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c Estudos Historicos Fernando A. Novais Carlos Guilherme Mota A INDEPENDENCIA POLITICA DO BRASIL 2.3 edi~ao EDITORA HUCITEC Estudos Hist6ricos Atraves desta visa-se a dar maior divulgat;:ao as mais recentes pesquisas realizadas entrc n{)s, nos domlnios de Clio, bern como, atraves de cuidadosas rradw;:ocs, por ao de um maior pllblico ledor as mais significativas produyoes da historiografla mundial. No primciro caso, j;l foram publicadas teses universidrias, llue vinham circulando em edit;:oes mimeografadas; no segundo, rradily()cs de alltores como Paul Mantoux e Manuel Moreno haginals. Entre lIns e au tros, isto e, entre a historiografla brasileira e a estrangeira, a colct;:ao tambem procurad divulgar trabalhos de estrangeiros sabre 0 Brasil, isto e, de "brasilianistas", bem como estudos brasileiros mais abrangentes, que expressem a nova visao de mundo. oLltras projetam-se coictineas textos para a ensino superior. A metodologia da historia devera ser devidamente contemplada. Como se ve, 0 ptojeto e ambicioso, e se desrina nao apenas aos aprendizes c mestres do ofieio historiador, mas ao ptiblico cultivado em gcral, que cada vez mais vai sentindo a necessidade e imporrancia estudos historicos. Nem poderia ser de outra forma: conhecer 0 passado e a lmica maneira de nos libertarmos dele, isto e, destruir os seus mitos. 1 ...... _ .. __ .. __ 1111111111111111111111111111111111111111 109718 EDITORA HUCITEC I 9 7 I.S Il 11)( ),1) J I ISrCmlCOS 11111 ( 1'\1 CXrALOGO IIlwi/litI C%llitll (J 777-18(8), Fernando A. Novais II< /iTllillim de Slio Palllo, FHvio A. M. de Saes 11i,lllrid (' till Cidluie de Silo Pmt/o, Emani Silva Bruno, 3 volumes h'millilltl lUi Rio 110 Secu/IJ XIX, Miriam Moreira Leite SilO Pllulo, 1845-1895, Zelia Maria Cardoso de i\1cHo TiJCidides \il!'ir,; r (/ \fisilo do Barraco, Luis Palaci 11 .. I el,1 7iTrrI 110 UnivCI:w tla P"breztl, Luiza Rios Ricci Voipaw () (;1 do i:Sltlclo limar Rohl"li" dc "1:n.tos /1 Xv'!!!, Paul ( ) ( "t/,eirm (' CllTOCtirw (I [11mI'm l.il!},(S illl Rio rll' Sod,opcs (' h'Cl(/liOS), Ana 1\1aria da Sik! "[Our:l lid Rlfd (A !V0I,'1i hlee ria Ercr{/liI'diio), 1\Lmicl1c ]{ma tla Silva (A FOrln,le,/o rill i5nNI J\1anucl ,\10!ClHl Ildia'r ri,l eOII({,Il/m,.,'1I Jutllistrifd el1/ S,lO !'rlltlO, \Vi!s,,1l Cano ( ) (' (,'lIurcims: h'lIr/o-('/('riealirlllo t' IliLiri" h'lIlco Jt'lnior clf/S A1irldS Gemi, I/O Sllm/o XVI!!, 1\bralda Zcmdb (' f)"I',uliilcltl (1850-1920), Barbara Wcinstcin Ill! /lra.ri/, DenisI.' Monrciro A INDEPENDENCIA POLITICA DO BRASIL FERNANDO A. NOVAIS CARLOS GUILHERME MOTA A INDEPENDENCIA POLITICA DC) BRASIL 2:1 ...-----............... --...._....--. BIBLtOTECA PlOt. Haddock Ldo NEi:o TCMEO: J09 ·ilS DATA: .Jll,~~ EDITORA IIUCITEC Paulo, 1996 I ~) I lUI'ito, 1 :)95, EtiimrJ de HlllnalliSlllu, Cionei" Tecilologia HUCITEC Ilda, Ru" (;i1 biles, 715 - 04601·042 S,io Paul", Brasil. TdcfollC (011)543-0653, Vembs (011)'530.45:32, be-s1IHii" (01 J)5,30-5938, ISBN H5-271.0321-4 roi I('ito 0 legaL Cclilor"f'flO detronim: Ouripcdcs Gallenc. primeira destc liveo f()i publicada pcla Editor" il'loderna, Sao Paul", SUIvlARIO o contexro 2 0 proCt':sso 3 0 proccsso Conclusocs . 9 15 35 ('~ )/ I'll 85 I , INTRODUC;Ao I , "Quem viu uma eoisa ser e nao ser ao rnesmo tempo)" Padre Francisco de vig~irio cia Vila do Lirnoeiro, em 181 A INDEPENDf,NCIA continua sendo um dos temas mais con- 1l.. trovertidos e complexos da historia do Brasil. Estudos es- pecfficos VaG esmiuc;ando quadros economicos, conjunturas po- Ifticas, vida instirucional e historias de vida dos participantes. Muito ja se escreveu tambem sobre 0 sentido e os Ii miles histo- ricos do processo de emancipac;ao, em que avultam os episodios de 1822 centrados nas atuac;oes Pedro I, Jose Bonifacio e alguns outros personagens. Mais recentemente, e1aboraram-se analises rigorosas situando a "nossa independencia" num processo historico mais amplo de descolonizac;ao acelerada e radical, nos marcos da Era das Revo- luc;6es ocorrida na Europa ocidental e na America. estu- dos, que ampliaram a cena historica luso-brasileira, resgataram a "longa durac;ao" dos processos sociais, politicos, ideologicos, eco- nomicos e institucionais, constatando a continuidade da acele- rac;ao historica que projerou 0 Brasil do Antigo Sistema Colonial para os quadros do imperialismo da potencia mais industriali- zada cia epoca, a Inglaterra (datas de referencia: 1810 e 1827). II 12 INTRODlJ(:Ao Uma independencia rdativa? e55a parece ser urna das ques- toes mais freqi.ientemente lcvantadas quando se focaliza a histo- ria do pedodo. E, se 0 Brasil continua ecol1omicamente "de- pendente" dos centros externos - perdurando uma de suas mais marcantes caractedsticas historicas nao sena licito sonegar a importancia, nos limites daqucla epoca, dos processos politicos e ideologicos em que avultaram 0 pensamento c a a<;ao do esta- dista Jose Bonifacio e do revolucionario Frei Cancca, duas per- sonalidades maiores da historia latino-americana. Nao se aceita, neste estudo, a visao finalista segundo a qual as rebdi6es do periodo coloniallevariam "inevilavelmente" a il1- dependencia de 1822 e a abdica<;ao de Pedro I em 1831. Mas enfatiza-se 0 que h:i de espedfieo no Antigo Sistema Colonial, com estrurura e dinamica propnas, bern C0l110 as particularida- des das ideologias e institui<;:oes politicas da epoea. Em qualquer hip6tese, proeuramos chamar a aten<;:ao dos jo- yens estudiosos c leitores preocupados com a questao das "de- pendencias", com a autonomiza~ao em paises do Terceiro Mundo e com a "questao nacional", para certas particularidades da his- t6ria do Brasil. Eo momento da lndependencia assim como o das Revolllr;oes Francesas Oll 0 da Revolw:;:ao Americana e rico em sugestoes para urn urgente reaquecimenro da imagina- polftica e da critica ideologica. Sobrerudo quando se recor- da que a independencia do Brasil ocorrcu no bojo da primeira grande vaga insurrei~oes do seculo passado, com desdobra- mentos profundos. Resta 0 problema historico, politico e ideo16gico: 0 que resga- tar do processo da independencia de 1822? A semelham;:a do 14 de Julho dos franccses, do 4 de Julho dos norte-americanos ou do 26 de Julho dos cubanos, comemorar 0 que em nossas fcstas clvi- cas de 7 de Sctembro? Que "memoria" deve scr "recuperada"? I 13 Ora, 0 cad.ter amhiguo e contradit(Jrio do l110Vimellto de indcpendencia e, portanto, de sua ideologia c prenhe de C0115C- quencias. Liberal, 0 movimento rompeu com a dominar;ao co- lonial; mas foi extremamente conservador, mantcndo a escravi- dao e a dominayao do senhoriato. E foi nacional, por criar a "nayao", fabricar;ao ideologica do senboriato para mallter sua rfgida domina<;:ao social e politica. Quem desejou ir alem mor- rell, como Frei Cancel. F, quem nao aceitou as regras do novo patronato politico foi alijado do processo, como Pedro I, obri- gado a ahdicar e retomar a Portugal em 1831. Assim, desde qLle foi posta historicamente pcb primeira vez, a independencia do Brasil uma quesrao ainda nao resolvida constitui urn problema complexo e tUI1111ltUOSO. Vamos ver e55a hist6ria sob tfCs angulos: 1. 0 contexto, 2. U processo politi- co, 3. 0 processo ideologico. 1 OCONTEXTO " A REVOLU(AO retrocedeu pela passagem de Sua Majestade Fi- n ddissima para 0 Brasil, e a do rio da Prara reU111U de novo os elemcntos. ( ... ) A de Espanha e suas colonias, mcsma origem, variou contudo nos resultados. Portu- sem 0 poder real, 0 mais concentrado possivel, nao po de con- servar suas colonias, e por conscqiiencia, sua independencia". Sao expressocs dc um panf1eto famoso!,contemporaneo do movi- mento de emancipa'rao polltica. Duas implica'r0es sao para retcr desses passos do doutrinario coevo: escrevendo pouco depois da prodama'rao da independencia de setembro dc 1822), ClSCO Y Mariscal a via no contexto de um proccsso amplo, que se muito antes, e cujo curso fora pcb migra'rao da Cortc portuguesa para a Amcflca; c, caso umco na hist6ria, a colonia passando a cabe'ra do Imperio, 0 conHito da separa'rao assumia carater peculiar. Sao, ainda hojc, questoes preliminares a qualquer estudo que a uma sintese compreensiva da emancipa'rao politica da portuguesa: situar 0 processo politico da separa~ao colonia-me- tr6pole no contexto global de parte, e que lhc da c, 56 acompanhar 0 cncaminhamcnto das for'ras em jogo, sua peculiaridade. I Francisco de Sierra y Mariscal. "Tdeias sobre a Revoluc;ao do Brasil e suas Conse- (1823). Anais da Biblioteca NacionaL Rio de Janeiro, 1920, v. l7 18 0 CONTEXTO Assumindo esra postura, pode 0 historiador 0 pro- blema do recorte cronol6gico, ou antes, da de sell objeto de Pais c claro que a ddimita<;:Jo temporal £lu- tua, ou se contraindo, segundo a concep<;:ao que se encampe do fenomeno a ser estudado. E, de fato, como indica a mais recenre e alentada obra de conjunto sobre a historia da independencia do Brasil2, a historiografia apresentou, desde 0 lL1lC10, essa seja na data<;:Jn da abertura do processo, seja na de seu encerramento: ora englobando todo 0 perfodo de D. Joao VI no Brasil e levando 0 estudo ate os limites do regencial (1831 1840); ora restringindo-se aos entre 1821 (volta D. Joao para a Europa) e I reconhecimento). Mais ainda, preferindo a segunda (perfodo 0 autor da importante obra lembra na historiografia, as autores que preferem a periodiza<;:ao mais lon- ga vinculam-se a uma perspectiva conservadora, que acentua a continuidade, a perspectiva liberal explicitaria a rup- tura, sendo por isso mesmo a preferida. Ora, colocada a questao nessa dicotol11ia, fica de f(Ha urn terceiro call1inho, que mente nos pareee 0 mais acertado: Cl1carar a indepcndencia como momento ele um fongo processo de ruptura, ou seja, a do sistema colonial e a montagem do Estado nacional. CUll1pre portanto explicitar, ainda que sinteticamente, a es- trutura que se e a nova configura<;:ao que se mando, para situar e tentar compreender 0 processo de ge111, isto e, 0 movimento da independencia, Examinados damenre e em si mesmos, os eventos que levaram a entre a colonia e a sem el1<.1uadd-la no conrexto lndependhlcia: Revolu(iio e Contra-Revolu(ao. 5 v. Jose I-Ionorio n.')