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CHOQUE PAULO ROBERTO DE CASTRO NOGUEIRA Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Unidade de Terapia Intensiva. 1 Médico Assistente da Unidade de Terapia Intensiva. Aceito para publicação em 17 de dezembro de 1979. Definição É a situação na qual a perfusão tecidual está comprometida, do que resultam alterações metabólicas que poderão determinar a morte celular. Classificação Levando-se em conta os três componentes fundamentais da circulação (bomba cardíaca, volume circulante e rede vascular), o choque pode ser assim classificado 12e42: — cardiogênico propriamente dito obstrutivo — hipovolêmico — periférico 1. Choque cardiogênico É o tipo de choque no qual há falha da bomba cardíaca. A fibra cardíaca pode ser afetada primariamente por insuficiência cardíaca congestiva, arritmias, miocardites e outras agressões, ou secundariamente através de hipoxia, desequilíbrios hidroele- trolíticos, endotoxinas e outros fatores. A modalidade obstrutiva deve-se a um obstáculo à corrente circulatória (dentro ou fora do coração), devido a pneumotórax hipertensivo, tamponamento cardíaco e outras condições. 2. Choque hipovolêmico É o tipo de choque determinado por grandes perdas de volemia: vômitos e/ou diarréia, queimaduras extensas, hemor- ragias. REVISÕES & ENSAIOS Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce 3. Choque periférico Neste tipo, o distúrbio está na distribuição do sangue na microcirculação e daí a sinonimia distributivo ou microvasogê- nico. Neste grupo, enquadram-se o choque infeccioso, o neuro- gênico, e o anafilático. 4. Choque misto É o que ocorre com freqüência na prática, a associação de mais de um tipo de choque. Fisiopatologia 15 19 26 e 27 Independentemente do tipo de choque, há uma seqüência fisiopatológica comum: as alterações fundamentais ocorrem na microcirculação. Quando há queda acentuada da volemia resultando em hipotensão, o organismo coloca em ação mecanismos de com- pensação: liberação de catecolaminas, aldosterona e hormônio antidiurético (ADH)15-19e44 , do que resultam taquicardia, vaso- constrição (nos territórios com alfa-receptores) e oligúria. A finalidade destes mecanismos é a preservação das assim cha- madas áreas nobres (sistema nervoso central e miocardio) que então receberão fluxo sangüíneo preferencial. Pele, área esplâncnica, rins, pulmões, fígado e outros órgãos são regiões que possuem alfa-receptores: na microcirculação dessas regiões, haverá contração dos esfíncteres pré e pós- capilar (Fig. 1), com queda da pressão hidrostática do leito capi- lar e manutenção da pressão oncótica e o resultado será um de- sequilíbrio entre os compartimentos intravascular e intersticial, com conseqüente passagem de líquido deste para aquele. É uma tentativa de reposição da volemia (autotransfusão). No entanto, o fluxo sangüíneo insuficiente conduz à baixa da pO2 e o meta- bolismo anaeróbico, o que determinará acúmulo de radicais ácidos e conseqüente queda do pH. O retorno venoso e conse- qüentemente o débito cardíaco (DC) estão diminuídos e a resis- tência periférica (RP) está aumentada. Com a evolução do quadro, o esfíncter pré-capilar não resis- te à hipoxia e à acidóse e entra em relaxamento, enquanto o esfíncter pos-capilar mantém sua contração (Fig. 2). O resultado é a entrada de sangue no território capilar, com saída dificul- tada, do que resultará estase e aumento da pressão hidrostática. Esse aumento força a saída de líquido, agora do compartimento intravascular para o interstício (edema intersticial). Finalmente sobrevém a abertura das anastomoses arterio- venosas (shunts), com exclusão do território capilar da irrigação sangüínea (Fig. 3). Nesse momento, em função da intensidade do efeito shunt, poderá haver queda da RP, com retorno venoso variável (diminuído, normal ou elevado). Assim, o chamado cho- que hiperdinâmico seria caracterizado por um DC aumentado, em função