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O Autor analisa, aqui, a irradiação dos efeitos das normas (ou va- lores) constitucionais aos outros ramos do direito. O principal aspecto dessa irradiação, ao qual dá maior ênfase, como indica o subtítulo deste livro, revela-se na vinculação das relações entre particulares a direitos fundamentais, também chamada de efeitos horizontais dos direitos fun- damentais. Ainda que com relativizações, os direitos fundamentais foram conce- bidos como direitos cujos efeitos se produzem na relação entre o Estado e os particulares. Essa visão limitada provou-se rapidamente insuficien- te, pois se percebeu que, sobretudo em países democráticos, nem sempre é o Estado que representa a maior ameaça aos particulares, mas, sim, outros particulares - especialmente aqueles dotados de algum poder so- cial ou econômico. Por diversos motivos, no entanto, é impossível sim- plesmente transportar a racionalidade e a forma de aplicação dos direitos fundamentais da relação Estado-particulares para as relações entre par- ticulares, especialmente porque, no primeiro caso, apenas uma das par- tes envolvidas é titular de direitos fundamentais, enquanto no segundo caso ambas o são. Some-se a isso o fato de que os particulares, em suas relações entre si, agem, em geral, com fundamento em sua autonomia privada, o que não ocorre nos casos das ações estatais. Assim, um dos maiQr.~_s __ @safio~_Qa abordagem do problema é a forma de conciliação ' .~ ------·---------~·-· .. -·1 enti;-e direitos fundamentais, de um lado, e autonomia privadaj de outro, tema brilhantemente erifrentado nesta obra, de alcance inestidiável para os 6peradores do Direito. 1 l·llllll'llllUllUlllll lllll llll~ lllílf li * ó '6 ,3 4 o . 8 * Registro: 033239 VIRGÍLIO AFoNso DA SILVA é Profes- sor Titular de Direito Constitucional e Direitos Fundamentais na Faculda- de de Direito da Universidade de São Paulo-USP. É Mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo, Dou- · tor em Direito pela Universidade de Kiel, Alemanha, e Livre-Docente em Direito Constitucional pela Universi- dade de São Paulo. É autor de vários trabalhos - artigos, monografias e coletâneas - no Brasil e no Exterior, dentre os quais: • Grundrechte und gesetzgeberische Spielraume, Baden-Baden (Alemanha), Nomos, 2003. Pela Malheiros Editores publicou, anteriormente: • Direitos fundamentais, conteúdo essencial, restrições e eficácia (2ª ed., 2ª tir., 2011); •Interpretação constitucional (Org.), (1 ª ed., 3ª tir., 2010); • Sistemas eleitorais (1999); • Teoria dos direitos fundamentais, de RobertAlexy (tradução e notas, 2ª ed., 2011). --MALHEIROS :i~:iEDITORES ----- teoria & direito público----- A CONSTITUCIONALIZAÇÃ_O DO DIREITO Os direitos fandamentais nas relações entre particulares Obras da Coleção coleção dirigida por Virgílio Afonso da Silva Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Jean Paul C. Veiga da Rocha Escola de Direito de São Paulo -Direito GV 1. ROBERT ALEXY - Teoria dos Direitos Fundamentais (Trad: do Theorie der Grundrechte, por Virgílio Afonso da Silva) 2. WILSON STEINMETZ -A Vinculação dos Particulares a Direitos Fundamentais 3. VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA ( org.) - Interpretação Constitucional 4. VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA -A Constitucionalização do Direito 5. MARcoAURÉLIO SAMPAIO-A Medida Provisória no Presidencialismo Brasileiro ------ teoria & direito público------ -A CONSTITUCIONALIZAÇAO DO DIREITO Os direitos fundamentais nas relações entre particulares 1ª edição, 3ª tiragem VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA - . MALHEIROS ;;;:EDITORES A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO Os direitos fundamentais nas relações entre particulares © VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA ]ªedição: 2005; 1ª edição, 2ª tiragem: 04.2008. ISBN: 85-7420-696-2 Direitos reservados desta edição por MALHEIROS EDITORES LTDA. Rua Paes de Araújo, 29, conjunto 171 CEP 04531-940 ~São Paulo~ SP Te!.: (Oxxll) 3078-7205 Fax: (Oxxll) 3168-5495 URL: www.malheiroseditores.com.hr e-mail: malheiroseditores@terra.com.hr Composição Acqua Estúdio Gráfico Ltda. Capa Criação: Vânia Lúcia Amato Arte: PC Editorial Ltda. Impresso no Brasil Printed in Brazil 06.2011 / 1 A todos os' amigos da nova geração . que crêem na possibilidade, também na área jurídica, de se dedicar integralmente à docência e à pesquisa. SUMÁRIO Apresentação e agradecimentos . . .. ... .. .. . . . .. .. .. .. . . . . .. .. . . . . . . .. .. ..... .. . 13 Capítulo 1. Introdução 1.1 Delimitação do tema........................................................ 17 I. I .1 Um tema verdadeiro ou um tema emprestado?...... 21 { I .2 Estado social e constitucionalização do direito..... 23 1.2 Método............................................................................. 25 I .3 Desenvolvimento do trabalho.......................................... 26 1.4 Tese.................................................................................. .27 Capítulo 2. A distinção entre regras e princípios. 2.1 Introdução........................................................................ 29 2.2 Teorias sobre a distinção entre princípios e regras........ 30 2.2. I Mandamentos de otimização.................................. 32 2.2.l.I Conflito entre regras ........................ ,......... 33 2.2.1.2 Colisão entre princípios .............. ,.............. 34 2.3 O problema terminológico............................................... 35 Capítulo 3. Constitucionalização: teorias, formas e atores 3.1 Introdução ..... :.................................................................. 38 3.2 Schuppert!Bumke ................. , .......... :, ..... ,......................... 39 3.2. I Reforma legislativa ..... ;........................................... 39 3.2.2 Irradiação do direito constitucional..................... 41 3.2.3 Os atores da constitucionálização........................ . 43 3.2.3.I O legislador................................................ 43 3.2.3.2 O judiciário ................... :........................ 44 3.2.3.3 A doutrina..................................................... 44 3.3 Louis Favoreu .......................................... ,........................ · 46 · 3.3.I Tipos de constitucionalização............................... 46 3.3. I. I Constitucionalização-juridicização ... .. .. . ... 46 8 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO 3.3.1.2 Constitucionalização-elevação............... 47 3.3._1.3 Constitucionalização-transformação......... 47 3.3.2 Efeitos da constitucionalização .............................. 48 3.3.2.1 Unificação da ordem jurídica.................... 48 3.3.2.2 Simplificação da ordem jurídica................ 49 Capítulo 4. Conceitos-chaves na vinculação dos particulares a direitosfundamentais 4.1 Introdução........................................................................ 50 4.2 Ameaça "horizontal" a direitos fundamentais................ 52 . 4.3 Relações privadas, interindividuais e entre particulares 54 4.4 Eficácia, efeitos e aplicabilidade.................................... 54 4.4.1 O art. 5º, § 1º, da Constituição.;............................ 57 4.4.2 Não-efeitos, efeitos indiretos, efeitos diretos e aplicabilidade ......... ·................................................ 58 4.5 Previsões constitucionais................................................. 60 4.6 A renúncia a direitos fundamentais................................. 61 4.6.1 O conceito de renúncia: esclarecimentos terminológicos........................................................ 63 4.6.2 Os direitos fundamentais e seu exercício............... 64 Capítulo 5. Modelos de relação entre direitosfundamentais e relações entre particulares 5.1 Introdução ......................................... :.............................. 66 5.2 Efeitos na legislação e efeitos nas relações jurídicas..... 68 5.3 Direitos fundamentais e legislação................................. 69 5.4 Negação de efeitos dos direitos fundamentais nas relações privadas........................................................... 70 5.4.1 Autonomia do direito privado................................ 71 5.4.2 Confusão metodológica .... ,.,................................... 74 5.5 Efeitos indiretós .............................................................. 75 5.5.1 Direitos fundamentais como sistema de valores.... 76 5.5.2 Direitos fundamentais e cláusulas gerais.............. 78 5.5.3 ~ p:ática jurisprudencial do modelo de efeitos indiretos................................................................. 80 5.5.4 A crítica ao modelo de efeitos indiretos................. 81 5.5.4.1 Direitos fundamentais e sistema de valores 83 5.5.4.2 Insuficiência das cláusulas gerais............. 85 SUMÁRIO 5.5.4.3 Autonomia do direito privado ......... ;.......... 85 5.6 Aplicabilidade direta ..... ................ .................. ........ .... .. 86 5.6.1 Nipperdey e os efeitos absolutos dos direitos fundamentais ..................... : .... :................................ 87 5;6.1.1 A desnecessidade de mediação legislativa 89 5.6.1.2 A desnecessidade de artimanhas interpretativas ................. :.,........................ 90 5.6.2 A prática jurisprudencial do modelo de aplicabilidade direta............................................... 91 5.6.2.1 O STF e o modelo de aplicabilidade direta 93 5.6.2.1.1 Devido processo legal nas relações entre particulares ........... ,............ 93 5 .6.2.1.2 Igualdade nas relações· de trabalho 94 5.6.2.2 Sobrevida de uma tese minoritária............ 94 5.6.2.2.1 "Bosman v. UEFA" ............. :...... 95 5.6.3 A crítica à teoria da aplicabilidade direta............. 