\.ai~,u\"o Rio de Janeiro, I o CON rEXTO 19 maior de quc hlZCl11 parte, tem dado lugar a lima viSJO do pro- I · A' '()'" ccsso em g lle 0 aca,o gan 1a lmportallCla, Oll os enos Oll acer- toS" dos govcrnantes passam a ser elemenros decisivos dc C0111- preensao. pela invasao das uopas napolconicas, a portu- guesa, protegida pela esquadra inglesa, migrou para sua coitlilia em fins de 1807 e inleios de 1 . Ocupada a me- tr6pole pdo invasor estrangeiro, nao havia senao momar, 11a 110va rodo 0 aparato do Estado, e abrir os ponos da colo- ma ao . inrernacional (isto e, das amigas"). Mas do invasor na metr6pole (I81 ,coincidindo com a do Brasil a categoria de Reino Unido (1815), trouxe a 1m a situa<;:ao, em que se invertiam as posi<r6es; a in- D. Joao VI em manter tal sirua<;:ao levaria a revolu- liheral de 1820 em Portugal, pressionando a uma op<;:ao. Para cscapar disso, D. Joao VI, ao regressar a Europa, teria acon- selhado seu fllho, 0 principe regenre D. Pcdro, a cingir a Coroa do Brasil, "antes que algum aventul'eiro lance mao dela". Como D. Pedro era herdeiro da Coroa ponuguesa, 0 din;isti- co se salvaria, recompondo-se, com 0 tempo, a cnllllr'"n dinastica" nao resolvia os problemas do mantida a unidade? Ora, nas Mas a em de Lis-que boa, revolu<;:ao liberal, 0 problema nao era apenas mas tambcm politico. Assim, 0 que se intenta, uma vez imposta ao rei a volta a metr6pole, e a recoloniza<;:ao do Brasil. Dai a das elites brasileiras, que conseguem envol- ver em seu movimento 0 principe D. Pedro, que guardara no espirito os conceitos do pai - e proclamou a independencia. Mas os problemas persistiam, em suas dimens6es dinastica e politica, e a possibilidade de reunir as Coroas paula tina- mente por incompatibilizar 0 Principe com a recem-criada; 20 0 CONTEXTO C, ao mcsmo tempo, abria, elll POrt ahsolutisra de 1 ;.),13 FIlIII:! (I .:( , Cllllinho a reac;ao ,j bdiGl11do em -183 J , D, ! i] .'1 \'(' [.I " 1\) paLl dispurar 0 trona a seu irm~lo, D. absolunsta, disputa se prolonga ate 1 corn a vit6ria liberal. Pouco depois morria, aos 36 an05, esse quixotesco D, Pedro I (IV, em Portugal), proclamador inde- pendencia do Brasil e implantador do liberalismo em Portugal, desamado em sua patria de origem, que 0 acolheu, e heroi na sua patria de que 0 expulsou, "afeto" dos brasileiros e esse "desamor" dos portugueses pela mesma personagem, envolvida na dramatica de acontecimentos, esra a indicar a precariedadc dessa visao do pro- cesso, cristalizada na mentalidadc coleriva dos do is povos, e dai para a historiografia, Os descaminhos ideologicos da mem6ria social sao as vezes insolitos, e a vertente conservadora da hisro- riografia tendeu sempre a enfatizar a importancia da "participa- c;ao porruguesa" na independencia do Brasil. Esta a sua peculia- ridade: foi uma iniciativa da metr6pole, uma de seu principe. E dal a supor e depois afirmar que a €olonizac;ao por- fora na realidade a criadora da nac;ao, 0 passo e curto. Assim, a historia da colonia comec;a a ser lida como algo nado, des de 0 inieio, a desaguar na independencia pacional, Bum CurlOso exerdcio de profecia do passado. colonizac;ao nao envolvia explorac;ao CIte porque a metropole nao se desen- volvera), mas 0 semear da flltura nac;ao que, como uma num dado momento, amadurece para a secessao. Assim os conl1itos desaparecem, as tensaes se esfumam, a rup- tura se apaga; tudo se aplana na harmonia da continuidade. Mas, infclizmente, 0 curso da hist6ria envolve, sempre e ao mesmo tempo, contitluidade (no nlvcl dos eventos) e ruptura (no das estruturas) e compreende-Io pressup6e articular os dois 111- 1 o CONTEXTO 21 veis. Para ten tar essa dincil articub,,'3o, c bom tel' scm pre pre- sente ° movimento das estruturas (ria 0 qU;Jc!t-o de possibi- lidades, dentro do qual se produzem os acol1tl:cimentos, pois, se os homens a his nao a fazem como quercm. Dar sentido a de eventos acima descrita impliea, pois, situ a-los nos movimentos de fundo, de que sao a express30 superficial. Atentemos, prcliminarmente, para os pontos inicial e final do processo de emancipas:5.o. No inieio, a extensa colonia pequena metr6polc absolutista; no fim, a nova nac;ao politica- mente indcpendente e a implantac;ao do liberalismo na antiga metr6pole. I-H, portanto, cerra liga<;:ao entre 0 vinculo colonial e 0 absolutismo, da rnesma forma que entre a independcncia e o liberalismo, tanto que, ao se romper aqucle vinculo, emra em colapso a monarquia absolutista na metr6pole. Eo movimento independeneia do Brasil foi pn:cisamente () cncaminhJmcll- to da passagcm de uma para out!";1 Cumpre, pois, exa- minar, em sua estrLltura<;:ao interna, 0 contexto inicial do pro- cesso e, depois, analisar os mecanismos da lJa,O'O"'I~\. o Antigo Sistema Colonial e sua crise Colomalismo e absolurismo se articulam, na medida ern que a eolonizac;ao do Noyo Mundo na epoca modern a desenvolveu- se dominantemente sob 0 patrodnio dos Estaclos absolutistas em formac;ao na Europa. A rigor, a expansao ultramarina, que depois se desdobraria em coloniza<;:ao, ocone paralela e con- temporaneamente a forma<;:ao dos Estados nacionais, no regi- me de monarquias absolutistas; e ambos osprocessos expall- sao ultramarina e forma<;:J.o das monarquias reportam-se ao meslllo suhstraco COll1Llll1, a crise do feudalismo, e sao {ormas de superac;ao dessa crise. o CONTEXTO A superas;ao da crise do mundo feudal envolveu urn alarga- mento mercados em escala l11undial, tendo por centro a Eu- ropa, mas uma Europa dividida em Estados nacionais em fran- ca competic;:ao. A centralizac;:ao polftica, na medida em que se dcsenvolvc, rcstabelece ;1 ordclll social cstamental afetada peb crise e implementa a saiLh ecol1omica em ao Oriente, a Africa e ao Novo Mundo. Na nova cstrutllr': que sc vai confor- man do, a circulac;:ao do capital comcrcial comanda 0 processo economico, mas nao domina a prodw;:au; vai depender do apoio do Estado para manter 0 rirmo de acul11ula<;:Jo. Estado abso- lurisra, porque cennalizado, rem condi<;:6es para realizar essa polftica expansao, ao mesmo tempo que precisa realiza-Ia, por que se forma em competic;:ao com Olltros Esrados. A politi- ca mercantilista estabelece, portanto, a coneX30 entre Estado centralizado e aCllmuia<;-ao de capital comercial. Nesse contexto, a coloniza<;:ao vai assumindo sua forma mer- canrilista, isto e, vai se constituindo em uma das ferramentas para acelerar a acumula<;:ao primitiva (isto e, acumuh<;:ao previa necessaria a forma<;:ao do capitalismo) capital comercial nas areas centrais do sistema. 0 mecanismo pelo qual se processava a aCllmulas:ao originaria praticado metr6polc com rela<;:ao a colonia era 0 regime do comercio exclusivo ou seja, a reserva do mercado colonial para os mercados metropolitanos, 0 que, para ser garantido, exigia a domina<;:ao polftica das metr6poles sobre as colonias; e, como decon2ncia, para engendrar, nJS co- lonias, uma prodLH;:ao mercantil que propiciasse :1 acumula~ao IlaS metr6poles, 0 trabalho sc em vanos graus de com- pulsao, tendendo 0 escravismo. Eis al as pe<;:as do Antigo Sistema Colonial: domina<;:ao polf- rica, comercio exclusivo e trabalho compuls6rio. Assim se pro- movia a acumula<;:ao de capital no centro do sistema. Mas, ao ·-1 I o CONTEXTO prornove-la, criam-se ao mesmo as cOlldi~~6cs para a emer- gcncia final do capitalismo, isto e, para a eclos;Jo da Revolu<;:ao Industrial. E, dessa forma, 0 sistema de explora<;:ao colonial en- gendrava sua propria crise, pois 0 desellvolvilm:nto do incills- trialismo torna-se pouco a pouco incompativel com 0 comercio exclusivo, com a escravidao e com a d0l11ina<;:~10 politica, enfirn com 0 An Sistema Colonial. Tal eo movimento contradito- rio do sistema: ao se desenvolver, desemboca em sua crise, cnca- minhando-se sua supcrac;:ao. A crise nao ocorre scm a supera- <;:ao, pflripassu, do absolurismo, que era a base de sustenta\:ao coloniza<;::lo mercantilista. A crise do Antigo Sistema ColoniaP parece, portanto, ser 0 mecanismo de base que lastreia 0 fenomeno da separac;:ao clas colonias. E deb que se deve partir, se se quer compreender a independcncia do Brasil de forma a ultrapassar uma visao su- perficial dos eventos; 0 mecanisl110 fundo oferece 0 qlladro estrutural, e, por meio aproximac;:6es sucessivas, podemos focalil.ar oLltra vez os acontecimentos da separa<;:ao entre a me- tr6pole e a colonia. Tentemos, entao, 0 caminho reapro- xima<;:ao. Trata-se, antes de tudo, de inserir 0 movimento de indepen- dcncia no quadro geral da crise do colonialismo mercantilista; e, num plano mais largo, da desintegra<;:ao do Antigo Regime como um todo. Pois que 0 sistema colonial era parte integrante e articulado nessa estrutura global- chamada por Wallerstein de "Modern world system" e sua crise e sua separa<;:ao corre- ram paralclas a desintegrac;:ao do absolutismo. Os mecanismos de base, ja explicitados, operam no conjunto, mas expressam-se 3 Fernando A. Novais. Esttutltta e Dindmica do Antigo Sistemli Colonial. Sao Paulo, Caderno CEBRAP n." 17, 1974. 