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1 CONTEÚDO N1 – DIREITOS HUMANOS I) TEORIA GERAL 1. Relevância do tema. Introdução. Grande relevância na mentalidade jurídica do nosso século, pois possui ao mesmo tempo um toque de passado e uma projeção de futuro. Tema que possui diversos questionamentos difíceis de serem respondidos. O que são esses direitos? Quais os fundamentos? Para onde se dirigem? Existe um mínimo comum? Podem ser universais? Requer ampla análise filosófica e jurídica, porque carregado de grande valor ideológico, cultural e evolutivo. Não bastasse você possui sua própria ideologia. Compare com outras formas de ver o mundo. Você já mudou? Tenha caráter crítico para refletir. Conceituação básica seria um “conjunto mínimo de direitos considerado indispensável, essencial para uma vida do ser humano pautado na liberdade, igualdade e dignidade.” (Korad Hesse) Os direitos humanos estão vinculados com o princípio da dignidade humana e que possuem alta carga ideológica. Por isso várias definições e direcionamentos. O princípio da dignidade humana é o ponto central dos direitos humanos e veremos que está muito mais vinculado a princípios do que a normas, visto que é um conceito que é construído histórica e socialmente. Flavia Piovesan ao explicar sobre e indivisibilidade dos direitos humanos, nos convida a analisar exemplificativamente o direito de locomoção. Ao ser concebido, esse direito era tido apenas como uma exigência de que o Estado não interferisse arbitrariamente na possibilidade de locomoção do cidadão livre. O celebrado “direito de ir e vir”. Todavia, atualmente, esse direito possui uma abrangência muito maior. O direito de locomoção implica em condições de vida digna, para que os indivíduos possam se locomover de uma forma honrada, tanto para ir a um cinema a um teatro, ao seu trabalhou ou ainda que tenha condições financeiras de visitar um parente que se encontra acamado. A verdade é que atualmente não há direito de locomoção na miséria. Assim, o direito à locomoção deixa de ser uma mera consagração formal para impor ao Estado uma ação positiva, no sentido de propiciar aos seus cidadãos recursos para a efetivação desse direito. Vejam, o direito inerente a condição humana de liberdade de locomoção evoluiu, foi alterado historicamente e socialmente! Dignidade humana deve ser tratada como um fim e não um meio. Os Direitos Humanos receberam mais destaque na nossa Constituição após a Emenda Constitucional n. 45/04 que recepcionou os tratados internacionais sobre direitos humanos como emendas constitucionais, o que vamos estudar mais adiante. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. O conceito da dignidade da pessoa humana é antes de tudo um conceito histórico é construído através das intempéries do tempo, daí suje logo a ideia de que o conceito usado hoje pode não ser mais útil amanhã, pois, o que se conceitua não é uma formula de “bolo” e sim um padrão que se dá naquele instante, dentro daquilo que o grupo social elege como o moralmente “correto”, é, pois na eleição dos valores que emergem dos nichos que se constrói o conceito da dignidade da pessoa humana, e quando os grupos sociais por motivos equacionados em si elegem outros “valores” há uma nova construção no conceito, o que por sua vez pode influir em mais (ou não) liberdade social. (Francisco Arnaldo Rodrigues de Lima) 2 Quanto à construção histórica do conceito da dignidade da pessoa humana, comumente é atribuída a Immanuel Kant 1 , o prelúdio do principio da dignidade humana. Na obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos declara o filosofo: “Age de tal forma que possas usar a humanidade, tanto em sua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio”. (KANT, 2008, p.59) Fica então evidenciado que todo ser humano tem o direito de ser tratado de forma igual e de forma fraterna e mais todo ser humano tem um direito legitimo ao respeito de seus semelhantes, para reforçar temos outro ponto iniciático do filosofo ao afirmar que: “No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo o preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade”. (KANT, 2008, p.65) Sendo é um princípio construído pela história tem buscado como bem maior proteger o ser humano contra qualquer forma de desprezo observando a declaração de Kant: [...] Mas o homem não é uma coisa. (KANT, 2008, p.60) A partir desta ideia passamos também a reconhecer que ao ser humano não se pode atribuir valor ou preço, pois o ser humano em virtude tão somente de sua condição meramente biológica, gênero humano, e independentemente de qualquer outra circunstância, é possuidor de dignidade, isso de via unilateral, sendo então segundo a concepção do direito moderno “igual” aos seus demais diante da lei. Natureza da Dignidade Protegida. A dignidade da pessoa o acompanha por toda a sua existência, tendo em vista sua essência intrínseca com o ser humano “ela não admite discriminação alguma e não estará assegurada se o indivíduo é humilhado, discriminado, perseguido ou depreciado”. O princípio da dignidade da pessoa humana é de natureza racional, considerada pela corrente Kantiana, um valor incondicionado e de essência puramente humana e protegida. O Prof. José Affonso da Silva resumi bem a dignidade da pessoa humana com base na teoria Kantiana: A dignidade da pessoa humana constitui um valor que atrai a realização dos direitos fundamentais do Homem, em todas as suas dimensões; e, como a democracia é o único regime político capaz de propiciar a efetividade desses direitos, o que significa dignificar o Homem, é ela que se revela como seu valor supremo, o valor que o dimensiona e humaniza . A dignidade, portanto, é parte inerente ao Homem devendo ser protegida e difundida por todos da sociedade política para que seja, efetivamente, extensível a todos, fazendo com que se difunda na interação entre a superestrutura política, jurídica e ideológica e, a infraestrutura econômica e social. 1 Immanuel Kant, importante filósofo prussuiano (reino alemão dissolvido em 1918 e depois da II Guerra anexado pela União Soviética e ) inova ao defender que a dignidade da pessoa humana encontra-se alicerçada puramente na razão. Ao estabelecer que todos os seres racionais são dotados de dignidade e não preço, ou seja, que possuem um fim em si mesmos e não podem portanto ser utilizados como meio para se atingir determinada finalidade, firmou o conceito de dignidade da pessoa humana. E a causa da dignidade humana nada mais é do que a simples presença da razão. Nas palavras do autor: “O homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade” . 3 2. Evolução histórica:origem dos Direitos Humanos. A origem dos direitos individuais do homem pode ser apontada no antigo Egito e Mesopotâmia, no terceiro milênio a.C., onde já eram previstos alguns mecanismos para proteção individual em relação ao Estado. O Código de Hamurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificação a consagrar um rol de direito comuns a todos os homens, tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em relação aos governantes. A influência filosófica-religiosa nos direitos do homem pôde ser sentida com a propagação das idéias de Buda, basicamente sobre a igualdade de todos os homens (500 a.C.). Posteriormente, já de forma mais coordenada, porém com uma concepçãoainda muito diversa da atual, surgem na Grécia vários estudos sobre a necessidade da igualdade e liberdade do homem, destacando-se as previsões de participação política dos cidadãos (democracia direta de Péricles); a crença na existência de um direito natural anterior e superior às leis escritas, defendida no pensamento dos sofistas e estóicos (por exemplo, na obra Antígona – 441 a.C. - Sófocles defende a existência de normas não escritas e imutáveis, superiores aos direitos escritos do homem). Contudo, foi o Direito romano quem estabeleceu um complexo mecanismo de interditos visando tutelar os direitos individuais em relação aos arbítrios estatais, principalmente de propriedade. Tempos depois, com o Cristianismo, veio o homem se deparar com esta concepção religiosa, que se baseava na ideia de que cada pessoa é criada à imagem e semelhança de Deus, na igualdade e amor ao próximo. O que importa, é que a descoberta de Deus, seu reconhecimento como criador de todas as coisas, sua latente influência comportamental, nitidamente, não bastaram para impedir que a sociedade humana vivesse posteriormente períodos extensos e de opressão, tais como, o absolutismo 2 , que caracterizou um longo período da história