da porcentagem elevada de shunt, com conseqüente au- mento do retorno venoso. Alterações causadas pelo choque /. Metabolismo celular 2> "•29 e 31 A célula é a unidade basicamente afetada. Pelo déficit de O2, o ácido pirúvico não chegará a acetil-CoA e por isso não partici- Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce pando do ciclo de Krebs: é o metabolismo anaeróbico cujas principais conseqüências são a acidóse metabólica e a menor produção de energia para a célula em virtude de fracasso no sistema ATP (com acúmulo de radicais fosfatos). Os processos dependentes de energia estarão prejudicados, como, por exemplo, a bomba de Na-K e a síntese de aminoácidos. A falha da bomba resultará na entrada de Na e água para o compartimento intracelular (causando edema) bem como saída de K das células33. O bloqueio da síntese de aminoácidos deter- minará acúmulo de aminoácidos livres, o que contribuirá para a acidóse metabólica29. Há diminuição de captação de glicose pela célula em virtude da diminuição dos níveis de insulina15. Tem sido descrito aumento de triglicérides no plasma, relacionado com o aumento de noradrenalina endógena 15. Finalmente, pode- mos ter alterações da estabilidade das membranas lisossomais, com ruptura e conseqüente liberação de enzimas proteolíticas que destruirão a célula. 2. Equilibrio acidobásico O distúrbio fundamental no choque ja instalado é a acidóse metabólica. Sua causa principal é o acúmulo de ácido láctico em virtude do metabolismo anaeróbico. Contribuem para a instala- ção da acidóse metabólica o acúmulo de radicáis fosfato e a presença de aminoácidos livres. Quando há alteração pulmonar importante com retenção de C02, instalar-se-á um quadro misto (acidóse metabólica e respiratória). No choque endotóxico é descrito um quadro inicial de alcalose respiratória leve (causado por hiperventilação) antecedendo a instalação do choque34. 3. Eletrólitos Pode haver hiponatremia dilucional ou por alteração da bomba Na-K 1 4 e 3 3 . Níveis elevados de K plasmático poderiam ser explicados por mecanismo de tamponamento intracelular pela acidóse, oligúria e saída de K das células pela já referida disfun- ção da bomba Na-K. 4. Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD)ló e 40 Muitos fatores propiciam o aparecimento da CIVD no cho- que: endotoxinas, dano endotelial, acidóse, aumento da viscosi- dade do sangue e outros. Suas conseqüências são sabidamente danosas ao organismo, tais como lesões isquémicas, hemorra- gias (cutâneas, mucosas e em órgãos internos) e anemia. Há consumo e diminuição de fatores de coagulação (plaquetas, fator V, fator VIM, fibrinogênio e protrombina). Haverá também a presença dos produtos de degradação da fibrina (FDP) e hemácias crenadas (anemia microangiopática). 5. Insuficiência respiratória aguda (pulmão de choque)6'2]e25 O aparecimento de insuficiência respiratória progressiva na evolução do choque é freqüente, iniciando-se de 24 a 120 horas após o início do quadro de choque. Existem áreas perfundidas e não ventiladas, assim como áreas ventiladas e não perfundidas. Essas alterações determina- rão uma queda de pO2 a despeito de concentrações de oxigênio (FiO2) altas ministradas ao paciente. Clinicamente, o paciente apresenta-se dispnéico (com "fome" de ar), e radiológicamente costuma haver um quadro bilateral de infiltrado reticulogranular, sugestivo de edema. Há vários fatores implicados na etiopato- genia do pulmão de choque: ClarissaRealce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce — CIVD — diminuição da pressão coloido-osmótica — hiperidratação — embolia gordurosa — diminuição de surfactante — aumento da secreção do ADH — uso de O2 com pressão positiva e em altas concentrações — microêmbolos (transfusões múltiplas) — acidóse — edema intersticial 6. Insuficiência renal aguda7 e 40 A diminuição do fluxo sanguíneo renal, a presença de ADH, a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, a CIVD são fatores que prejudicam a função renal. O dano renal depende da intensidade do agravo e de sua duração, resultando uma gama de quadros variando desde uma oligúria funcional (insuficiência renal de tipo pré-renal) até lesão parenquimatosa propriamente dita (necrose tubular, necrose cortical bilateral). 