24 0 CONTEXTO diversamente nos varios segmentos particulares. Assim, eo con- junto da explora<;:ao colonial.que estimula 0 conjunto das eco- nomias ci':ntricas; mas, na assimila<;:ao desses estimulos, compe- tern vigorosamente os varios Estados europeus. As vantagens da explorac;ao de uma colonia nao se localizam necessariamente na respectiva metropolc, podendo ser transferidas para outros pa- los. E este e precisamente 0 caso dos paises ibericos, pioneiros na colonizac;ao, mas deciinantes a partir do seculo XVII, especial- mente Portugal. Seria ocioso retomar aqui os estudos sobre 0 "colonialismo informal" cbs rela<;:oes anglo-portuguesas a partir dos tratados de 1641 e seguintes. Igualmente, a maneira pela qual a crise se manifesta no caso I uso-brasileiro tinha de assumir forma peculiar; aparece como que induzida de fora para dentro, quando na realidade se processa do todo para a parte. Mas essa posi<;:ao de Portugal (e de suas colonias) no contexte do "Modern world system" e ja 0 primeiro passo em nossa ana- lise. Estando em deciinio Portugal desde 0 seculo XVII, a pre- serva<;:ao da extensa colbnia ia-se tornando cada vez mais im- prescindivel a manutenc;ao do Estado metropolitano na Euro- pa; a cessao de vantagens no comercio colonial era sua moeda nas negociac;oes de alian<;:as, sobretudo a alianc;a inglesa. Mas, na medida em que se desenvolve 0 sistema e se encaminha para a constitui<;:ao do capitalismo industrial, nao fica a margem: e afetado, de um lado, pelos influxos do industrialismo nascente; de outro, pelo pensamento que se contrapoe ao absolutismo, isto e, pelas incidencias de filosofia das Luzes. A pressao de industrialismo ingles, a presen<;:a das ideias re- formistas da Ilustrac;ao francesa (atraves dos "estrangeirados") e, enfim, as tropas napoleonicas do general Junot nos desdobra- mentos da Revolu<;:ao em curso no Ocidente - assim Portugal e Brasil vaG sendo envolvidos no torvelinho da crise do absolu- , , j o CONTEXTO 25 tismo e do colonialismo mercantilista. 0 dcscnvolvimento eco- nomico da colonia, ainda que nos moldcs dc LIma economia colonial tipica, acaba desencadeando tensoes, que se ;1gravam com a emergencia do industrialismo moderno. Os colonos co- me<;:am a se sentir mais "brasileiros" que portugueses l1a colonia - "nao e das piores desgra<;:as 0 viver em colonias", diria urn deles, 0 professor Luiz dos Santos Vilhena, em 1802". 0 mes- mo pensamento ilustrado que inspira reformas na metropole estimula rebeldia e insurrei<;:oes na colonia, que a mesma forma de pensar pode sofrer varias leituras, ate mesmo contrastantes. Nada mais tipico dessa ambigiiidade que as leituras metropoli- tar1a e colonial da obra entre todas famosa de Raynal. Os mecanismos de fundo - a transi<;:ao para 0 capitalismo -, em seu processo essencialmente contraditorio, engendra- yam pois tensoes que, a partir de certo momento (segunda me- tade do seculo XVIII), desencadeiam conflitos, obrigando rea- justamentos no todo e nas partes. 0 fa to de a transi<;:ao ter se completado primeiro num ponto do sistcma -;l Inghtcrra- complier incxtricavclmente a trama de tensoes e conflitos. A independencia dos Estados Unidos (1776, ann em que se pu- blica A Riqueza daj' Ml~';;es, de Adam Smith, matriz da nova economia politica) marca a abertura da crise do Antigo Regime e do Antigo Sistema Colonial; na Europa e na America, no Ve- Iho e no Novo Mundo, desenvolvem-se paralelamenre as refor- mas e desencadeiam-se as insurrei<;:oes. Reforma e revolu<;:ao aparecem, assim, como vertentes do mesmo processo de reajustamento e ruptura na passagem para 0 capitalismo moderno, na segunda metade de Setecentos e primeira 4 Luiz dos Santos Vilhena. Recopilflriio de Notfcias Soteropo/itanas e Brasf/i- cas (1802) 2.' ed. Salvador, 1921. 26 0 CONTEXTO de Oitocentos. E, com eteito. 0 "despotismo esclarccido" esfor- -;:ava-sc em promover, ao meSlllO tempo. a moderniza-;:io do IlIelJ 807, pOl' que j~trz;irirl do lpirrlilg,ll': de Pedro A meric(} , II(} Brasil o CONTEXTO 27 absolutismo metropolitano e aberturas no sistema coloniaL Por- tugal enveredou muito cedo por esse caminho, a partir do "con- sulado" pombalino (1750), mas e sobretucio a partir de (queda do marques de Pombal, ap6s a morte de D. Jose) que se estimula mais cla1'amente a nova politica colonial do reformismo ilustrado. Tal reformis1110, entretanto, nio logra abrandar, antes :;cen tua as lensi:Jes, e as "inconfidencias" 111a1'cam 0 contrapon to revolucionario do ptocesso". Essas as linhas de for<;a que se de- senla<;am com a vinda da Corte para 0 Brasil, em 1807. Pode-se ainda que sinteticamente, delinear as for<;as e111 p1'esen<;a na abertura do processo de independentiza<;ao da colo- nia. Os mecanismos de fundo, como se procurou indicar, acen- tuavam a tensao entre a colonia e a metr6pole, que em dete1'111i- nadas condi<;6es podiam chegarao conflito; mas essa tensao b~isica se desdob1'a em outras. Eferivamente, no Antigo Sistema Colo- nial, entre a "metro pole" , ISto e, os colonizadores, c a "colonia" isto e, os colonizacios, situavam-se os colol1os, ou seja, a camada dominante na colonia. Essa Glmada social e que encarnava (como projeto politico) os da "colonia", e se contrapunha a maSS;} escrava, esta sim "colonizada". A tensao colonia-metr6po- Ie se desdobrava, enrao, em tcnsao entre scnhores e escravos. Alcm disso, na metr6polc, os intcresses ligados ao comcrcio colonial, cmpenhados na manutenc;ao do pacto, se associavam ou se opunham a interesses de (Jutras estratos sociais (campesi- nato, produrores independentes, plebe urbana . 0 Estado rcf()f1l1ista ilustrado procurava medial' e equilibrar esse feixe de inte1'esscs conflitantes. No caso de Portugal, a situa<;ao se com- plica, pois :1 e~sas se som:lm os interesses do illdustrialisl1lo , Kenneth Maxwell. Conjlits and Conspiracies: Brazil and Portugal (1750- 1808). Cambridge, Cambridge Univ. Press, 1973. 28 0 CONTDCTO inglcs em ascensao. No Brasil, entre a mass a escrava e 0 senho- ri:lto, toda uma heterogenea e flutuante camada de fllncionarios, profissionais liberais, plebe urbana etc. ten de a tornar mais com- plexo 0 quadro de tensoes no encaminhamento do processo. Vias de passagem Observado em conjunto, 0 complexo processo de des:ltamen- to dos lac;:os coloniais da America, que se desenrola a partir da segunda metade do scculo XVIII e durante as tres prirneiras decadas do XIX, apresenta v~lrias vias de passagem, que corres- pondel11 as diversas maneiras de como se compuseram aquelas f()f(ras em jogo, equal das varias tensoes predominou 110 confli- to e, porranto, qual grupo ou c!asse sociallogrou a hegemonia no processo de emancipac;ao. Tentemos fixar tais variac;oes: a situac;ao-limi te, sem duvida, c :lqllela em que a tensao entre senhores e escravos sobrepoe-se a todas as outras e 0 processo radicaliza-se e aprofunch-se nunla convulsao social: tal 0 caminho da revoluc;ao negra de Santo Domingo (atual Haiti), liderada por Toussaint-LouYCrlure e, depois, por Dessalincs. 0 levJ.nte dos cscravos VarreLl a domina- <;:ao dos colol1os, resistiu a invasao inglesa e expulsou 0 exercito enviado por Napoleao para a reconquista da ilha. No p610 opos- to, a tensao entre metropole e colt)J1ia ganha a preeminel1cia, mas e a metropole que vence a contenda: cstc C 0 caso das colo- nias inglesas clas Anti/has, em que :1 metropo!c - por ser 0 centro das rr;lllsformac;ocs, em plel10 curso da Reyolu<;:ao In- dustrial, e deter 0 predominio ecol1omico - consegue COl1lan- dar 0 processo, abandonando 0 exc!uslvo, suprimindo 0 tdJico ncgreiro e depois a escravidao, e ainda podendo se dar ao luxo de manter 0 estatuto politico das colonias. o CONTEXTO 29 Entre as duas situac;oes-limite, alinham-sc :lquclas em que a tensao ll1etropole-colonia foi a prepondcral1lC ~ubrc as demais questoes, mas sao as colonias que levall1 a palm;!, e este e 0 caso das colonias espanholas e portuguesas, como anteriormente ja tinha sido das treze colonias inglesas da America setentrional. Deixemos de lado certas situac;oes residuais, em que a metro po- Ie, ainda que nao hegemonica no conjunto, logra manter os lac;:os coloniais: e 0 caso de Cuba e Porto Rico, que se ll1antem presas J Espanha. C/li:gIU!tl (' reglSlro de CSClifIJOS Iftl alj:llldega do Rio dejtlllem), porjo/111I1i1 /,,/om;: Rugendm (J 802-1858). Vale fixar, n(,SS:1 medida, para uma aproxil1lac;:ao maior do modclo Iuso-hra<;ileiro, aque/a tercei!,;1 via a que sc rderiu aci- I1U: :1 lcm:lu lllctropole-coionia sobrelcY:1 as dcmais, C :1 colonia se independentiza, isto e, a carnada social de colonos consegue assumir a hegemonia na conduc;:ao do processo de passagem, 30 0 CONTEXTO Aqui, tres possibilidades se abrem: primeira, a emancipa<;:ao se da sob a forma republicana de governo e se abole a escravidao, e eo caso das colonias espanholas; segunda, sob a forma republi- cana, mantem-se a escravidao, e fora 0 caso dos Estados Unidos da America; terceira, a liberta<;:ao da colonia mantem a monar- quia e preserva a escravidao, e este e 0 caso do Brasil. A compo- si<;:ao de for<;:as que foram se articulando no curso do processo para chegar a tal resultado e 0 que podemos agora analisar. Na segunda metade do seculo XVIII, impulsionadas pelos mecanismos estruturais da forma<;:ao do capitalismo moderno, as tensoes sociais agravam-se na Europa e nas colonias do Novo Mundo, e 0 encaminhamento politico dessas tensoes levou, de um lado, ao reformismo da Ilustra<;:ao e, de outro, as tentativas revolucionarias. A partir da independencia dos Estados Unidos, agudizam-se as tensoes e acelera-se 0 processo, para atingir na Revolu<;:ao Francesa 0 seu ponto mais fundo de radicaliza<;:ao; ao mesmo tempo, estabilizando-se no Consulado, 0 movimento revolucionario tornar-se-ia expansionista, atingindo Portugal (aliado da Inglaterra, que procurava conter ess~ expansionismo) em 1807. Reformas, insurrei<;:oes e guerras internacionais perten- cem po is ao mesmo e complexo processo de ruptura do Antigo Regime e do nascimento da sociedade burguesa contemporanea. Portugal e Brasil inserem-se nesse processo. 