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Virgilio afonso da silva A constitucionalização do direito

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O Autor analisa, aqui, a irradiação dos efeitos das normas (ou va-
lores) constitucionais aos outros ramos do direito. O principal aspecto 
dessa irradiação, ao qual dá maior ênfase, como indica o subtítulo deste 
livro, revela-se na vinculação das relações entre particulares a direitos 
fundamentais, também chamada de efeitos horizontais dos direitos fun-
damentais. 
Ainda que com relativizações, os direitos fundamentais foram conce-
bidos como direitos cujos efeitos se produzem na relação entre o Estado 
e os particulares. Essa visão limitada provou-se rapidamente insuficien-
te, pois se percebeu que, sobretudo em países democráticos, nem sempre 
é o Estado que representa a maior ameaça aos particulares, mas, sim, 
outros particulares - especialmente aqueles dotados de algum poder so-
cial ou econômico. Por diversos motivos, no entanto, é impossível sim-
plesmente transportar a racionalidade e a forma de aplicação dos direitos 
fundamentais da relação Estado-particulares para as relações entre par-
ticulares, especialmente porque, no primeiro caso, apenas uma das par-
tes envolvidas é titular de direitos fundamentais, enquanto no segundo 
caso ambas o são. Some-se a isso o fato de que os particulares, em suas 
relações entre si, agem, em geral, com fundamento em sua autonomia 
privada, o que não ocorre nos casos das ações estatais. Assim, um dos 
maiQr.~_s __ @safio~_Qa abordagem do problema é a forma de conciliação 
' .~ ------·---------~·-· .. -·1 
enti;-e direitos fundamentais, de um lado, e autonomia privadaj de outro, 
tema brilhantemente erifrentado nesta obra, de alcance inestidiável para 
os 6peradores do Direito. 1 
l·llllll'llllUllUlllll lllll llll~ lllílf li 
* ó '6 ,3 4 o . 8 * 
Registro: 033239 
VIRGÍLIO AFoNso DA SILVA é Profes-
sor Titular de Direito Constitucional 
e Direitos Fundamentais na Faculda-
de de Direito da Universidade de São 
Paulo-USP. 
É Mestre em Direito do Estado 
pela Universidade de São Paulo, Dou- · 
tor em Direito pela Universidade de 
Kiel, Alemanha, e Livre-Docente em 
Direito Constitucional pela Universi-
dade de São Paulo. 
É autor de vários trabalhos - artigos, 
monografias e coletâneas - no Brasil e 
no Exterior, dentre os quais: 
• Grundrechte und gesetzgeberische 
Spielraume, Baden-Baden 
(Alemanha), Nomos, 2003. 
Pela Malheiros Editores publicou, 
anteriormente: 
• Direitos fundamentais, conteúdo 
essencial, restrições e eficácia 
(2ª ed., 2ª tir., 2011); 
•Interpretação constitucional (Org.), 
(1 ª ed., 3ª tir., 2010); 
• Sistemas eleitorais (1999); 
• Teoria dos direitos fundamentais, 
de RobertAlexy (tradução e notas, 
2ª ed., 2011). 
--MALHEIROS 
:i~:iEDITORES 
----- teoria & direito público-----
A CONSTITUCIONALIZAÇÃ_O 
DO DIREITO 
Os direitos fandamentais 
nas relações entre particulares 
Obras da Coleção 
coleção dirigida por 
Virgílio Afonso da Silva 
Faculdade de Direito 
da Universidade de São Paulo 
Jean Paul C. Veiga da Rocha 
Escola de Direito de São Paulo 
-Direito GV 
1. ROBERT ALEXY - Teoria dos Direitos Fundamentais 
(Trad: do Theorie der Grundrechte, por Virgílio Afonso da Silva) 
2. WILSON STEINMETZ -A Vinculação dos Particulares a Direitos 
Fundamentais 
3. VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA ( org.) - Interpretação Constitucional 
4. VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA -A Constitucionalização do Direito 
5. MARcoAURÉLIO SAMPAIO-A Medida Provisória no 
Presidencialismo Brasileiro 
------ teoria & direito público------
-A CONSTITUCIONALIZAÇAO 
DO DIREITO 
Os direitos fundamentais 
nas relações entre particulares 
1ª edição, 3ª tiragem 
VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA 
- . MALHEIROS 
;;;:EDITORES 
A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO 
Os direitos fundamentais nas relações entre particulares 
© VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA 
]ªedição: 2005; 1ª edição, 2ª tiragem: 04.2008. 
ISBN: 85-7420-696-2 
Direitos reservados desta edição por 
MALHEIROS EDITORES LTDA. 
Rua Paes de Araújo, 29, conjunto 171 
CEP 04531-940 ~São Paulo~ SP 
Te!.: (Oxxll) 3078-7205 
Fax: (Oxxll) 3168-5495 
URL: www.malheiroseditores.com.hr 
e-mail: malheiroseditores@terra.com.hr 
Composição 
Acqua Estúdio Gráfico Ltda. 
Capa 
Criação: Vânia Lúcia Amato 
Arte: PC Editorial Ltda. 
Impresso no Brasil 
Printed in Brazil 
06.2011 
/ 
1 
A todos os' amigos da nova geração . 
que crêem na possibilidade, 
também na área jurídica, 
de se dedicar integralmente 
à docência e à pesquisa. 
SUMÁRIO 
Apresentação e agradecimentos . . .. ... .. .. . . . .. .. .. .. . . . . .. .. . . . . . . .. .. ..... .. . 13 
Capítulo 1. Introdução 
1.1 Delimitação do tema........................................................ 17 
I. I .1 Um tema verdadeiro ou um tema emprestado?...... 21 
{ I .2 Estado social e constitucionalização do direito..... 23 
1.2 Método............................................................................. 25 
I .3 Desenvolvimento do trabalho.......................................... 26 
1.4 Tese.................................................................................. .27 
Capítulo 2. A distinção entre regras e princípios. 
2.1 Introdução........................................................................ 29 
2.2 Teorias sobre a distinção entre princípios e regras........ 30 
2.2. I Mandamentos de otimização.................................. 32 
2.2.l.I Conflito entre regras ........................ ,......... 33 
2.2.1.2 Colisão entre princípios .............. ,.............. 34 
2.3 O problema terminológico............................................... 35 
Capítulo 3. Constitucionalização: teorias, formas e atores 
3.1 Introdução ..... :.................................................................. 38 
3.2 Schuppert!Bumke ................. , .......... :, ..... ,......................... 39 
3.2. I Reforma legislativa ..... ;........................................... 39 
3.2.2 Irradiação do direito constitucional..................... 41 
3.2.3 Os atores da constitucionálização........................ . 43 
3.2.3.I O legislador................................................ 43 
3.2.3.2 O judiciário ................... :........................ 44 
3.2.3.3 A doutrina..................................................... 44 
3.3 Louis Favoreu .......................................... ,........................ · 46 
· 3.3.I Tipos de constitucionalização............................... 46 
3.3. I. I Constitucionalização-juridicização ... .. .. . ... 46 
8 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO 
3.3.1.2 Constitucionalização-elevação............... 47 
3.3._1.3 Constitucionalização-transformação......... 47 
3.3.2 Efeitos da constitucionalização .............................. 48 
3.3.2.1 Unificação da ordem jurídica.................... 48 
3.3.2.2 Simplificação da ordem jurídica................ 49 
Capítulo 4. Conceitos-chaves na vinculação dos particulares 
a direitosfundamentais 
4.1 Introdução........................................................................ 50 
4.2 Ameaça "horizontal" a direitos fundamentais................ 52 
. 4.3 Relações privadas, interindividuais e entre particulares 54 
4.4 Eficácia, efeitos e aplicabilidade.................................... 54 
4.4.1 O art. 5º, § 1º, da Constituição.;............................ 57 
4.4.2 Não-efeitos, efeitos indiretos, efeitos diretos e 
aplicabilidade ......... ·................................................ 58 
4.5 Previsões constitucionais................................................. 60 
4.6 A renúncia a direitos fundamentais................................. 61 
4.6.1 O conceito de renúncia: esclarecimentos 
terminológicos........................................................ 63 
4.6.2 Os direitos fundamentais e seu exercício............... 64 
Capítulo 5. Modelos de relação entre direitosfundamentais 
e relações entre particulares 
5.1 Introdução ......................................... :.............................. 66 
5.2 Efeitos na legislação e efeitos nas relações jurídicas..... 68 
5.3 Direitos fundamentais e legislação................................. 69 
5.4 Negação de efeitos dos direitos fundamentais nas 
relações privadas........................................................... 70 
5.4.1 Autonomia do direito privado................................ 71 
5.4.2 Confusão metodológica .... ,.,................................... 74 
5.5 Efeitos indiretós .............................................................. 75 
5.5.1 Direitos fundamentais como sistema de valores.... 76 
5.5.2 Direitos fundamentais e cláusulas gerais.............. 78 
5.5.3 ~ p:ática jurisprudencial do modelo de efeitos 
indiretos................................................................. 80 
5.5.4 A crítica ao modelo de efeitos indiretos................. 81 
5.5.4.1 Direitos fundamentais e sistema de valores 83 
5.5.4.2 Insuficiência das cláusulas gerais............. 85 
SUMÁRIO 
5.5.4.3 Autonomia do direito privado ......... ;.......... 85 
5.6 Aplicabilidade direta ..... ................ .................. ........ .... .. 86 
5.6.1 Nipperdey e os efeitos absolutos dos direitos 
fundamentais ..................... : .... :................................ 87 
5;6.1.1 A desnecessidade de mediação legislativa 89 
5.6.1.2 A desnecessidade de artimanhas 
interpretativas ................. :.,........................ 90 
5.6.2 A prática jurisprudencial do modelo de 
aplicabilidade direta............................................... 91 
5.6.2.1 O STF e o modelo de aplicabilidade direta 93 
5.6.2.1.1 Devido processo legal nas relações 
entre particulares ........... ,............ 93 
5 .6.2.1.2 Igualdade nas relações· de trabalho 94 
5.6.2.2 Sobrevida de uma tese minoritária............ 94 
5.6.2.2.1 "Bosman v. UEFA" ............. :...... 95 
5.6.3 A crítica à teoria da aplicabilidade direta............. 96 
5.6.3.1 Autonomia privada ........... ;......................... 96 
. 5.6.3.2 Clareza conceitua!... .......... , ...... ; ..... ,........... · 97 
5. 7 Ações privadas e o Estado: equiparação e imputação ... 98 