7. Função cardíaca A função cardíaca pode estar alterada no choque, mesmo sem nenhum dano miocárdico primário. O coração é vulnerável à hipoxemia, alterações hidroeletrolíticas, drogas vasoativas, sendo comum, então, o aparecimento de arritmias. Pode a função cardíaca estar deprimida pela ação direta de endotoxinas. Outro fator importante para a diminuição do DC é o fator depressor do miocardio (MDF)18: trata-se de um polipeptídio liberado prova- velmente pelo páncreas hipóxico, com ação inotrópica negativa. 8. Função hepática As funções metabólicas do hepatócito (por exemplo, meta- bolização de lactato a bicarbonato) estão prejudicadas. O fígado é um órgão rico em células do SRE cujas funções exigem alto consumo de O2: por isso, tais funções estão bastante deprimidas no choque. 9. Peculiaridades fisiopatológicas do choque endotóxico 16 A incidência do choque infeccioso (particularmente o endo- tóxico) em pediatria é elevada, tendo em vista: — resposta imunológica relativamente inadequada de recém- nascidos e lactentes, sobretudo no primeiro ano de vida — desnutrição — procedimentos invasivos freqüentes em unidades de terapia intensiva (cateterizações vasculares, intubação, ventilação me- cânica e outros)15. A endotoxina38 implica no agravamento das alterações me- tabólicas encontradas nos demais tipos de choque, o que justi- fica a alta taxa de mortalidade deste quadro. Endotoxinas são compostos macromoleculares constituídos de lipídios, polissacárides e peptídios. Estão localizados na pare- de das bactérias gram-negativas, sendo liberadas pela morte destes microrganismos. As chamadas ações biológicas das endotoxinas estão relacionadas com o componente lipídico. São de interesse na fisiopatologia do choque as seguintes ações: — lesão do endotélio vascular (ativação do fator XII22) — liberação de cininas (vasodilatação) — agregação de plaquetas (diminuição do número de plaquetas circulantes) Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce — liberação de fatores plaquetários 3 e 44 0 — ativação do sistema complemento (liberação de substâncias histamino-símile que produzem vasodilatação 24 e ^ — ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona 42 — bloqueio do SRE (diminuição da capacidade de detoxicação) — ação depressora do miocardio — bloqueio do metabolismo de hidratos de carbono e proteínas — reação febril bifásica: liberação de pirogeno endógeno dos leucocitos (lembrar que a hipertermia eleva o consumo de 02) — lesão da membrana lisossomal, podendo causar sua ruptura Quadro clínico O estado geral é sempre crítico. A criança apresenta-se toxemiada. Hipotermia é freqüente. O sensorio está comprome- tido, podendo existir agitação, letargia e até mesmo coma. A pele encontra-se fria, pálida e com sudorese: é a chamada fase fria (ação das catecolaminas). No choque endotóxico, no início do quadro, a pele pode ter sua perfusão conservada, devido à ação vasodilatadora das cini- nas: é a fase quente, precedendo a instalação da fase fria. As mucosas apresentam-se secas (hipovolemia) e/ou descoradas (sangramentos, anemia). Alterações do padrão respiratório como taquipnéia (acidó- se) ou dispnéia (acometimento pulmonar) são freqüentes. Taqui- cardia com pulso fino (ou ausente) são também sinais encontra- dos com freqüência. Distensão abdominal pode ser observada, principalmente em recém-nascidos e lactentes. Oligúria ou anú- ria são achados característicos. Petéquias, sufusões hemorrági- cas e sangramentos integram com freqüência o quadro clínico. Monitorização e controles laboratoriais 3 15 17 e 35 Os controles fundamentais na assistência ao paciente