96 5.6.3.1 Autonomia privada ........... ;......................... 96 . 5.6.3.2 Clareza conceitua!... .......... , ...... ; ..... ,........... · 97 5. 7 Ações privadas e o Estado: equiparação e imputação ... 98 5. 7.1 "State action " ................. :....................................... 99 5. 7.1.1 A doutrina da ação estatal e a jurisprudência brasileira ........................... 102 5. 7.2 A teoria de Schwabe ...................... ; .......... ~ .............. 104 5. 7.3 Críticas aos modelos de equiparação e imputação t 05 Capítulo 6. Concepções de constituição e de direitos fundamentais 6.1 lntrodução....................................................................... 107 6.2 Concepções de constituição............................................. 109 6.2.1 Constituição-lei ......................................... ~............ 111 6.2.2 Constituição-fundamento ................... ,................... 112 6.2.3 Constituição"moldura ..... :....................................... 115 6.2.3. l A definição do conceito de moldura .......... 116 6.2.3.2 Constitúição como moldura e a teoria dos princípios .................................................... 117 6.2.3.3 Teoria dos princípios e constituição total.. 119 6.2.3.4 Teoria dos princípios e constituição como moldura: compatibilidade.......................... 120 IO A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO 6.3 A concepção de constituição e a constitucionalitação do direito................................................................................ 122 6.3.J Constituição-total e constitucionalização do direito 124 6.3.2. Constituição-lei e a constitucionalização do direito 125 6.3.3 Constituição-moldura e a constitucionalização do direito...................................................................... 126 6.4 Previsões.constitucionais................................................. 126 6.5 Uma teoria dos direitos fundamentais: breves considerações................................................................... 127 ·capítulo 7. Um modelo adequado 7.1 Introdução........................................................................ 132 7.2Empréstimo teórico e adaptação..................................... 135 7.2.J Barreiras contra a expansão dos direitos fundanientais ................... .. .. ..... ...................... .. ....... 136 7.2.2 Liberdades públicas.como função clássica dos direitos fundamentais............................................. 137 7.2.3 A 'teoria adotada pela Constituição;...................... 138 7.2.4 A vinculação expressa dos três Poderes ........... ,.... 139 7.3 Modelos e conseqüências................................................. 141 7.4A convergência de modelos e o modelo adequado.......... 143 7.5 Ponto de partida: o modelo em três níveis...................... 143 7.6 Um modelo diferenciado.................................................. 145 . 7.6.J Direitos fundamentais como princípios e direito à proteção .............................................. , ...... ,......... 146 7.6.2 Mediação legislativa e efeitos indiretos................. 147 7.6.3 Aplicabilidade direta ............................. ,................ 148 7.6.4 Princípios fonnais ................................... ,.............. 148 7.6.4.J Sobre a função dos princípiosfomiais e o conceito de conipetência .......................... ,. 149 7.6.4.2 Direitos fundamentais, autonomia privada, competências e não-competências.,........... 151 7.6.4.3 Princípiosfomiais como razões para competências.............................................. 152 7.6.5 Sopesamento e valoração....................................... 153 7.6.5.J Assimetria entre aspartes envolvidas........ 156 7.6.5.2 Autonomia real e autonomia aparente....... 158 .SUMÁRIO 7.6.5.3 Precedência "primafacie'~ e intensidade da restrição a direitos ..................... ············ 7.6.5.4 Autonomia privada e regra da . proporcionalidade······················:················ 7.6.5.5 Conteúdo essencial da autonomia e dos direitos fu,ndamentais ................................. . 7.6.6 Direitos fundamentais nas ~elações entre articulares não-contratuazs ... ·················· ........ ······ 1;.6.6.1 O caso Ellwanger - HC 82.424 ............... . 11 159 160 164 166 167 Capítulo 8. Considerações finais ............ .. .. 171 8 J Introdução························································ 171 8· 2 Um direito civil constitucional? ·······:···:········:····d············· 172 . . . - d" "to público e dzrezto przva o ........ . 8.3 A dzstznçao entre zrez Capítulo 9. Conclusão ................ 175 91 Introdução······················································· ·175 9:2 Modelo e solução ............................................................ . Bibliografia citada .................................................................... . 178 APRESENTAÇÃO E AGRADECIMENTOS Esta obra é uma versão da minha tese de livre-docência, defen- dida em novembro de 2004 na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Com ela, sigo uma linha de pesquisa à qual venho me dedicando já há algum tempo, no âmbito da dogmática dos direitos fundamentais. Nesse sentido, e como é facilmente perceptível pela leitura do trabalho, ela parte dos mesmos pressupostos teóricos que têm sido a base da minha produção acadêmica desde, pelo menos, a minha tese de doutorado, defendida na Universidade de Kiel, Alema- nha. Dentre esses pressupostos teóricos, o mais importante deles é, sem dúvida, a teoria dos princípios, especialmente na forma como desenvolvida por Robert Alexy. Mas a essa teoria tenho tentado, a cada novo trabalho, acrescentar aquilo que me parece serimprescin- dível para o seu aperfeiçoamento. Esse é também um traço distintivo do que acima chamei de linha de pesquisa: os resultados obtidos em um trabalho são ó ponto de partida do trabalho seguinte. É desse con- ceito de linha de pesquisa que parte esse trabalho. Diante disso, um dos principais elementos que desenvolvi em meu doutorado, os .chamados princípios formais, está presente tam- bém aqui neste trabalho. Se, no doutorado, o desenvolvimento de um conceito de princípios t'orlnais tinha como papel principal· auxiliar a compreensão da relação entre legislativo e judiciário na realização dos direitos fundamentais, e para isso a ligação principal era entre esse conceito e as idéias de incomensurábilidade e paridade, ele res"' surge ~qui com um propósito bastante distinto .. Associado ào concei- to de autonomia privada, ·os princípios formais visam a auxiliar a compreensão dos direitos fundamentais em outro tipo de relação: as relações entre particulares. Este é, portanto, um trabalho sobre direi- tos fundamentais rías relações entre particulares que tem como ponto 14 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO de partida a teoria dos princípios complementada com o conceito de princípios formal. Como tese de livre-docência, este trabalho foi defendido perante banca examinadora. composta pelos professores Odete Medauar, Enrique Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso, Carlos Rober- to Siqueira Castro e Ricardo Lobo Torres. A todos eles devo agrade- cer as argüições ao mesmo tempo incisivas, justas e construtivas. Aquele que tiver a oportunidade de comparar o texto deste livro com o texto original de minha tese poderá perceber que tais agradecimen- tos não são meramente protocolares e poderá verificar que todas as argüições foram aqui assimiladas. Embora o trabalho acadêmico seja quase sempre um trabalho individual, o acadêmico não trabalha isolado do mundo. Muitas pes- soas foram e continuam sendo importantes na minha vida acadêmica em geral e muitas foram essenciais na elaboração deste trabalho em particular. Ao meu orientador no doutorado,. Prof. Dr. Robert Alexy, agra- deço não somente os ensinamentos durante o meu doutoramento na Universidade de Kiel, que foram fundamentais também para a elabo- ração deste trabalho, como, além disso, a disposição para o diálogo já durante a pesquisa para esta tese de livre-docência, com relação à qual ele não tinha nenhuma obrigação formal. Não posso também deixar de agradecer ao Instituto Max Planck de Direito Público Comparado e Direito Internacional Público, em Heidelberg, Alemanha, especialmente ao Prof. Dr. Rüdiger Wolfrum e ao Prof. Dr. Annin von Bogdandy. Foi no Instituto Max Planck de Heidelberg, graças a urna bolsa a mim concedida pela Sociedade Max Planck, que pude fazer boa parte da pesquisa para essa tese. A MarcoAurélio Sampaio, além da qmizade incondicionál, pre-: ciso agradecer . a sempre . disponibilidade em ler o que escrevo, incluindo este trabalho, mesmo que, para isso, tenha que deixar de lado tarefas importantes de sua vida pessoal e profissional .. O mesmo agradecimento é devido também a Jean Paul C. Veiga da Rocha, cujas indagações também ajudaram a melhorar este trabalho. A Otavio Yaz- bek e Luís Renato Vedovato, que tiveram a.sorte de Qão ter que ler este trabalho, mas que são leitores freqüentes do que escrevo, agrade- ço também a amizade e a eterna prontidão para a críticà. APRESENTAÇÃO E AGRADECIMENTOS 15 . À nova geração de acadêmicos que, contra o lugar comum, acre- ditam na possibilidade de se dedicar integralmente à docência e à pes- quisa, especialmente, mas não somente, a Jean Paul C. Veiga da Rocha, Diogo R. Coutinho, Conrado Hübner Mendes, Maíra Rocha Machado e Luciana Gross Cunha, só posso agradecer o empenho e a dedicação com que têm transformado esse projeto de vida em reali- dade. Aos meus alunos na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo tenho que agradecer o espírito sempre crítico e a não-satis- fação com a "opinião da cátedra". Ao incentivá-los à discordância, recebo