5. 7.1 "State action " ................. :....................................... 99 
5. 7.1.1 A doutrina da ação estatal e a 
jurisprudência brasileira ........................... 102 
5. 7.2 A teoria de Schwabe ...................... ; .......... ~ .............. 104 
5. 7.3 Críticas aos modelos de equiparação e imputação t 05 
Capítulo 6. Concepções de constituição e de direitos 
fundamentais 
6.1 lntrodução....................................................................... 107 
6.2 Concepções de constituição............................................. 109 
6.2.1 Constituição-lei ......................................... ~............ 111 
6.2.2 Constituição-fundamento ................... ,................... 112 
6.2.3 Constituição"moldura ..... :....................................... 115 
6.2.3. l A definição do conceito de moldura .......... 116 
6.2.3.2 Constitúição como moldura e a teoria dos 
princípios .................................................... 117 
6.2.3.3 Teoria dos princípios e constituição total.. 119 
6.2.3.4 Teoria dos princípios e constituição como 
moldura: compatibilidade.......................... 120 
IO A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO 
6.3 A concepção de constituição e a constitucionalitação do 
direito................................................................................ 122 
6.3.J Constituição-total e constitucionalização do direito 124 
6.3.2. Constituição-lei e a constitucionalização do direito 125 
6.3.3 Constituição-moldura e a constitucionalização do 
direito...................................................................... 126 
6.4 Previsões.constitucionais................................................. 126 
6.5 Uma teoria dos direitos fundamentais: breves 
considerações................................................................... 127 
·capítulo 7. Um modelo adequado 
7.1 Introdução........................................................................ 132 
7.2Empréstimo teórico e adaptação..................................... 135 
7.2.J Barreiras contra a expansão dos direitos 
fundanientais ................... .. .. ..... ...................... .. ....... 136 
7.2.2 Liberdades públicas.como função clássica dos 
direitos fundamentais............................................. 137 
7.2.3 A 'teoria adotada pela Constituição;...................... 138 
7.2.4 A vinculação expressa dos três Poderes ........... ,.... 139 
7.3 Modelos e conseqüências................................................. 141 
7.4A convergência de modelos e o modelo adequado.......... 143 
7.5 Ponto de partida: o modelo em três níveis...................... 143 
7.6 Um modelo diferenciado.................................................. 145 
. 7.6.J Direitos fundamentais como princípios e direito 
à proteção .............................................. , ...... ,......... 146 
7.6.2 Mediação legislativa e efeitos indiretos................. 147 
7.6.3 Aplicabilidade direta ............................. ,................ 148 
7.6.4 Princípios fonnais ................................... ,.............. 148 
7.6.4.J Sobre a função dos princípiosfomiais e o 
conceito de conipetência .......................... ,. 149 
7.6.4.2 Direitos fundamentais, autonomia privada, 
competências e não-competências.,........... 151 
7.6.4.3 Princípiosfomiais como razões para 
competências.............................................. 152 
7.6.5 Sopesamento e valoração....................................... 153 
7.6.5.J Assimetria entre aspartes envolvidas........ 156 
7.6.5.2 Autonomia real e autonomia aparente....... 158 
.SUMÁRIO 
7.6.5.3 Precedência "primafacie'~ e intensidade 
da restrição a direitos ..................... ············ 
7.6.5.4 Autonomia privada e regra da . 
proporcionalidade······················:················ 
7.6.5.5 Conteúdo essencial da autonomia e dos 
direitos fu,ndamentais ................................. . 
7.6.6 Direitos fundamentais nas ~elações entre 
articulares não-contratuazs ... ·················· ........ ······ 
1;.6.6.1 O caso Ellwanger - HC 82.424 ............... . 
11 
159 
160 
164 
166 
167 
Capítulo 8. Considerações finais ............ .. .. 171 8 J Introdução························································ 171 
8· 2 Um direito civil constitucional? ·······:···:········:····d············· 
172 . . . - d" "to público e dzrezto przva o ........ . 8.3 A dzstznçao entre zrez 
Capítulo 9. Conclusão ................ 175 
91 Introdução······················································· ·175 
9:2 Modelo e solução ............................................................ . 
Bibliografia citada .................................................................... . 178 
APRESENTAÇÃO E AGRADECIMENTOS 
Esta obra é uma versão da minha tese de livre-docência, defen-
dida em novembro de 2004 na Faculdade de Direito da Universidade 
de São Paulo. Com ela, sigo uma linha de pesquisa à qual venho me 
dedicando já há algum tempo, no âmbito da dogmática dos direitos 
fundamentais. Nesse sentido, e como é facilmente perceptível pela 
leitura do trabalho, ela parte dos mesmos pressupostos teóricos que 
têm sido a base da minha produção acadêmica desde, pelo menos, a 
minha tese de doutorado, defendida na Universidade de Kiel, Alema-
nha. Dentre esses pressupostos teóricos, o mais importante deles é, 
sem dúvida, a teoria dos princípios, especialmente na forma como 
desenvolvida por Robert Alexy. Mas a essa teoria tenho tentado, a 
cada novo trabalho, acrescentar aquilo que me parece serimprescin-
dível para o seu aperfeiçoamento. Esse é também um traço distintivo 
do que acima chamei de linha de pesquisa: os resultados obtidos em 
um trabalho são ó ponto de partida do trabalho seguinte. É desse con-
ceito de linha de pesquisa que parte esse trabalho. 
Diante disso, um dos principais elementos que desenvolvi em 
meu doutorado, os .chamados princípios formais, está presente tam-
bém aqui neste trabalho. Se, no doutorado, o desenvolvimento de um 
conceito de princípios t'orlnais tinha como papel principal· auxiliar a 
compreensão da relação entre legislativo e judiciário na realização 
dos direitos fundamentais, e para isso a ligação principal era entre 
esse conceito e as idéias de incomensurábilidade e paridade, ele res"' 
surge ~qui com um propósito bastante distinto .. Associado ào concei-
to de autonomia privada, ·os princípios formais visam a auxiliar a 
compreensão dos direitos fundamentais em outro tipo de relação: as 
relações entre particulares. Este é, portanto, um trabalho sobre direi-
tos fundamentais rías relações entre particulares que tem como ponto 
14 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO 
de partida a teoria dos princípios complementada com o conceito de 
princípios formal. 
Como tese de livre-docência, este trabalho foi defendido perante 
banca examinadora. composta pelos professores Odete Medauar, 
Enrique Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso, Carlos Rober-
to Siqueira Castro e Ricardo Lobo Torres. A todos eles devo agrade-
cer as argüições ao mesmo tempo incisivas, justas e construtivas. 
Aquele que tiver a oportunidade de comparar o texto deste livro com 
o texto original de minha tese poderá perceber que tais agradecimen-
tos não são meramente protocolares e poderá verificar que todas as 
argüições foram aqui assimiladas. 
Embora o trabalho acadêmico seja quase sempre um trabalho 
individual, o acadêmico não trabalha isolado do mundo. Muitas pes-
soas foram e continuam sendo importantes na minha vida acadêmica 
em geral e muitas foram essenciais na elaboração deste trabalho em 
particular. 
Ao meu orientador no doutorado,. Prof. Dr. Robert Alexy, agra-
deço não somente os ensinamentos durante o meu doutoramento na 
Universidade de Kiel, que foram fundamentais também para a elabo-
ração deste trabalho, como, além disso, a disposição para o diálogo já 
durante a pesquisa para esta tese de livre-docência, com relação à 
qual ele não tinha nenhuma obrigação formal. 
Não posso também deixar de agradecer ao Instituto Max Planck 
de Direito Público Comparado e Direito Internacional Público, em 
Heidelberg, Alemanha, especialmente ao Prof. Dr. Rüdiger Wolfrum 
e ao Prof. Dr. Annin von Bogdandy. Foi no Instituto Max Planck de 
Heidelberg, graças a urna bolsa a mim concedida pela Sociedade Max 
Planck, que pude fazer boa parte da pesquisa para essa tese. 
A MarcoAurélio Sampaio, além da qmizade incondicionál, pre-: 
ciso agradecer . a sempre . disponibilidade em ler o que escrevo, 
incluindo este trabalho, mesmo que, para isso, tenha que deixar de 
lado tarefas importantes de sua vida pessoal e profissional .. O mesmo 
agradecimento é devido também a Jean Paul C. Veiga da Rocha, cujas 
indagações também ajudaram a melhorar este trabalho. A Otavio Yaz-
bek e Luís Renato Vedovato, que tiveram a.sorte de Qão ter que ler 
este trabalho, mas que são leitores freqüentes do que escrevo, agrade-
ço também a amizade e a eterna prontidão para a críticà. 
APRESENTAÇÃO E AGRADECIMENTOS 15 . 
À nova geração de acadêmicos que, contra o lugar comum, acre-
ditam na possibilidade de se dedicar integralmente à docência e à pes-
quisa, especialmente, mas não somente, a Jean Paul C. Veiga da 
Rocha, Diogo R. Coutinho, Conrado Hübner Mendes, Maíra Rocha 
Machado e Luciana Gross Cunha, só posso agradecer o empenho e a 
dedicação com que têm transformado esse projeto de vida em reali-
dade. 
Aos meus alunos na Faculdade de Direito da Universidade de 
São Paulo tenho que agradecer o espírito sempre crítico e a não-satis-
fação com a "opinião da cátedra". Ao incentivá-los à discordância, 
recebo em troca muitas vezes um questionamento de meus próprios 
pontos de partida, o que me leva a sempre refletir sobre eles e nunca 
me acomodar. 
Aos amigos Murilo Celebrone, Alexandre Suguimoto, Cassius 
Medauar, Andres Lustwerk Santos e Gustav Lustwerk Santos agrade-
ço a amizade de sempre e o fato de não terem nenhuma relação com 
a área jurídica. É sempre bom poder sair com os amigos e falar sobre 
qualquer outra coisa, mas não sobre direito. 
À minha farm1ia, que me acompanha nos diversos passos da 
minha carreira acadêmica, agradeço o apoio e o incentivo que nunca 
faltaram. 