0 reformismo ilustrado, vigorosamente iniciado a partir de ]750 pelo mar- ques de Pombal, 11ao se atenua - antes acentua-se - apos a queda desse ministro em 1777: sobretudo no que rcspcita it polftica colonial, indica-se uma Else de ll1aior flexibilidadc, com o abandono das companhias privilegiadas de conH~rcio e suprcs- sao dos estancos, ao mesmo tempo que se combate 0 contra- Gallein e se estimlilam a divcrsifica<;:ao da produ<;:ao c a melhoria teLllOi(lgicl etc. Correlatamente, em Portugal, prossegue 0 es- o CONTEXTO 31 for<;:o industrialista (em 1785 proibem-se as manufaturas tex- teis na colonia), visando a superar 0 atraso, e se procura, com inspira<;:ao nas memorias da Academia lbs Cicncias de Lisboa, modernizar 0 pais, removendo-se os arcaismos. Todo esse esfor- <;:0 de recupera<;:ao, conduzido com persistc11eia ao longo de anos, vinha obtendo exito quando da invasao das tropas napoleonicas - 0 que altera substancialmente a situa<;:ao, inviabilizando 0 esquema reformista e obrigando a duras op<;:oes('. Paralelamellte, ll:l col()nia, a polftica reformist:l llJO (()l1.se- guia elisicilcin ,r) I emilL',S, atc certo ponto poc!e-Sl' di/er que. ao lOIlI!.!li(), () ,)lln() de n:btinl progresso ainda mais :lSU\:l':1 il tom,lel:l Je lOJlScic11Cia da cxplnLlt.;:l,) colol]i,;), '\'~, ,(l1lln a'; inl]uicl:l<;()CS. Estas tendem a se expressar em conflitos, como na America espanhola da mesma epoca: sao as inconfidcl1ci:l<" Se no Rio de Janeiro, em 1794, e em Pernambuco, em 1 GO 1, ,(, tcntativas sao abortadas no nascedouro, em lYEnas Gerais (1-'98; c na Bahia (1798) 0 movime11to vem a luz, sendo rqJrimid'Jcom rigor crescente. Se a inconfidencia de Minas em 1789 se inspirou mais l1a in~llrr(~i(i() dos "[1,,rica!lU~ du :\urtc, j:i a re- \'olll<;JO baiana "dos alf:liates" (cham:lliJ "primcira revoll1<;ao social bl':hikira"j !luis pqmlar, mais radical, traz fuudas marus da Rcvolu<;ao FLII1Cc')a. Dc uma i11s11rrei<;J.o a outra, nota-se UIl1 aprofundamcnto do proccsso: 0 projeto dos revolucion~lrios haianos cnvolvia nada menDs que a liberta<;:ao dos cscravos. E por ai que se pode comprecndcr que, se a potitica do rcformis- 1110 colonialista portugues 11ao atcnuava as tensoes, 0 aprofun- damcnto do processo rcvoILicion~lrio, este sim, ted, assustaeto a cannda dominante eta colonia, de proprict~irios de terras e se- (, Fernando A. Novais. Portugal e Brasil ua Crise do Antigo Sistema Colollial (1777-1808), Sao Paulo, Hucitec, 1979. 32 0 CONTEXTO nhores escravos, levando-a, como que imperceptivelmente, a se aproximar das posi<;:6es reformistas do Estado metropolitano. Urn projeto de "imperio" com sede na America o periodo 1807-1808 marca efetivamente um ponto de con- fluencia. Ao principe D. Joao migrar a America, em razao da invasao frances a, significa preservar a dinastia a de melhores dias; a Inglaterra interessava nao 56 proteger a aliado valioso na pugna com Napoieao, mas tambem aprovei- tar a oportunidade de penetrar mais abertamente nos mercados brasileiros, pois, ocupada a metr6pole, tornava-se imperioso suspender 0 exclusivo do comercio da colOnia. Mais ainda, na decisao da transferencia da Corte, aparentemente desconcer- tante, pesavam imperativos mais profundos de situa<;:ao. E que, dada a posi<;:an que Portugal fora assumindo a partir do seculo XVII (a partir da Restaura<;:ao de 1640, quando se liberta da Uniao Iberica), sua existencia dependia mais e mais da colonia: era com esta que jogava, ou melhor, com as vantagens da ra<;:aa colonial, no sistema de alian<;:as das rela<;:6es internacio- nais. Cada vez mais, aproximar-se da Fran<;:a, contra a Inglater- ra, significava p6r em risco a col6nia, devido it supremacia naval inglesa; por sua vez, ~l Inglaterra pllnha em risco a me- tr6pole. devido i1 supremacia continental francesa (a Fran<;:a se it Espanha depois de 1715). A diplomacia portuguesa procu- ra continuameme a neutralidade, hesira, para finalmente aliar- se a Inglaterra, potencia ascendente; e, em 1807, essa op<;:ao chega ao limite, com a migra<;:ao da Corte e "inversao colonial". Do ponto de vista classe dominante dos colonos - os propried.rios de terras e escravos -, nessa conjuntura, essa vinha ao encontro de seus interesses e, POLlCO a pouco, dessa C011- vcrgcllcia vai-se delineando um projeto de "imperio" com sede o CONTEXTO l1a America. A politica de D. Jo;io VI no Brasil pos em to esse projeto: mal chegado, a1l1da J1a Bahia, edita 0 t1.moso alvad. de abertura dos portos as ami gas (janeiro de 1808). abertura n30 foi, como se podia pellsar, uma con- cessao a Inglatcrra~ scmia-se no direito de reivindicar a abertura apenas para si, substituindo a :llltiga metr6pole, pois fora a esquadra inglcsa que garantira a vinda da (:orte), nem se pense q lle a Velha Albion era a llnica "na<;:50 amiga". No mesmo ano, j,i estaria no Brasil 0 a111ericano Henri Hill, examinar as possibilidades do novo mercad08• Das press6es inglcsas resul- taria, sim, 0 tr~llado Ull 0, no qual 0 comerClo Ingles rorna- sc efetiYaI11Cllle privilcgiadn no hr~lsileirn, mesmo em rcla<;:Jo aos portugueses met rupoli tallOS. 1810 aSSII11, como a con rrapartida de 1 u do (Asie/o, por _ .... - ....... _J .;.- <'III j I).lj. Pi nho. A Abertura dOJ' Portos. Salvador, 1961. , Henri Hill. A View o/the Commerce ojBrtlzil(1808). Salvador, Ed. Ban- co da Bahia, sid. :)4 0 CONTLXTO Ao longo de toda uma decada, Oll seja, ate a eclosao da revo- liberal porruguesa em 1820, implementa-se essa linha po- litica, em se casam os imeresses do senhoriato brasileiro com a perspectiva do Estado metropolitano, agora assimilado e instalado na colonia. A abertura dos ponos, olevanta- memo das proibis:6es as manubturas; mais do que isso, passa-se a uma politica de incenrivo direto as indllstrias, e llma serie medidas de politica economica se decreta nesse senrido9. Ao me5mo tempo, a Cone 5e instalava, centralizando llm comple- xo aparelho de Estado, numa especic de "naturalizac;ao" do verno portugues no Brasil. Ao lado dos virios departamentos de administras:ao, organizam-se as [on;:as armadas, criam-se as primeiras escolas superiores. A politica cxtcrna se orienta na mcsma linha, com a expedic;ao a Guiana Francesa e reivindica- ~:6es no Prata. Assim, em 1815, eleva-se a antiga colonia a con- dic;ao de Reino Unido. Nao podia haver dllvida: a viera para frcar. Por wdo isso, "0 que e de admirar e que so em 1820 tenha havido em Portugal uma revolus:ao" 10. ~ Emlli~ Viatti da Costa. "llHroduc;:ao ao Estuda da Palitica do Brasil". In: Carlos Guilherme Mota .. argo Brtlsil em Perspectiva. 9:' ed., Sao Paulo, Difd, 1978. 10 Pedro Otavia Carneiro da Cunha. "t\ Fundac;:ao de urn Liberal". Buarque de Holanda, diL, Histdria Gem! dtl Civi!izar;ao BrasiLeira. S;10 Paulo, DiEd, 1 %2. T. 2, v.I. 2 o PROCESSO POLITICO Q ANO cesso para 0 eneaminhamento do pro- do Brasil. 0 movimento liberal, ganhando impulso significativo na Espanha, nos Paises Baixos, em N~ipoles e no Porto, intensamente na ex-colonia portuguesa, de porte. Em contrapartida, o Congresso Troppau, no mcsmo ano, consagra, nao sem protesto da Inglaterra, 0 direito de intervenc;:ao da Santa Ali:m- c;:a, ou seja, a das potencias vitoriosas contra Napo- lcao, empenhadas em rcstabelcccr 0 "principio da legitimidade" na Europa. sc no plano intcrnacional e relativameIlte Hcil ° equaeionamento das f()f(;:as em atuac;:~io, no pla- no loeal esse delineamento torna-se mais complexo. Como apon- tou Prado JUnior na introduc;:ao a edic;:ao fae-similar do jornal 0 lttmoyd I, scmpre houve certo redu- clOOIsmo colonia e de nas vers6es sobre a independencia, resolven- em dois termos de uma oposic;:ao: Brasil . Nos estudos sobre 0 movimento politica do Brasil Hem sempre se levou em con- e reac;:6es" que se processaram no illterior de conjunto, "esquecendo 0 que houve de luta social dentro de ambos" 11 0 Tamoyo. Rio dc ,.1I1l'iro, Valverde, I ()44. Edic,:ao rae-similar. 38 PROCESSO POUTICO E, :10 se considerar as repercussoes da revolw;:ao do Porto de de de 1820, que se pode aprofundar a analise. De ao chegarem ao Brasil as notfcias dessa revolw;:ao em outu- bro do mesmo ano, a agira;;:ao foi reromada nos principais cen- tros urbanos. Tumultos, rebclioes e pronunciamentos ocorre- ram com certa freqi.iencia, pondo a luz remoes, antagonismos e expecrativas sociais e politicas cada dia mais Ilitidas, desde a re- volu;;:ao de 1817 em Pernambuco, a primeira grande insurrei- do mUlldo luso-brasileiro 12 • A transformac;:ao das capitais elll "provincias" de Portugal, gm'dlldlLlS por jUlltas prUliO'Jria" obedicntcs il Consrirui<,:ao lusa, por certo enfraqueceu 0 poder absoluro sediado no Rio de Janeiro. Os "partidos" Correntes de opiniao se delinearam e assumiram matizes es- pecificos centradas em tres posi;;:?es distintas. A corrente orga- nizada em tomo do "partido portugues", composta de comer- ciantes portugueses, ansiosos por recuperar seus privilegios e monop61ios, e de tropas sediadas sobretudo no Rio Janeiro e nas cidades portu~hias do Norte e Nordeste. 