em troca muitas vezes um questionamento de meus próprios pontos de partida, o que me leva a sempre refletir sobre eles e nunca me acomodar. Aos amigos Murilo Celebrone, Alexandre Suguimoto, Cassius Medauar, Andres Lustwerk Santos e Gustav Lustwerk Santos agrade- ço a amizade de sempre e o fato de não terem nenhuma relação com a área jurídica. É sempre bom poder sair com os amigos e falar sobre qualquer outra coisa, mas não sobre direito. À minha farm1ia, que me acompanha nos diversos passos da minha carreira acadêmica, agradeço o apoio e o incentivo que nunca faltaram. À comunidade Linux e àqueles que apóiam o software livre agra- deço o apoio e, mais do que isso, a luta incansável para oferecer alter- nativas a programas de computador de empresas monopolistas. Tra- balhar com programas gratuitos e, sobretudo, estáveis, como o sistema operacional Linux e o processador de textos O pen Writer, do OpenOffice, economizou sobretudo meu tempo e momentos de mau humor. Por fim, a despeito da importância que todos os mencionados anteriormente têm na minha vida acadêmica e, em alguns casos, tam- bém na minha vida pessoal, o agradecimento mais importante é devi- do a Magdalena Nowinska. A ela, contudo, não agradeço isso ou aquilo, por essa ou aquela razão. Simplesmente agradeço. Intransiti- vamente. VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA Capítulo 1 INTRODUÇÃO 1.1 Delünitação do tema: 1.1.l Um tema verdadeiro ou um tema emprestado?; 1.1.2 Estado social e constitucionalização do direito - 1.2 Método -1.3 Desenvolvimento do trabalho -1.4 Tese. 1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA A falta de comunic:ação entre os diversos ramos do direito pro- voca efeitos indesejáveis. Muito daquilo que, para os operadores de uma disciplina jurídica é tido como ponto pacífico pode ser, para os operadores de outras disciplinas, um completo despropósito. O obje- tivo deste trabalho é, em grande medida, analisar um aspecto relacio'." nado a um desses problemas de comunicação. Para o constitucionalista, ciente da hierarquização do ordena- mento jurídico, 1 em cujo topo figura o documento constitucional escrito, parece não haver nenhum problema na subordinação de todo 1. A hierarquização é um corolário do princípio dinâmico dos sistemas jurídi- cos, que pressupõe que a validade de uma norma jurídica deve ser determinada por critérios estritamente formais, o que significa que uma norma é considerada válida se tiver sido elaborada por uma autoridade competente que, por sua vez, tiver sido cria- da por uma norma em um nível hierárquico a ela superior. No topo dessa cadeia encontra-se a constituição. A elaboração do conceito de princípio dinâmico dos orde- namentos juádicos costuma ser atribuída a Kelsen (cf. Hans Kelsen, Reine Rechts- lehre, p. 196), mas sua concepção se deve, na verdade, a Merkl (cf, Adolf Mei:kl, "Prolegomena einerTheorie des rechtlichen Stufenbaus", in Alfred Verdross (Hrsg.), Gesellsclzaft, Staat und Recht, Festschrift Hans Kelsen, pp. 254 e 272 e ss. Sobre o tema, cf., sobretudo, Stanley L. Paulson, "Zur Stufenbaulehre Merkls", in Robert Walter (Hrsg.), Adolf J. Merkl: Werk und Wirksamkeit, p. 101 e H. L. A. Hart, The Concept of Law, pp. 90-94). 18 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO o ordenamento jurídico à constituição.2 Mas não é a esse fenômeno que se quer fazer referência quando se fala em constitucionalização do direito, título deste trabalho. Com constitucionalização do direito quer-se aqui fazer menção, em linhas gerais, que serão desenvolvidas nó decorrer do trabalho, à irradiação dos efeitos das normas (ou valores) constitucionais aos outros ramos do direito. O principal aspecto dessa irradiação, ao qual se dará maior ênfase, como indica o subtítulo desta investigação, reve- la-se na vinculação das relaçõesentre particulares a direitos fundamen- tais, também chamada de efeitos horizontais dos direitos fundamenta.Is. Como se sabe, ainda que com relativizações, os direitos fundamentais foram concebidos como direitos cujos efeitos se produzem na relação entre o Estado.e os particulares. Essa visão limitada provou-se rapida- mente insuficiente, pois se percebeu que, sobretudo em países demo- cráticos, nem sempre é o Estado que significa a maior ameaça aos par- ticulares, mas sim outros particulares, especialmente aqueles dotados de algum poder social ou econômico. Por diversos motivos, no.entan- to; é impossível simplesmente transportar a racionalidade e a forma de aplicação dos direitos fundamentais da relação Estado-particulares para a relação particulares-particulares, especialmente porque, no pri- meiro caso, apenas uma das partes envolvidas é titular de direitos fim- damentais, enquanto que, no segundo caso, ambas o são. . No Brasil, contudo, ao contrário do que ocorre em países como Alemanha, Espanha, Itália, Israel, Áfricà do Sul e Portugal, entre outros, a doutrina constitucional ainda não tem dado a devida atenção aos efeitos dos direitos fundamentais para além da relação cidadão- Estado. E isso não somente devido a uma demasiada atenção aos direitos fundamentais de cunho liberal. Mesmo nas análises dos direi- . tos de outras "gerações'', ou seja, dos direitos fundamentais pós-libe- rais, o foco costuma se manter única e exclusivamente na relação cidadão-Estado. Como lidar com limitações a direitos funda111entais quando elas são fundadas em atos entre particulares, celebrados sob o manto da autonomia privada? Há, nesses casos, violação a direitos fundamentais? Ou quem pode violar direitos fundamentais é unica- mente o Estado? 2. Cf. Gunnar Folke Schuppert e Christian Bumke,Die Konstitutionalisierung der Rechtsordnung, p. 9. INTRODUÇÃO. 19 O debate sobre a irradiação dos efeitos dos direitos fundamentais nos outros ramos do direito é bastante intenso em outros países, como já foi mencionado acima; Sem dúvida alguma, por motivos que serão analisados posteriormente, é na Alemanha que o problema é estuda- do de forma sistemática há mais tempo. Mas também nos Estados Unidos, ainda que de forma assistemática, o tema é velho conhecido da doutrina e, especialmente, da jurisprudência. Nos Estados Unidos, o marco inicial foi a decisão da Suprema Corte no caso Shelley v. Kraemer.3 Com o intuito de evitar a presença de negros em um loteamento na cidade de Saint Louis, exigiu-se, via contrato, que os compradores de terrenos no local não poderiam alie- ná-los em favor de indivíduos não-brancos. Um dos proprietários, no entanto, resolve vender sua propriedade a um casal de negros e essa venda foi contestada judicialmente, por violação da cláusula restritiva. O pedido obteve sucesso no Tribunal Estadual de Missouri, mas, na Suprema Corte, decidiu-se que aquela cláusula restritiva feria a cláu- sula de igualdade da Emenda XIV da Constituição americana. O caso, aparentemente simples, possui elementos dogmáticos fundamentais, que podem passar despercebidos se não for feita uma análise global da posição da própria Suprema Corte acerca da relação entre a Emenda XIV e cláusulas contratuais restritivas nos moldes daquela acima cita- da. A Suprema Corte parte do pressuposto de que cláusulas contratuais decididas entre particulares no exercício de sua autonomia privada não violam, isoladamente consideradas, a Emenda XIY. Essa sempre foi uma jurisprudência relativamente pacífica da Corte, reafirmada até mesmo na própria decisão Shelley v. Kraemer: "Desde ( ... ) os Civil Rights Cases( ..• ) firmou-se, em nosso direito constitucional, o princí- pio de que as ações inibidas pela primeira seção da décima quarta Emenda são somente aquelas que podem ser consideradas como sendo ações estatais. Aquela Emenda não ergue nenhuma proteção contra condutas meramente privadas, ainda que discriminatórias ( ... )".4 · .. O trecho citado, a despeito da decisão de mérito contra a cláusu- la restritiva, reafirma a idéia de que direitos fundame'ntais - no caso 3. Shelley v. Kraemer, 334 US l (1948). Há, na verdade, casos cronologicamen- te anteriores, mas que não tiveram a mesma repercussão de Shelley v. Kraemer. Cf., por exemplo, Buclzanan v. Warley, 245 US 60 (1917). 4. Shelley v. Kraemer, 334 US l, 13 (1948), sem grifos no original. 20 A CONSTIWCIONALIZAÇÃO DO DIREITO o direito a um tratamento igual - só valem nas relações entre os cida- dãos e o Estado e não para os cidadãos em suas relações particulares.5 Um argumento·intuitivo - e bastante simplista - poderia.tentar retirar o valor dessa discussão para o caso brasileiro por meio da mera suposição de que qualquer ato de discriminação é vedado no Brasil. Ainda que isso seja verdadeiro em face da disposição expressa do art. 5º, XLII, o problema não desaparece. Embora seja possível imaginar que ninguém argumentaria a favor de uma cláusula contratual nos moldes da apresentada brevemente acima, não é difícil imaginar outros exemplos com contornos fáticos semelhantes, mas que talvez não provocassem a unanimidade esperada. Seria inconstitucional a conduta de um comerciante de origem japonesa que, ao contratar um novo balconista para sua loja, exigisse alguém que também tivesse origem japonesa? Seria inconstitucional que se proibisse, via contra- to, que os funcionários de uma determinada emissora de TV apare- çam em programas jornalísticos ou culturais de outras emissoras?6 Em ambos os casos, como se pode notar, há uma potencial restrição a direitos fundamentais por meio de atos sem a participação estatal. A resposta a ambas as perguntas, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, não é simples; Se adicionarmos à discussão a idéia de irrenunciabilidade e ine- gociabilidàde dos direitos fundamentais, o quadro fica ainda mais complexo. Não são poucos os atos, contratuais ou não, que implicam uma renúncia, ainda que