que se iniciou com o fim do feudalismo, crescendo conforme a centralização de poderes aumentava. O seu ápice deu-se durante a Idade Moderna, quando a vontade do rei era a lei, e o rei era ele mesmo o Estado. Porque nestes Séculos XVI e XVII, quando os governos absolutistas começaram a se firmar, após vencer a prolongada resistência dos senhores feudais, fundado na doutrina de que "toda autoridade emana de Deus", assim, o governo absolutista só presta contas a Deus por seus atos, e, em razão disto, começou a exigir obediência incondicional ao soberano, bem como, resistir à interferência dos papas nos governos seculares. A Reforma Protestante do século XVI também colabora para o fortalecimento da autoridade monárquica, pois enfraquece o poder papal e coloca as igrejas nacionais sob o controle do soberano. Com a evolução das leis, com base no estudo do direito romano, surgem teorias que justificam o absolutismo, como as de Nicolau Maquiavel (1469-1527), Jean Bodin (1530-1595), Jacques Bossuet (1627-1704 ) e Thomas Hobbes (1588-1679). O Estado absolutista típico é a França de Luís XIV (1638-1715). Conhecido como o Rei Sol, a ele é atribuída a frase que se torna o emblema do poder absoluto: "O Estado sou eu". Luís XIV atrai a nobreza para o Palácio de Versalhes, perto de Paris, onde vive em clima de luxo inédito na história do Ocidente. Na Inglaterra, no início do século XVI, Henrique VIII, segundo rei da dinastia Tudor, consegue impor sua autoridade aos nobres com o apoio da burguesia e assume também o poder religioso. O processo de centralização completa-se no reinado de sua filha Elizabeth I. Com o surgimento do movimento cultural do IIuminismo apoiado na elite intelectual europeia do século XVIII, difunde-se o pensamento dominante que defende o predomínio da razão 2 Teoria política que defende o poder político absoluto de alguém, na época um rei, independente de outro órgão. Exemplos: Henrique VIII - Dinastia Tudor : governou a Inglaterra no século XVII. Elizabeth I - Dinastia Stuart - rainha da Inglaterra no século XVII. Luis XIV - Dinastia dos Bourbons - conhecido como Rei Sol - governou a França entre 1643 e 1715. Fernando e Isabel - governaram a Espanha no século XVI. Maquiavel era um defensor desse regime. Ele escreveu um livro, "O Príncipe", onde defendia o poder dos reis. De acordo com as ideias deste livro, o governante poderia fazer qualquer coisa em seu território para conseguir a ordem. De acordo com o pensador, o rei poderia usar até mesmo a violência para atingir seus objetivos. É deste teórico a famosa frase: "Os fins justificam os meios.” 4 sobre a fé e estabelece o progresso como destino da humanidade. Seus principais idealizadores são John Locke (1632-1704), Montesquieu (1689-1755), Voltaire (1694-1778) e Rousseau (1712- 1778). Deus está na natureza e no homem, que pode descobri-lo por meio da razão e da ciência que são as bases do entendimento do mundo, dispensando a Igreja. Afirma que as leis naturais regulam as relações sociais e considera os homens naturalmente bons e iguais entre si – quem os corrompe é a sociedade. Cabe, portanto, transformá-la e garantir a toda liberdade de expressão e culto, igualdade perante a lei e defesa contra o arbítrio. No século XVIII surge o despotismo esclarecido, uma nova maneira de justificar o fortalecimento do poder real, apoiado pelos filósofos iluministas. O processo de extinção do absolutismo na Europa começa na Inglaterra com a Revolução Gloriosa (1688), e esse conflito sem batalhas é também chamado de Revolução sem Sangue. Guilherme de Orange torna-se rei da Inglaterra com o nome de Guilherme III, depois de assinar a Bill of Rights (Declaração de Direitos), em 16 de dezembro de 1689, que institui o governo parlamentar inglês. Na declaração estão os limites de atuação do monarca. Ele é obrigado a submeter ao Parlamento a aprovação de qualquer aumento de impostos e deve garantir a liberdade de imprensa, a liberdade individual e da propriedade privada 3 . O anglicanismo é confirmado como religião oficial e toleram-se todos os credos, menos o católico. O ministério, além disso, deve observar uma alternância entre a nobreza latifundiária e a burguesia urbana. Dessa forma, a monarquia absoluta inglesa é substituída pela monarquia constitucional, que limita a autoridade real com a Declaração de Direitos (Constituição), assinalando a ascensão da burguesia ao controle do Estado. O Iluminismo alcança especial repercussão na França, onde se opõe às injustiças sociais, à intolerância religiosa e aos privilégios do absolutismo em decadência. Influencia a Revolução Francesa, fornecendo-lhe, inclusive, o lema Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Na França, o absolutismo termina com a Revolução Francesa (1789). E, este momento histórico foi acalantado pelo liberalismo, que é zeloso defensor da liberdade dos indivíduos. Essa liberdade é sempre concebida, porém, de forma negativa: o indivíduo é tão mais livre quanto menos ele é impedido de realizar seus desejos e objetivos por fatores externos a ele. A única restrição legítima à liberdade do indivíduo que o liberalismo admite é aquela decorrente do princípio de que todos devem ser igualmente livres. A liberdade de um indivíduo só pode ser restringida, portanto, quando sua não restrição implique restrição indevida da liberdade de outros. Em suma, a liberdade de um termina onde começa a do outro. Entretanto, no campo jurídico e constitucional, convém dizer que a Inglaterra foi o país que assumiu a vanguarda exercendo grande influência na história universal. Como exemplos de sua evolução jurídica, conferindo-lhes status de matéria constitucional, vale citar a Petition of Right, que surgiu para a proteção dos direitos pessoais e patrimoniais, de 1628, a Acta de Habeas Corpus, de 1679, que proibiu a detenção das pessoas na falta de um mandamento judicial, e, em 1689, a Declaration of Rights, que realizou a confirmação de muitos direitos que já estavam consagrados em textos legais anteriores. Seguindo a esteira desses documentos indicados, em 12 de junho de 1776, surge a Declaração de Direitos da Virgínia, o Bill of Rights redigido por George Mason, especificando os direitos do homem e do cidadão. Também como resultado da Revolução Americana, é importante 3 Tal revolução toma forma com um acordo secreto entre o parlamento inglês e Guilherme deOrange, Princípe da Holanda e genro de Jaime II numa manobra que visava entregar o trono britânico ao príncipe, devido à repulsa dos nobres britânicos ante à insistência de Jaime II em reconduzir o país no rumo da doutrina católica. Assim, as tropas abandonam o rei Jaime e em junho de 1688 Guilherme de Orange é aclamado rei com o nome de Guilherme III. É estabelecida assim um compromisso de classe entre os grandes proprietários e a burguesia inglesa. Seu efeito negativo foi sentido pela população em geral, que foi marginalizada pela nova ordem. Outro efeito, porém, foi o de mostrar que não era necessário eliminar a figura do rei para acabar com um regime absolutista, desde que este aceitasse uma completa submissão às leis ditadas pelo parlamento. Assim, a Revolução Gloriosa iniciou a prática seguida até hoje na política britânica, que é a da Monarquia Parlamentar, em substituição ao absolutismo. 5 citar a Declaração de Independência de 4 de julho daquele mesmo ano, que considerou certos direitos inalienáveis e destacou expressamente os direitos relativos à vida, à liberdade e à busca da felicidade. Vejamos que a reivindicação do Estado de Direito (constitucional) pelos colonos ingleses na América do Norte e a insurreição do “terceiro Estado”4 na França tiveram a mesma motivação: o descontentamento contra um poder que atuava sem lei, sem regras, de forma despótica na caracterização de Montesquieu. E o objetivo era estabelecer um governo de leis e não de homens. Só se legitima o surgimento da sociedade se ela tiver por base o acordo de todos, o chamado pacto social. Assim, o povo (comunidade resultante do pacto), através do poder político gera o poder constituinte composto de seus representantes extraordinários deles mesmo. Esse pacto social prescinde de um documento escrito, que são as declarações de direitos que irão explicitar os direitos inerentes a condição de ser humano e enunciar as limitações de atuação da opressão do Estado. Tanto é, que os dois movimentos (Independência dos EUA e a Revolução Francesa) irão se preocupar em primeiro criar suas declarações de direitos que suas Constituições. Só mais tarde é que se passou a estabelecer num mesmo documento a declaração de direitos → pacto social e a Constituição → pacto político. Declaração de direitos porque eles não são criados, são declarados. Declaração de Virgínia, 1776. Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789. Fruto da Revolução Americana – visavam restaurar os antigos direitos de cidadania tendo em vista os abusos do poder monárquico. Fruto da Revolução Francesa – os franceses se viam em uma missão universal de libertação dos povos. Marco do nascimento dos direitos humanos na história (positivista). Art. XVI: baseado na lição clássica de Montesquieu – teoria do governo misto combinada com uma declaração de direitos, ambas expressas em um texto escrito (a constituição). Reconhecimento da igualdade entre os indivíduos pela sua própria natureza e do direito à propriedade. Consagração dos princípios iluministas: igualdade, liberdade e fraternidade. Esses direitos passaram a ser inscrito nas cartas políticas das nações ocidentais. No entanto, a trajetória da humanidade demonstra que aos povos não bastam, para o aperfeiçoamento dos direitos e deveres escritos em seus Códigos de conduta. A exigência de novos direitos e deveres surgem na medida em que o homem se insere na comunidade, que não é estática; mas cada vez mais dinâmica e se qualifica como cidadão, os direitos humanos são frutos da história. Estudamos que o surgimento do constitucionalismo e aos instrumentos de proteção do indivíduo frente à atuação do Estado, ou seja, os “Direitos Fundamentais são sempre opostos ou oponíveis ao governo, para limitar ou exigir sua atuação, conforme se cuide de defender ou de promover o indivíduo na sociedade ou o poder atua e o indivíduo se realiza”. 4 Burguesia que pesava o peso dos impostos. 6 As declarações de direitos no final do século XVIII , e todo o movimento histórico do constitucionalismo que as seguiram, alicerçaram os direitos fundamentais, mas sua larga utilização e ascensão ocorreram após a Segunda Guerra Mundial, com a banalização do mal em nome do Estado que o mundo acompanhou. Os julgamentos das atrocidades nazistas pelo Tribunal de Nuremberg distanciaram-se da prática dominante do Estado legalista elaborada por Kelsen , e reconheceram a importância e validade de um princípio, no caso o princípio da dignidade humana, acima de qualquer sistema jurídico válido e vigente, ou seja, atribuíram-lhe um valor suprapositivo – ACIMA DA LEI. Assim, o reconhecimento da existência de um valor ético e a sua utilização como norma para integração de um sistema pós-positivista, alçou o princípio da dignidade da pessoa humana como núcleo para o desenvolvimento da nomenclatura direito fundamental, transformando-o em uma preocupação filosófica, sociológica e política, e não apenas jurídica. E, assim, a “Lei Fundamental da República Federal da Alemanha que por primeiro erigiu a dignidade da pessoa humana em direito fundamental”. Até o presente momento, a luta por direitos humanos ocorria em contextos nacionais ou no máximo regionais. Foi após as atrocidades da I e II Guerra Mundial que os direitos humanos foram galgados ao patamar internacional. Nesse contexto, a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em 1948, significou um marco da consagração da universalidade dos direitos humanos. E desta forma, o Direito Internacional com alicerces axiológicos, assegura através de um gradativo progresso substancial, ao indivíduo o exercício efetivo de direitos natos agora em escala coletiva e mundial. 2.1. Teoria sobre a origem dos Direitos Humanos: Jusnaturalismo, Positivismo e Moralista. (i) Jusnaturalismo: Para o jusnaturalismo os direitos humanos são direitos naturais, inerentes ao homem, anteriores ao Estado e ao Direito. São direitos que decorrem da natureza humana, que portanto não são criados, muito menos outorgados pelo legislador. O traço fundamental da doutrina é a de que existe, ao lado do direito positivo, um direito natural, anterior e superior àquele. São direitos que pertencem ao homem pela sua natureza humana, estando centrados na razão. O ser humano, por possuir razão, atributo exclusivo da sua espécie, nasce com direitos inalienáveis, que compõem limites ao poder do Estado quando este se constitui. Defensor moderno Fabio Comparato – pessoa humana é razão máxima do direito e da sociedade – não são criados pelos homens e pelos Estados eles são preexistente a eles, que basta apenas reconhecê-los e não criá-los. É formalmente citada no Tratado Internacional da Declaração do Programa de Ação de Viena na Conferência Mundial em 1993. “Os direitos humanos e as liberdades fundamentais são direitos naturais de todos os seres humanos; sua proteção e promoção são responsabilidades primordiais dos Governos.” (ii) Positivismo: A fonte é o direito positivo ao contrário da corrente do jusnaturalismo, alicerça a existência desses direitos na ordem normativa, ou seja, apenas são considerados direitos humanos aqueles com previsão expressa no ordenamento jurídico. Exemplo seria na Declaração Universal dos Direitos Humanos na ONU em 1948. Crítica a essa corrente: A preocupação excessiva com a institucionalização dos direitos humanos empobrece o conteúdo ético dos mesmos. Solução: princípio aberto da dignidade da pessoa humana. 7 (iii) Moralista (ou de Perelman): os direitos fundamentais decorrem da consciência moral e daexperiência de determinado povo, no convívio e na experiência do convívio no seio social, configurando o denominado espiritus razonables (espírito razoável). Assim, os direitos fundamentais não são pré-dados de uma ordem natural, e também não decorrem simplesmente do Direito positivo. Em verdade, os direitos fundamentais possuem como fundamento a consciência moral do povo. Concordo com Alexandre de Moraes que as teorias se completam. A incomparável importância dos direitos humanos não consegue ser explicada por uma só. 2.2 A questão do Fundamento dos Direitos Humanos na concepção de Norberto Bobbio. Falecido em 2004, o italiano Norberto Bobbio é considerado um dos mais importantes filósofos políticos da contemporaneidade e profundo estudioso do avanço dos direitos humanos nas sociedades ocidentais. Na filosofia bobbiana, direitos humanos e democracia são elementos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para o desenvolvimento dos direitos humanos. Defende a impossibilidade de definir um único fundamento válido para todos os povos, culturas e comportamentos das sociedades, em virtude das diferenças entre os costumes e tradições destes e também da evolução sócio-cultural decorrente da passagem do tempo. Para Bobbio, os direitos humanos não possuem caráter absoluto. E isto porque por conta da evolução histórica, não se pode dar caráter absoluto para algo que muda. Algo só é jurídico se coercível – positivação de direitos como os tratados. Assim, Bobbio sugere que não se discuta mais isso, porque mais importante que o fundamento é a efetividade... para não ser mais mera declaração de boa vontade. Obra fundamental: A Era dos direitos. 3. Características dos Direitos Humanos: Vai variar de autor para autor. Sua importância técnica é que muitas características são citadas na legislação internacional. As principais citadas no parágrafo 5º. da Declaração do Programa de Ação de Viena na Conferência Mundial em 1993. Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais (i) universalidade: aplica-se a todos. Engloba todos os indivíduos, pouco importa sua origem, raça, cor ou sexo. (ii) indivisibilidade: tais direitos compõem um único conjunto de direitos, uma vez que não podem ser analisados de maneira isolada, separada. Afirma-se que o desrespeito a um deles constitui a violação de todos ao mesmo tempo, ou seja, caso seja descumprido seria com relação a todos. Analise-se exemplificativamente o direito de locomoção. Ao ser concebido, esse direito era tido apenas como uma exigência de que o Estado não interferisse arbitrariamente na possibilidade de locomoção do cidadão livre. Todavia, atualmente, esse direito possui uma abrangência muito maior. O direito de locomoção implica em condições de vida dignas, para que a pessoa possa se locomover de uma forma honrada. Que a pessoa possa se locomover para ira a um cinema a um 8 teatro. Que tenha condições financeiras de visitar um parente que se encontra acamado. Não há direito de locomoção na miséria. Assim, o direito à locomoção deixa de ser uma mera consagração formal para impor do Estado uma ação positiva, no sentido de propicia aos seus cidadãos recursos para a efetivação desse direito. (iii) interdependência: os direitos fundamentais estão vinculados uns aos outros, não podendo ser vistos como elementos isolados, mas sim como um todo. As várias previsões constitucionais, apesar de autônomas, possuem diversas intersecções para atingirem suas principais finalidades. A interrelação dos direitos fundamentais indica que eles interagem, influenciando-se reciprocamente e devendo ser sopesados por ocasião de concorrência ou colisão entre si. Há mútua dependência entre os direitos fundamentais porque o conteúdo de certos deles vincula-se ao de outros, complementando-se os diversos direitos fundamentais e uns mostrando-se desdobramentos de outros. Por exemplo, a liberdade de expressão (Constituição brasileira, art. 5º, IX), de que é corolário a liberdade de informação ou comunicação social (art. 220, caput), deve sempre respeitar a intimidade e a privacidade (art. 5º, X). A liberdade de consciência (art. 5º, VI), a liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV) e a liberdade de expressão (art. 5º, IX) são complementares. O direito de associação profissional ou sindical (art. 8º, caput) é um desdobramento da liberdade de associação (art. 5º, XVII). As garantias (como o habeas corpus: art. 5º, LXVIII) complementam os direitos (no caso, a liberdade de locomoção: art. 5º, XV). Não há vida com dignidade (art. 5º, caput, combinado com o art. 1º, III) sem garantias à saúde (art. 6º, caput, e art. 196). Estão vinculados uns aos outros, pouco importa a geração ou grupo protegido. (iv) interrelacionaridade ou complementaridade: não há hierarquia entre os direitos humanos, eles devem ser interpretados em conjunto. Com a evolução da proteção nacional e internacional dos direitos humanos após as grandes guerras e revoluções, afirma-se que hodiernamente os mecanismos para assegurar a inviolabilidade dos direitos e garantias fundamentais passaram a ter abrangência regional e mundial. Por meio de tal característica, a pessoa poderá optar por qual âmbito de proteção deseja para assegurar a inviolabilidade do seu direito fundamental, o global ou regional. Outras características importantes: - historicidade: refletem a história do homem, fruto da sua evolução histórica. Desde o Cristianismo até os dias atuais; se no passado as preocupações eram sobre o arbítrio do Estado, como o direito de ir e vir, hoje alcançam questões muito mais complexas como clonagem e uso de células-tronco. - inalienabilidade: A inalienabilidade dos direitos fundamentais consiste na impossibilidade de transferência destes direitos, tanto a título gratuito, como a título oneroso. Os inalienáveis seriam os direitos que visavam proteger a vida biológica e os que intentassem para a preservação das condições normais de saúde física e mental, bem como a liberdade de tomar decisões sem coerção externa. Esses direitos caracterizam-se face à impossibilidade de sua transferência, ressalvado o direito de propriedade que pode ser relativizado, permitindo, por exemplo, a alienação de um bem. Exemplo: venda de órgãos que garante o direito à vida hoje não é admitida. Segundo Luigi FERRAJOLI (1999, p. 38-39), a inalienabilidade fundamenta-se no fato de que os direitos fundamentais são normativamente direitos de todos os membros de uma coletividade, por isso não são alienáveis ou negociáveis, já que correspondem a prerrogativas não contingentes e inalteráveis de seus titulares e a outros tantos limites e vínculos inarredáveis para todos os poderes, tanto públicos como privados. 9 - inviolabilidade: esses direitos não podem ser descumpridos por nenhuma pessoa ou autoridade. Impossibilidade de desrespeito por determinações infra-constitucionais ou por atos das autoridades públicas, sob pena de responsabilização civil, administrativa e criminal. - indisponibilidade ou irrenunciabilidade: esses direitos não podem ser renunciados. Não cabe aoparticular dispor dos direitos conforme a própria vontade, eles devem ser sempre seguidos. Questões controversas sobre o direito a vida, a questão do aborto e suicídio. - imprescritibilidade: eles não sofrem alterações com o decurso do tempo, pois têm caráter eterno. Não se perde. - efetividade: devem ser criados todos os mecanismos possíveis á efetivação desses direitos. A atuação do Poder Público deve ser no sentido de garantir a efetivação dos direitos humanos, com mecanismos coercitivos, para não ser um reconhecimento abstrato. - limitabilidade: esse princípio vem demonstrar que não há direitos fundamentais absolutos, pois estes podem sofrer limitação no caso de confronto ou conflito com outros princípios, ou ainda, em casos de grave crise institucional Exemplo: direito de reunião pode ser limitado na vigência do estado de defesa e estado de sítio 5 . Art. 136 e 139 da CF. Atualmente cai muito em concurso. 4. Gerações ou Dimensões de Direitos. Trata-se de uma criação doutrinária e pode variar de autor para autor. É um famoso critério de classificação. A expressão "gerações de direitos do homem", foi utilizada pela primeira vez pelo jurista tcheco Karel Vasak no final dos anos setenta (1979), com intuito de se tentar traçar um paralelo entre a evolução dos direitos humanos e o lema da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade). Foram consideradas gerações como grandes momentos de conscientização em que se reconhecem “famílias” de direitos, ou seja, com características jurídicas comuns e peculiares. Destarte, principalmente após uma maior divulgação da doutrina por Norberto Bobbio, parte dos cientistas do direito a ampliaram, e classificaram os direitos fundamentais em quatro gerações, como se segue: - Primeira geração (liberdade): Seriam os direitos civis e políticos, traduzidos no valor liberdade. Revelam a necessidade de um não fazer, um não agir, por parte do Estado – são direitos negativos ou não onerosos (surgiram com a Magna Carta Libertatum, de 1215, do Rei João Sem Terra). São direitos que gozam de coercibilidade. São direitos individuais de liberdade, propriedade privada, legalidade estrita aos tributos. - Segunda geração (igualdade): Seriam os direitos econômicos, sociais e culturais, traduzidos no valor igualdade. Direitos positivos. Revelam a necessidade de um agir (uma prestação) por parte do Estado na implementação das políticas públicas, sociais e culturais (surgiram com a Revolução Industrial do século XIX, devido as degradantes condições de trabalho impostas aos operários e trabalhadores da época e formalizados com a Constituição Mexicana de 1917 e na Constituição Weimar de 1919 – Império Alemão). São os direitos sociais, econômicos e culturais, chamados genericamente de direitos sociais (por exemplo, os direitos trabalhistas, previdenciários). - Terceira geração (fraternidade): Seriam os direitos de solidariedade que englobam entre outros, a tutela dos interesses difusos e coletivos, o desenvolvimento do ser humano e o direito à paz sem abdicar da autodeterminação dos povos e do progresso. Traduzem o valor fraternidade, e 5 Na esfera federal, existem ‘estado de defesa’ e ‘estado de sitio’. O estado de sítio é muito mais grave que o estado de defesa, e ambos só podem ser decretados pelo presidente da República. O estado de defesa é decretado para preservar ou restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.O estado de sítio é decretado quando estado de defesa não resolveu o problema, quando o problema atinge todo o país, ou em casos de guerra.Já nas esferas estadual e municipal existem ‘estado de calamidade pública’ e situação de emergência 10 surgiram devido a gritante velocidade da evolução científica e tecnológica a que foi submetida à humanidade, além do fenômeno da globalização econômica. Só foram consagrados após a Segunda Guerra Mundial, com base na ideia de que existem direitos baseados na coletividade, conforme serão estudados ao longo do curso. São, por exemplo, os direitos ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e de comunicação. Representa direitos de solidariedade, relativos ao indivíduo inserido em uma coletividade. - Quarta geração: Foi acrescida à doutrina original (que previa apenas as três gerações supramencionadas). Consideram os decorrentes da globalização, com consequente universalização, inclusive normativa, dos direitos fundamentais. Os que integram esta geração são a democracia, a informação e o pluralismo, como pressupostos do exercício pleno dos demais, e de garantia da própria universalização, assim como direitos decorrentes dos avanços da tecnologia biológica e genética. Críticas que são feitas à classificação em “gerações” de