0 "partido brasi- leiro" compunha-se dos grandes proprietarios rurais, dos finan- cistas e dos estamenros burocd.ticos e militares que se benefl- ciaram com 0 estabelecimento da Corte no Brasil. Nao se e claro, diante de "partido" na accp;;:ao contempodnea do ter- mo: ainda segundo Caio Prado Junior, 0 nome indicaria al1tes os interessesem jogo que l1acionalidades. sentido, nao verao os "brasileiros" a rcvolu<;ao constirucionalista com bons 12 Carlos Guilherme Mota. 19 J 7; esrudo das formas de pensa- memo. Sao Paulo, Edusp/Perspectiva, 1972. o I'IZ( lUS\O POLiTICO olbos, encontrando-se entre seus reprcscnrantcs tambem por- tuguescs, ingleses c franceses. Conservadorcs e 111011arquistas em geral, e dependendo da permanencia da Corte no Rio de Janei- ro, viviam a 50mbra Coroa, beneflci~rios - ;\$ vezes desilu- didos de seus favores. 0 terceiro agrupamcnro, mais pro- gressista poli ticamente, reunia os "liberais radiea is", ex-p:1 rtici- pantes ou simpatizanres de movimentos como 0 de 181 com- ponenres dos setores medicos da popula<;ao, sobretudo no Nor- deste. Padres, comerciantes, pro[essores e jornalistas engrossa- yam essa corrente constitucionalista, vanando SLla composr;;:ao conforme a da extensa ex-colonia. Essas rendencias, que nao incluiam os escravos, receberiam de maneira diferenciada 0 impacto Revolu;;:ao Portuguesa. o "partido hrasilciro" lurava pda preservac;:ao do estatuto ju- ridico R,iJ1() Unido, () "partido portugues" procura- va exatamente sua <lI1uia<;ao, cmbora ambos se acaurdassem qllanto <lOS pengos dos desdobramentos revolucionarios, que poderiam assllmir dimensiScs haitiaoas. As grandes massas de escravos atemorizavam os setores dominanres da sociedade, agru- pados num e noutro "partido".]a os "liberais radicais", em sua maio ria, advogaram propostas mais avanc;adas, sendo um de seus representantes mais ativos 0 baiano Cipriano Barata, posterior- mente deplltado brasileiro Cortes de Lisboa. As possibilida- des de articula;;:ao supra-regional dessa t:iltima tend en cia mos- trar-se-iam demasiado reduzidas, devido as caracterfsticas do dominio colonial e da extensao do territ()rio. Como ja se apontou alhures, a transfercncia da sede da mo- narquia de Lisboa para 0 Rio de Janeiro substituill, para algu- mas provlncias, uma rcferencia longinqua por outra, sendo ine- vitaveis os descompassos regionais quanto as conexoes polftico- administrativas. No plano ideologico propriamenre, os descol11- 40 0 I'ROCESSO POUTICO passos nao seriam me-nores: no Nordeste, mais especificamente, os setores 111ais rebeldes, e que mostrariam seu poderio em 1817, lIe 1824, corresponderiam ao "partido brasileiro" do Rio de Janeiro. Demonstrando maior receptividade as ideias das Cortes, por ser maior 0 contingen te liberal local, houve ai a cria<;:ao de junras governativas mai5 representativas da popula- (livre, e claro) e polilicamemc mais progressistas. No Norte e no Nordeste, a adesao as Cortes liberais fOI mals r;ipida (Pad. foi a primeira capitania a aderir) que cm certas regi6es do Centro-Sul- ondc 0 "partido brasileiro" temia trans- bordamentos revolucion:irios, de "mal-entendida liberdade", notadamente em Paulo e Minas Gerais, em que as juntas de governo foram instaladas 111ais tarde, durante a regencia de D. Pedro. Na Corte do Rio Janeiro, as contradi<;:6es se aceleravam, tanto pebs anicula<;:6es do "partido portugues" e dos liberais radicais, como pdas dissensoes internas no governo dos Bragan- <;:as. 0 conde de Palmela simboliza bem os conflitos existentes no bloco do poder: aparentemente desavisado e fleumatico, sua prescnera no Rio de Janeiro punha em risco, com sua refinada inteligencia, a supremacia do todo-poderoso conselheiro dc Joao VI, Tomas Antonio Vila Nova Portugal. Como observou Raymundo horo, na introd u<;:ao de () Debate Politico no Prom'so Independencia13 , suspeitava-se do anglicismo do conde que, "pelas Sllas idCias c liga~6es, SUSlcnta 0 projeto uma monarquia cartista, 11a qual a nobreza exercesse 0 governo, reduzindo 0 tro- no a um papel ornamcnral e simb6lico, ao l110delo do parlamen- tarismo nascente". Nesse encaminhamenro, 0 Rei deveria reror- 1.1 R;]ymundo faoro. 0 Debate Politico no ProceSJo de Independencicz. Rio de Janeiro, Conselho Federal de Cultura, 1973. , o ,'](()( :I.~so I'OLfTICO 41 nar a Portugal, 0 Principe fkaria no Brasil eo estatuto do Reino Unido permaneceria inrocado. Na Corte do Rio de Janeiro, ponanto, as tensoes nao eram pequenas; Palmcla, n;lo obstante, cOllseguiu aliciar para seu esquema D. Marcos de Noronha, 0 conde dos Arcos, 0 mais influente conselheiro do jovem D. Pe- dro. Com a adesao das capitanias it revo\w,:ao de 24 de a ElIllilia real viu-se constrangida a j urar a Constitui~;i() liberal peb ElC\ao portuguesa, apoiada na tropa. COl1srimis::IO, :limb n~io claborada. A questaO colocada, tanto na como nas tropas e I1<1S diversas correntes de opiniao, e a da conveniencia do retorno da familia real bragantina. Pressionado, D. Joao resolve enviar 0 Principe a Lisboa, para "estabelccer as reformas" neccssarias a consolidacao da Consriwi<;:ao portuguesa, ressalvando, entre- tanto, qu: 0 Brasil teri:l C~rtes (ou scja, Parlamenro) pr6prias, com sede no Rio. 0 conde de Palmela, conu-afeiro, de demite do Ministerio, e as press6es das tropas aumentam no sentido de aderir a revolw;:ao constirucionalista. A 26 de fevereiro de 1821, as tropas se reunem no largo do Rossio, para dar apoio as Cortes c um ultimatum a Coroa. D. Pedro que nao cmbarcara para Lisboa - ai comparece para, junlamente com D. Joao, jurar a COl1stitui~ao elaborada pelas Cortes. Estando a frente 0 padre Marcelino Macamboa, lider popular, c [cito 0 ultimatum, exigindo-sc ainda a refonnu- la<;:ao do Ministerio e da administra<;:ao, sendo 0 Rei pressiona- do a regrcssar a Lisboa. Nao cram amenas as perspectivas para D. Vol tar a ex- capital metropolitana significava se cncontrar face a com sellS inimigos constitucionalistas e com a disposierao recoloniza- dora- qLle poderia implicar a perda do Brasil. Apesar dos esfor- eros para sua permanencia no Brasil, 0 decreto regio de 7 de mar~o de 182l dererminava seu retorno a Portugal e a da Regen- cia do Reino Unido do Brasil. Ganhar tempo passou a ser entao o comportamento ditado pela astlkia de D. Joao. Enquanto isso, as manifestac;:oes populares aun~entavam de intensidade por todo o pais. A 21 de abril, ainda no Rio de Janeiro, 0 monarca e instado porgrupos populares a ado tar a Constituic;:ao espanhola enquanto a portuguesa llaO era definida. Paralclamente, as alianc;:as provi- sorias entre 0 "partido portugues" e 0 "partido brasileiro" comec;:a- yam a mosuar sua fragilidade, sobretudo apos os liberais radicais brasileiros terem optado peb permanencia de D. Joao no Brasil, comrolado por uma Constituic;:ao a espanhola. As tropas se radi- calizam e 0 impasse vai atingll1do 0 auge: 0 Rei, incapacitado fa opor resistcncia, vc D. Pedro eo cx-ministro conde dm Arcos comandarem um ~1taque a Assembleia, com mortos e feridos. A 26 de abril de 1821 retorna finalmente a Lisboa, e 0 principe D. Pedro assume a Regencia do Reino Unido do Brasil, eo "partido brasileiro" se prepara para 0 enfrentamento com as Cortes lusas. A situac;:ao era, de fato, de extrema gravidade. A revoluc;:ao portuguesa expressava as tensoes internas da sociedade do Anti- go Regime, mas se refon;:ara pela transferencia da Corte 0 Brasil, reduzira a antiga metr6pole a um apendice da ex- colonia, curiosa manifesla<;.ao de inversao do pacto colonial. Dessa forma, em Portugal, associava-se a perda da colonia ao absolutismo ref(mnista, da mesma forma que se vinculava ao movimenlO liberal de 0 projelO de reconquista da hegemonia perdida. No Brasil, ao contdrio, a camada domi- nante de colon05, atemorizada pelo radicalismo crescente das inconfidencias, aproximara-se do rcformismo ilustrado da mo- narquia absolutista. com a tral1sfen~:ncia da Corte para 0 Rio de Janeiro, com sellS desdobramentos, recebera monarqUla absolutista sua efetiva autonomia. Agora, em 1 1, 0 liberalis- , r o I'IU )CLSSO l'oLiT1C:O 1110 vitorioso, exigindo a volta do Rei,rlazia J Ill!. a ambigiii- dadc situ:l<;:lo: 0 "partido brasdcilo" prelcmlia prcscrvar essa autononua sem se deixar contagiar pe\o llivd dc aprol~ll1cla mento que a revolLU;:ao liberal ia atingindo em Portugal. Nem poderia SCI' de Olltra forma, pois no Brasilnao "sc lLl(;~~'a, como em Portugal, organizar em novas bases um Estado p eXlsten- te: tratava-se de conslruir lim novO Estado a partir de uma anti- era colonia fundada t1Ul11a ordem social escravista. Assim sendo, :omprccnde-se que 0 senhoriato dommante nao podia se cbr ao luxo, como a burguesia porruguesa, de promover uma C011- vulsao social para reorganizar 0 seu Estado. 1sso envolveria a massa escrava, e a possibilidade de perda de controlc do proces- so perm~mecia sempre 110 horizotltc. Assim, a primeira postura do "partido brasileiro", nos seus virios matizes, foi a de tentar evitar a volta de D. Joao VI. Per- dida para as Cortes essa batalha, tenderiam a se aglutinar em tor110 do principe regente, como seu escudo. Nesse processo, os setores mais conservadores do "partido brasileiro" assumem a hegemonia, uma vez que 0 problema essencial, 110 moment~) e a preserva<;:ao da autonomia tese que os unia, mesma for- ma os desuniria 0 regime politico a ser adotado. Dc toda forma, a partir do retorno de D. Joao VI, a defesa da autonomia se mostrar,l essencial e, nesse contexto, 0 setor conservador, li- derado por Jose Bonifacio, tornar-se-a hegemClI1ico. Nem toi por acaso que 0 Andrada acabou ser 0 redator das instru- c;:6es da deputac;:ao brasileira as Cortes de Lisboa. As Cortes de Lisboa: recolonizac;:ao e ruptura o clImax do processo eatingido COI11 0 envio de deputados as Cortes ConstitU1l1tes. Escolhidos pdo sistema eleitoral ado- 44 () PROCESSU poUnco tado em Portugal em dezembro de 1820, a proporc/IO de depu- rados seria de 1 para cada 30.000 cidadaos. Como a chegada da Corte esrimavam-se 2.300.000 habitantes livres, ter-se-la uma representac;:ao aproximada de 70 deputados contra 130 de Por- tugal. Embora arenas uns 50 tenham chegado a exercer 0 man- dato, todas as i5 provincias enviaram represcntantes Ul CA'LC',dU do Rio Grande do Norte), registrando-se a prcsenc;:a de v,hios ex-revolucionarios de 1817, como Antonio Carlos, Barata e Muniz Tavares, que s;liriam do drcere de Salvador diretamente para as Cortes. A bancada de Sao Paulo era a mais homogenea, presidida par Antonio Carlos (irmao de Jose BoniEkio) e contrario a separac;:ao, adepto da ideia de indissolubilidade do Reino Ul1ido, mas resguardando a equip:Hac;::io da ex-colonia com a ex-metr6pole. Como illdicou 0 historiador Fernando To- maz, a intransigencia marcaria as deputac;oes rnais alUantes (Sao Paulo, Bahia e Pernambuco) nul11a linha de rejei<;ao ao coloni- alismo l". o liberalismo das Cones implicava a reconquisra cia hege- mania perdida peb burguesia portugllesa junto aos mercados do Brasil, exclusivo ate bem pouco tempo, e a recolonizac;:ao, nessa perspectiva, pareccria inevidvel. A crise torna-se abena com 0 decreto de de abril 1821) no q u:tl as Cones deter- minavam que os governos provinctais se subordinassem dire- tamente a Lisboa, independentizando-se do Rio de Janeiro. Pa- ralelamente, tentativas de revogaC;:3o dos tratados de comercio com a Inglaterra procllravarn combater os avanC;:O$ do livre-cam- bismo. 