temporária, ao exercício de alguns direitos fundamentais. O exemplo mais marcante e attial são os chamados reality shows das emissoras de TV bràsileiras e estrangeiras. Aíl1da que seja polêmico o debate sobre a violação à dignidade dos partici- pantes desses programas, é facilmente perceptível que, por ato de vontade,. esses participantes renunciam à sua privacidade, garantida pelo art. 52, X, da Constituição. Nos países europeus, em cuja doutrina e jurisprudência há uma aceitação maior da idéia de vínculo dos particulares aos direitos·fun- 5. Sobre a doutrina da state action e as relativizações a essa posição, cf. 5.7.l, abaixo. · · 6. As possíveis restrições a direitos fundamentais em relações sem a presença do Estado não se limita a restriçõés decorrentes de contrato celebrado entre as par- tes. Para mais exemplo, cf. 7.6.7. INTRODUÇÃO 21 <lamentais, a discussão tem se concentrado naforma como os direitos fundamentais devem ser considerados nas relações privadas. Na Ale- manha, por exemplo, desde o famoso caso Lüth, 7 no qual se reconhe- ceu que - embora os direitos fundamentais sejam, em primeira linha, direitos de defesa do cidadão contra o Estado -, seus efeitos não se limitam a esse tipo de relação, discute-se de que forma esses direitos podem ,.... ou devem - interferir na autonomia privada. Discute-se, nesse âmbito, sobretudo acerca dos efeitos diretos ou indiretos daque- les no âmbito desta, Essa discussão, contudo, apesar de sua importância prática, não tem merecido a atenção devida no Brasil. Com exceção de artigos esparsos8 e de poucas e recentes monografias,9 não há discussão mais densa sobre o tema. 1.1.1 Um tema verdadeiro ou um tema emprestado? Como mencionado acima, o tema objeto deste trabalho é um tema pouco explorado pela doutrina e pela jurisprudência brasileiras. Diante disso; é de se perguntarse essa pouca atenção se deve a uma falha dos operadores do direito ou se o tema não tem, a despeito da enorme produção doutrinária e jurisprudencial no exterior, grandes interesses para o sistema jurídico brasileiro. Como alerta Ingo Wolf- gang Sarlet, é possível que "onde não se controverte talvez não haja o que controverter". 10 O questionamento não é retórico. É perfeita- mente possível que questões extremamente polêmicas em outros paí- 7. BVerfGE 7, 198. 8; Cf., por exemplo; IngoWolfgang Sarlet. "Direitos fundamentais e direito pri- vado: algumas considerações em tomo . da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais", in: lngo Wolfgang Sarlet (org.), A Constituição concretizada, pp. 107-163. 9. Cf., sobretudo, Wilson Steinmetz, A vinculação dos particulares a direitos fundamentais e Daniel Sarmento,· Direitos fundamentais e relações privadas. Há também algumas coletâneas que versam sobre o chamado direito civil constitucional (cf., por exemplo, Rerian Lotufo (coord.); Direito civii constitucional - caderno 3. Sobre o tema, cf. 8.2, abaixo). "Direito civil constitucional" não significa, contudo, · um estudo do tema aqui abordado e pode, muitas vezes, limitar~~e a uma análise dos dispositivos de direito privado no texto constitucional e seus efeitos. 10. Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos direitos fimdamentais, p. 354. Sarlet rejeita, contudo, essa hipótese. 22 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO ses não sejam de grande relevância para o direito brasileiro, especial- mente em decorrência de diversidades estruturais e legais entre diver- sos países. u Como se sabe, e como ficará bastante claro no decorrer desse tra- balho, o tema "constitucionalização do direito", e seu subtema prin- cipal, a "vinculação de particulares aos direitos fundamentais", tem seu epicentro nos países de lfugua alemã. Como se percebérá ao longo do trabalho, a grande mruoria dos trabalhos sobre o tema é ori- ginária da Alemanha e, em escala já bem menor, da Áustria e da Suíça. Ora, não é possível "importar", sem grandes reflexões, temas e problemas de outros países e tentar incuti-los, artificialmente, na discussão brasileira. Não só as tradições jurídicas podem ser bastan- te distintas, a despeito da filiação comum à família jurídica romano- germânica, como também o material básico de análise - os textos . constitucionais e legais - podem variar em grande escala. É o que acontece no caso dos direitos fundamentais, ainda que isso passe mui- tas vezes despercebido. Nesse sentido, embora consagre também os direitos fundamen- tais que a Constituição alemã e a grande maioria das constituições das democracias ocidentais consagram no âmbito dos chamados direitos de defesa ou das chamadas liberdades públicas, muitos dispositivos da Constitúição brasileira já dão a entender que eles não têm efeitos apenas na relação indivíduo-Estado, mas também nas relações dos indivíduos entre si. 12 Assim é que, ao lado da liberdade de expressão (CF, art. 5!!, IV), a Constituição já garante o direito de resposta (CF, art. 5!!, V). Ora, a díade liberdade de expressão/direito de resposta tem sua aplicação quase exclusivamente no âmbito da. relação entre particulares. Os direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem (CF, art. 5!!, X) são direitos que, sem grandes problemas, são considerados como 11. Um exemplo bastante atual desse fenômeno, ainda que não guarde relação com o presente trabalho, pode ser visto na questão da universàlização do acesso aos serviços públicos, tema central no debate sobre aregulação desses serviços no Bra- sil, mas que ocupa, quando muito, um lugar marginal em países desenvolvidos, nos quais a universalização.é fato quase qlie consumado. 12. Além disso; a Constituição brasileira elenca uma série de direitos funda~ mentais que não estão presentes na Constimição alemã. Cf., sobre isso, 1.1.2 e 7.2, abaixo. INTRODUÇÃO 23 oponíveis~ sobretudo, contra possíveis violações provenientes de atos de particulares. Mas a existência de direitos que se aplicam, por sua própria natureza, às relações entre os indivíduos não implica aceitar que tal aplicação sempre deverá ocorrer. Em quase todos os casos, 13 tal aplicação é, de fato, possível.· Resta saber, contudo, se ela é obri- gatória e, em caso afirmativo, como ela deve ocorrer. A investigação desse problema é um dos objetivos deste trabalho. 1.1.2 Estado social e constitucionalização do direito Além disso, a Constituição brasileira consagra também outros direitos fundamentais que não aqueles chamados de "clássicos" ;14 ao contrário do que ocorre com a Constituição alemã, cujo catálogo de direitos fundamentais consagra essencialmente direitos de caráter liberal; ou seja,Jiberdades públicas. A Constituição alemã é, por isso, a despeito da caracterização de "Estado Social e Democrático" conti- da no art. 20, 1, uma constituição de cunho liberal, cujos direitos fun- damentais são, essencialmente, direitos de proteção dos indivídu9s contra possíveis violações estatais. Por conseguinte, qualquer exten- são desse âmbito de aplicação a outros tipos de relação que não as relações indivíduo-Estado, exige uma fundamentação que não é tri- vial. Essa é, dentre outras, a razão pela qual a doutrina e a jurispru- dência alemãs sempre deram, desde a promulgação da Constituição, em 1949, grande atenção ao problema e é por isso, também, que quase todas as teorias para a reconstrução do problema foram desen- volvidas inicialmente por autores alemães, que tinham que superar dificuldades e limites do texto constitucional alemão que não estavam presentes em outros países. O caso brasileiro é, portanto, diverso, já que, além dos direitos de cunho meramente protetivo, a Constituição garante também direitos sociais e os chamados direitos dos trabalhadores. Diante disso, mui- tos dos problemas que deram início ao debate alemão sobre a consti- 13. Há, obviamente, direitos fundamentais que, por sua própria natureza, não são aplicáveis às relações entre os indivíduos. Basta que pensemos, por exemplo, nos chamados "remédios constitucionais". Mas mesmo esses sofrem algumas relativiza- ções, ainda que essas não sejam o produto de uma teoria específica, mas de constru- ções jurisprudenciais ad-hoc. Cf., sobre essa questão; 5. 7.1.1. 14. Sobre essa denominação, cf. 7.2.2, abaixo. 24 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO tucionalização do direito e os efeitos dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, seja na doutrina ou na jurisprudência, não ensejam grandes controvérsias no caso brasileiro, devido a previsões expressas da Constituição. Um caso paradigmático é a igualdade de salários entre homens e mulheres. Essa questão foi o ponto de parti- da, na Alemanha, de todo um debate sobre os efeitos dos direitos fun:- damentais nas relações entre particulares, 15 que, para o caso brasilei- ro, diante do previsto no art. 72, XX.X, tem pouca relevância. Isso não significa, claro, que o tema, em si, seja despido de interesse para casós como o brasileiro, em que a Constituição, por razões por todos conhecidas e que aqui pouco importam, desceu a minúcias· pouco comuns em outros textos constitucionais. Neste ponto vale a pena retomar uma hipótese formulada por Mark Tushnet. 16 Segundo ele, "a dificuldade que um sistema tem com a questão do efeito horizontal [dos direitos fundamentais] varia de acordo com o grau(.~.) de suplementação das normas liberais clássi- cas com outras de caráter social democrático". 