À comunidade Linux e àqueles que apóiam o software livre agra-
deço o apoio e, mais do que isso, a luta incansável para oferecer alter-
nativas a programas de computador de empresas monopolistas. Tra-
balhar com programas gratuitos e, sobretudo, estáveis, como o 
sistema operacional Linux e o processador de textos O pen Writer, do 
OpenOffice, economizou sobretudo meu tempo e momentos de mau 
humor. 
Por fim, a despeito da importância que todos os mencionados 
anteriormente têm na minha vida acadêmica e, em alguns casos, tam-
bém na minha vida pessoal, o agradecimento mais importante é devi-
do a Magdalena Nowinska. A ela, contudo, não agradeço isso ou 
aquilo, por essa ou aquela razão. Simplesmente agradeço. Intransiti-
vamente. 
VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA 
Capítulo 1 
INTRODUÇÃO 
1.1 Delünitação do tema: 1.1.l Um tema verdadeiro ou um tema 
emprestado?; 1.1.2 Estado social e constitucionalização do direito -
1.2 Método -1.3 Desenvolvimento do trabalho -1.4 Tese. 
1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA 
A falta de comunic:ação entre os diversos ramos do direito pro-
voca efeitos indesejáveis. Muito daquilo que, para os operadores de 
uma disciplina jurídica é tido como ponto pacífico pode ser, para os 
operadores de outras disciplinas, um completo despropósito. O obje-
tivo deste trabalho é, em grande medida, analisar um aspecto relacio'." 
nado a um desses problemas de comunicação. 
Para o constitucionalista, ciente da hierarquização do ordena-
mento jurídico, 1 em cujo topo figura o documento constitucional 
escrito, parece não haver nenhum problema na subordinação de todo 
1. A hierarquização é um corolário do princípio dinâmico dos sistemas jurídi-
cos, que pressupõe que a validade de uma norma jurídica deve ser determinada por 
critérios estritamente formais, o que significa que uma norma é considerada válida se 
tiver sido elaborada por uma autoridade competente que, por sua vez, tiver sido cria-
da por uma norma em um nível hierárquico a ela superior. No topo dessa cadeia 
encontra-se a constituição. A elaboração do conceito de princípio dinâmico dos orde-
namentos juádicos costuma ser atribuída a Kelsen (cf. Hans Kelsen, Reine Rechts-
lehre, p. 196), mas sua concepção se deve, na verdade, a Merkl (cf, Adolf Mei:kl, 
"Prolegomena einerTheorie des rechtlichen Stufenbaus", in Alfred Verdross (Hrsg.), 
Gesellsclzaft, Staat und Recht, Festschrift Hans Kelsen, pp. 254 e 272 e ss. Sobre o 
tema, cf., sobretudo, Stanley L. Paulson, "Zur Stufenbaulehre Merkls", in Robert 
Walter (Hrsg.), Adolf J. Merkl: Werk und Wirksamkeit, p. 101 e H. L. A. Hart, The 
Concept of Law, pp. 90-94). 
18 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO 
o ordenamento jurídico à constituição.2 Mas não é a esse fenômeno 
que se quer fazer referência quando se fala em constitucionalização 
do direito, título deste trabalho. 
Com constitucionalização do direito quer-se aqui fazer menção, 
em linhas gerais, que serão desenvolvidas nó decorrer do trabalho, à 
irradiação dos efeitos das normas (ou valores) constitucionais aos 
outros ramos do direito. O principal aspecto dessa irradiação, ao qual 
se dará maior ênfase, como indica o subtítulo desta investigação, reve-
la-se na vinculação das relaçõesentre particulares a direitos fundamen-
tais, também chamada de efeitos horizontais dos direitos fundamenta.Is. 
Como se sabe, ainda que com relativizações, os direitos fundamentais 
foram concebidos como direitos cujos efeitos se produzem na relação 
entre o Estado.e os particulares. Essa visão limitada provou-se rapida-
mente insuficiente, pois se percebeu que, sobretudo em países demo-
cráticos, nem sempre é o Estado que significa a maior ameaça aos par-
ticulares, mas sim outros particulares, especialmente aqueles dotados 
de algum poder social ou econômico. Por diversos motivos, no.entan-
to; é impossível simplesmente transportar a racionalidade e a forma de 
aplicação dos direitos fundamentais da relação Estado-particulares 
para a relação particulares-particulares, especialmente porque, no pri-
meiro caso, apenas uma das partes envolvidas é titular de direitos fim-
damentais, enquanto que, no segundo caso, ambas o são. . 
No Brasil, contudo, ao contrário do que ocorre em países como 
Alemanha, Espanha, Itália, Israel, Áfricà do Sul e Portugal, entre 
outros, a doutrina constitucional ainda não tem dado a devida atenção 
aos efeitos dos direitos fundamentais para além da relação cidadão-
Estado. E isso não somente devido a uma demasiada atenção aos 
direitos fundamentais de cunho liberal. Mesmo nas análises dos direi- . 
tos de outras "gerações'', ou seja, dos direitos fundamentais pós-libe-
rais, o foco costuma se manter única e exclusivamente na relação 
cidadão-Estado. Como lidar com limitações a direitos funda111entais 
quando elas são fundadas em atos entre particulares, celebrados sob 
o manto da autonomia privada? Há, nesses casos, violação a direitos 
fundamentais? Ou quem pode violar direitos fundamentais é unica-
mente o Estado? 
2. Cf. Gunnar Folke Schuppert e Christian Bumke,Die Konstitutionalisierung 
der Rechtsordnung, p. 9. 
INTRODUÇÃO. 19 
O debate sobre a irradiação dos efeitos dos direitos fundamentais 
nos outros ramos do direito é bastante intenso em outros países, como 
já foi mencionado acima; Sem dúvida alguma, por motivos que serão 
analisados posteriormente, é na Alemanha que o problema é estuda-
do de forma sistemática há mais tempo. Mas também nos Estados 
Unidos, ainda que de forma assistemática, o tema é velho conhecido 
da doutrina e, especialmente, da jurisprudência. 
Nos Estados Unidos, o marco inicial foi a decisão da Suprema 
Corte no caso Shelley v. Kraemer.3 Com o intuito de evitar a presença 
de negros em um loteamento na cidade de Saint Louis, exigiu-se, via 
contrato, que os compradores de terrenos no local não poderiam alie-
ná-los em favor de indivíduos não-brancos. Um dos proprietários, no 
entanto, resolve vender sua propriedade a um casal de negros e essa 
venda foi contestada judicialmente, por violação da cláusula restritiva. 
O pedido obteve sucesso no Tribunal Estadual de Missouri, mas, na 
Suprema Corte, decidiu-se que aquela cláusula restritiva feria a cláu-
sula de igualdade da Emenda XIV da Constituição americana. O caso, 
aparentemente simples, possui elementos dogmáticos fundamentais, 
que podem passar despercebidos se não for feita uma análise global da 
posição da própria Suprema Corte acerca da relação entre a Emenda 
XIV e cláusulas contratuais restritivas nos moldes daquela acima cita-
da. A Suprema Corte parte do pressuposto de que cláusulas contratuais 
decididas entre particulares no exercício de sua autonomia privada 
não violam, isoladamente consideradas, a Emenda XIY. Essa sempre 
foi uma jurisprudência relativamente pacífica da Corte, reafirmada até 
mesmo na própria decisão Shelley v. Kraemer: "Desde ( ... ) os Civil 
Rights Cases( ..• ) firmou-se, em nosso direito constitucional, o princí-
pio de que as ações inibidas pela primeira seção da décima quarta 
Emenda são somente aquelas que podem ser consideradas como sendo 
ações estatais. Aquela Emenda não ergue nenhuma proteção contra 
condutas meramente privadas, ainda que discriminatórias ( ... )".4 
· .. O trecho citado, a despeito da decisão de mérito contra a cláusu-
la restritiva, reafirma a idéia de que direitos fundame'ntais - no caso 
3. Shelley v. Kraemer, 334 US l (1948). Há, na verdade, casos cronologicamen-
te anteriores, mas que não tiveram a mesma repercussão de Shelley v. Kraemer. Cf., 
por exemplo, Buclzanan v. Warley, 245 US 60 (1917). 
4. Shelley v. Kraemer, 334 US l, 13 (1948), sem grifos no original. 
20 A CONSTIWCIONALIZAÇÃO DO DIREITO 
o direito a um tratamento igual - só valem nas relações entre os cida-
dãos e o Estado e não para os cidadãos em suas relações particulares.5 
Um argumento·intuitivo - e bastante simplista - poderia.tentar 
retirar o valor dessa discussão para o caso brasileiro por meio da mera 
suposição de que qualquer ato de discriminação é vedado no Brasil. 
Ainda que isso seja verdadeiro em face da disposição expressa do art. 
5º, XLII, o problema não desaparece. Embora seja possível imaginar 
que ninguém argumentaria a favor de uma cláusula contratual nos 
moldes da apresentada brevemente acima, não é difícil imaginar 
outros exemplos com contornos fáticos semelhantes, mas que talvez 
não provocassem a unanimidade esperada. Seria inconstitucional a 
conduta de um comerciante de origem japonesa que, ao contratar um 
novo balconista para sua loja, exigisse alguém que também tivesse 
origem japonesa? Seria inconstitucional que se proibisse, via contra-
to, que os funcionários de uma determinada emissora de TV apare-
çam em programas jornalísticos ou culturais de outras emissoras?6 
Em ambos os casos, como se pode notar, há uma potencial restrição 
a direitos fundamentais por meio de atos sem a participação estatal. 
A resposta a ambas as perguntas, ao contrário do que pode parecer à 
primeira vista, não é simples; 
Se adicionarmos à discussão a idéia de irrenunciabilidade e ine-
gociabilidàde dos direitos fundamentais, o quadro fica ainda mais 
complexo. Não são poucos os atos, contratuais ou não, que implicam 
uma renúncia, ainda que temporária, ao exercício de alguns direitos 
fundamentais. O exemplo mais marcante e attial são os chamados 
reality shows das emissoras de TV bràsileiras e estrangeiras. Aíl1da 
que seja polêmico o debate sobre a violação à dignidade dos partici-
pantes desses programas, é facilmente perceptível que, por ato de 
vontade,. esses participantes renunciam à sua privacidade, garantida 
pelo art. 52, X, da Constituição. 