14 Fernando Tomaz. "Brasileiros nas Cortes COllstituintes de 1821 1822". In: Carlos Guilherme Mota, org. 1822: Dimenson Sao Paulo, Perspecti- va, 1972. , tit' {:.\/)(Jil. rt'dJlfjill,,""li~d{) du iJ/.i.\il. ()i('() rit' ()j( "Oi brasileiroJ tem a/hos IIbertoi, ele.' sabem que 0 roda sem ce.fJllr tonto daJ trincheirm da liberdtlde': Car/os de Andrada e 1 . ,. .} .. , 1" LI',,!O Cou till iJ ° , em res posta itO "0 Brmi remo WliCO lllaWl5IVe. portuglles Bra{mealnp) "IViio somos do Bmsil, de quem em olttro porque ctlda 51' go vema UfO E nesse conlexto que a ruptura se dad. De um !ado, as ten· dencias de recolonizac;:~io da burguesia portuguesa, expressas pOl seus representantes nas Cortes, pressionavam a dinastia a retor· nar, contra os avisos de Silvestre Pinheiro Ferreira, para quem a monarquia deixana de existir se abandonasse 0 Brasil. De Oll- tro, as pressoes dos representantes de um Iiberalismo cada vel. mais. radical no Brasil aconselhavam a adoc;:ao de solU(,:oes que viabiJizassem reformas para a preservac;:ao do Reino Unido. o encaminhamento dado a questao com 0 retorno de D. J030, deixando Pedro como principe regente, preservou provlsona- 46 0 I'ROCESSO poLITIC:o mente a u111dade do Reino, mas as E assim que, no periodo de regencia do a de 1822, 0 processo se torna lrre- o senhoriato rural e escravista, vendo sellS interesses em xeque pelas Cones, soube bllSGH sellS aliados no setor comercial, nos altos estamcntos burocr:iticos e no proprio Como resultaclo, conseguiu-se 0 equilfbrio das tcndcn- cias liberais e ll1on,lrquicas atravcs de llma predria monarquia constitucional. Diversamente dos processos ocorridos no resto dasAmericas mstados Unidos, Haiti, espanhola),o que vai ocorrer no Brasil eo nascimemo de uma monarquia consti- tuciona!, a lll1ica no panorama de um quc, a epoca, John Quincy Aclams chegou a qualificar republicano. No quadro lI1ternacional, a hegemonia cia Inglaterra indus- a cada passo. Ap6s os comcrcio de l810, a . inglesa no mundo luso-brasilciro conso- irrevogavelmente, conforme acentuoLl 0 brasilianista Alan l\1anchester ls . Nesse contcxto, os esforc,:os recoloniza- dos rcvolucion:1rios portLlguescs de 1820 parcciam fada- dos ao no sentido de abolir os efeitos da politica de comcrcio livre, em vigencia dicaz. As medidas do Parlamcnto portugues a anulac;:ao (bs normas reiacion<lmento Brasil-Inglaterra provocaram a reac,:ao e a mobilizac,:ao politica da te 0 16 julho de 1821, no qual as revogavam a reduzira a l5% os direitos dc teci- "estipulando que os panos de Iii e outras manu- Iii briranicas importados do Reino paguem direitos In Britsh Prdminence ill Brazil. Its Rise tJi!(/ Decline. A Study in European Expansion. 2,' ed., Nova !ol·que, Octagon Books, 1964. 1 I () l'IZ(lU.\.\() P()UTICO 47 de 30%, que scmpre haviam pago". l\1cdidas como essas provo- cavam rea~.6es nos outros parceiros do novo ~istema, e brasileiros. ainda, que muitas (las lucionarias riveram Londres como palco polflico, o encontto entre 0 Miranda, Domingos tins (0 Ifder nordestino 181 e Gomes Freire de (cabe<;a de urn em Portugal tambem em l8 Demais, 0 brasileiro ja estava, a essa altura, do COiTlO fi-etHe de da economia em mais vigoroso crescimento a epoca, a Encontram-se inglcses em todas as atividades: negociando insuw.:ic,:i5es, como Henry Koster, 0 abrasileirado Henrique da Costa; participando do comercio, como John Luccock (tambem autor, como Koster, Oll Maria Graham, de importante livro de mcmorias); OLl ilustrando a na Corte, como Maria alias, atraves da companhei- ra de Lord Cochrane se po de melhor observar a inglesa na capital do Reino lInido it epoca da pendencia. Numa seu Didrio, pode-se "Fui a terra fazer compras com Clennic. HS muius coisas como seleiros e armazens, nao diferentes do que chamamos na um armazem italiano, de secos e molhados; mas, em geral, os aqui vendem sua" rncrcadorias em grosso a rctalhistas nativos OLl fi·lncc- ses. Os ultimos tem rnuitas de fazcndas, arrnarinho e modistas. I-H padarias de ambas as e abundalltes tavern as inglesa" insignias com a bandeira cia leoes vermelhos, marinheiros e tabLlletas inglesas competem com as de Greenwich OLl Depford." As vesperas da indcpendencia, comerciantes de outras naciona- lidades, como 0 frances Tollenarc, nao deixariam de notar a . pud.vel hegemonia nos neg6cios do Brasil, que a bur-guesia portuguesa voluc;:ao. reconquistar atraves sua re- I 48 () PROCFSSOPOUTICO A imprensa e seu papd lndicador importante do adensamento da consciencia social 110 perfodo, a imprensa assllmiu expressao de vulto, nao apenas no sentido de dar fisionomia as posi<;:oes pollticas ate entao tlui- das e fugazes, como 110 tocante a interferencia direta na condu- <;:ao do processo emancipacionista. Foram superadas agora as condi<;:6es que obrigaram jornalistas como Hipolito Jose da Costa, editor do Correio Bmziliense (ponto alto da nossa I1ustra- <;:ao, com seu jornalismo de ensaio, segundo 0 professor Anto- nio Candido), a divulgar suas ideias fora do Brasil, mais prccisa- mente em Londres (1808-1 Nessa altura, j~1. e possivel cncontrar, ao lado de uma impren- sa convencional, como a do ex-censor Jose da Silva Lisboa, dirc- tor do Conciliador do Reino Unido, expressoes mais agudas do Iibcralismo radical. Assim e que 0 Rellerhero Constituclonal Flu- minense, de GOl1<;:alves Ledo e do padre Janu~:irio da Cunha Bar- bosa, vai oscilar dc urna posi<;:ao mai5 amena, proxima a do Cor- reio Braziliense, para uma posi<;:ao abenal11cnte independenrista. Nao sed. dincd entender 0 sentido do radicalismo desses libe- rais quando finnavam suas posi<;:6es: "Percen<;:a a America a Ame- rica, e a Europa a Europa, e tudo ira. bern", em inspira<;:ao en- contrada em Thomas Paine. lado do Rellerbero, citem-se outros periodicos engajados, como 0 Despertaclor Brazilien:ie e, ao final de 1821, A Malagueta, de Luis Augusto May, anti-Cor- tes e pela permanencia do Principe no Brasil. Como regra geral, tais pe1'iodicos expressavam as posi<;:6es de seus lllembros (Iigados a ma<;:onaria) cm atividades por vezes de cadter popular, como a participa<;:ao da assemblcia na pra<;:a do Comercio no Rio de Janeiro, com 0 padre Macamboa, e repri- 1 t o PI{( )n~s() POUTICO 19 mida por D. Pedro. Alias, curiosa e a vlragCl11 nOLida !las Letras as vesperas da indcpendencia, assinada pOl' Anl{\nio Clndido em sua obra-mestra, a FOm'ldf'ao da Literatura Hrrrsikim: a partir da intensa atividade politica e da radicaliza~'ao Jas posic;oes, a veia poetica do fim do seculo XVIII cede passo J inspirac,:ao politica, a expressao poetica perdendo em altitude, nus scndo amplamente recompensada pelo ensafsmo polftico. Radicaliza<;:ao A radicaliza<;ao das Cortes atingiu seu apice com a retirada dos dcpurados brasileiros, impossibilitados de l'lZerem valeI' seus pontos de vista contra a recolonizas:ao, Assim, aumclltava-se a pressao junto ao prtncipe regente, inclinado desde janciro de 1822 a desobedeccr as ordens de Lisboa, que ja em outubro do ana anterior ordenara seu retorno a Portugal. A volta do Princi- pe seria 0 golpe Enal nos projetos de auronomiza<;:ao, e esta ati- tude propiciou uma rearticula<;:ao dos grupos a nova e larga bandcira do parriotismo: senhoriato de teITaS, comerciantes por- tugueses adaptados agora as rela<;:6es com a Inglaterra (salvo ex- ce<;:oes vigorosas, como os da Bahia, ultraconservadores), e buro- cratas de medio e baixo escalao, desemprcgados devido ;lS 111e- didas das Cortes desativando orgaos administrativos criados no periodo jO<lnino. Gon<;:alves Ledo, funcionario publico, e 0 ponllglles Clemente Pereira, comerciante, representariam bem sellS papeis, ,HraVeS das lojas ma<;:()nicas a que se filiavam, e que convergiam na defe- sa da tese do nao-retorno de D. Pedro. A preserva<;:ao da allto- nomia, ponto de convergencia das varias do "partido hLlsileiro", continuava a ser questiio e:,sencial, mas agora rnuda- Ll lej(;:~w. Com 0 fracasso do esquema monarguia dual o PROCFSSCl POliTICO defendido pdos brasileiros nas Cortes, a preservac,:ao da auto- 110m!:! passava a pressupor a scpara(lO. C;lmillluva-sc, porul1- to, Icnramenrc, para 0 projeto da i ndependencia. Nessa pers- pectiva, se 0 setor conservador continuava preponderanre, ti- nha cdda vel, mais que mobilizar os ,etores mais progressistas, uma vez que, agonl, prescrvar a autonomia signifledva efetivar a l11dependencia. Quanto ao Principe, embora hi meses nao viesse cumprindo as ordens da Corte, parccia titubear, como escreveu Dona Leo- poldina de Habsburgo a Jorge Antonio Schaeffer em janeiro de 1822: "0 Principe est:i decidido, mas nao tanto quanto ell de- sejava; os ministros vao ser substituidos pur filhos do pafs, que sejam capazes. 