Conselho de 
Segurança da organização seja constante. A soma dos dois fatores leva 
a situações como a do Sudão, que dá às costas para as ordens da corte. 
O tribunal já mandou prender o presidente sudanês, Omar Hassan Al 
Bashir, acusado de crimes de guerra, mas os dois mandados de prisão 
continuam ignorados. Nessas situações de flagrante desrespeito, tudo 
o que o TPI pode fazer é comunicar ao Conselho de Segurança da 
ONU. Mais nada. Quem decide e aplica punições pela ausência de 
colaboração com a Justiça criminal internacional é o conselho. O caso 
do Sudão já foi levado ao órgão pelo TPI, mas ainda está sem resposta. 
É o caso de outros sete mandados de prisão que não foram cumpridos – 
o que significa pelo menos sete processos paralisados, já que o tribunal 
não julga ninguém à revelia. Só quatro prisões ordenadas pela corte 
foram cumpridas até hoje (PINHEIRO, 2010).
 Para finalizar, fora o balanço crítico apresentado acima, salienta-se 
existir um contexto hoje mais favorável à atuação do TPI:
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A resistência que o tribunal encontra é facilmente explicada. Baseados 
no princípio da soberania, Estados alegam que são eles os responsáveis 
por julgar os seus cidadãos e os crimes cometidos dentro do seu 
território. Para o TPI e para quem sustenta a sua existência, não é bem 
assim. Muitos países, de tão devastados, não têm uma democracia e um 
Judiciário forte o bastante para garantir a aplicação da Justiça. É nesses 
casos que o tribunal entra em cena. A corte internacional, portanto, 
é uma Justiça complementar, que só arbitra conflitos que a nação 
não pode resolver sozinha e que sejam considerados crimes contra a 
humanidade, como o genocídio. Isso explica por que hoje tem nas suas 
prateleiras processos contra cidadãos de quatro países, todos africanos: 
Congo, África Central, Sudão e Uganda. Num mundo ideal, onde cada 
país tivesse uma Justiça eficiente, o TPI provavelmente não existiria 
(PINHEIRO, 2010).
ConClusãO
 Não há duvida na doutrina: a criação de um Tribunal Penal Internacional 
representou um passo importante no trânsito do direito interno para o direito 
internacional (FERNANDES, 2008, p. 173). O estudo realizado mostra que a 
construção em direção a um direito penal internacional é um processo lento e 
gradual, ainda em construção. 
 A diversidade de ordenamentos jurídicos e as divergências de opiniões 
sobre a sua futura condução foram os obstáculos mais sérios durante as discussões 
que antecederam a sua criação, antes e durante a elaboração do Estatuto de 
Roma. A realização dos processos de Nuremberg (1945) e de Tóquio (1946), e 
o trabalho dos Tribunais ad hoc da antiga Iugoslávia e Ruanda, apesar de todas 
as críticas, foram decisivos em termos de avanços, com o desenvolvimento de 
novos padrões de responsabilidade como o afastamento do argumento de defesa 
por obediência a ordens superiores, a possibilidade de responsabilizar chefes 
de Estado, o afastamento do monopólio estatal de prestação jurisdicional para 
crimes internacionais, a concepção de nova pauta de crimes puníveis de acordo 
com o direito das gentes, dentre outros. 
 Concorda-se com a afirmação de Mazzuoli (2011, p. 21) de que o 
nascimento do TPI, pelo Estatuto de Roma, demarcou uma nova era na história 
do Direito Internacional e das relações internacionais. Ratificou também ponto 
de vista amplamente compartilhado pelo Brasil de que as graves violações aos 
Direitos Humanos somente poderiam ser apreciadas por corte internacional, 
permanente e imparcial, competente para o processo e julgamento dos crimes 
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perpetrados depois da entrada em vigor de tratado internacional (Mazzuoli, 
2011, p. 36). Isto porque o Direito Internacional Público adotou264 a regra do jus 
cogens segundo a qual há certos tipos de crimes tão abruptos e hediondos que 
existem independentemente de estarem regulados por norma jurídica positiva 
(MAZZUOLI, 2011, p. 38). O Estatuto representou logo uma importante proposta 
de construção sintética de normas de direito penal e de direito processual penal, 
já que continha um conjunto de princípios e normas destinadas a regular todas 
as fases de uma persecução criminal (investigação,

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