com choque são listados a seguir (não são citados recursos mais sofisticados como medição de débito cardíaco, dosagem de lactato sérico, medida da resistência periférica, medida da pres- são capilar pulmonar e outros). A — CONTROLES HEMODINÂMICOS — pressão sangüínea (dissecção de artéria radial, manguito) — pulso: ritmo, freqüência e tônus — pressão venosa central (PVC) — enchimento capilar — freqüência cardíaca B — CONTROLES METABÓLICOS 1. sangue — ionograma (Na, K, Cl, Ca) — gasometría arterial (pH, p02, pC02, bicarbonato) — uréia — creatinina — glicemia — osmolaridade 2. urina — volume: controle na diurese/minuto — eletrólitos (Na, K) Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce — uréia — creatinma — osmolaridade C — CONTROLES HEMATOLÓGICOS — hemoglobina — hematócrito — leucocitos com contagem diferencial — plaquetas — coagulograma (TP, fibrinogênio, tempo parcial de tromboplas- tina, FDP, fatores V, VII, VIM e X) D — CONTROLES RADIOLÓGICOS — Raio X de tórax — Raio X de abdome f — CONTROLES BACTERIOLÓGICOS — cultura com antibiograma de sangue, urina, fezes, LCR, exsu- datos, lesões cutâneas, secreção endotraqueal e outros materiais — bacterioscópico de secreções, exsudatos, LCR e outros materiais F — CONTROLE LIOUÓRICO — contagem de células com diferencial — dosagem de proteínas — dosagem de glicose G — CONTROLES ADICIONAIS — balanço hídrico diário — controle de temperatura — controle de freqüência respiratória Tratamento É evidente que o paciente em choque só pode ser adequa- damente tratado em unidade de tratamento intensivo (UTI), pela presença contínua de enfermagem, do médico e de aparelha- mento (monitores, respiradores e outros). O diagnóstico deve ser o mais precoce possível, embora se saiba o quanto é difícil estabelecer parâmetros clínicos para tanto. Deve-se, pois, desenvolver uma postura de vigilância em relação às crianças enfermas que têm alto risco de desenvol- verem choque: pacientes desnutridos, politraumatizados, ¡muno- deprimidos, portadores de processos infecciosos graves. Os seguintes sinais são citados como precoces no choque endotóxico: — alterações do sensorio — vasodilatação periférica — hiperventilação — taquicardia — hipotensão — oligúria O tratamento do paciente em choque pode ser programado em 4 itens fundamentais: controle da causa básica, correção da volemia, uso de drogas e medidas de caráter geral. / . Controle da causa básica Trata-se de controlar o fator desencadeante: controle de hemorragia, drenagem de pneumotórax hipertensivo, drenagem Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce de tamponamento cardíaco. No caso de choque infeccioso, urge a prescrição de antibióticos eficazes. Contudo, na grande maio- ria dos casos a etiología é desconhecida e, por isso, prescrevem- se antibióticos de largo espectro. A indicação deve ser baseada nos agentes mais comuns em nosso meio: Klebsiella, Proteus, E. coli, Pseudomonas, Enterobacter, Staphylococcus e eventual- mente anaerobios.Na Unidade de Terapia Intensiva do Instituto da Criança, a associação inicial, dada a gravidade dos casos, é a seguinte: — Gentamicina — 5,0 a 7,5mg/kg/dia — EV — cada 8 horas — Ampicilina — 200mg/kg/dia — EV — cada 6 horas — Oxacilina — 200 a 300mg/kg/dia — EV — cada 6 horas Este esquema poderá sofrer modificações com o evoluir do quadro ou com a chegada dos resultados de exames bacterioló- gicos. A dose deve ser ajustada (bem como os intervalos) para recém-nascidos e em função da presença de insuficiência renal aguda. 