0 Governo sed. administrado de modo analogo aos Estados Unidos da America do Norte" 16 Dentre os "filhos do que mencionava Dona Leopoldi- na, . um ex-combatente contra a invasao francesa: paulista natural de Santos, de familia abastada e retornado ao Brasil em 1819, apos anos de estudo c larga vivencia europCia. Jose Bonifacio de Andrada e Silva fOl uma lideranc,:as princi- pais, talvez 0 maior articulador da independencia, tendo surgi- do como presidente da Junta Proviso ria a 12 de marc,:o de 1821. E seria na qualidade de presidente da Junta de Sao Paulo que levaria 0 repudio da Provincia ao Rio de Janeiro, quando cia ordem retorno do Principe a Portugal. o clima politico da capital tornava-se irrespidvel com as 110- ticias que chegavam de Lisboa. Os comerciantes, liderados por Clemente Pereira, prcsidente do Senado da Camara do Rio, fI- 1(; Honorio Rodrigues. "A Revolu<;ao Americana e a Brasileira: 1776- 1820". In: Brasil: Tempo e Cultum. Joao Pessoa, Secretaria da Educ<lyao Cultura do Estado da Paraiba, 1978. o I'I,()( I\\() I'()( IrlCO 51 zeram um abalxo-assinado, com 8.000 assin;lturas, solicirando a permanencia do Principe e lembrando a os pcrigos da di- fusiio de um "partido republica no" . Jose Joaqu im cia Rocha, l11a<;:om e deputado mineiro ilS Cortes, r:ll1lhc!11 participou da reaC;ao (nao embarcara quando da convOCH':;)O), cri:llio Ul1l "clu- be de resistencia" e cuidando das arlicubc;()es com I'vhn<ls c SilO Paulo. Atuando junto a Ledo no Reverbero COJISlilltcioJltt!. aju- dou na sllStenrac,:ao da politica nan-retorno de I). Pedro. ,)n.'uu rio Cliltseiho dl! tjtado, dt' ~ c/l: j<'t('I1//})'11 dl' pOl" iJ. Leopoldi71fl. A Clemente Pereira, A1artin Francisco, GOl'l- fIt/lies Jose Bonifacio e outros membras. A 9 de janeiro de U322, Clemente Pereira levava ao Principe a abaixo-assinado, obtenclo flnalmente sua adcsao e permanen- cia, 0 "dia do , simbolizando a contraposi<;:ao efetiva as Cortes portuguesas. Nos posteriores definiu-se a qucstao do ministerio nacional, sendo escolhido Jose Bonifacio para chefli-Io. Embora a uniao com Portugal ainda Fosse saudada, 0 fato concreto e que Lim ministerio brasileiro configurava mu- danc,:a substancial nos padroes ate entao em vlgencia, alem da desobediencia a ex-metropole, 0 foi aproveitaclo por Ledo I I'R()( :FSS() l'OUT[(:O em sell ao cnbtizar a oportllnidadc para a rllptura defi- Il1tlva. . radicais fechavam, assim, SLlas posiyoes com 0 "partido brasileiro" peb tese da independencia. o conscrvadorismo de Jose Bonifacio e os Ii mites da independeneia os setorcs 111ai5 radicals do pcnsamento liberal brasileiro tertam chance ante 0 conservadorismo de Jose Bonifacio, £lgurn que, nos embates entre radicais e "aristocra- ticos", £lcad. com os ultimos. Liderando 0 encaminha- menta do processo politico, Jose sabera c0l1s01idar a autonomia ji consegllida, cllidando da lInidade das dispersas e reaparclhando 0 setor milirar, alem de marinha Seu conservadorismo, entreranto. 1150 mitiGl ir dos limires dirados sua contli<;:ao social, rea- gindo as')illl a idcia de lima comrilliinre. Preferid, ankS, a (011- voca<;:ao pOl' deCl't'to (16 de tC\'erciro de 1822) do Conselho de Prucllr;ldoll'<; Gerais das Provincias, em medida antillcmocdri- (;1. (h problemas a serem enfrenudos nao eram pequenos, como o da dispersao provineias, cOl11prol11etia a lInidade, C)U o das mas 0 Andrada !laO a valida<;:ao re- presenra<;:ao al11pla. Ao para oriental' sua procurad antes um pequeno colegiado de conselheiros sempoder de 0 Consclho n:lo vingar~l, c sed. cOllvocada a Assemhl('ia COllSriruinte, apesar da l'clut,il1cia c contra 0 vow expresso de BoniEi.cio. A:) de junho de 1822,0 ve-se obrigado a assinar sua A unidade "partido brasilciro", mantida desde a volta D. Joao VI Lisboa, primeiro em torno do projeto 111a- l1uten<;:ao Unido, em em tomo da batalha ( ) I'I{()( ) 1'( JLiTICO pcb permaneneia do Principe - em dl'soht'dicllcia ~s Cortes esgotava-se COI11 0 Pieo. Vencida eSS;l ba!:llh;l, [l'ria Llue I1C- eessanamente . 0 setor comervador (perstJllificado em Jose BoniHcio) do setor demoeratico (cxprcs.\(), l'IlrrC Ol1tros, pOl" Gon<;:alves Ledo). 0 conflito em torno do (:()Ilsdbo dos Procuradores Oll da Asscl11blCia Constituime express;) clara mente a c1ivagem: 0 principe D. Pedro arbitra 0 confliro optancio, I1CS- se 1110l11el1to, peb mais avanyada. Ledo: JI/a fi1CftlO im/,iJr a tese das direttl.f jiam tI Comtituimc. FiJi exiltldo. o esfonro dos para lllarginalizar Jose Bonifacio e en- volver D. Pedro em duas frentes. A primeira, por meio mayonaria, 0 Grande Oriente coneedendo 0 titulo honorf£l- eo grao-mestre, e inspirada por Gon<;:alves Ledo; essa tatica obrigaria BoniHcio a eriar nova seita, 0 Apostolado, para re- ~4 0 l'HOCES~() poLITICO conquisrar 0 controlc sobre Pedro. A segunda, pOl' meio de proclal1la~ao radicalizante de Ledo, dcclarando 0 "cstado de guerra com Portugal", c colocando Bonifacio em posis:ao diff- eil, uma vel. que, a C5sa altura, D. Pedro ji houvera declarado 1Il1l11lgas as tropas que para 0 Brasil viessem, enviadas pebs Cones. o 7 de Setembro Mas a fac<;:io liberal radical jii havia perdido a iniciativa no politico em agosto, mes decisivo, pois que, a 19 de jllnho, o grupo de Ledo nao conseguira impor a tese das e1eic;:oes dire- las para a COl1Stlruinte. 0 Andrada, embora mais cOllservador, continuava na lideran<;:a do processo e, a 6 de agosto, publicava um manifesto, assinado pelo Principe e dirigido "i1s nac;:6es ami- gas". A independcl1cia era proclamada, considerando-se 0 Bra- sil "reino irmao" de Portugal. A forma de governo ja estava de- fmida, uma vez que a fonte de legitimidade continuava scndo 0 Principe, com a perspectiva de uma asscJ11bl~ia constituinte. A monarquia constitllcional evitaria, assim, os perigos de lltna re- pLlbliea. A procbmac;:50 do Tpiranga, a 7 de setembro de 1822, surge como decorrencia cbs temiSes com as Cortes e simboliza a vit6ria do grupo liderado por Jose Bonifkio, conservador, 1110- narquista c palida11lenrc cOl1stirucionalista, e do "partido \)[asi- leiro". 0 grupo mac;:(mico congregado no Apostolado, compos- to de propried.rios rurais e comerciantes cxporradores, passou a controlar a m~lquina do Estado, e sedam os agel1tcs do processo de revitalil.as:ao dos estamenros senhoriais, indicado por Flores- tan Fernandes para caracterizar a vida social do Brasil a epoca da independencia. Uma nova nobreza vai se estratificar, pot meio de concessao dtulos, com sabor nativo e tropical. 1 I o I'R(}«.SS() 1'01 iTICO 55 o resulrado politico c a crias:ao de lim novo bloco no poder, com Nogueira da Gama, Carneiro de Campos, ferreira Fran<ra e outros, que combateria os liberais radicais e republic3nistas, pren- den do-os Oll os exibndo qual f()i 0 destino de (~ons:alves Ledo. A consolida<;:ao da independcncia seria LIm longo p1'Oces50, e111 que as rea;;:oes do "part ido portugucs" e sellS remanescentes sc briam sentir, estimuladas pclos El11tastnas da Santa Alians:a. 1v1ovimentos repllblicanistas e separatistas, como a Conredcra- <;:ao do Equador (Nordeste, 1 , l110srrarial1l () qll:io C0115er- vadora foi a ordem definida pdo grupo do Andrada. Apesar de tudo, 0 Hder da independcncia, Jose Bonifacio, chegara a 1l11prcssionar 0 (()nsul americano, que mencionara ao Secret~irio de Estado 0 fato ser "a tlrst rate leading man among the Brazilians in point of talents and energy", assim como a Maria Graham, que 0 via como algucm que of ere ceria uma constitui<;:ao ao pais que 0 raria "progredir mais rapidamcnte que os Estados Unidos, abolindo !laO somente 0 comercio de escravos, como a propria escravidao". Dc bto, Bonifacio chegad. a pensar noma liga americana, a exemplo de Bolfvar, mas reclla- sempre ante 0 republicanismo. Os limites da independencia scriam dados durante os desdo- bramentos de 1 quando se colocou 0 problema da democra- tiza;;:ao do poder. a convocas:ao da Assembleia Constiruinte foi feita sob a regencia de D. Pedro, a 3 de junho de 1 e a 19 de junho estabclecerarn-se as bases para a selecao do c1citorado , ' so mente a 3 de maio de 1 e que vai se oficializar sua abertura, nao sem antes "depurar-se" 0 ambiente dos inimigos politicos mais agllerridos. Demais, um de seus pri meiros atos sed 0 de manter as disposi<;:oes, regimentos, leis e alvaras do periodo joa- nino e de D. Pedro atc elabora;;:ao de novo rexto, nao sendo alrerada, portanto, a tlsionomia do Estado ap6s 1822. 56 0 PRUC.TSSO l'oLi IICO A luta polltica deslocava-se agora para dentro da Assembleia. Feita a indcpendcncia e garantida po is a autonomia, rrata":t-sc de ddlnir: independencia para quem? Ou seja: qual a {()[Ina que assumiria 0 Estado nascente? Ou ainda: quais os mecanis- mos de legitima<;:ao do poder? A Assembleia, apesar de escolhida a partir de criterios cerra- damcme classistas (e apos a e exflio dos antagonistas principais) e de ter a dissolll<;:ao, teve como presidente 0 ex-revolucion,irio Antonio Carlos, em Sll1ro- nia com 0 Patriarca. De a a controlar os COl1- servadores ahsolutisras, vclhos remanescentes do Antigo Siste- ma Colonial; ;1 alguns republi- canistas -, "patrioras" e lusofobos e prcocupa- dos em dclim itar os - 0 qual, ademais, apos a mone gal, para substirlil-Io, situas:ao colonial. Mas 0 problema da bIeia, expressao da vontade vice-versa? A lcaldade dinastica a Portu- a Assem- quem validaria 0 rei, ou a Assembleia, mas os li- berais remanescentes procuravam por "direito pro- prio" e "ernanado do povo". 