direitos: gerações ou dimensões? a) Alguns doutrinadores entendem que o uso da expressão “geração” pode incutir a falsa impressão de que uma geração substitui a outra. Todavia, o que se observa na verdade é que há a concorrência de direitos e não a sucessão; b) A evolução dos direitos fundamentais no tempo, não segue a ordem das gerações dispostas (liberdade, igualdade, fraternidade), em todas as situações, ou seja, não há uma real retratação da verdade histórica. c) Há o entendimento por parte da doutrina de que não deve haver a diferenciação entre os direitos de primeira geração como direitos negativos, não onerosos, e os direitos de segunda geração como direitos a prestações por parte do Estado, pois isso, nem sempre se observaria. Por exemplo: há direitos sociais (ex.: de greve) onde se denota um não agir por parte do Estado, e, nada obstante, há direitos de primeira geração (ex.: direito de petição) cujo cumprimento se observa através de um agir por parte do Estado. d) Parte dos doutrinadores entendem que os direitos fundamentais não devem ser separados em gerações, pois não se deve, por exemplo, priorizar direitos de liberdade em detrimento dos sociais, ou vice-versa. Isto posto, principalmente face estas críticas e ao entendimento de que não há sucessão entre as gerações (uma geração não substitui a outra) dos direitos fundamentais, os doutrinadores mais recentes têm optado pelo termo “dimensões”, vez que defendem a existência de “dimensões de limitação do poder do Estado” em face dos direitos humanos. 1ª Geração 2ª Geração 3ª Geração 4ª Geração Liberdade Igualdade Fraternidade Democracia (direta) Direitos negativos (não agir) Direitos a prestações (positivo) Direitos civis e políticos: liberdade política, de expressão, religiosa, comercial. Direitos sociais, econômicos e culturais. Direito ao desenvolvimento, ao meio-ambiente sadio, direito à paz. Direito à informação, à democracia direta e ao pluralismo. Direitos individuais. Direitos de uma coletividade. Direitos de toda a Humanidade. Estado Liberal. Estado social e Estado democrático e social. 11 5. Terminologia e Conceito de direitos humanos. A definição do que sejam os direitos humanos mostra-se ainda mais complexa quando busca um fundamento absoluto sobre o qual respaldá-los, de modo a garantir sua correta atribuição e cumprimento, mas principalmente como meio de coação para sua observância de maneira universal. Norberto Bobbio aponta quatro dificuldades para a busca do fundamento absoluto dos direitos humanos fundamentais : 1. A primeira delas é que a expressão “direitos do homem” é mal definível e desprovida de conteúdo e, quandoeste aparece, introduz termos avaliativos, os quais são interpretados de modo diverso de acordo com a ideologia assumida pelo intérprete. 2. Segundo dificuldade é a mutabilidade histórica dos direitos fundamentais, pois para ele reconhecidamente as condições históricas determinam as necessidades e interesses da sociedade. Para ele, são direitos relativos, não lhes cabendo assim a atribuição de um fundamento absoluto. 3. Bobbio dá continuidade apontando a heterogeneidade dos direitos humanos, ou seja, a existência de direitos diversos e muitas vezes até mesmo conflitantes entre si. As razões que valem para sustentar alguns não valem para sustentar outros. Alguns direitos fundamentais são até mesmo atribuídos a categorias diversas, enquanto outros valem para todos os membros do gênero humano. 4. elenca sobre a existência de Direitos Fundamentais que denotam liberdades, em antinomia a outros que consistem em poderes. Os primeiros exigem do Estado uma obrigação negativa, enquanto os segundos necessitam de uma atitude positiva para sua efetividade, eis que “quanto mais aumentam os poderes dos indivíduos, tanto mais diminuem as liberdades dos mesmos indivíduos.” Dentro desse contexto, decorre a amplitude que o conceito de direitos humanos adquiriu, e as eventuais distorções e até mesmo equívocos cometidos pela doutrina e prática jurídica. Aliás, muito comum constatarmos o uso indiferente das expressões direitos humanos, direitos do homem e direitos fundamentais. A própria Constituição Brasileira atual faz referência a diversas expressões: direitos humanos (art. 4º), direitos e garantias fundamentais (título I), direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI), direitos fundamentais da pessoa humana (art. 17). “Direitos humanos”, o significado atribuído é o mesmo, ou seja, são direitos essenciais à manutenção de uma vida humana sustentada pelo princípio da dignidade, entretanto, enquanto os direitos fundamentais são aqueles positivados em uma Constituição, os direitos humanos são os provenientes de normas de caráter internacional. Paralelamente os direitos dos homem seriam valores éticos não positivados. Pelo vocábulo “fundamental”, em seu significado lexical, compreende-se tudo aquilo “que serve de fundamento; o que importa, o essencial.”6 Tal conceito não se afasta do sentido real do termo na esfera jurídica. Assim, o mais usual é entender os direitos fundamentais como o mínimo necessário para a existência da vida humana dignamente. No tocante à expressão Diante disso, Canotilho sugere um argumento para a distinção dos direitos do homem. Para ele, direitos do homem são aqueles derivados da própria natureza humana, enquanto os Direitos Fundamentais são os vigentes em uma ordem jurídica concreta. Para ele “direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista- 6 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o minidicionário da língua portuguesa. Curitiba: Positivo, 2004, p. 421. 12 universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente”7. Neste raciocínio, os direitos fundamentais representam a concretização daqueles direitos e garantias reconhecidas como essenciais a todos os indivíduos indistintamente e, por estes, oponíveis contra todos, limitando-se aos próprios direitos fundamentas alheios. – direitos do homem - direitos inatos, inerentes que não precisam ser positivados para ser respeitados: vida e liberdade. – direitos fundamentais - direitos do homem positivados, assegurado, previsto em uma Constituição. – direitos humanos - direitos do homem e/ou fundamentais assegurados em tratados de direitos internacionais. Sistema da ONU ou da OEA. II – PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL BRASILEIRA AOS DIREITOS HUMANOS. 1. DIREITOS HUMANOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: Proteção Constitucional da dignidade da Pessoa Humana. A dignidade da pessoa humana, portanto, não é uma criação do constituinte, por ser um conceito de essência humana, preexistente a própria organização política formadora do Estado. A Constituição a reconhece, mas não a cria. A República Federativa do Brasil a reconheceu e, inclusive, a colocou como seu fundamento (art.1º.) como princípio que rege suas relações internacionais a prevalência dos direitos humanos (art. 4º.) e ainda seus direitos correlacionados como parte dos seus objetivos da República (art.3º.), firmando o entendimento de que a dignidade é do próprio Homem, acima do Estado e de todos que vivem ou que por ele permaneçam. Logo é todo ser humano titular de direitos, ainda que o mesmo não os defenda ou não os reconheça em si, devendo estes direitos serem reconhecidos e respeitados por nós seus semelhantes e pelo estado, pois, cabe a este último a tarefa de garantir o respeito das liberdades civis, ou seja, o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, o qual se faz através do estabelecimento de uma proteção jurídica. Como bem fez a Constituição Federal de 1988: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.” A qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz a certeza de que o art. 1º, inciso III, de nossa Lei Fundamental não contém apenas uma declaração de conteúdo ético e moral (que ela, em última análise, não deixa de ter), mas que constitui uma norma jurídico-positiva com status constitucional e, como tal, dotada de eficácia, transformando-se de tal sorte, para além da dimensão ética já apontada, em valor jurídico fundamental da comunidade. Para Ministro Celso de Mello é um valor-fonte. Valor central do ordenamento jurídico brasileiro. Todas as decisões precisam ter a dignidade no seu alicerce. 7 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 359. 