Nos países europeus, em cuja doutrina e jurisprudência há uma 
aceitação maior da idéia de vínculo dos particulares aos direitos·fun-
5. Sobre a doutrina da state action e as relativizações a essa posição, cf. 5.7.l, 
abaixo. · · 
6. As possíveis restrições a direitos fundamentais em relações sem a presença 
do Estado não se limita a restriçõés decorrentes de contrato celebrado entre as par-
tes. Para mais exemplo, cf. 7.6.7. 
INTRODUÇÃO 21 
<lamentais, a discussão tem se concentrado naforma como os direitos 
fundamentais devem ser considerados nas relações privadas. Na Ale-
manha, por exemplo, desde o famoso caso Lüth, 7 no qual se reconhe-
ceu que - embora os direitos fundamentais sejam, em primeira linha, 
direitos de defesa do cidadão contra o Estado -, seus efeitos não se 
limitam a esse tipo de relação, discute-se de que forma esses direitos 
podem ,.... ou devem - interferir na autonomia privada. Discute-se, 
nesse âmbito, sobretudo acerca dos efeitos diretos ou indiretos daque-
les no âmbito desta, 
Essa discussão, contudo, apesar de sua importância prática, não 
tem merecido a atenção devida no Brasil. Com exceção de artigos 
esparsos8 e de poucas e recentes monografias,9 não há discussão mais 
densa sobre o tema. 
1.1.1 Um tema verdadeiro ou um tema emprestado? 
Como mencionado acima, o tema objeto deste trabalho é um 
tema pouco explorado pela doutrina e pela jurisprudência brasileiras. 
Diante disso; é de se perguntarse essa pouca atenção se deve a uma 
falha dos operadores do direito ou se o tema não tem, a despeito da 
enorme produção doutrinária e jurisprudencial no exterior, grandes 
interesses para o sistema jurídico brasileiro. Como alerta Ingo Wolf-
gang Sarlet, é possível que "onde não se controverte talvez não haja 
o que controverter". 10 O questionamento não é retórico. É perfeita-
mente possível que questões extremamente polêmicas em outros paí-
7. BVerfGE 7, 198. 
8; Cf., por exemplo; IngoWolfgang Sarlet. "Direitos fundamentais e direito pri-
vado: algumas considerações em tomo . da vinculação dos particulares aos direitos 
fundamentais", in: lngo Wolfgang Sarlet (org.), A Constituição concretizada, pp. 
107-163. 
9. Cf., sobretudo, Wilson Steinmetz, A vinculação dos particulares a direitos 
fundamentais e Daniel Sarmento,· Direitos fundamentais e relações privadas. Há 
também algumas coletâneas que versam sobre o chamado direito civil constitucional 
(cf., por exemplo, Rerian Lotufo (coord.); Direito civii constitucional - caderno 3. 
Sobre o tema, cf. 8.2, abaixo). "Direito civil constitucional" não significa, contudo, · 
um estudo do tema aqui abordado e pode, muitas vezes, limitar~~e a uma análise dos 
dispositivos de direito privado no texto constitucional e seus efeitos. 
10. Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos direitos fimdamentais, p. 354. Sarlet 
rejeita, contudo, essa hipótese. 
22 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO 
ses não sejam de grande relevância para o direito brasileiro, especial-
mente em decorrência de diversidades estruturais e legais entre diver-
sos países. u 
Como se sabe, e como ficará bastante claro no decorrer desse tra-
balho, o tema "constitucionalização do direito", e seu subtema prin-
cipal, a "vinculação de particulares aos direitos fundamentais", tem 
seu epicentro nos países de lfugua alemã. Como se percebérá ao 
longo do trabalho, a grande mruoria dos trabalhos sobre o tema é ori-
ginária da Alemanha e, em escala já bem menor, da Áustria e da 
Suíça. Ora, não é possível "importar", sem grandes reflexões, temas 
e problemas de outros países e tentar incuti-los, artificialmente, na 
discussão brasileira. Não só as tradições jurídicas podem ser bastan-
te distintas, a despeito da filiação comum à família jurídica romano-
germânica, como também o material básico de análise - os textos 
. constitucionais e legais - podem variar em grande escala. É o que 
acontece no caso dos direitos fundamentais, ainda que isso passe mui-
tas vezes despercebido. 
Nesse sentido, embora consagre também os direitos fundamen-
tais que a Constituição alemã e a grande maioria das constituições das 
democracias ocidentais consagram no âmbito dos chamados direitos 
de defesa ou das chamadas liberdades públicas, muitos dispositivos 
da Constitúição brasileira já dão a entender que eles não têm efeitos 
apenas na relação indivíduo-Estado, mas também nas relações dos 
indivíduos entre si. 12 
Assim é que, ao lado da liberdade de expressão (CF, art. 5!!, IV), 
a Constituição já garante o direito de resposta (CF, art. 5!!, V). Ora, a 
díade liberdade de expressão/direito de resposta tem sua aplicação 
quase exclusivamente no âmbito da. relação entre particulares. Os 
direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem (CF, art. 5!!, 
X) são direitos que, sem grandes problemas, são considerados como 
11. Um exemplo bastante atual desse fenômeno, ainda que não guarde relação 
com o presente trabalho, pode ser visto na questão da universàlização do acesso aos 
serviços públicos, tema central no debate sobre aregulação desses serviços no Bra-
sil, mas que ocupa, quando muito, um lugar marginal em países desenvolvidos, nos 
quais a universalização.é fato quase qlie consumado. 
12. Além disso; a Constituição brasileira elenca uma série de direitos funda~ 
mentais que não estão presentes na Constimição alemã. Cf., sobre isso, 1.1.2 e 7.2, 
abaixo. 
INTRODUÇÃO 23 
oponíveis~ sobretudo, contra possíveis violações provenientes de atos 
de particulares. Mas a existência de direitos que se aplicam, por sua 
própria natureza, às relações entre os indivíduos não implica aceitar 
que tal aplicação sempre deverá ocorrer. Em quase todos os casos, 13 
tal aplicação é, de fato, possível.· Resta saber, contudo, se ela é obri-
gatória e, em caso afirmativo, como ela deve ocorrer. A investigação 
desse problema é um dos objetivos deste trabalho. 
1.1.2 Estado social e constitucionalização do direito 
Além disso, a Constituição brasileira consagra também outros 
direitos fundamentais que não aqueles chamados de "clássicos" ;14 ao 
contrário do que ocorre com a Constituição alemã, cujo catálogo de 
direitos fundamentais consagra essencialmente direitos de caráter 
liberal; ou seja,Jiberdades públicas. A Constituição alemã é, por isso, 
a despeito da caracterização de "Estado Social e Democrático" conti-
da no art. 20, 1, uma constituição de cunho liberal, cujos direitos fun-
damentais são, essencialmente, direitos de proteção dos indivídu9s 
contra possíveis violações estatais. Por conseguinte, qualquer exten-
são desse âmbito de aplicação a outros tipos de relação que não as 
relações indivíduo-Estado, exige uma fundamentação que não é tri-
vial. Essa é, dentre outras, a razão pela qual a doutrina e a jurispru-
dência alemãs sempre deram, desde a promulgação da Constituição, 
em 1949, grande atenção ao problema e é por isso, também, que 
quase todas as teorias para a reconstrução do problema foram desen-
volvidas inicialmente por autores alemães, que tinham que superar 
dificuldades e limites do texto constitucional alemão que não estavam 
presentes em outros países. 
O caso brasileiro é, portanto, diverso, já que, além dos direitos de 
cunho meramente protetivo, a Constituição garante também direitos 
sociais e os chamados direitos dos trabalhadores. Diante disso, mui-
tos dos problemas que deram início ao debate alemão sobre a consti-
13. Há, obviamente, direitos fundamentais que, por sua própria natureza, não 
são aplicáveis às relações entre os indivíduos. Basta que pensemos, por exemplo, nos 
chamados "remédios constitucionais". Mas mesmo esses sofrem algumas relativiza-
ções, ainda que essas não sejam o produto de uma teoria específica, mas de constru-
ções jurisprudenciais ad-hoc. Cf., sobre essa questão; 5. 7.1.1. 
14. Sobre essa denominação, cf. 7.2.2, abaixo. 
24 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO 
tucionalização do direito e os efeitos dos direitos fundamentais nas 
relações entre particulares, seja na doutrina ou na jurisprudência, não 
ensejam grandes controvérsias no caso brasileiro, devido a previsões 
expressas da Constituição. Um caso paradigmático é a igualdade de 
salários entre homens e mulheres. Essa questão foi o ponto de parti-
da, na Alemanha, de todo um debate sobre os efeitos dos direitos fun:-
damentais nas relações entre particulares, 15 que, para o caso brasilei-
ro, diante do previsto no art. 72, XX.X, tem pouca relevância. Isso não 
significa, claro, que o tema, em si, seja despido de interesse para 
casós como o brasileiro, em que a Constituição, por razões por todos 
conhecidas e que aqui pouco importam, desceu a minúcias· pouco 
comuns em outros textos constitucionais. 
Neste ponto vale a pena retomar uma hipótese formulada por 
Mark Tushnet. 16 Segundo ele, "a dificuldade que um sistema tem com 
a questão do efeito horizontal [dos direitos fundamentais] varia de 
acordo com o grau(.~.) de suplementação das normas liberais clássi-
cas com outras de caráter social democrático". 17 A hipótese de Tush-
net parece apontar para uma direção corretá, mas o desenvolvimen-
tó que ó próprio àiltor dá a ela, não. Isso porque, a despeito de sua 
clara formulação, Tushnet, ao désenvolver a hipótese, dá maior ênfa-
se aoutros aspectos· do chamado Estádo social e acaba por se esque-
cer do arcabouço normativo-constitucional Il1ericionadona sua hipó'-
tese. Assim, a despeito da Constituição alemã ter um catálogo de 
direitos fundamentais de cunho liberal, Tushnet inclui a Alemanha 
· entre os países em que a dificuldade em lidar corri os efeitos horizon-
tais dos direitos fundamentais seria menor,. dado o seu comprometi'-
mento com um Estado social. Embora esse comprometimento seja 
real e bastante conhecido e que a Alemanha seja, de fato, um paradig-
ma de Estado social, isso não é suficiente pará explicar a questão. A 
dificuldade em lidar com o probléma da constitucionalização do 
direito e da extensão dos direitos fundamentais às relações entre. par-
ticulares tem relação direta, como Tushnet originalmente propôs, com' 
15. Cf., sobre isso, capítulo 5. 
16. O autor chama sua hipótese de "especulação". Cf. Mark Tushnet, •"fhe 
Issue of State Action/Horizontal Effect in Comparative Constitutional Law", lnter-
national Joumal of Constitutional Law 1 (2003), pp. 80 e 88. 