2. Correção da volemia Este é um ¡tem fundamental, pois, do exposto na fisiopato- logia, conclui-se que há déficit de volume no choque. A indicação de líquidos é baseada na medida da PVC, em que pesem as críticas de tal procedimento no que se refere a ser ele realmente uma medida da volemia. Um catéter venoso (Intracath) deverá ser colocado, pela veia jugular interna ou subclavia, ao nível da desembocadura da veia cava. Os valores normais são de — 2 a +2, com o zero ao nível do esterno. São mais importantes as variações do PVC com a infusão de líquidos, do que os valores isolados. Sempre que houver dúvida sobre a volemia e condições do miocardio deve-se realizar a prova de sobrecarga que consiste na administração rápida, em 10 a 20 minutos, de soro fisiológico, na quantidade de 200ml/1,73m2 de superfície corpórea. Se a PVC baixar ou permanecer estacionaria, prossegue-se com a minis- tração de líquidos. Se, no entanto, ela subir mais de 4 unidades, é possível que haja comprometimento do miocardio: neste caso, o volume infundido deve ser judiciosamente controlado. Qual o expansor ideal? Ainda não há resposta a essa per- gunta. Dispõe-se dos seguintes recursos: a) albúmina — usada na dose de 1,0g/kg/dose. Prescrever diluída em soro fisiológico na proporção de 5g de albúmina para cada 100ml de soro fisiológico. Na falta de albúmina, utilizar plasma na dose de 20ml/kg/dose. A principal indicação é no choque infeccioso. b) soro fisiológico e soro glicosado a 5% em partes iguais — prescrito na dose de 50ml/kg/hora. Principal indicação: cho- que nos casos de desidratação ou quando não se dispõe de albúmina e plasma. c) sangue — o uso de sangue fica reservado para quadros onde o hematócrito é inferior a 35%, e o paciente está em ventilação mecânica. Caso contrário, manter o hematócrito em torno de 30%, diminuindo, assim, a viscosidade do sangue. Não temos experiência com o uso de derivados do plasma (Dextran, Haemacel). O objetivo da expansão é normalizar a volemia e conse- qüentemente melhorar a perfusão. Clinicamente haverá norma- lização da PVC, do enchimento capilar e da diurese * (a não ser • Níveis de oligúria: em crianças abaixo de 1 ano de idade, diurese inferior a 20ml/kg/dia: acima de 1 ano, diurese inferior a 240ml/m2/dia. Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce que já haja lesão renal parenquimatosa), bem como melhoria dos pulsos periféricos. A pressão arterial também deverá estar em níveis adequados após a correção da volemia (basear-se em tabelas de valores normais para a idade). Se a PVC estiver nor- malizada após a expansão e não houver melhora clínica, cabe, então, prescrever drogas. 3. Uso de drogas Apresentar-se-á, em seguida, um resumo das ações farma- cológicas e das doses de algumas das drogas do arsenal tera- pêutico disponível no tratamento do choque. A) /soprofereno/4 '13-39 '43645 Amina simpaticomimética que age em receptores beta-1 (cardíacos) e beta-2 (vasculares) aumentando a contratilidade do miocardio e causando vasodilatação periférica. O DC é usual- mente bastante aumentado enquanto a pressão sangüínea média pode até baixar um pouco. A vasodilatação ocorre principalmente em musculatura esquelética e leito mesentérico, e a maior parte do aumento do DC é dirigido a esses territórios. O fluxo san- güíneo renal normalmente não aumenta e pode até mesmo dimi- nuir. Há o perigo de aparecimento de arritmias e não deve ser usado em pacientes com freqüência cardíaca elevada, superior a 180 batimentos por minuto. Nunca prescrever esta droga em pacientes com volemia baixa. DOSE PRECONIZADA: 0,1 a 1,0mcg/kg/minuto — EV B) Dopamina 1 0 - 1 3 « 2 3 e 39 Amina simpaticomimética que difere das demais pela sua ação em receptores específicos (dopaminérgicos). Dessa ação resulta vasodilatação coronariana, renal, mesentérica e cerebral. Ela também age em receptores beta-1, aumentando a contratili- dade e a freqüência cardíaca (ação muito menos potente do que a do isoproterenol). Ao nível periférico age em alfa-receptores (vasoconstrição periférica). Conforme a dose empregada pode haver efeito diverso: a) de 0,5 a 2,0mcg/kg/minuto — aumento do fluxo renal (efeitos dopaminérgicos). b) de 2,0 a 10,0mcg/kg/minuto — efeito beta-1, com aumen- to da contratilidade e freqüência cardíacas. c) acima de 10,0mcg/kg/minuto — efeito alfa — aumento da pressão arterial. DOSE PRECONIZADA: 