13 Infere-se então que o conceito da dignidade da pessoa humana é em sua essência complexo, desenvolvido numa diversidade de valores existentes na sociedade. Desta forma procurou o Professor Ingo Wolfgang Sarlet conceituar a dignidade da pessoa humana num prisma jurídico: “Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”. (SARLET, 2007, p.62) A dignidade da pessoa humana como um valor em si, revelado pela moral, que é próprio do gênero humano não coexistindo com preconceitos, sendo ainda, independente de crédulo ou confissão. Deve ser tal o fundamento do Estado Democrático. Vale ressaltar a lição do Professor Fernando Capez: “Qualquer construção típica, cujo conteúdo contrariar e afrontar a dignidade humana, será materialmente inconstitucional, posto que atentória ao próprio fundamento da existência de nosso Estado”. (CAPEZ, 2009, p.07) Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suasrelações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político. Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Outros incisos do artigo 5º. CF – norma contistitucional - relacionado ao respeito da dignidade humana. Princípio da vedação de penas cruéis. O inciso III do art. 5º, materializa e motiva as seguintes concepções do inciso XLVII III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante. XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; 14 b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS SENSÍVEIS Os direitos da pessoa humana são princípios constitucionais sensíveis. Princípios sensíveis são aqueles que se infringidos ensejam a mais grave sanção que se pode impor a um Estado membro da Federação: a intervenção (Ação Direta Interventiva Federal – art. 36, inciso III), retirando-lhe a autonomia organizacional, que caracteriza a estrutura federativa. Esses princípios constituem a essência da organização constitucional do Estado-membro brasileiro. A União poderá intervir em qualquer dos Estados membros ou no Distrito Federal para assegurar a observância dos princípios constitucionais sensíveis. Estão elencados no art. 34, VII, alínea b da Constituição Federal. Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: (...) VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta; e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. A intervenção Federal é considerada um ato coletivo com a participação de todos os Estados através da União, e de competência privativa do Presidente da República (art.84,X) para sua decretação e execução. Trata-se de administração do Estado pela União. Resumo: citações explícitas da dignidade humana na CF/88. - artigo 1º, inciso III expressamente o princípio da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Proteção e valorização da pessoa humana. - artigo 3º, objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil estão todos vinculados à dignidade da pessoa humana. - artigo 4º, princípio que rege as relações internacionais da República Federativa do Brasil; a prevalência dos direitos humanos vinculados à dignidade da pessoa humana. - artigo 5º. incisos III e XLVII proíbe tratamento desumano. - art. 34, VI, “b” - direitos da pessoa humana, são princípios constitucionais sensíveis, que autorizam uma ação interventiva da União no Estado diante do desrespeito. 2. EFICÁCIA VERTICAL E HORIZONTAL DOS DIREITOS HUMANOS Os direitos fundamentais na nossa Constituição da República estão previstos precipuamente, mas não exclusivamente, no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), através dos artigos: (i) 5º (Direitos e Deveres Individuais e Coletivos); 6º; ao 11º (Direitos Sociais); 12º e 13º (Direitos de Nacionalidade); 14º ao 16º (Direitos Políticos) e art. 17º (Partidos Políticos). 15 Porém não podemos deixar de lembrar que outros direitos fundamentais também estão espalhados no texto Constitucional que não neste título, como o princípio da anterioridade tributária (art. 150, incisos), o direito ao meio ambiente saudável (art. 226), e outros. O § 1º do artigo 5º conferiu às normas definidoras de direitos fundamentais a aplicabilidade imediata, potencializando a eficácia dos direitos fundamentais, alçados também à condição de cláusula pétrea, nos temos do artigo 60, § 4º. O art. 5º, §1º, determina que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Logo, cabe aos poderes públicos (Judiciário, Legislativo e Executivo) desenvolver esses direitos. Isso, porém, não quer dizer que todos os direitos e garantias fundamentais venham sempre expressos em normas de eficácia plena ou contida 8 . A regra é de aplicabilidade imediata, mas há normas definidoras de direitos que são claramente de eficácia limitada, como o art. 5º, XXXII, o qual prevê que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Essa “forma da lei” foi a edição posterior a Constituição que é de 1988, o Código de Defesa do Consumidor que é de 1990. Ela agora possui aplicabilidade imediata porque houve a edição, a criação da lei que promove a defesa do consumidor em todo o território nacional. Como exemplo de norma que ainda não foi regulamentada, ainda não possui aplicabilidade, temos o inciso VII, do artigo 37 da Constituição Federal que, no que tange o direito de greve dos servidores públicos, afirma: “o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”, que até hoje não foi definida. Assim, os direitos fundamentais individuais, coletivos, sociais, de nacionalidade e políticos possuem eficácia plena, são normas de vigência automática e de auto-aplicabilidade. Entretanto, o constituinte originário não explicitou em face de quem os direitos fundamentais poderiam ser opostos. Antigamente se pensava que os direitos fundamentais incidiam apenas na relação entre o cidadão e o Estado. Trata-se da chamada “eficácia vertical”, ou seja, a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre um poder “superior” (o Estado) e um “inferior” (o cidadão). Em meados do século XX, porém, surgiu na Alemanha a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que defendia a incidência destes também nas relações privadas (particular- particular). É chamada eficácia horizontal ou efeito externo dos direitos fundamentais (horizontalwirkung), também conhecida como eficácia dos direitos fundamentais contra terceiros (drittwirkung). Em suma: pode-se que dizer que os direitos fundamentais se aplicam não só nas relações entre o Estado e o cidadão (eficácia vertical), mas também nas relações entre os particulares-cidadãos (eficácia horizontal). Origens da teoria da eficácia horizontal Aceita-se como caso-líder dessa teoria o “Caso Lüth”, julgado pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão em 1958. Erich Lüth era crítico de cinema e conclamou os alemães a boicotarem 8 Normas constitucionais de eficácia plena: são aquelas que produzem a plenitude dos seus efeitos, independentemente de complementação por norma infraconstitucional. São revestidas de todos elementos necessários à sua executoriedade, tornandopossível sua aplicação de maneira direta, imediata e integral. Situam-se predominantemente entre os elementos orgânicos da Constituição. Ex: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (art. 2º da CF). Normas constitucionais de eficácia limitada (relativa complementável): São aquelas que não produzem a plenitude de seus efeitos, dependendo da integração da lei (lei integradora). Não contêm os elementos necessários para sua executoriedade, assim enquanto não forem complementadas pelo legislador a sua aplicabilidade é mediata, mas depois de complementadas tornam-se de eficácia plena. 16 um filme, dirigido por Veit Harlam, conhecido diretor da época do nazismo (dirigira, por exemplo, Jud Süβ, filme-ícone da discriminação contra os judeus). Harlam e a distribuidora do filme ingressaram com ação cominatória contra Lüth, alegando que o boicote atentava contra a ordem pública, o que era vedado pelo Código Civil alemão. Lüth foi condenado nas instâncias ordinárias, mas recorreu à Corte Constitucional. Ao fim, a queixa constitucional foi julgada procedente, pois o Tribunal entendeu que o direito fundamental à liberdade de expressão deveria prevalecer sobre a regra geral do Código Civil que protegia a ordem pública. Esse foi o primeiro caso em que se decidiu pela aplicação dos direitos fundamentais também nas relações entre os particulares (drittwirkung, eficácia horizontal) que antes eram regidas pela lei civil e não pela constitucional. 