17. Mark Tushnet,. ''The Issue of StateAction/Horizontal Effect in Comparati-
ve Constitutional Law", p. 80. 
INTRODUÇÃO 25 
o àrcabouço normativo-constitucional do sistema e não com um com-
prometimento real com o Estàdo social. O exemplo alemão é claro 
nesse sentido: a despeito do seu grande comprometimento com o 
Estado social, a dificuldade em lidar com os efeitos horizontais dos 
direitos fundamentais foi enomie - e refletida na avassaladora produ-
ção doutrinário-jurisprudencial sobre o problema. Essa dificuldade 
tem como causa essencialmente um problema normativo-constitucio:. 
nal: a ausência de normas de direitos fundamentais que não aquelas 
de cunho liberaL 
Diante disso, é de se supor que, no Brasil, especialmente no 
âmbito social-trabalhista, a extensão dos direitos fundamentais às 
relações entre particulares seja pouco problemática, em vista, sobre-
tudo, do art. 72 da Constituição. Isso não significa, contudo, que, em 
outros. âmbitos, especialmente no âmbito jurídico-privado stricto 
sensu, a tensão entre direitos fundamentais e liberdade privada não 
existirá. 
1.2 MÉTODO 
Falar em método na pesquisa jurídica significa, muitas vezes, 
adentrar terreno pantanoso. Aqui é necessário diferenciar método de 
trabalho de abordagem metodológica. 
No primeiro caso, há pouca variação, já que a pesquisa jurídica 
costuma limitar-se à análise da doutrina e da jurisprudência. A pre-
sente pesquisa enquadra-se nesse método de trabalho, já que outros 
métodos - estatísticos, pesquisa de campo etc. - a ela não se aplicam. 
No que tange à abordagem metodológica, a presente investiga-
ção tem caráter essencialmente dogmático. E, para usar a divisão pro-
posta por Ralf Dreier e Robert Alexy, ela pretende ser uma pesquisa 
dogmática nas três dimensões do termo: analítica, empírica e nonna-
tiva, mas com ênfase na primeira delas. 18 
A dimensão analítica ocupa-se com a análise dos .conceitos 
envolvidos e a relação entre eles. Não menos importante é a indaga-
ção sobre a relação entre esses conceitos e o direito positivo brasilei-
18. Cf. Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, pp. 23-25 e Ralf Dreier, Recht 
- Moral - Ideológie, pp. 10 e ss. 
26 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO 
ro. A análise do direito vigente, especialmente do direito vigente na 
visão daqueles que o aplicam ~ os tribunais ,_ faz parte da tarefa da 
dimensão empírica da dogmática jurídica. Por fim, e com base nos 
resultados das análises conceituai e empírica, objetiva"."se fornecer 
uma resposta adequada para o problema enfrentado. Aí reside a 
dimensão normativa, que pretende prescrever soluções. É essa multi-
dimensionalidade que expressa o caráter prático desta pesquisa. Não 
se cuida aqui de análise teórica que se esgota em si mesma. Pretende-
se, pelo contrário, não só contribuir para a discussão sobre direitos 
fundamentais, mas tambémfornecer su.bsídios para a atividade juris-
prudencial, especialmente aquela ocupada com a eficácia dos direitos 
fundamentais. 
1.3 DESENVOLVIMENTO DO TRABAIJIO 
O presente trabalho é estruturado em nove capítulos. Após esta 
introdução, o capítulo 2 fixa uma das principais bases teóricas da 
investigação, que é a distinção entre princípios e regras e, mais 
importante, o conceito de princípios como mandamentos de otimiza-
ção. O capítulo 3 é dedicado a uma breve exposição de duas análises 
sobre o fenômeno da constitucionalização do direito, na Alemanha 
(Schuppert e Bumke) e na França (Favoreu). No capítulo 4 são fixa-
dos alguns pressupostos conceituais importantes para o desenvolver 
do trabalho, como a distinção entre eficácia, efeitos e aplicabilidade, 
o conceito de -ameaça "horizontal" a direitos fundamentais e, sobre-
tudo, o conceito de renúncia a direitos fundamentais. 
O capítulo 5 dá início à parte do trabalho que se dedica com 
exclusividade aos efeitos dos direitos fundamentais nas relações entre 
particulares. Nesse capítulo serão, por isso, expostos e discutidos os 
principais modelos que pretendem reconstruir, explicar e guiar a vin-
culação das relações entre particulares aos direitos fundamentais, 
especialmente os modelos de efeitos indiretos e de aplicabilidade 
direta, mas também o modelo da state action norte-americana. O 
capítulo 6 é dedicado principalmente ao conceito de constituição que; 
como será visto, embora muitas vezes relegado a um segundo plàno, 
pode ter importante conseqüências teóricas e práticas no objeto deste 
estudo. Já, no capítulo 7, é proposto um modelo alternativo aos mode-
los apresentados no capítulo 5. Esse modelo, chamado de modelo 
INTRODUÇÃO 27 
diferenciado, pretende ser mais flexível do que aqueles que normal-
mente são adotados, especialmente na doutrina e jurisprudência ale-
mãs. O capítulo 8 é reservado a uma breve análise de algumas teses 
que, embora não sejam centrais ao objeto deste trabalho, costumam 
ser a ele relacionadas, como a distinçao dentre direito público e direi-
to privado ou a existência de um direito civil constitucional. 
b capítulo 9, pbr fim, é a conclusão geral do frabalho. 
1.4 TESE 
O objeto deste trabalho é analisar uma das· principais formas do 
fenômeno conhecido como constitucionalização do direito: .os ef eifos 
e a aplicabilidade_ dos direitos fundamentais nas relações entre parti-
culares. A tese defendida pode sér resúmida da seguinte forma: 
(1) A constitucionalização, e uma conseqüente conside~ação dos 
efeitos dos direitos fundamentais nas relações privada$ não ameaçam 
a autonomia do direito priv~do e, sobretudo, tãmbém não ameaçam 
~ma das idéias centrais desse ramo do direito, a autonomia privada. 
Isso porque, sempre que possível, essa-produção de efeitos, para usar 
uma expressão_ consagrada, se dá por intermédio do material norma-
tivo do próprio direito privado, o que garante a sua autonomia. O que 
muda, no entanto, se se comparar com a autonomia que o direito-pri-
vado gozava especialmente até o século XIX, é o fato de que as nor-
mas desse ramo do direito devem ser interpretadas com base nos prin-
cípios de direitos fundamentais. 
Além disso, os próprios princípios gerais do direito, aos quais a 
doutrina privatística costuma freqüentemente recorrer, não podem 
mais ser considerados como_ princípios morais ou princípios supra ou 
extrajurídicos, mas uma expressão dos próprios princípios constitu-
cionais. 
Já a autonomia privada, conceito-chave do direito privado e das 
relações entre particulares, é considerada não como um princípio 
material de direito, equiparável aos direitos fundamentais. Isso exclui 
uma possibilidade muito aventada nos trabalhos sobre o tema, que 
seria o sopesamento entre a própria autonomia privada e direitos fun-
damentais eventualmente atingidos em uma relação entre privados. 
Essa forma de tentar garantir a sobrevivência da autonomia privada 
28 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO 
diante da pressão dos direitos fundamentais em uma ordemjurídica 
constitucionalizada. é . problemática. Como será visto no capítulo 7, 
por ser um princípio formal, a autonomia privada é uma garantia de 
competências para os indivíduos. Nesse sentido, há um paralelo entre 
a competência decisória do legislador para tomar decisões em ques-
tões que envolvemdireitos fundamentais e a autonomia privada, por-
que essa última, tanto qµanto a primeira, funciona como uma espécie 
de suporte para competênCias. Sem esse suporte, os direitós funda-
mentais "dominariam" as relações privadas e eliminariam toda a fle-
xibilidade imprescindível a elas. Essa é a função da autonomia priva-
da como princípio .formal da ordem jurídica: fazer força contrária a 
essa dominação. E, por ser um princípio forinal, essa aútonomianão 
pode pàiticipar de. um sope~amento junto com princípios materiais ( = direitos fundamentais), já que faltària, nesse procedimento, um cri:-
tério de comparação que toma.Sse o sopesamento possível. 
(2)Para regular a produção de efeitos dos direitos fundamentais 
nas· relações privadas é necessário um modelo mais flexível que os 
modelos·propostos normalmente pela doutrina e péla jurisprudência 
alemãs. Esse modelo, proposto no capítulo 7, pressupõe que, sempre 
que possível, os efeitos deis direitos fundamentais se farão se11tir na.S 
relações privadas por. intermédio do material normativo· do próprio 
direito privado, como foi mencionado acima. Isso significa conferir 
uma primazia à mediação que o legislador ordinário faz entre a ordem 
constitucional e a ordem privada. Mas essa primazia nem sempre é 
possív~l. Em alguns casos, seja por om1ssão, seja por insuficiência 
legislativa, os efeitos dos direitos fundamentais somente podem ser 
diretos, havendo à necessidade, portartto; de uma aplicaçao direta dos 
direitos fundamentais no nível interprivados. Esse modelei pretende, 
portanto, romper com a dicotomia entre efeitos diretos e indiretos, 
conciliando-'"OS na mesma construção teórica. 
Capítul02 
A DISTINÇÃO ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS 
2.11ntrodução - 2.2 Teorias sobre a distinção entre princípios e 
regras: 2.2.1 Mandamentos de otimização; 2.2.1.1 Coriflito entr:e 
regras; 2.2.1.2 Colisão entre princípios-2.3 O problema tenninoló-
gico. 
2.1 INTRODUÇÃO 
Este não é Um trabalho sobre a distinção entre princípios e regras, 
mas essa distinção - para ser mais preciso, um dos desenvolvimentos 
dessa distinção - ·servirá como base teórica para a análise do proble-
ma da constitucionalização do direito e, especialmente, para a análise 
dos efeitos dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. A 
necessidade de um aprofundamento no tema fica, por isso, justificada. 