17 A hipótese de Tush- net parece apontar para uma direção corretá, mas o desenvolvimen- tó que ó próprio àiltor dá a ela, não. Isso porque, a despeito de sua clara formulação, Tushnet, ao désenvolver a hipótese, dá maior ênfa- se aoutros aspectos· do chamado Estádo social e acaba por se esque- cer do arcabouço normativo-constitucional Il1ericionadona sua hipó'- tese. Assim, a despeito da Constituição alemã ter um catálogo de direitos fundamentais de cunho liberal, Tushnet inclui a Alemanha · entre os países em que a dificuldade em lidar corri os efeitos horizon- tais dos direitos fundamentais seria menor,. dado o seu comprometi'- mento com um Estado social. Embora esse comprometimento seja real e bastante conhecido e que a Alemanha seja, de fato, um paradig- ma de Estado social, isso não é suficiente pará explicar a questão. A dificuldade em lidar com o probléma da constitucionalização do direito e da extensão dos direitos fundamentais às relações entre. par- ticulares tem relação direta, como Tushnet originalmente propôs, com' 15. Cf., sobre isso, capítulo 5. 16. O autor chama sua hipótese de "especulação". Cf. Mark Tushnet, •"fhe Issue of State Action/Horizontal Effect in Comparative Constitutional Law", lnter- national Joumal of Constitutional Law 1 (2003), pp. 80 e 88. 17. Mark Tushnet,. ''The Issue of StateAction/Horizontal Effect in Comparati- ve Constitutional Law", p. 80. INTRODUÇÃO 25 o àrcabouço normativo-constitucional do sistema e não com um com- prometimento real com o Estàdo social. O exemplo alemão é claro nesse sentido: a despeito do seu grande comprometimento com o Estado social, a dificuldade em lidar com os efeitos horizontais dos direitos fundamentais foi enomie - e refletida na avassaladora produ- ção doutrinário-jurisprudencial sobre o problema. Essa dificuldade tem como causa essencialmente um problema normativo-constitucio:. nal: a ausência de normas de direitos fundamentais que não aquelas de cunho liberaL Diante disso, é de se supor que, no Brasil, especialmente no âmbito social-trabalhista, a extensão dos direitos fundamentais às relações entre particulares seja pouco problemática, em vista, sobre- tudo, do art. 72 da Constituição. Isso não significa, contudo, que, em outros. âmbitos, especialmente no âmbito jurídico-privado stricto sensu, a tensão entre direitos fundamentais e liberdade privada não existirá. 1.2 MÉTODO Falar em método na pesquisa jurídica significa, muitas vezes, adentrar terreno pantanoso. Aqui é necessário diferenciar método de trabalho de abordagem metodológica. No primeiro caso, há pouca variação, já que a pesquisa jurídica costuma limitar-se à análise da doutrina e da jurisprudência. A pre- sente pesquisa enquadra-se nesse método de trabalho, já que outros métodos - estatísticos, pesquisa de campo etc. - a ela não se aplicam. No que tange à abordagem metodológica, a presente investiga- ção tem caráter essencialmente dogmático. E, para usar a divisão pro- posta por Ralf Dreier e Robert Alexy, ela pretende ser uma pesquisa dogmática nas três dimensões do termo: analítica, empírica e nonna- tiva, mas com ênfase na primeira delas. 18 A dimensão analítica ocupa-se com a análise dos .conceitos envolvidos e a relação entre eles. Não menos importante é a indaga- ção sobre a relação entre esses conceitos e o direito positivo brasilei- 18. Cf. Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, pp. 23-25 e Ralf Dreier, Recht - Moral - Ideológie, pp. 10 e ss. 26 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO ro. A análise do direito vigente, especialmente do direito vigente na visão daqueles que o aplicam ~ os tribunais ,_ faz parte da tarefa da dimensão empírica da dogmática jurídica. Por fim, e com base nos resultados das análises conceituai e empírica, objetiva"."se fornecer uma resposta adequada para o problema enfrentado. Aí reside a dimensão normativa, que pretende prescrever soluções. É essa multi- dimensionalidade que expressa o caráter prático desta pesquisa. Não se cuida aqui de análise teórica que se esgota em si mesma. Pretende- se, pelo contrário, não só contribuir para a discussão sobre direitos fundamentais, mas tambémfornecer su.bsídios para a atividade juris- prudencial, especialmente aquela ocupada com a eficácia dos direitos fundamentais. 1.3 DESENVOLVIMENTO DO TRABAIJIO O presente trabalho é estruturado em nove capítulos. Após esta introdução, o capítulo 2 fixa uma das principais bases teóricas da investigação, que é a distinção entre princípios e regras e, mais importante, o conceito de princípios como mandamentos de otimiza- ção. O capítulo 3 é dedicado a uma breve exposição de duas análises sobre o fenômeno da constitucionalização do direito, na Alemanha (Schuppert e Bumke) e na França (Favoreu). No capítulo 4 são fixa- dos alguns pressupostos conceituais importantes para o desenvolver do trabalho, como a distinção entre eficácia, efeitos e aplicabilidade, o conceito de -ameaça "horizontal" a direitos fundamentais e, sobre- tudo, o conceito de renúncia a direitos fundamentais. O capítulo 5 dá início à parte do trabalho que se dedica com exclusividade aos efeitos dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Nesse capítulo serão, por isso, expostos e discutidos os principais modelos que pretendem reconstruir, explicar e guiar a vin- culação das relações entre particulares aos direitos fundamentais, especialmente os modelos de efeitos indiretos e de aplicabilidade direta, mas também o modelo da state action norte-americana. O capítulo 6 é dedicado principalmente ao conceito de constituição que; como será visto, embora muitas vezes relegado a um segundo plàno, pode ter importante conseqüências teóricas e práticas no objeto deste estudo. Já, no capítulo 7, é proposto um modelo alternativo aos mode- los apresentados no capítulo 5. Esse modelo, chamado de modelo INTRODUÇÃO 27 diferenciado, pretende ser mais flexível do que aqueles que normal- mente são adotados, especialmente na doutrina e jurisprudência ale- mãs. O capítulo 8 é reservado a uma breve análise de algumas teses que, embora não sejam centrais ao objeto deste trabalho, costumam ser a ele relacionadas, como a distinçao dentre direito público e direi- to privado ou a existência de um direito civil constitucional. b capítulo 9, pbr fim, é a conclusão geral do frabalho. 1.4 TESE O objeto deste trabalho é analisar uma das· principais formas do fenômeno conhecido como constitucionalização do direito: .os ef eifos e a aplicabilidade_ dos direitos fundamentais nas relações entre parti- culares. A tese defendida pode sér resúmida da seguinte forma: (1) A constitucionalização, e uma conseqüente conside~ação dos efeitos dos direitos fundamentais nas relações privada$ não ameaçam a autonomia do direito priv~do e, sobretudo, tãmbém não ameaçam ~ma das idéias centrais desse ramo do direito, a autonomia privada. Isso porque, sempre que possível, essa-produção de efeitos, para usar uma expressão_ consagrada, se dá por intermédio do material norma- tivo do próprio direito privado, o que garante a sua autonomia. O que muda, no entanto, se se comparar com a autonomia que o direito-pri- vado gozava especialmente até o século XIX, é o fato de que as nor- mas desse ramo do direito devem ser interpretadas com base nos prin- cípios de direitos fundamentais. Além disso, os próprios princípios gerais do direito, aos quais a doutrina privatística costuma freqüentemente recorrer, não podem mais ser considerados como_ princípios morais ou princípios supra ou extrajurídicos, mas uma expressão dos próprios princípios constitu- cionais. Já a autonomia privada, conceito-chave do direito privado e das relações entre particulares, é considerada não como um princípio material de direito, equiparável aos direitos fundamentais. Isso exclui uma possibilidade muito aventada nos trabalhos sobre o tema, que seria o sopesamento entre a própria autonomia privada e direitos fun- damentais eventualmente atingidos em uma relação entre privados. Essa forma de tentar garantir a sobrevivência da autonomia privada 28 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO diante da pressão dos direitos fundamentais em uma ordemjurídica constitucionalizada. é . problemática. Como será visto no capítulo 7, por ser um princípio formal, a autonomia privada é uma garantia de competências para os indivíduos. Nesse sentido, há um paralelo entre a competência decisória do legislador para tomar decisões em ques- tões que envolvemdireitos fundamentais e a autonomia privada, por- que essa última, tanto qµanto a primeira, funciona como uma espécie de suporte para competênCias. Sem esse suporte, os direitós funda- mentais "dominariam" as relações privadas e eliminariam toda a fle- xibilidade imprescindível a elas. Essa é a função da autonomia priva- da como princípio .formal da ordem jurídica: fazer força contrária a essa dominação. E, por ser um princípio forinal, essa aútonomianão pode pàiticipar de. um sope~amento junto com princípios materiais ( = direitos fundamentais), já que faltària, nesse procedimento, um cri:- tério de comparação que toma.Sse o sopesamento possível. (2)Para regular a produção de efeitos dos direitos fundamentais nas· relações privadas é necessário um modelo mais flexível que os modelos·propostos normalmente pela doutrina e péla jurisprudência alemãs. Esse modelo, proposto no capítulo 7, pressupõe que, sempre que possível, os efeitos deis direitos fundamentais se farão se11tir na.S relações privadas por. intermédio do material normativo· do próprio direito privado, como foi mencionado acima. Isso significa conferir uma primazia à mediação que o legislador ordinário faz entre a ordem constitucional e a ordem privada. Mas essa primazia nem sempre é possív~l. Em alguns casos, seja por om1ssão, seja por insuficiência legislativa, os efeitos dos direitos fundamentais somente podem ser diretos, havendo à necessidade, portartto; de uma aplicaçao direta dos direitos fundamentais no nível interprivados. Esse modelei pretende, portanto, romper com a dicotomia entre efeitos diretos e indiretos, conciliando-'"OS na mesma construção teórica. Capítul02 A DISTINÇÃO ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS 2.11ntrodução - 2.2 Teorias sobre a distinção entre princípios e regras: 2.2.1 Mandamentos de otimização; 2.2.1.1 Coriflito entr:e regras; 2.2.1.2 Colisão entre princípios-2.3 O problema tenninoló- gico. 2.1 INTRODUÇÃO Este não é Um trabalho sobre a distinção entre princípios e regras, mas essa distinção - para ser mais preciso, um dos desenvolvimentos dessa distinção - ·servirá como base teórica para a análise do proble- ma da constitucionalização do direito e, especialmente, para a análise dos efeitos dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. A necessidade de um aprofundamento no tema fica, por isso, justificada. Mas há mais razões para tanto. Como já tive a oportunidade de discu- tir em outra ocasião,1 a distinção entre regras e princípios, na forma como desenvolvida por Robert Alexy, não é sempre compatível com as definições usuais desses conceitos na doutrina brasileira. Não se pretende, aqui, discutir qual distinção é a melhor, mas a clareza con- ceituai exige que amba.S sejam claramente separadas . . Desde a promulgação da Constituição de· 1988, o debate sobre os princípios jurídicos ganha cada vez màís espaço. Nó início, a discus- são era meramente classificatória e o que mais se fazia eram tipolo- gias· de princípios à luz do novo texto constitucional. Conquanto a configuração dessas tipologias variasse de acordo com o enfoque de 1. Ct Virgílio Afonso da Silva, "Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção", Revista Latino-Americana de Estudos Políticos 1 (2003), pp. 607-630. 30 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO cada autor, elas tinham, no entanto, um elemento característico: elas pretendiam distinguir os princípios segundo sua importância, sua especialidade ou sua matéria.2 Havia quase sempre os princípios mais fundamentais e os princípios menos fundamentais, os princípios gerais e os princípios especiais, dentre outras contraposições. No desenrolar dos anos, algumas teorias desenvolvidas no exte- rior foram sendo assimiladas ao debate. A partir de um certo momen- . to, passou a ser quase obrigatória a menção da contraposição entre regras e prihcípios, principalmente na versão desenvolvida por Robert Alexy.3 Mas a tendência inicial, de classificar princípios segundo critérios materiais, principalmente segundo a sua fundamen- talidade, não cessou. Ao contrário: ambas as tendências passaram a conviver "harmcmiosamente". Já procurei demonstrar, em outro tra- balho, que essa harmonia não me parece ser possível.4 A razão é sim- ples: o critério que Alexy utiliza para distinguir princípios de regras é um critério estrutural, que não leva em consideração nem fundamen- talidade, nem generalidade, nem abstração, nem outros critérios materiais, imprescindíveis nas classificações tradicionais acima men- cionadas. Como conseqüência, muito do que é tradicionalmente con- siderado como princípio fundamentalíssimo - a anterioridade da lei penal é um exemplo esclarecedor - é, segundo os critérios propostos por Alexy, uma regra e não um princípio. O que interessa neste passo do trabalho é, portanto, fixar o que se quer dizer quando se fizer menção· ao conceito de princípios e o que se quer dizer quando se fizer menção ao conceito de regra ao longo deste trabalho. Mais do que isso extrapolaria os limites impos- tos à investigação. 2.2 TEORIAS SOBRE A DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS É comum que se classifiquem as teorias sobre a distinção entre princípios e regras em três grandes categorias:. (a) teorias que pro- 2. Dentre as inúmeras classificações nesse sentido, cf., por todos, Luís Rober- to Barroso, lnterpretaçã9 e aplicação da Constituição, pp. 147 e ss. e José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, pp. 91-96. 3. Cf. Robert Alexy, Theorie der Grundreclzte, pp. 75 e ss. 4. Cf. Virgfüo Afonso da Silva, "Princípios e regras: mii:os e eqúíVocos acerca de uma distinção", pp. 625 e ss. A DISTINÇÃO ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS 31 põem uma distinção forte; .(b) teorias que propõem uma distinção débil; (e) teorias que rejeitam a possibilidade de distinção.5 Segundo a teoria da distinção forte, princípios e regras são nor- mas que têm estruturas lógicas diversas.6 Nesse sentido, e como se verá mais adiante, não seria· correto falar em mera distinção gradual - de generalidade ou abstração - entre ambos os tipos de normas.7 As teorias que propõem uma diferenciação débil entre regras e princípios partem do pressuposto de que a diferença entre ambos não é assim tão marcada como propõe a teoria acima mencionada. Entre princípios e regras haveria, portanto, somente uma diferença de grau.8 Já as teorias que rejeitam a possibilidade de distinção entre prin- cípios e regras sustentam que todas as qualidades lógico-deônticas presentes nos princípios estão presentes também nas regras. Por isso, ou são ·princípios e regras absolutamente idênticos, ou o grau de semelhança é tão grande que uma diferenciação definitiva se toma impossível.9 5. Sobre essa categorização, cf. Robert Alexy, "Zum Begriff des Rechtsprin- zips", in Recht, Vemunft, Diskurs, pp. 184-185 e Virgi1io Afonso da Silva, Grund- rechte wul gesetzgeberische Spielriiume, pp. 37-38. Alguns autores, como Aamio, mencionam apenas duas categorias - a forte e a débil - cf. Aulis Aamio,. "Taking Rules Seriously", ARSP, Beiheft 42 (1989), p. 180. P~a outras possibilidades de classificação cf., por todos, Ulfrid Neumann, "Die Geltung von Regeln, Prinzipien und Elementen", in Bemd Schilcher, Peter Koller e Bemd-Christian Punk (Hrsg.), Regeln, Prinzipien und Elemente im System des Rechts, p. 115. 6. Estrutura lógica diversa significa também, como será visto adiante (cf. 2.2.1.1e2.2.1.2), forma de aplicação diversa. Cf., nesse sentido, Jan-R. Sieckmann, Regelmodelle und Prinzipienmodelle des Rechtssystems,p. 53. , · 7. Os representantes mais destacados desse tipo de teoria são, seni dúvida, Ronald Dworkin e Robert Alexy. Em virtude de adotar especificamente a teoria.de Alexy, darei maior atenção às teses desse autor nos próximos tópicos deste capítu- lo. Cf. também, para outros representantes da chamada distinção forte, Jan-R. Sieckmann, Regelmodelle und Prinzipienmodelle, pp. 52-53, 74 e ss.; Martin Borowski, Grundrechte ais Prinzipien, p. 98; Marius Raabe, Grundrechte und Erkenntnis, pp. 176 e ss. Outro autor que defende também uma distinção forte entre princípios e regras e Josef Esser, que o faz, contudo, com base em outra linba argu- mentativa. Cf. Josef Esser, Grund.satz und Norm in der richterlichen Fortbildung des Privatrechts, p. 50. 8. Cf., por todos, Joseph Raz, Practical Reason and Norms, p. 49. Segundo Raz, o termo "princípio" denota uma maior generalidade e uma maior.importância do que o termo "regra". 9. Cf., por exemplo, Aulis Aamio, "Taking Rules Seriously", p. 188: "Do ponto de vista da interpretação, tanto princípios quanto regras são fenômenos deôn- 32 A CONSTITUCIONALIZAÇÃÔ DO DIREITO Não é minha intenção aqui proceder à uma análise pormenori- zada dos argumentos a favor e contrários a essas teses. 10 E isso tam- bém não é necessário para os: objetivos deste trabalho que, como já ressaltado, não é um trabalho sobre princípios e regras. Nos próximos tópicos procurarei apenas explicar os elementos presentes nessa dis- tinção que considero fundamentais para compreender a base teórica deste trabalho, especialmente a diferença entre os mandamentos expressos por princípios e regras e a diferença na forma de aplicação dessas duas espécies de normas. 2.2.1 Mandamentos de otimização Aprincipal contribuição de Alexy à teoria forte sobre a distinção entre princípios e regras foi o desenvolvimento do conceito de man- damento de otimização. Segundo Alexy, princípios são normas que exigem que algo seja realizado na maior medida possível diante das possibilidades fáticas e jurídicas existentes. u Definidos dessa forma, os princípios se distinguem das regras de forma clara, pois estas, se válidas, devem sempre ser realizadàs sempre por completo. 12 . O grau de realização dos princípios, ao contrário, poderá sempre variar, espe- cialmente diante da existência de outros princípios que imponham a realização de outro direito ou dever que colida com aquele exigido pelo primeiro. 13 Essa distinção entre os conteúdos do dever-ser das regras e dos princípios implica também uma importante diferença na forma de aplicá-los. Alexy usa as figuras do "conflito entre regras" e da "coli- são entre princípios" para deixar isso claro. ticos e não axiológicos. Por conseguinte, no que diz respeito à estrutura normativa de regras e princípio, nem a teoria forte, nem a teoria débil são corretas". Cf. tam- bém Klaus Günther, Der Sínn für Angemessenlu:it: Anwendungsdiskurse in Moral und Recht, p. 273. · 10. Cf., para uma análise mais detida, Martin Borowski, Grundrechte ais Prin- zipien, pp. 89 e ss., e Virgi1io Afonso da Silva, Grundrechte und gesetzgeberische Spielriiume, pp. 52 e ss. . 11. Cf. Robert Alexy, "Zuin Begriff des Rechtsprinzips'', p. 204; do mesmo autor, Tlzeorie der Grundrechte, p. 75. 12. Cf. 2.2.1.h 13. Cf. Robert Alexy, Theorie der Gnmdrechte, p. 76. A DISTINÇÃO ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS 33 2.2.1.1 Conflito entre regras Nos casos de conflitos entre regras, vale o conhecido raciocínio "tudo ou nada" .14 Se duas regras entram em conflito, isso pode ser resolvido por meio da definição de uma espécie de "cláusula de exce- ção" em uma das duas regras.15 Mas isso nem sempre é possível, pois pode ocorrer que duas regras prevejam duas conseqüências jurídicas inconciliáveis para o mesmo suporte fático. Nesses casos, não. há outra ·alternativa que não a verificação da invalidade. de uma delas. 