2.1. TEORIA DA EFICÁCIA DIRETA E IMEDIATA Adotada pelo Brasil, inclusive no Supremo Tribunal Federal. Segundo o que preconiza essa corrente, os direitos fundamentais se aplicam diretamente às relações entre os particulares. É dizer: os particulares são tão obrigados a cumprir os ditames dos direitos fundamentais quanto o poder público o é. As obrigações decorrentes das normas constitucionais definidoras dos direitos básicos têm por sujeito passivo o Estado (eficácia vertical) e os particulares, nas relações entre si (eficácia horizontal direta ou imediata). Na Teoria da Eficácia Direta ou Imediata, alguns direitos fundamentais podem ser aplicados às relações privadas sem que haja a necessidade de "intermediação legislativa" para a sua concretização. Alguns casos consagrados na doutrina e na jurisprudência que envolveram o questionamento a respeito da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, aos quais o judiciário entendeu como razoável a aplicação dos direitos e fundamentais às relações privadas podem ser citados, como por exemplo, a revista íntima em mulheres em fábrica de lingerie (RE 160.222-8); a exclusão de associado de cooperativa sem direito de defesa (RE 158.215-4); a discriminação de empregado brasileiro em relação ao francês na empresa "Air France", mesmo realizando atividades idênticas (RE 161.243-6). Nessa linha, o magistrado poderá se deparar com inevitável colisão de direitos fundamentais, e diante disso, indispensável será a "ponderação de interesses" à luz da razoabilidade e da concordância prática ou harmonização. Não sendo possível a harmonização, o judiciário terá que avaliar qual dos interesses deverá prevalecer. Jurisprudência: STF, Segunda Turma, RE 201.819/RJ, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJ de 27.10.2006: “SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos 17 particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais.(...)”. 3. HIERARQUIA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. As normas constitucionais são aquelas providas de supremacia, ou seja, superioridade hierárquica. Assim, todas as demais normas são infraconstitucionais, estão abaixo das normas constitucionais. Hans Kelsen 9 idealizou o sistema através de uma pirâmide, dando ao intérprete a noção de que o sistema jurídico é escalonado, com a Constituição no ápice. Para ele “toda norma infraconstitucional tem que achar sua validade constitucional.” Todos os atos legislativos infraconstitucionais serão elaborados pelos poderes instituídos que são o Executivo, Legislativo e o Judiciário. Eles só criam normas infraconstitucionais. Contudo, o legislador constituinte permitiu o poder constituinte derivado, que tem como missão reformar o texto constitucional através de emendas constitucionais, conforme o previsto no art. 60 da Constituição. Esse Poder Constituinte Derivado Reformador poderá ser iniciado pelo Presidente da República, por 1/3 do Senado ou Câmara Legislativa ou ½ das Assembleias Legislativas. Essa proposta de reforma da Constituição só poderá tratar sobre um único tema (tópico), como por exemplo Reforma do Poder Judiciário, Política ou Tributária. Uma vez proposta a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) será ela discutida em cada casa do Congresso Nacional em dois turnos e aprovadas pelo quórum qualificado 10 de 3/5 dos membros da Câmara e do Senado Federal. (2C + 2T + 3/5) A mais importante referência da Constituição de 1988 sobre direitos humanos são os parágrafos do artigo 5º, em especial o parágrafos 2º e 3º. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: Parágrafo 1º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata. Parágrafo 2º: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Republica Federativa do Brasil seja parte. Parágrafo 3º. Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes as emendas constitucionais. A redação do §2º do art. 5º revelou-se “campo minado”ao longo da recente história constitucional. Parece clara a opção do legislador constituinte, ciente de que sua obra resulta em um marco jurídico que se estende no tempo, de registrar no artigo 5o. parágrafo 2o a sua “cláusula 9 Hans Kelsen (1881-1973) foi um jurista e filósofo austríaco sendo um dos teóricos mais importantes e influentes do século XX. Autor da conhecida obra “Teoria Pura do Direito”, ele defende que o objeto do conhecimento jurídico é o Direito que representa um sistema de normas que regem a conduta humana. As normas jurídicas adquirem sentido objetivo de “dever ser”, o que põe em relevo seu caráter de imperativo, tanto de imposição como proibição apesar de existir também, outras funções deônticas. 10 Projeto de lei ordinária: Quórum maioria simples 50% + 1 dos presentes . Projeto de lei complementar: Quórum maioria absoluta 50% dos membros +1. 18 aberta” ou “cláusula de receptividade”, a qual garante a possibilidade de extensão do texto constitucional em relação a outros direitos e garantias que não estejam expressos no artigo 5o. Cabe aqui a interpretação de que outros direitos e garantias também possuam hierarquia constitucional, propiciando um verdadeiro bloco da constitucionalidade. O princípio da aplicabilidade imediata dos direitos e garantias fundamentais nos termos do parágrafo 1º do artigo 5º junto como parágrafo 2º do mesmo artigo da CF tornou possível a invocação dos tratados e convenções de direitos humanos dos quais o Brasil seja signatário se votados nos termos do parágrafo 3º após a Emenda Constitucional 45/2004 é que terão status de norma constitucional (quórum de emenda), os demais, anteriores a 2004, que não foram internalizados na legislação brasileira por este quórum qualificado serão infraconstitucionais com status de supralegal: abaixo da CF e acima de todas as outras leis ordinárias. Hierarquia é ordenação de importância. A ordem de importância que o tratado internacional é recepcionado no ordenamento jurídico brasileiro. Assim quando o tratado for de Direitos Humanos terá status (hierarquia): - de NORMA CONSTITUCIONAL quando votado no regime do parágrafo 3º. do art. 5 da CF após a EC 45/2004. - se antes da EC 45/2004 terá status de SUPRALEGAL porque foi internalizado na forma de lei, mas sem essa votação qualificada. Os demais tratados internacionais, que não de direitos humanos, são normas ordinárias. Essa é a hierarquia deles. A forma como eles são INTERNALIZADOS é diferente da HIERARQUIA deles (a posição que eles ocupam). Exemplo de tratado de direitos humanos com status supralegal é sobre a questão do Depositário Infiel 11 . O Brasil ao ratificar em 1992 à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecido como Pacto de São José da Costa Rica assinado em 1969, que entre outros estabelecia que não haverá prisão civil por dívida, exceto em obrigação alimentar, o STF entendeu que tal Pacto se tratava de norma supralegal, a qual é superior a lei ordinária, mas abaixo da CF, por isso não cabe a prisão de depositário infiel. "Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei 911/1969, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei 10.406/2002)." (RE 466.343 , Rel. Min. Cezar Peluso, voto do Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3-12-2008, Plenário, DJE de 5-6-2009.) "A subscrição pelo Brasil do Pacto de São José da Costa Rica, limitando a prisão civil por dívida ao descumprimento inescusável de prestação alimentícia, implicou a derrogação das normas estritamente legais referentes à prisão do depositário infiel." (HC 87.585 , Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 3-12-2008, Plenário, DJE de 26-6-2009.) Súmula Vinculante 25 É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito. 11 Em relação à prisão civil, a Constituição tinha aseguinte previsão, no seu art. 5º, LXVII:“não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. Contudo, considerando tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, apenas a prisão civil do devedor de alimentos é que subsiste em nosso sistema processual-constitucional. 19 4. BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE Bloco de Constitucionalidade é a somatória de diplomas legais considerados constitucionais mesmo tendo sido elaboradas em momentos diferentes da criação da constituição Duas normas no topo da pirâmide (Constituição e outra reconhecida como Emenda Constitucional) é um Bloco de Constitucionalidade Só existe um tratado com status de norma constitucional que forma o Bloco de Constitucionalide. Qual é? Decreto 6949/2009 que trata sobre a CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. 5. INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E INTERNALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Internacionalização refere-se à expansão dos Direitos Humanos. Vários países assinando e aderindo a tratados. Internalização dos Direitos Humanos refere-se a tratados vigentes dentro no Estado, do país, dentro do seu ordenamento jurídico. No Brasil, o tratado internacional (qualquer um) é internalizado por meio de Decreto Presidencial. O Congresso referenda ou não esse tratado assinado pelo Presidente, com essa confirmação o Presidente promulga o decreto 12 . Cabe ao Presidente da República tão somente assinar o documento internacional (Art. 84, VIII), que deve ser submetido ao Congresso Nacional, a quem compete resolver definitivamente sobre Tratados Internacionais, promovendo a sua internalização, conforme dispõe o Art. 49, inciso I, da Constituição Federal. Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional. Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; A execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem de um ato complexo, resultante da conjugação de duas vontades: (i) a do Congresso Nacional, que resolve definitivamente sobre tratados, mediante (artigo 49, I), e a (ii) do Presidente da República que os assina (art. 84, VIII) ratifica e promulga internamente mediante decreto depois da análise do Congresso. 12 No sistema jurídico brasileiro, os decretos são atos meramente administrativos da competência dos chefes dos poderes executivos (presidente, governadores e prefeitos). Um decreto é usualmente utilizado pelo chefe do poder executivo para fazer nomeações e regulamentações de leis (como para lhes dar cumprimento efetivo, por exemplo), entreoutras coisas. 20 Tal decreto dispensa a sanção ou promulgação por parte do Presidente da República e contém um duplo teor: a aprovação e, simultaneamente, a autorização para o Presidente da República para ratificá-lo. Portanto, os tratados, acordos e convenções internacionais, para que sejam corretamente incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, necessitam de prévia aprovação do Poder Legislativo, que exerce a função de controle e fiscalização dos atos do Executivo. Cumpre comentar alguns elementos acerca do procedimento de incorporação dos tratados em geral, e diante da emenda, em especial dos tratados de direitos humanos. O artigo 84, inciso VIII da Constituição Federal confere ao Presidente da República a competência privativa para negociar e celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos ao referendo do Congresso Nacional. Em regra, tal atribuição é exercida pelo ministro das Relações Exteriores ou pessoa designada para tal. Ainda, de acordo com o artigo 49, inciso I, é de competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos e atos internacionais. Assim, caberá primeiramente à Câmara dos Deputados, sucedida pelo Senado Federal, a aprovação dos tratados. Em ato discricionário, cabe ao Presidente da República o ato da ratificação, consubstanciado pelo depósito no âmbito internacional e pela expedição de um decreto no âmbito interno, considerado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ato fundamental para que o tratado possa surtir efeitos no ordenamento jurídico interno. Em resumo, os tratados seguem os seguintes passos: Negociação e Assinatura pelo + Aprovação pelo + Ratificação pelo Poder Executivo Poder Legislativo Poder Executivo Ultrapassada a regra geral para a incorporação dos tratados no ordenamento jurídico interno, cabe ressaltar que o legislador constituinte de 2004 deixou transparente a possibilidade de que os tratados venham a ter hierarquia constitucional caso sejam aprovados com o procedimento reservado às emendas constitucionais. Se por um lado não cabe mais dúvida acerca do status, podemos concluir que a inserção de tal norma pode conduzir à ilação de que certos tratados terão hierarquia constitucional e outros não, o que seria uma resolução descabida seja no âmbito do Direito Constitucional ou do Direito Internacional. Em dezembro de 2008, o Supremo Tribunal Federal manifestou novo entendimento sobre a incorporação de tratados de direitos humanos, já tendo por referência a nova redação constitucional. Em exame aos Recursos Extraordinários (REs) nº 349703 e nº466343, estendeu a proibição de prisão civil por dívida (art. 5º, inc. LXVII CF) ao caso do depositário infiel. É no contexto de tais decisões que firmou entendimento de que os tratados possuem status de supralegalidade. Nesse sentido, apenas os tratados que forem aprovados em conformidade com o parágrafo 3º do art. 5º é que adquirem status constitucional. Resumindo diferença entre internalização e hierarquia do tratado: Internalização: Todos os tratados são internalizados pela assinatura do Presidente (competência do Executivo) que depois envia para o Congresso Nacional aprovar através de um decreto legislativo (competência do Legislativo) para somente depois o Presidente promulgar através de um decreto e depois publicar no Diário Oficial. O assunto (direitos humanos ou não) e o quórum de votação do 21 Congresso (qualificado, maioria simples ou maioria absoluta) é que irão determinar a HIERARQUIA dessa norma. Hierarquia: (i) Tratados internacionais sobre os mais diversos assuntos é hierarquia de lei ordinária. (ii) Todos os tratados anteriores a EC 45/2004, se for de direitos humanos será supralegal – abaixo da CF e acima de todas as outras. (iii) Após a EC 45/2004 se for de direitos humanos votado com quórum de emenda constitucional (art. 5º. parágrafo 3º. – 3/5 + 2T + 2C) terá status e hierarquia de norma constitucional. Único até agora como norma constitucional é o Decreto 6949/2009 – Tratado Internacional de Direitos Humanos sobre Portadores de Deficiência Física, que junto com a Constituição forma um Bloco de Constitucionalidade. 6. A FEDERALIZAÇÃO DOS CRIMES CONTRA OS DIREITOS HUMANOS Também conhecido como Incidente de Deslocamento de Competência (IDC), é uma novação introduzida pela Emenda Constitucional 45/2004. De acordo com a Constituição de 1988 nos artigos: - art. 1.º, III a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil. - art. 4.º, II, VIII e IX O Brasil rege-se, em suas relações internacionais rege-se dentre outros, pelos princípios da prevalência dos direitos humanos, do repúdio ao terrorismo e ao racismo e pela cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. - art. 34, VII, “b” os direitos da pessoa humana foram erigidos a princípios constitucionais sensíveis, a ensejar até mesmo a intervenção federal nos Estados que os estiverem violando. - art. 21, I, a União é que se responsabiliza, em nome da República Federativa do Brasil, pelas regras e preceitos fixados nos tratados internacionais. Assim, na hipótese de descumprimento e afronta a direitos humanos no território brasileiro, a única e exclusiva responsável, no plano internacional, será a União, não podendo invocar a cláusula federativa, nem mesmo “lavar as mãos” dizendo ser problema do Estado ou do Município. Isso não é aceito no âmbito internacional. Diante desse contexto, a Reforma do Poder Judiciário que foi efetuada pela Emenda Constitucional n. 45/2004, adequo o funcionamento do Judiciário brasileiro ao sistema de proteção internacional dos direitos humanos, estabeleceu no art. 109, inciso V, § 5º que nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal. A finalidade da federalização dos crimes contra os direitos humanos é a de assegurar uma proteção efetiva aos direitos humanos e o cumprimento das obrigações assumidas pelo Brasil em tratados internacionais Flávia Piovesan explica nos seguintes termos: “para os Estados, ao revés, cujas instituições mostrarem-se falhas ou omissas, restará configurada a hipótese de deslocamento de competência para a esfera federal, o que: a) assegurará maior proteção à vítima; b) estimulará melhor funcionamento das instituições locais em casos futuros; c) gerará a expectativa de resposta efetiva das instituições federais; 22 d) se ambas as instituições — estadual/federal — mostrarem-se falhas ou omissas, daí, sim, será acionável a esfera internacional — contudo, com a possibilidade de, ao menos, dar-se a chance à União de responder ao conflito, esgotando-se a responsabilidade primária do Estado (o que ensejaria a responsabilidade subsidiária da comunidade internacional). Isto equacionará, ademais, a posição da União no contexto de responsabilidade internacional em matéria de direitos humanos”. Como se realizará isso? Através do procedimento de deslocamento de competência da Justiça Estadual (ou Distrital) para a Federal. O incidente, que poderá ser suscitado pelo Procurador-Geral da República, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou do processo, é medida de caráter excepcional e só poderá ser admitida em casos de extrema gravidade,
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