0 Antonio Carios, de- flnid. os limites da soberania daAssembleia, ao frisar a intocabi- Ii dade das atribui<;:6es do imperador. Ampliar as atribuis:6es da Constituin re ('seria llsurpa<;:ao)). o projero constitLlcional, sob responsabilidade da Assem- bleia, foi claborado sob a dos acontecimentos e da pre- sens:a de tropas portuguesas em territorio nacional (Bahia e Para) e na Provincia Limitava a particlpaS:dO de esuangelros - notadamente nos cargos PLl- blicos. Tal em se climinar privileglos e l11onopoli05 do c1udente, lima vez co-flnanceiro 1'1Z< ) l'oUTlU) multo ex- censirario era pnvilegio , de alta renda. Definia ainda ° as frcariam subor- dinadas ao Parlamento e nao ao imperador, e que ° veto deste aos projetos por cia sena sllspensivo. A Ca- mara seria indissolLlvel, e a ordem escravocrata permaneceria intocada. Tais proposi<;:6es acabariam pOl' nao agradar a Jose Bonifacio, particLirio de um governo Dadas suas posis:6es conserva- doras, ficou isolado na Assembleia, procllrando apoio junto a D. Pedro, com quem se incompatibilizaria em seguida. Ap6s haver tornado sem os beneficios concedidos a vassalos residenres em Portugal, mandou seqi.iesrrar as mercadorias e bens de vassalos no Brasil, colocando-se em p05i<;:ao pro- pieia ao I Ihe aplicaria. Dc faro, a anistia a alguns no Rio e em Sao Paulo deixava Bonifa- por sell vlllaarao b 'r a se demitir, e a recom- do iamoyo, orgao de di- altura, ocorre em a Vilafrancada, movimento de retorno ao sao enviados ao il11pera- dor oara restaurar aCE'" " t ooroas. sse retorno apa- recera no Tamoyo e marcara um aprofundamento dos antago- nismos entre e brasileiros e entre D. Pedro e a Cons- tituinte. Os Andradas, desricuidos do govcrno, sao substitufdos por Carneiro 0 marques de Caravelas.Mas 0 pro- blema da do poder constituinte permanecia, D. Pedro insatisfeito com a limitas:3.o de sells vetos, de efeiro ape- nas SLlspenSIVO. 58 0 I'ROCISSO !'oLinco o fechamento da AssernbIeia e a Carta outorgada de 1824 Urn conflito menor entre oficiais portugueses e 0 peri6dico tambem ligado aos Andradas, Sentinelcr. dtt Libndttde, desenca- deara a crise, que toma conta daAssembleia, sendo fcitas crfticas acerbas a O. Pedro e aos portugueses. AAssembleia se declara em sessao permanente, em clima revolucion;\rio. D. Pedro, a 12 de novembro, decreta sua dissoILH.;:ao. 'Tendo havido rcsistcl1cia, a Assembleia e ccrcada, fechada, e v;irios seus deputados presos. Dentre Jose Joaquim da Rocha, Martim Francisco (Andra- da), Antonio Carlos e padre Belchior. Posteriormente, Jose Bo- nihkio tambcm [oi preso e desterrado, com outros deputados. Ap6s a dissoluc;:ao, Pedro I nomeia uma comissao 0 Con- selho de Estado - para elaborar uma carta constitucional. Atri- bui-se a execUl;:ao a Carneiro de Campos, ex-rninistro de D. Toao VI e membro do Apostolado de Jose Bonifacio, mas repre- ~entante dos interesses portugueses remanescentes junto a Cor- te. Nessa erapa, di-se a clivagem entre 0 senhoriato rural e a Cowa que, atraves da Assembleia, compunham 0 antigo bloco no poder, liberalizante. Agora, na n::composi<;:ao das for<;:as, os ex-representantes Constituinte pareciam represemar setores sociais demasiado liberais e nacionalistas, ao pas so que 0 impe- [ador se isolava, aproximando-se perigosamente dos setores por- tugueses, absolutistas. A queda dos Andradas significava 0 esvaziamento do centro e a radicaliza<;ao das posi<;oes. Assim, a Carta outorgada de de marco de 1 embora aproveitasse muito a experiencia da Assembleia Canstituinte, configurava a vit6ria do Executivo sabre 0 Legislativo e uma derrota do "partido brasileiro", sobre- tudo de Slla bc<;:ao radical. Ampliando os poderes do impera- o I'IZOCESSO l'DLfncu S9 dor, atraves da introdu<;ao de lim quarto poder, 0 Poder Mode- rador, preconizado por Benjamin Constant, poder que permiti- ria ao imperador a dissolu<;ao da Camara, cssa Carta respondia, em particular, ao ambieme porrugucs posterior a Vilafrancada e, em geraJ, ao liberalismo temperado da Rcstaura<;ao. Concen- trava excess iva mente nas maos do imperador as decisoes da guer- ra, a nomea<;:ao de ministros do Consclho de Estado, senadores, juizes e 0 conrrole da do Poder Legislativo. 0 Scnado vita- Ifcio fkava institufdo, definindo 0 car~irer conservador e seleti- vo do sistema em cujo apice se situaria 0 rei. Varios desdobramentos ocorreram ap6s a outorga da Consti- tU1CIO 1824,0 maior dcles tendo sido a revolll(,:ao republica- l1a ~lue envolveu todo 0 Nordeste, a Confedera<;:ao do Equador. Nesse movimento liberal radical destacaram-se lfderes como r;rei Caneca e Paes de Andrade. Ap6s alguns meses, a revolw;:ao foi vencida, tendo sido oito pessoas execuradas no Reci[e, denrre cbs Frei Caneca e 0 norte-americano Jones Heide Rodgers, mais seis revolucionarios no Cead e na Parafba e rres no Rio de Ja- neiro. execu<;:ao destes ultimos, os republicanos e mac;:ons Sil- va Loureiro, Metrovich e Ratcliff, seguiram-se manifestac;:6es de capitaes de navios amencanos, estacionados no porto, em ho- menagem aos mortos. A notfcia de tais eventos repercutiria na Austria, tendo 0 secrerario de Menernich, Gentz, declarado ofi- cialrnente ao ministro brasileiro Antonio Tdes da Silva, a 18 de novembro de 1824, 0 desagrado do governo austriaco ante 0 ocorrido. A dificil consolida<rao Oa outorga da Constilui<;:ao de 1824 a abdicac;:ao e expulsao de D. Pedro I em 1 1,0 processo se acelerou. 60 0 I'ROCF.SSO POLl Como resulrado o nasceme Esrado brasileiro assLlmiu a forma de uma monarquia constirucionaL Manteve-se a base escravista, defend a pel os setores mais conservadores da aristocra- cia agraria. Mas a de poder que se operoll no proccs- so de independencia implicou, como se viu, no afastamento dos Andradas em 1823 e na marginaliza<;:ao dos liberais. D. Pedro se aproximou mais e mais dos comerciantes ponugueses, isolando a aristocracia agraria brasileira dos negocios do Estado, sobretudo apos a dissolu<;:ao cia Assembleia Consrituilltc de 1823. Os impasses que 0 imperador cnfrel1tOll a partir de entao derivaram desta dualidade: de lim lado, a aristocracia da terra obrivera algumas vit6rias co mercio) mas es tava portugues" sustentava a politica cular uma soll!(;ao para os Brasileiro demandava. da escravidao e do livre- Olltro lado, 0 "partido mas nao lograva arti- o emergente Estado o golpe de 1824, a ao mOvllllCl1to republicanista da Confedera<;:ao do Equador e a outorga da COl1Stitlli<;:ao dao inlcio ao processo de esvaziamento politico do Primeiro Reina- do. A independencia de 1 assil1l, a meio-caminho, sendo 0 processo de constru<;:ao do Esrado nacional brasileiro rctomado somcnte cm 1831, ap6s a cxpulsao do imperador, com 0 retorno ao poder de da aristocraeia agraria. a reconhecimento e set! pre<;o Aconsolida<;:ao da reconhecimento politico das ourras conhccimentos foram simples pre beneficiaram 0 Brasil, para a formalizat;:ao dos 1 csbarrou ainda no Na maioria, tais re- comerClalS, que nem sem- o colocava em 111a posi- No mercado mundial, novos parceiros dispostos a () I'IH )(1\\( 1 POLITICO 61 os FSI:ldm; Unidos como a I )()u (ri n3 !'vlonroe, em oposi<;:ao aos interesses e foram dcs 0 primeiro Esta- do a reconhecer a . do Brasil, a 2') dc junho de 1824, negociando lim comercio, clltretanto, insufi- eiente politieamentc c imediarista para ofcrcccr um contrapeso a Santa Alian<;:a c a As repLlblicas rcc6n- independentes da Amenca espanhola demoraram mai" tempo para reconhecer a nossa indcpendencia, dcvido a fonna monar- quica de organiza<;:ao adotada, alem das posi<;iies expansionistas do Rio de Janeiro na Provincia Cisplatina. J{/(,.,tl tid LOrl't'!d .\/.!t t'lo . (J{,'o J:llfHlf.Ilf) da guerra mtre Brasil e tH ProviJlCltlJ Unidas do Rio cia Prata pela posse da Provincia CisplLltinLl (J 8 de Assegurada por tra tados desde 1810, a posicrao cia Ingbter- ra cra hegemonica cm rcla<;ao ao Brasil. A forma de governo, os intcresses comerciais assentados na ex-colonia portllguesa e o anterior auxilio direto n:1 transfercncia da Corte portugue- sa eonvergiam no selltido de c0l1s01idar a preeminencia briti- 62 0 I'!{OCFSS() 1'0 If nco 11lca no Brasil, 0 que se daria nos anos 20, ap6s 0 gnto do Ipiranga. As negocia<roes com a Inglaterra deveriam balizar-se pe!os tra- tados de 1810, que expirariam em 1825. A posi-;ao brasileira, negociada por Felisberto Caldeira Brant Pontes, era dificultada pelo nao-cumprimenta da promessa luso-brasileira de elimina- <rao gradual do comercio negreiro. A Inglaterra apoiara os 1110- vimentos de emancipa<;:ao da America espanhola, era aliada de Portugal e nao podia desagradar a Santa Alians:a; mas a conti- nuidade da dinastia de Braganc;a, a atitude ante 0 revoluciona- rismo separatista da Confederac;:ao do Eqllador e a promessa de extensao, nos portos do Brasil, de raribs adllaneiras privilegia- das a Austria. a Prussia e a Russia fizeram com que esscs obsta- culos fossem ultrapassados. o reconhecimento por parte de Portugal . mais simples, vista que dependia economicamente da Inglaterra. A 29 de agos- to de 1825 foi assll1ado 0 acordo de reconhecimenta, mediante indenil'.ac;ao em libras e manutenc;ao do tftulo de "imperador do Brasil" para O. Joao VI - sugerindo a ideia de "legitimida- de Pedro 1. A Inglaterra mantcve 0 controlc sobre os dois paises, ao emprestar ao Brasil a quaIllia (alias, a mesma devida por Portugal a Inglaterra ... ). Do Brasil sairam, assim, os juros e pagamenros de scrvis:o da divida. o reconhccimento da independencia por parte da ex-metro- pole
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