16 Segundo Alexy, isso ocorre porque, nos casos de conflito entre regras, estamos diante de uma questão que se refere exclusivamente a um problema de validade e que, e isso é o mais importante, validade não é graduável, pois ou uma norma é válida, ou não.17 Tertium non datur. Assim, duas regras que prevêem conseqüências jurídicas diver- sas para· o mesmo suporte fático não podem pertencer ad mesmo sis- tema jurídico. Uma delas é, pelo menos para esse sistema, inválida. Dois exemplos triviais podem esclarecer o que acaba de ser sus- tentado. Se há uma regra que proíbe que os alunos de uma determi- nada escola deixem suas salas de aula antes que o sinal soe e, no con., junto de regras da mesma escola, há uma outra que impõe que essés mesmos alunos saiarri de suas salas se tocar o alarme de incêndio~ temos aqui um conflito parcial, pois a conseqüência jurídica da segunda - sair da sala mesmo que não toque o sinal, desde que toque o alarme - não é compatível com a proibição totàl de se sair da sala antes do sinal, como exige a primeira regra. O critério para a sofü.ção de tal conflito é fornecido pela conhecida máxima !ex specialis dero- gat legi generali e, por conseguinte, a segunda regra será encarada como uma exceção à primeira. Em um segundo exemplo, há uma regra que proíbe e outra que permite o fumo nas salas de aula. Aqui, não há a possibilidade da ins- 14. Cf., sobre críticas a esse raciocínio, Humberto Ávila, Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, pp. 35 e ss. e, do mes~o au_tor, "A distinção entre princípios e regras e á redefinição do dever de propotc10nalidade'', RDA 215/161. 15 .. Cf. Robert Alexy, Theotie der Grundrechte, p. 77 e Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, p. 25. . · 16. Cf. Robert Alexy, Theorie der Grundreclzte, p. 77 e Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, p: 24. 17. Cf. Robert Alexy; Theorie der Gnmdrechte, p. 78. 34 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO tituição de uma cláusula de exceção, como no exemplo anterior, por- que as conseqüências jurídicas são totalmente excludentes entre si. Para a solução desse conflito só podem ser considerada5 uma das outras duas máximas para solução de antinomias: lex posterior dero- gat legi priori ou lex superior derogat legi inferiori. O resultado será, inevitavelmente, a declaração de invalidade de uma das regras. 18 Recorrer a exemplos de conflitos entre regras é ilustrativo para o esclarecimento da diferença entre elas e os princípios porque, como se verá a seguir, as colisões de princípios seguem um raciocfuio diverso, já que, ao contrário do que acontece no caso das regras, as colisões de princípios não se resolvem estritamente no plano da validade. 2.2.l.2 Colisão entre princípios A solução de colisões entre princípios não exige a declaração de invalidade de nenhum deles e também não é possível que se fale que um princípio institui uma exceção a outro. Como Alexy ressalta, nos casos de colisão e11tre princípios, o que se exige é a definição de rela- ções condicionadas de precedência. Essa diferença decorre da estrutu- ra dos princípios, que são mandamentos de otimização. 19 Como man- damentos de otimização, como já visto acima, eles exigem que algo seja realizado na maior medida possível, mas sempre de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto. "Condições jurídi- cas", aqui, expressam a possibilidade de colisão com outros princípios, o que poderá limitar, no caso concreto, a realização de um ou mais prin- cípios de forma parcial ou total. E, mesmo havendo colisão, ao contrá- rio do que ocorre com os conflitos entre regras, nenhum dos princípios será declarado inválido. Necessário será, ao contrário, um sopesamen- to entre os princípios colidentes para que se decida qual deles terá pre- ferência, que valerá, enquanto precedência condicionada, apenas para aquele caso concreto. Assim, ao contrário do que afirma Raz,20 não sepode dizer que houve a instituição de uma cláusula de exceção, porque 18. É possível, também, explicar ambos os exemplos com base na idéia de declaração de invalidade, caso se entenda - o que é também correto - que a institui- ção de uma cláusula de exceção é equivalente a uma declaração parcial de invalida- de. Nesse sentido, cf. Martin Borowski, Grundrechte ais Prinzipien, p. 68. 19. Cf. 2.2.l, acima. · 20. Cf. Joseph Raz, "Legal Principles and the Limits of Law", Yale Law Jour- nal 81 (1972), pp. 832-833. A DISTINÇÃO ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS 35 quando isso acontece, no caso das regras, a exceção é sempre a mesma e vale para todos os casos de aplicação daquelas regras.21 No caso das colisoes entre princípios, portanto, não há como se falar em um princípio que sempre tenha precedência em relação a outro. Se isso ocorrer, não estaremos· diante de um princípio - pelo menos não na acepção usada pór Alexy. É por isso que não se pode falar que um princípio P 1 sempre pre- valecerá sobre o princípio P2 - (P 1 P P2) -, devendo-se sempre falar em prevalência do princípio P 1 sobre o princípio P2 diante das con- dições C-(PI P P2) C.22 Alexy resume essa relação de precedência condicionada em uma lei de colisão, que tem a seguinte redação: "Se o princípio P 1 preva- lece sobre o princípio P2 diante das condições C: (P 1 P P2) C, e se do prindpio P 1, diante das condições C, decorre a conseqüência jurí- dica R, então vale uma regra que contém C como suporte fático e R como conseqüência jurídica: C ---7 R". 23 2.3 0 PROBLEMA TERMINOLÓGICO O termo princípio é plurívoco. Isso, em si, não significa nenhum problema. Problemas só surgem a partir do momento em que o jurista deixa de perceber esse fato e passa a usar o termo como se todos~ os autores que a ele fazemreferência o fizessem de forma unívoca. E o que tem acontecido com a recepção da teoria dos direitos fundamen- tais de Alexy no Brasil.24 Não são poucos os trabalhos - e não somen- te na área constitucional - que têm usado a distinção de Alexy entre princípios e regras como ponto de partida. O grande problema é que, a despeito de se partir dessa distinção, no correr desses trabalhos o termo princípio continua a ser usado no sentido tradicional,25 seja por meio 21. Cf. Robert Alexy, Theorie der Gnmdrechte, p. 79. 22. Cf. Robert Alexy, Tlzeorie der Grundrechte, pp. 82-83; Virgfüo Afonso da Silva, "Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção", p. 611. 23. Cf. Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, p. 83. 24. Cf., com detalhes, Virgi1io Afonso da Silva, ·"Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção", pp. 607 e ss. . 25. Cf., por exemplo, Walter Claudius Rothertburg, Princípios constitucionais, pp. 24, 32 e ss. e 67 e ss.; Ruy Samuel Espíndola, Conceito de princípios constitu- cionais, pp. 69 e ss. e 221 e ss.; Francisco M. Marques de Lima; O resgate dos valo- res na interpretação constitucional, pp. 131 e ss. e 136 e ss. 36 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO da clássica definição de Celso Antônio Bandeira deMello,·segundo o qual princípios são "mandamentos nucleares" ou "disposições funda- mentais" de um sistema, 26 ou ainda da definição de Canotilho e Vital Moreira, que definem princípios como "núcleos de condensações".27 Como já referido, o problema não reside na existência de diver- sas definições. Nem é o caso de se discutir qual definição é a mais correta. Mas se se parte, por exemplo, da definição de Celso Antônio Bandeira de Mello, que expressa bem o que o jurista brasileiro costu- ma entender por princípio, é preciso rejeitar a distinção de Alexy. Isso porque o conceito de princípio, na teoria de Alexy; é um conceito que não faz referência à fundamentalidade da norma em questão. Como visto acima, uma norma é um princípio não por ser fundamental, mas por' ter a estrutura de um mandamento de otimização. Pot isso, um princípio pode ser um "mandamento nuclear do sistema", mas pode também não o ser, já que uma norma é um princípio apenas em razão de sua estrutura normativa e não de sua fundamentalidade. O mesmo vale para as regras. Pode haver regras que sejam disposições funda- mentais do sistema, mas isso é irrelevante para sua classificação. Isso fica claro quando alguns autores, a despeito de usarem dis- tinção de Alexy como ponto de partida, elaboram classificações de princípios constitucionais que inserem, na categoria dos princípios, normas que, se coerentes com a forma de distinção proposta: por Alexy, deveriam ser consideradas como regras. Nesse sentido, posi- cionei-me em artigo dedicado ao problema, nos seguintes ternios: "( ... ) falar em princípio do nulla poena sine lege, em princípio da legalidade, em princípio da anterioridade, entre outros, só faz sentido para as teorias tradicionais. Se se adotam os critérios propostos por Alexy, essas normas são regras, não prinéípios. Todavia, mesmo quando se diz adotar a concepção de Alexy, ninguém ousa deixar esses "mandamentos fundamentais" de fora das. classificações dos princípios para incluí-los na categoria das regras".28 26. Cf., Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, p. 408. 27. Cf. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, p.49. . 28. Virgi1io Afonso da Silva, "Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção", p. 613. . A DISTINÇÃO ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS 37 Como ficou claro no decorrer deste capítulo, o conceito de prin- cípio, quando usado neste trabalho, deverá ser compreendido como mandamento de otimização. Não se fará, em nenhum momento, refe- rência a princípio como disposição fundamental ou acepção seme- lhante. Capítulo 3 CONSTITUCIONAUZAÇÃO: TEORIAS, FORMAS E ATORES 3.1 Introdução - 3.2 Schuppert/Bumke: 3.2.1 Reforma legislativa; 3.2.2 Irradiação do direito constitucional; 3.2.3 Os atores da cons- titucionalização: 3.2.3. l O legisla<Jor; 3.2.3.2 O judiciário; 3.2.3.3 A doutrina - 3.3 Louis Favoreu: 3.3. J Tipos de constitucionaliza- ção: 3.3.1.1 Constitucionalização-juridicização; 3.3.1.2 Constitu- cionalização-elevação; 3.3.1.3 Constitucionalização-transforma- ção; 3.3.2 Efeitos da constitucionalização; 3.3.2.1 Unificação da ordem jurídica. 