Mas há mais razões para tanto. Como já tive a oportunidade de discu-
tir em outra ocasião,1 a distinção entre regras e princípios, na forma 
como desenvolvida por Robert Alexy, não é sempre compatível com 
as definições usuais desses conceitos na doutrina brasileira. Não se 
pretende, aqui, discutir qual distinção é a melhor, mas a clareza con-
ceituai exige que amba.S sejam claramente separadas . 
. Desde a promulgação da Constituição de· 1988, o debate sobre os 
princípios jurídicos ganha cada vez màís espaço. Nó início, a discus-
são era meramente classificatória e o que mais se fazia eram tipolo-
gias· de princípios à luz do novo texto constitucional. Conquanto a 
configuração dessas tipologias variasse de acordo com o enfoque de 
1. Ct Virgílio Afonso da Silva, "Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de 
uma distinção", Revista Latino-Americana de Estudos Políticos 1 (2003), pp. 607-630. 
30 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO 
cada autor, elas tinham, no entanto, um elemento característico: elas 
pretendiam distinguir os princípios segundo sua importância, sua 
especialidade ou sua matéria.2 Havia quase sempre os princípios 
mais fundamentais e os princípios menos fundamentais, os princípios 
gerais e os princípios especiais, dentre outras contraposições. 
No desenrolar dos anos, algumas teorias desenvolvidas no exte-
rior foram sendo assimiladas ao debate. A partir de um certo momen-
. to, passou a ser quase obrigatória a menção da contraposição entre 
regras e prihcípios, principalmente na versão desenvolvida por 
Robert Alexy.3 Mas a tendência inicial, de classificar princípios 
segundo critérios materiais, principalmente segundo a sua fundamen-
talidade, não cessou. Ao contrário: ambas as tendências passaram a 
conviver "harmcmiosamente". Já procurei demonstrar, em outro tra-
balho, que essa harmonia não me parece ser possível.4 A razão é sim-
ples: o critério que Alexy utiliza para distinguir princípios de regras é 
um critério estrutural, que não leva em consideração nem fundamen-
talidade, nem generalidade, nem abstração, nem outros critérios 
materiais, imprescindíveis nas classificações tradicionais acima men-
cionadas. Como conseqüência, muito do que é tradicionalmente con-
siderado como princípio fundamentalíssimo - a anterioridade da lei 
penal é um exemplo esclarecedor - é, segundo os critérios propostos 
por Alexy, uma regra e não um princípio. 
O que interessa neste passo do trabalho é, portanto, fixar o que 
se quer dizer quando se fizer menção· ao conceito de princípios e o 
que se quer dizer quando se fizer menção ao conceito de regra ao 
longo deste trabalho. Mais do que isso extrapolaria os limites impos-
tos à investigação. 
2.2 TEORIAS SOBRE A DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS 
É comum que se classifiquem as teorias sobre a distinção entre 
princípios e regras em três grandes categorias:. (a) teorias que pro-
2. Dentre as inúmeras classificações nesse sentido, cf., por todos, Luís Rober-
to Barroso, lnterpretaçã9 e aplicação da Constituição, pp. 147 e ss. e José Afonso 
da Silva, Curso de direito constitucional positivo, pp. 91-96. 
3. Cf. Robert Alexy, Theorie der Grundreclzte, pp. 75 e ss. 
4. Cf. Virgfüo Afonso da Silva, "Princípios e regras: mii:os e eqúíVocos acerca 
de uma distinção", pp. 625 e ss. 
A DISTINÇÃO ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS 31 
põem uma distinção forte; .(b) teorias que propõem uma distinção 
débil; (e) teorias que rejeitam a possibilidade de distinção.5 
Segundo a teoria da distinção forte, princípios e regras são nor-
mas que têm estruturas lógicas diversas.6 Nesse sentido, e como se 
verá mais adiante, não seria· correto falar em mera distinção gradual 
- de generalidade ou abstração - entre ambos os tipos de normas.7 
As teorias que propõem uma diferenciação débil entre regras e 
princípios partem do pressuposto de que a diferença entre ambos não 
é assim tão marcada como propõe a teoria acima mencionada. Entre 
princípios e regras haveria, portanto, somente uma diferença de grau.8 
Já as teorias que rejeitam a possibilidade de distinção entre prin-
cípios e regras sustentam que todas as qualidades lógico-deônticas 
presentes nos princípios estão presentes também nas regras. Por isso, 
ou são ·princípios e regras absolutamente idênticos, ou o grau de 
semelhança é tão grande que uma diferenciação definitiva se toma 
impossível.9 
5. Sobre essa categorização, cf. Robert Alexy, "Zum Begriff des Rechtsprin-
zips", in Recht, Vemunft, Diskurs, pp. 184-185 e Virgi1io Afonso da Silva, Grund-
rechte wul gesetzgeberische Spielriiume, pp. 37-38. Alguns autores, como Aamio, 
mencionam apenas duas categorias - a forte e a débil - cf. Aulis Aamio,. "Taking 
Rules Seriously", ARSP, Beiheft 42 (1989), p. 180. P~a outras possibilidades de 
classificação cf., por todos, Ulfrid Neumann, "Die Geltung von Regeln, Prinzipien 
und Elementen", in Bemd Schilcher, Peter Koller e Bemd-Christian Punk (Hrsg.), 
Regeln, Prinzipien und Elemente im System des Rechts, p. 115. 
6. Estrutura lógica diversa significa também, como será visto adiante (cf. 
2.2.1.1e2.2.1.2), forma de aplicação diversa. Cf., nesse sentido, Jan-R. Sieckmann, 
Regelmodelle und Prinzipienmodelle des Rechtssystems,p. 53. 
, · 7. Os representantes mais destacados desse tipo de teoria são, seni dúvida, 
Ronald Dworkin e Robert Alexy. Em virtude de adotar especificamente a teoria.de 
Alexy, darei maior atenção às teses desse autor nos próximos tópicos deste capítu-
lo. Cf. também, para outros representantes da chamada distinção forte, Jan-R. 
Sieckmann, Regelmodelle und Prinzipienmodelle, pp. 52-53, 74 e ss.; Martin 
Borowski, Grundrechte ais Prinzipien, p. 98; Marius Raabe, Grundrechte und 
Erkenntnis, pp. 176 e ss. Outro autor que defende também uma distinção forte entre 
princípios e regras e Josef Esser, que o faz, contudo, com base em outra linba argu-
mentativa. Cf. Josef Esser, Grund.satz und Norm in der richterlichen Fortbildung 
des Privatrechts, p. 50. 
8. Cf., por todos, Joseph Raz, Practical Reason and Norms, p. 49. Segundo 
Raz, o termo "princípio" denota uma maior generalidade e uma maior.importância 
do que o termo "regra". 
9. Cf., por exemplo, Aulis Aamio, "Taking Rules Seriously", p. 188: "Do 
ponto de vista da interpretação, tanto princípios quanto regras são fenômenos deôn-
32 A CONSTITUCIONALIZAÇÃÔ DO DIREITO 
Não é minha intenção aqui proceder à uma análise pormenori-
zada dos argumentos a favor e contrários a essas teses. 10 E isso tam-
bém não é necessário para os: objetivos deste trabalho que, como já 
ressaltado, não é um trabalho sobre princípios e regras. Nos próximos 
tópicos procurarei apenas explicar os elementos presentes nessa dis-
tinção que considero fundamentais para compreender a base teórica 
deste trabalho, especialmente a diferença entre os mandamentos 
expressos por princípios e regras e a diferença na forma de aplicação 
dessas duas espécies de normas. 
2.2.1 Mandamentos de otimização 
Aprincipal contribuição de Alexy à teoria forte sobre a distinção 
entre princípios e regras foi o desenvolvimento do conceito de man-
damento de otimização. Segundo Alexy, princípios são normas que 
exigem que algo seja realizado na maior medida possível diante das 
possibilidades fáticas e jurídicas existentes. u Definidos dessa forma, 
os princípios se distinguem das regras de forma clara, pois estas, se 
válidas, devem sempre ser realizadàs sempre por completo. 12 . O grau 
de realização dos princípios, ao contrário, poderá sempre variar, espe-
cialmente diante da existência de outros princípios que imponham a 
realização de outro direito ou dever que colida com aquele exigido 
pelo primeiro. 13 
Essa distinção entre os conteúdos do dever-ser das regras e dos 
princípios implica também uma importante diferença na forma de 
aplicá-los. Alexy usa as figuras do "conflito entre regras" e da "coli-
são entre princípios" para deixar isso claro. 
ticos e não axiológicos. Por conseguinte, no que diz respeito à estrutura normativa 
de regras e princípio, nem a teoria forte, nem a teoria débil são corretas". Cf. tam-
bém Klaus Günther, Der Sínn für Angemessenlu:it: Anwendungsdiskurse in Moral 
und Recht, p. 273. 
· 10. Cf., para uma análise mais detida, Martin Borowski, Grundrechte ais Prin-
zipien, pp. 89 e ss., e Virgi1io Afonso da Silva, Grundrechte und gesetzgeberische 
Spielriiume, pp. 52 e ss. . 
11. Cf. Robert Alexy, "Zuin Begriff des Rechtsprinzips'', p. 204; do mesmo 
autor, Tlzeorie der Grundrechte, p. 75. 
12. Cf. 2.2.1.h 
13. Cf. Robert Alexy, Theorie der Gnmdrechte, p. 76. 
A DISTINÇÃO ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS 33 
2.2.1.1 Conflito entre regras 
Nos casos de conflitos entre regras, vale o conhecido raciocínio 
"tudo ou nada" .14 Se duas regras entram em conflito, isso pode ser 
resolvido por meio da definição de uma espécie de "cláusula de exce-
ção" em uma das duas regras.15 Mas isso nem sempre é possível, pois 
pode ocorrer que duas regras prevejam duas conseqüências jurídicas 
inconciliáveis para o mesmo suporte fático. Nesses casos, não. há 
outra ·alternativa que não a verificação da invalidade. de uma delas. 16 
Segundo Alexy, isso ocorre porque, nos casos de conflito entre 
regras, estamos diante de uma questão que se refere exclusivamente a 
um problema de validade e que, e isso é o mais importante, validade 
não é graduável, pois ou uma norma é válida, ou não.17 Tertium non 
datur. Assim, duas regras que prevêem conseqüências jurídicas diver-
sas para· o mesmo suporte fático não podem pertencer ad mesmo sis-
tema jurídico. Uma delas é, pelo menos para esse sistema, inválida. 