1,0 a 10,0mcg/kg/minuto — EV C) Epinefrina 13 Amina que aumenta a contratilidade do miocardio e a fre- qüência cardíaca por ação direta em beta-receptores. Nos vasos, age tanto em receptores beta-2 como alfa. Com doses pequenas a ação predominante é através dos receptores beta-2 e a resis- tência periférica pode cair. Com doses maiores a ação alfa pre- domina e há aumento da resistência periférica. A epinefrina tem potente ação vasoconstritora renal, mesmo em doses muito pequenas. Esta droga não é utilizada no tratamento do choque, mas é de utilidade em situações de emergência para a manuten- ção da vida (por exemplo, parada cardíaca) até que outras medi- das sejam tomadas. Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce D) Norepinefrina 13 Amina que age em receptores beta (ao nível do coração) e em receptores alfa (na periferia): por isso, há tendência para o aumento da pressão arterial. Ela determina aumento do fluxo sanguíneo ñas coronarias e no cérebro, mas, por outro lado, determina diminuição ao nível de pele, músculos, leito esplânc- nico e mesentérico, levando essas regiões à isquemia. Não tem indicação na terapêutica habitual do choque em pediatria. E) Fentolamina3-41 e 43 É uma droga dotada de ação alfalítica (bloqueia os recepto- res alfa). Sua ação portanto será de vasodilatação periférica com diminuição da RP. DOSE PRECONIZADA: 1,0 a 5,0mcg/kg/mínuto — EV F) Nitroprussiato3 e 12 É uma droga que age diretamente na musculatura da parede arteriolar. Sua ação é de baixar a RP por relaxamento dessa musculatura, resultando, daí, uma vasodilatação periférica. DOSE PRECONIZADA: 1,0mcg/kg/minuto — EV G; Glucagon3e}5 Tem ação semelhante às drogas beta-estimulantes, causan- do estimulação cardíaca e vasodilatação periférica. DOSE PRECONIZADA: 0,5 a 1,0mg/hora — EV H) Cor f/Cd/c/es 1 ' 2 0 - 3 0 ' 3 2 6 3 6 O seu uso é controvertido, mas têm indicação aceita nos casos de choque infeccioso. Suas ações, entre outras, são: — inibição das endotoxinas — ação beta-2: vasodilatação periférica — diminuição da produção de lactato — estabilização da membrana lisossomal Recomenda-se o uso de doses farmacológicas. DOSE PRECONIZADA: Metilprednisona: 30mg/kg/dose — EV; Dexametasona: 3mg/kg/dose — EV Repetir no máximo duas vezes com intervalos de até 4 horas /; Digitálicos ]5 Usar nos casos em que ficar comprovado o quadro de insu- ficiência cardíaca congestiva. Usamos a digoxina na dose de 7 a 10 mcg/kg/dia de 12 em 12 horas, EV. A razão para o uso desta dosagem (de manutenção, sem a dose de ataque) é que no choque o miocardio sofre vários agravos (acidóse, desequi- librio eletrolítico, hipoxemia, MDF, endotoxinas) sendo grande a possibilidade de intoxicação digitálica. J) Diuréticos 15 Têm seu uso como coadjuvante no tratamento da insuficiên- cia cardíaca congestiva, hipervolemia oucomo teste para verifi- cação da existência de insuficiência renal aguda. O furosemide é a droga de escolha. DOSE PRECONIZADA: 1,0 a 2,0mg/kg/dose — EV L) Heparina9 Seu uso está indicado no caso de CIVD. Após corrigida a volemia, se o paciente permanece hipotenso e há sinais clínicos Clarissa Realce Clarissa Realce e laboratoriais compatíveis com CIVD, deve-se proceder à hepa- rinização do paciente. DOSE PRECONIZADA: 50 a 100 unidades/kg, cada 4 horas — EV Feita a apresentação das drogas, propomos um roteiro tera- pêutico, conforme o esquema seguinte: Fica claro, pelo esquema, que o uso de drogas só se indica após a verificação das condições de volemia. Se esta estiver aumentada, sugerindo comprometimento do miocardio, serão prescritas drogas que aumentem sua eficiência (digitálicos) e diuréticos (para diminuir a volemia). Medidas urgentes para a diminuição da volemia (garroteamento, sangria) podem ser ne- cessárias se houver quadro de edema agudo do pulmão. O uso de drogas que diminuem a RP (fentolamina, nitro- prussiato) está indicado nos casos de insuficiência cardíaca refratária ao