3.3.2.2 Simplificação da ordem jurídica. 3.1 INTRODUÇÃO Quando se fala em constitucionalização do direito, a idéia mes- tra é a irradiação dos efeitos das normas (ou valores) constitucionais aos outros ramos do direito. Mas essa irradiação é um processo e, como tal, pode se revestir de diversas formas e pode ser levada a cabo por diferentes atores. Neste breve capítulo pretendo expor e discutir duas das principais análises doutrinárias exclusivas sobre o fenôme- no da constitucionalização do direito: a de Gunnar Folke Schuppert e Christian Bumke, de um lado, e a de Louis Favoreu, de outro. Essas não são as únicas análises que abordam a questão. De uma certa forma, todo trabalho que se ocupe com a vinculação de particulares aos direitos fundamentais acaba também por fazê-lo. Mas como aná- lises do fenômeno em si, esses trabalhos são pioneiros. 1 1. Cf., para alguns outros trabalhos, Pierre Bon, "La constitutionnalisation du droit espagnol", Revue Française de Droit Constitutionnel 5 (1991 ), pp. 35-54 e Joa- quim de Sousa Ribeiro, "Constitucionalização do direito civil", Boletim da Faculda- de de Direito da Universidade de Coimbra 74 (1998), pp. 729-755. CONSTITUCIONALIZAÇÃO: TEORIAS, FORMAS E ATORES 39 3.2 SCHUPPERT/BUMKE . ' Em trabalho recente, Gunnar Folke Schuppert e Christian Bumke dedicam-se exclusivamente à análise da "constitucionalização do ordenamento jurídico" e identificam cinco formas principais desse processo: (1) reforma legislativa; (2) desenvolvimento jurídico por meio da criação de novos direitos individuais e de minorias; (3) mudançade paradigma nos demais ramos do difeito; (4) irradia-: ção do direito constitucional - efeitos nas relações privadas e deveres de proteção; (5) irradiação do direito constitucional - constituciona- lização do direito por meio da jurisdição ordinária.2 Nemtodas as for- mas interessam ao presente trabalho, especialmente porque nem todas elas podem ser simplesmente importadas para o sistema jurídi- co brasileiro, que tem uma Constituição mais abrangente do que a Constitüição alemã, especialmente no seu catáfogo de direitos funda- mentais, e porque não existe, no sistema brasileiro, um antagonismo tão marcado entre jurisdição constitucional e jurisdição ordinária, já que,· ao contrário do qúe ocorre na Alemanha, o sistema de jurisdição constitucional no Brasil não é um sistema concentrado. Por isso, pre- tendo dedicar-me, nos próximos tópicos, somente àquelas formas de constitucionalização que mais interessam ao objeto desse trabalho. 3.2.1 Reforma legiSlativa A mais efetiva e, ao menos em tese, a menos problemática forma de constitucionalização do direito é realizada por meio de reformas, pontuais ou globais, na legislação infraconstitucional. É parte da tare- fa legislativa, adaptar a legislação ordinária às prescrições constitu- cionais e, nos casos de constituições de caráter dirigente, realizá-la por meio de legislação.3 Mas, embora esse processo de constitucionalização seja o menos controvertido, não é ele necessariamente o mais rápido de todos. A lentidão com que os princípios da Constituição brasileira de 1988 e as tarefas que ela impõe são concretizados pela legislação ordinária é 2. Cf. Gunnar Folice Schuppert e Christian Bumke, Die Konstitutionalisierung der Rechtsordnung: Überlegungen zum Verhãltnis von verfassungsreclztlicher Aus- strahlungswirkung und Eigenstãndigkeit des "einfachen" Rechts, pp. 9-23. 3. Cf. Schuppert e Bumke, Die Konstitutionalisierung der Rechtsordnung, p. 10. 40 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO exemplo claro disso. Mas, ao contrário do que o lugar comum faz pen- sar, isso não é um problema de falta de "vontade política" do legisla- dor brasileiro, mas uma característica inerente à lentidão do legislador para se adaptar a novos paradigmas. E isso em todo o Mundo. Schuppert e Bumke utilizam um exemplo do direito de faIDI1ia para ilustrar a possível lentidão desse processo de constitucionaliza- ção. A Constituição alemã, promulgada em 1949, garante, em seu art. 3, II, a igualdade entre homens e mulheres e, no seu art. 117, dava um prazo de quatro anos para que a legislação ordinária se adaptasse a esse novo paradigma.4 A mudança legislativa exigida não encontrou um ambiente favorável na conservadora sociedade alemã do início dos anos 1950.5 Uma lei sobre igualdade entre homens e mulheres foi promulgada somente em 1957, mas, mesmo assim, os efeitos dos dis.- positivos constitucionais na reforma legislativa não foram dos. maio- res. O papel da mulher no matrimônio pouco mudava: ela poderia tra- balhar apenas se essa atividade fosse comprovadamente compatível. com o seu papel de dona-de-casa; o homem continuava a ser o chefe · da faIDI1ia, e responsável pela educação dos filhos em caso divergên- cia de opiniões; a mulher deveria adotar o sobrenome do marido e os filhos não poderiam receber o sobrenome matemo. A igualdade entre homens e mulheres permanecia, como se vê, uma promessa, especial- mente no âmbito familiar.6 Somente em 1976-vinte e sete anos após a promulgação da Constituição e vinte e três anos após o prazo esti.;. pulado em seu art. 117 - foi abolido, definitivamente, o primado mas- culino como princípio estruturante da família.7 É possível perceber, portanto, que uma mudança de paradigma imposta pela constituição e uma decorrente necessidade de adaptação da legislação ordinária por imposição constitucional, ainda que con- figurem, em tese, a forma mais segura e menos controvertida de cons- titucionalização do direito, não implicam mudanças rápidas quaµdo o 4. Art. 117 da Constituição alemã: "( ... ) O direito que contrariar o art. 3, II, per- manece em vigor até a sua adaptação às disposições desta Constituição, cujo prazo não poderá ultrapassar 31 de março de 1953". 10. 5. Cf. Schuppert e Bumke, Die Konstitutionalisierung der Reclztsordnung, p. li. 6. Cf. Ute Sacksofsky, Das Grundrecht auf Gleichbereclztigung, pp. 119 e ss. 7. Cf.. Schuppert e Bumke, Die Konstitlitiona/isierung der Recfztsordnung, p. CONSTITUCIONALIZAÇÃO: TEORIAS, FORMAS E ATORES 41 paradigma não muda para a sociedade e, também, para os operadores do direito. Quando os juristas não percebem, ou não querem aceitar uma mudança de paradigma, pode ocorrer que, embora o processo de adaptação· da legislação se realize rapidamente, essa rapidez não é acómpanhada por uma mudança de paradigma na aplicação da legis- lação "constitucionalizada". Muitas vezes a prática jurispmdencial se mostra refratária a mudanças e se mantém presa a paradigmas supe- rados· não somente pela constituição, mas também pela legislação ordinária diretamente aplicável ao caso. Talvez o maior exemplo disso, no Brasil, sejam as mudanças introduzidas pelo Código de Defesa do Consumidor. 8 3.2.2 Irradiação do direito constitucional Segundo Schuppert e Bumke, no início do processo de irradiação do direito constitucional pelos outros ramos do direito; um dos obje- tivos principais era simplesmente a solidificação da submissão desses ramos aos ditames constitucionais.9 Ainda que essa submissão soe tri- vial para o jurista contemporâneo, nem sempre foi assim, especial- mente por causa da milenar tradição do direito privado como área do direito reservada à autonomia privada, não submetida às previsões do direito público.10 Assim, segundo Schuppert e Bumke, por mais que. hoje essa submissão seja ponto quase pacífico, no início da década de 1950, na Alemanha, sua fundamentação era difícil e seus efeitos incertos. E é por isso que, segundo eles, tanto Nipperdey, o maior expoente da tese de aplicabilidade direta dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, 11 quanto Dürig, o principal represen- 8. São inúmeros os exemplos.de de.cisões em quejuízes recusam a aplicação, por exemplo, do art. 51, § li!, do Código de Defesa do Consumidor com base rto pacta sunt servanda. Cf., apenas como ilustração, o voto do relator na Ap. 42.486/96, do TJDF (RDC 23-24/271). 9. Cf. Schuppert e Bumke, Die Konstitutionalisienmg der Reclztsordnu~g, p. 18. 10. Embora seja difícil encontrar atualmente autores que sustentem a m~epen dência do direito privado nesses termos e a não-submissão desse ramo aos ditames constitucionais, é ainda possível encontrar opiniões em sentido semelhante. Cf., sobretudo, 5.4.1, abaixo. · · li. Cf. 5.6.1, abaixo. 42 A CONSTITUCIÔNALIZAÇÃO DO DIREITO tante da teoria dos efeitos indiretos, 12 recorreram a estratégias seme- lhantes, especialmente ao conceito de constituição como ordenamen- to não somente estatal, mas da sociedade como um todo. 13 Como decisão fundante dess~ concepção - por muitos considerada como a decisão mais importante de toda a história do Tribunal Constitucional alemão - é sempre mencionada a . decisão do caso Lüth, também usada como paradigma por Schuppert e Bumke.14 Nessa decisão, o tribunal, embora conceda que os direitos fundamentais sejam, em pri- meira linha, direitos de defesa dos cidadão contra o Estado, desen- volve uma função complementai que, durante décadas, suscitou as maiores controvérsias no âmbito da dogmática dos direitos funda- mentais, 15 nos seguintes termos: "A Constituição, que não pretende ser uma ordenação axiologicamente neutra, funda, no título dos direi- tos fundamentais, uma ordem objetiva de valores, por meio da qual se expressa um( ... ) fortalecimento da validade ( ... ) dos direitos fun- damentais. Esse sistema
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