Dois exemplos triviais podem esclarecer o que acaba de ser sus-
tentado. Se há uma regra que proíbe que os alunos de uma determi-
nada escola deixem suas salas de aula antes que o sinal soe e, no con., 
junto de regras da mesma escola, há uma outra que impõe que essés 
mesmos alunos saiarri de suas salas se tocar o alarme de incêndio~ 
temos aqui um conflito parcial, pois a conseqüência jurídica da 
segunda - sair da sala mesmo que não toque o sinal, desde que toque 
o alarme - não é compatível com a proibição totàl de se sair da sala 
antes do sinal, como exige a primeira regra. O critério para a sofü.ção 
de tal conflito é fornecido pela conhecida máxima !ex specialis dero-
gat legi generali e, por conseguinte, a segunda regra será encarada 
como uma exceção à primeira. 
Em um segundo exemplo, há uma regra que proíbe e outra que 
permite o fumo nas salas de aula. Aqui, não há a possibilidade da ins-
14. Cf., sobre críticas a esse raciocínio, Humberto Ávila, Teoria dos princípios: 
da definição à aplicação dos princípios jurídicos, pp. 35 e ss. e, do mes~o au_tor, "A 
distinção entre princípios e regras e á redefinição do dever de propotc10nalidade'', 
RDA 215/161. 
15 .. Cf. Robert Alexy, Theotie der Grundrechte, p. 77 e Ronald Dworkin, 
Taking Rights Seriously, p. 25. . · 
16. Cf. Robert Alexy, Theorie der Grundreclzte, p. 77 e Ronald Dworkin, 
Taking Rights Seriously, p: 24. 
17. Cf. Robert Alexy; Theorie der Gnmdrechte, p. 78. 
34 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO 
tituição de uma cláusula de exceção, como no exemplo anterior, por-
que as conseqüências jurídicas são totalmente excludentes entre si. 
Para a solução desse conflito só podem ser considerada5 uma das 
outras duas máximas para solução de antinomias: lex posterior dero-
gat legi priori ou lex superior derogat legi inferiori. O resultado será, 
inevitavelmente, a declaração de invalidade de uma das regras. 18 
Recorrer a exemplos de conflitos entre regras é ilustrativo para o 
esclarecimento da diferença entre elas e os princípios porque, como se 
verá a seguir, as colisões de princípios seguem um raciocfuio diverso, 
já que, ao contrário do que acontece no caso das regras, as colisões de 
princípios não se resolvem estritamente no plano da validade. 
2.2.l.2 Colisão entre princípios 
A solução de colisões entre princípios não exige a declaração de 
invalidade de nenhum deles e também não é possível que se fale que 
um princípio institui uma exceção a outro. Como Alexy ressalta, nos 
casos de colisão e11tre princípios, o que se exige é a definição de rela-
ções condicionadas de precedência. Essa diferença decorre da estrutu-
ra dos princípios, que são mandamentos de otimização. 19 Como man-
damentos de otimização, como já visto acima, eles exigem que algo 
seja realizado na maior medida possível, mas sempre de acordo com as 
possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto. "Condições jurídi-
cas", aqui, expressam a possibilidade de colisão com outros princípios, 
o que poderá limitar, no caso concreto, a realização de um ou mais prin-
cípios de forma parcial ou total. E, mesmo havendo colisão, ao contrá-
rio do que ocorre com os conflitos entre regras, nenhum dos princípios 
será declarado inválido. Necessário será, ao contrário, um sopesamen-
to entre os princípios colidentes para que se decida qual deles terá pre-
ferência, que valerá, enquanto precedência condicionada, apenas para 
aquele caso concreto. Assim, ao contrário do que afirma Raz,20 não sepode dizer que houve a instituição de uma cláusula de exceção, porque 
18. É possível, também, explicar ambos os exemplos com base na idéia de 
declaração de invalidade, caso se entenda - o que é também correto - que a institui-
ção de uma cláusula de exceção é equivalente a uma declaração parcial de invalida-
de. Nesse sentido, cf. Martin Borowski, Grundrechte ais Prinzipien, p. 68. 
19. Cf. 2.2.l, acima. · 
20. Cf. Joseph Raz, "Legal Principles and the Limits of Law", Yale Law Jour-
nal 81 (1972), pp. 832-833. 
A DISTINÇÃO ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS 35 
quando isso acontece, no caso das regras, a exceção é sempre a mesma 
e vale para todos os casos de aplicação daquelas regras.21 
No caso das colisoes entre princípios, portanto, não há como se 
falar em um princípio que sempre tenha precedência em relação a 
outro. Se isso ocorrer, não estaremos· diante de um princípio - pelo 
menos não na acepção usada pór Alexy. 
É por isso que não se pode falar que um princípio P 1 sempre pre-
valecerá sobre o princípio P2 - (P 1 P P2) -, devendo-se sempre falar 
em prevalência do princípio P 1 sobre o princípio P2 diante das con-
dições C-(PI P P2) C.22 
Alexy resume essa relação de precedência condicionada em uma 
lei de colisão, que tem a seguinte redação: "Se o princípio P 1 preva-
lece sobre o princípio P2 diante das condições C: (P 1 P P2) C, e se 
do prindpio P 1, diante das condições C, decorre a conseqüência jurí-
dica R, então vale uma regra que contém C como suporte fático e R 
como conseqüência jurídica: C ---7 R". 23 
2.3 0 PROBLEMA TERMINOLÓGICO 
O termo princípio é plurívoco. Isso, em si, não significa nenhum 
problema. Problemas só surgem a partir do momento em que o jurista 
deixa de perceber esse fato e passa a usar o termo como se todos~ os 
autores que a ele fazemreferência o fizessem de forma unívoca. E o 
que tem acontecido com a recepção da teoria dos direitos fundamen-
tais de Alexy no Brasil.24 Não são poucos os trabalhos - e não somen-
te na área constitucional - que têm usado a distinção de Alexy entre 
princípios e regras como ponto de partida. O grande problema é que, a 
despeito de se partir dessa distinção, no correr desses trabalhos o termo 
princípio continua a ser usado no sentido tradicional,25 seja por meio 
21. Cf. Robert Alexy, Theorie der Gnmdrechte, p. 79. 
22. Cf. Robert Alexy, Tlzeorie der Grundrechte, pp. 82-83; Virgfüo Afonso da 
Silva, "Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção", p. 611. 
23. Cf. Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, p. 83. 
24. Cf., com detalhes, Virgi1io Afonso da Silva, ·"Princípios e regras: mitos e 
equívocos acerca de uma distinção", pp. 607 e ss. 
. 25. Cf., por exemplo, Walter Claudius Rothertburg, Princípios constitucionais, 
pp. 24, 32 e ss. e 67 e ss.; Ruy Samuel Espíndola, Conceito de princípios constitu-
cionais, pp. 69 e ss. e 221 e ss.; Francisco M. Marques de Lima; O resgate dos valo-
res na interpretação constitucional, pp. 131 e ss. e 136 e ss. 
36 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO 
da clássica definição de Celso Antônio Bandeira deMello,·segundo o 
qual princípios são "mandamentos nucleares" ou "disposições funda-
mentais" de um sistema, 26 ou ainda da definição de Canotilho e Vital 
Moreira, que definem princípios como "núcleos de condensações".27 
Como já referido, o problema não reside na existência de diver-
sas definições. Nem é o caso de se discutir qual definição é a mais 
correta. Mas se se parte, por exemplo, da definição de Celso Antônio 
Bandeira de Mello, que expressa bem o que o jurista brasileiro costu-
ma entender por princípio, é preciso rejeitar a distinção de Alexy. Isso 
porque o conceito de princípio, na teoria de Alexy; é um conceito que 
não faz referência à fundamentalidade da norma em questão. Como 
visto acima, uma norma é um princípio não por ser fundamental, mas 
por' ter a estrutura de um mandamento de otimização. Pot isso, um 
princípio pode ser um "mandamento nuclear do sistema", mas pode 
também não o ser, já que uma norma é um princípio apenas em razão 
de sua estrutura normativa e não de sua fundamentalidade. O mesmo 
vale para as regras. Pode haver regras que sejam disposições funda-
mentais do sistema, mas isso é irrelevante para sua classificação. 
Isso fica claro quando alguns autores, a despeito de usarem dis-
tinção de Alexy como ponto de partida, elaboram classificações de 
princípios constitucionais que inserem, na categoria dos princípios, 
normas que, se coerentes com a forma de distinção proposta: por 
Alexy, deveriam ser consideradas como regras. Nesse sentido, posi-
cionei-me em artigo dedicado ao problema, nos seguintes ternios: 
"( ... ) falar em princípio do nulla poena sine lege, em princípio da 
legalidade, em princípio da anterioridade, entre outros, só faz sentido 
para as teorias tradicionais. Se se adotam os critérios propostos por 
Alexy, essas normas são regras, não prinéípios. Todavia, mesmo 
quando se diz adotar a concepção de Alexy, ninguém ousa deixar 
esses "mandamentos fundamentais" de fora das. classificações dos 
princípios para incluí-los na categoria das regras".28 
26. Cf., Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, p. 
408. 
27. Cf. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, 
p.49. . 
28. Virgi1io Afonso da Silva, "Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de 
uma distinção", p. 613. 
. A DISTINÇÃO ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS 37 
Como ficou claro no decorrer deste capítulo, o conceito de prin-
cípio, quando usado neste trabalho, deverá ser compreendido como 
mandamento de otimização. Não se fará, em nenhum momento, refe-
rência a princípio como disposição fundamental ou acepção seme-
lhante. 
Capítulo 3 
CONSTITUCIONAUZAÇÃO: 
TEORIAS, FORMAS E ATORES 
3.1 Introdução - 3.2 Schuppert/Bumke: 3.2.1 Reforma legislativa; 
3.2.2 Irradiação do direito constitucional; 3.2.3 Os atores da cons-
titucionalização: 3.2.3. l O legisla<Jor; 3.2.3.2 O judiciário; 3.2.3.3 
A doutrina - 3.3 Louis Favoreu: 3.3. J Tipos de constitucionaliza-
ção: 3.3.1.1 Constitucionalização-juridicização; 3.3.1.2 Constitu-
cionalização-elevação; 3.3.1.3 Constitucionalização-transforma-
ção; 3.3.2 Efeitos da constitucionalização; 3.3.2.1 Unificação da 
ordem jurídica. 3.3.2.2 Simplificação da ordem jurídica. 