tratamento habitual. No caso de volemia baixa, esta será convenientemente re- posta mediante expansão. Quando for utilizado albúmina ou plasma, prescrever sob essa forma aproximadamente 20% do déficit total de líquidos estimado 1S: o restante deve ser minis- trado sob a forma de soro fisiológico e soro glicosado a 5% em partes iguais (o déficit líquido estimado é de 150ml por quilo de peso corpóreo): tais soros devem ser prescritos na velocidade de 50ml/kg/hora. Se apesar da normalização da PVC continuarem os sinais de má perfusão (extremidades frias, enchimento capilar lento), cogitar-se-á do uso de drogas. A dopamina parece ser a escolha mais adequada por seus efeitos dopaminérgicos e menor inci- dência de complicações, como, por exemplo, arritmias. O ¡sopro- terenol, apesar de útil, apresenta limitações importantes: apare- cimento comum de arritmias e a possibilidade de diminuição do fluxo sangüíneo renal. Não deve ser prescrita a pacientes com freqüência cardíaca superior a 180 batimentos por minuto. O glucagon seria uma alternativa para os casos nos quais o iso- proterenol está contra-indicado. Há autores que preconizam o uso de drogas que diminuem a RP (fentolamina ou nitroprus- siato). O uso de corticóides justifica-se nos casos de choque infeccioso. 4. Medidas de suporte A) Ventiloterapia É de importância notória a manutenção da permeabilidade das vias aéreas e de boa função pulmonar. Os objetivos aqui são: — manter a paC02 ^ 50mmHg — manter a paO2 ^ GOmmHg Esses objetivos serão conseguidos se necessário for, atra- vés da administração de 02, através de catéter nasal, máscara facial, "baby-therm", tenda úmida, capuz ou Isolette. Se com esses recursos os valores referidos acima não forem consegui- dos, recorre-se à ventilação mecânica. Lembrar sempre que as concentrações de oxigênio oferecidas ao paciente (Fi02) devem ser constantemente aferidas, dada a toxicidade do 02. B) Correção da acidóse A acidóse metabólica deve ser corrigida sempre que o pH for inferior a 7,10 e/ou bicarbonato for inferior a 10mEq/l. Usar a fórmula (Bic . — Bic , ,) X peso (kg) x 0,3 = mEq de bic final atual podendo-se aceitar como valor final do bicarbonato, 15mEq/l. A velocidade de infusão será: metade da dose total em 1 hora e o restante em função de gasometrías posteriores. A acidóse respiratória, quando presente, deve ser tratada com ventiloterapia adequada. C) Distúrbios hidroeletrolíticos a) hiponatremia — Como já referido, é geralmente dilucio- nal. Merecem correção valores abaixo de 120mEq/l. Usar a fórmula Afinal Naatua|) X P6SO ^9) °'6 = mEcl CÍe Na na velocidade de 10mEq/kg/hora. b) hiperpotassemia — Seguir as mesmas condutas referen- tes à insuficiência renal aguda. Usar soluções polarizantes (glico- se + insulina), gluconato de cálcio a 10% EV e resinas troca- doras de íons. Se for confirmado o quadro de insuficiência renal Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce Clarissa Realce aguda, indicar diálise peritoneal. Claro está que o paciente não mais deve estar em choque, pois nesta condição a diálise peri- toneal seria ineficaz. D) Aquecimento É importante no tratamento geral, visto que grande parte dos pacientes apresentam hipotermia. REFERÊNCIAS 1. BARRENO, G. P. — Resultados de la administración de "dosis massivas" de corticosteróides a pacientes en estado de "shock" endotóxico. Rev. Clin. Esp. 734:335, 1974. 2. BARRENO, G. P. — Metabolic response ¡n schock. Surg. Ginec. Obst. 746:182, 1978. 3. BERK, J. L. — Monitoring the patient in shock: what, when and how. Surg. Clin. N. Amer. 55:713, 1975. 4. BERK, J. L. — Use of vasoactive drugs in the treatment of shock. Surg. Clin. N. Amer. 55:721, 1975. 5. BLAISDELL, F. W. & SCHOLOBOHM, R. M. — The respiratory distress syndrome: a review. 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Dr. Enéías de Carvalho Aguiar s/n São Paulo — SP — CEP = 05403 Brasil
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