3.1 INTRODUÇÃO 
Quando se fala em constitucionalização do direito, a idéia mes-
tra é a irradiação dos efeitos das normas (ou valores) constitucionais 
aos outros ramos do direito. Mas essa irradiação é um processo e, 
como tal, pode se revestir de diversas formas e pode ser levada a cabo 
por diferentes atores. Neste breve capítulo pretendo expor e discutir 
duas das principais análises doutrinárias exclusivas sobre o fenôme-
no da constitucionalização do direito: a de Gunnar Folke Schuppert e 
Christian Bumke, de um lado, e a de Louis Favoreu, de outro. Essas 
não são as únicas análises que abordam a questão. De uma certa 
forma, todo trabalho que se ocupe com a vinculação de particulares 
aos direitos fundamentais acaba também por fazê-lo. Mas como aná-
lises do fenômeno em si, esses trabalhos são pioneiros. 1 
1. Cf., para alguns outros trabalhos, Pierre Bon, "La constitutionnalisation du 
droit espagnol", Revue Française de Droit Constitutionnel 5 (1991 ), pp. 35-54 e Joa-
quim de Sousa Ribeiro, "Constitucionalização do direito civil", Boletim da Faculda-
de de Direito da Universidade de Coimbra 74 (1998), pp. 729-755. 
CONSTITUCIONALIZAÇÃO: TEORIAS, FORMAS E ATORES 39 
3.2 SCHUPPERT/BUMKE 
. ' 
Em trabalho recente, Gunnar Folke Schuppert e Christian Bumke 
dedicam-se exclusivamente à análise da "constitucionalização do 
ordenamento jurídico" e identificam cinco formas principais desse 
processo: (1) reforma legislativa; (2) desenvolvimento jurídico por 
meio da criação de novos direitos individuais e de minorias; 
(3) mudançade paradigma nos demais ramos do difeito; (4) irradia-: 
ção do direito constitucional - efeitos nas relações privadas e deveres 
de proteção; (5) irradiação do direito constitucional - constituciona-
lização do direito por meio da jurisdição ordinária.2 Nemtodas as for-
mas interessam ao presente trabalho, especialmente porque nem 
todas elas podem ser simplesmente importadas para o sistema jurídi-
co brasileiro, que tem uma Constituição mais abrangente do que a 
Constitüição alemã, especialmente no seu catáfogo de direitos funda-
mentais, e porque não existe, no sistema brasileiro, um antagonismo 
tão marcado entre jurisdição constitucional e jurisdição ordinária, já 
que,· ao contrário do qúe ocorre na Alemanha, o sistema de jurisdição 
constitucional no Brasil não é um sistema concentrado. Por isso, pre-
tendo dedicar-me, nos próximos tópicos, somente àquelas formas de 
constitucionalização que mais interessam ao objeto desse trabalho. 
3.2.1 Reforma legiSlativa 
A mais efetiva e, ao menos em tese, a menos problemática forma 
de constitucionalização do direito é realizada por meio de reformas, 
pontuais ou globais, na legislação infraconstitucional. É parte da tare-
fa legislativa, adaptar a legislação ordinária às prescrições constitu-
cionais e, nos casos de constituições de caráter dirigente, realizá-la 
por meio de legislação.3 
Mas, embora esse processo de constitucionalização seja o menos 
controvertido, não é ele necessariamente o mais rápido de todos. A 
lentidão com que os princípios da Constituição brasileira de 1988 e as 
tarefas que ela impõe são concretizados pela legislação ordinária é 
2. Cf. Gunnar Folice Schuppert e Christian Bumke, Die Konstitutionalisierung 
der Rechtsordnung: Überlegungen zum Verhãltnis von verfassungsreclztlicher Aus-
strahlungswirkung und Eigenstãndigkeit des "einfachen" Rechts, pp. 9-23. 
3. Cf. Schuppert e Bumke, Die Konstitutionalisierung der Rechtsordnung, p. 10. 
40 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO 
exemplo claro disso. Mas, ao contrário do que o lugar comum faz pen-
sar, isso não é um problema de falta de "vontade política" do legisla-
dor brasileiro, mas uma característica inerente à lentidão do legislador 
para se adaptar a novos paradigmas. E isso em todo o Mundo. 
Schuppert e Bumke utilizam um exemplo do direito de faIDI1ia 
para ilustrar a possível lentidão desse processo de constitucionaliza-
ção. A Constituição alemã, promulgada em 1949, garante, em seu art. 
3, II, a igualdade entre homens e mulheres e, no seu art. 117, dava um 
prazo de quatro anos para que a legislação ordinária se adaptasse a 
esse novo paradigma.4 A mudança legislativa exigida não encontrou 
um ambiente favorável na conservadora sociedade alemã do início 
dos anos 1950.5 Uma lei sobre igualdade entre homens e mulheres foi 
promulgada somente em 1957, mas, mesmo assim, os efeitos dos dis.-
positivos constitucionais na reforma legislativa não foram dos. maio-
res. O papel da mulher no matrimônio pouco mudava: ela poderia tra-
balhar apenas se essa atividade fosse comprovadamente compatível. 
com o seu papel de dona-de-casa; o homem continuava a ser o chefe 
· da faIDI1ia, e responsável pela educação dos filhos em caso divergên-
cia de opiniões; a mulher deveria adotar o sobrenome do marido e os 
filhos não poderiam receber o sobrenome matemo. A igualdade entre 
homens e mulheres permanecia, como se vê, uma promessa, especial-
mente no âmbito familiar.6 Somente em 1976-vinte e sete anos após 
a promulgação da Constituição e vinte e três anos após o prazo esti.;. 
pulado em seu art. 117 - foi abolido, definitivamente, o primado mas-
culino como princípio estruturante da família.7 
É possível perceber, portanto, que uma mudança de paradigma 
imposta pela constituição e uma decorrente necessidade de adaptação 
da legislação ordinária por imposição constitucional, ainda que con-
figurem, em tese, a forma mais segura e menos controvertida de cons-
titucionalização do direito, não implicam mudanças rápidas quaµdo o 
4. Art. 117 da Constituição alemã: "( ... ) O direito que contrariar o art. 3, II, per-
manece em vigor até a sua adaptação às disposições desta Constituição, cujo prazo 
não poderá ultrapassar 31 de março de 1953". 
10. 
5. Cf. Schuppert e Bumke, Die Konstitutionalisierung der Reclztsordnung, p. 
li. 
6. Cf. Ute Sacksofsky, Das Grundrecht auf Gleichbereclztigung, pp. 119 e ss. 
7. Cf.. Schuppert e Bumke, Die Konstitlitiona/isierung der Recfztsordnung, p. 
CONSTITUCIONALIZAÇÃO: TEORIAS, FORMAS E ATORES 41 
paradigma não muda para a sociedade e, também, para os operadores 
do direito. 
Quando os juristas não percebem, ou não querem aceitar uma 
mudança de paradigma, pode ocorrer que, embora o processo de 
adaptação· da legislação se realize rapidamente, essa rapidez não é 
acómpanhada por uma mudança de paradigma na aplicação da legis-
lação "constitucionalizada". Muitas vezes a prática jurispmdencial se 
mostra refratária a mudanças e se mantém presa a paradigmas supe-
rados· não somente pela constituição, mas também pela legislação 
ordinária diretamente aplicável ao caso. Talvez o maior exemplo 
disso, no Brasil, sejam as mudanças introduzidas pelo Código de 
Defesa do Consumidor. 8 
3.2.2 Irradiação do direito constitucional 
Segundo Schuppert e Bumke, no início do processo de irradiação 
do direito constitucional pelos outros ramos do direito; um dos obje-
tivos principais era simplesmente a solidificação da submissão desses 
ramos aos ditames constitucionais.9 Ainda que essa submissão soe tri-
vial para o jurista contemporâneo, nem sempre foi assim, especial-
mente por causa da milenar tradição do direito privado como área do 
direito reservada à autonomia privada, não submetida às previsões do 
direito público.10 Assim, segundo Schuppert e Bumke, por mais que. 
hoje essa submissão seja ponto quase pacífico, no início da década de 
1950, na Alemanha, sua fundamentação era difícil e seus efeitos 
incertos. E é por isso que, segundo eles, tanto Nipperdey, o maior 
expoente da tese de aplicabilidade direta dos direitos fundamentais 
nas relações entre particulares, 11 quanto Dürig, o principal represen-
8. São inúmeros os exemplos.de de.cisões em quejuízes recusam a aplicação, 
por exemplo, do art. 51, § li!, do Código de Defesa do Consumidor com base rto 
pacta sunt servanda. Cf., apenas como ilustração, o voto do relator na Ap. 42.486/96, 
do TJDF (RDC 23-24/271). 
9. Cf. Schuppert e Bumke, Die Konstitutionalisienmg der Reclztsordnu~g, p. 18. 
10. Embora seja difícil encontrar atualmente autores que sustentem a m~epen­
dência do direito privado nesses termos e a não-submissão desse ramo aos ditames 
constitucionais, é ainda possível encontrar opiniões em sentido semelhante. Cf., 
sobretudo, 5.4.1, abaixo. · · 
li. Cf. 5.6.1, abaixo. 
42 A CONSTITUCIÔNALIZAÇÃO DO DIREITO 
tante da teoria dos efeitos indiretos, 12 recorreram a estratégias seme-
lhantes, especialmente ao conceito de constituição como ordenamen-
to não somente estatal, mas da sociedade como um todo. 13 Como 
decisão fundante dess~ concepção - por muitos considerada como a 
decisão mais importante de toda a história do Tribunal Constitucional 
alemão - é sempre mencionada a . decisão do caso Lüth, também 
usada como paradigma por Schuppert e Bumke.14 Nessa decisão, o 
tribunal, embora conceda que os direitos fundamentais sejam, em pri-
meira linha, direitos de defesa dos cidadão contra o Estado, desen-
volve uma função complementai que, durante décadas, suscitou as 
maiores controvérsias no âmbito da dogmática dos direitos funda-
mentais, 15 nos seguintes termos: "A Constituição, que não pretende 
ser uma ordenação axiologicamente neutra, funda, no título dos direi-
tos fundamentais, uma ordem objetiva de valores, por meio da qual 
se expressa um( ... ) fortalecimento da validade ( ... ) dos direitos fun-
damentais. Esse sistema

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