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P á g i n a | 1 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA SUMÁRIO UNIDADE I – O Cenário de Construção da Improbidade Administrativa 1. Autonomia constitucional e definição de improbidade administrativa 2. Sujeitos. Definição de agente público (agentes políticos e outros) e demais responsáveis jurídicos (convênio, consórcio, terceiro setor e parceiros privados) UNIDADE II - Atos de Improbidade Administrativa 1. A estrutura normativa dos atos de improbidade 2. Atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito 3. Atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário 4. Atos que atentam contra os princípios da administração 5. Controle judicial do ato de improbidade UNIDADE III – Sanções, Prescrição e Decadência 1. Introdução 2. As sanções em espécie (art. 37, §§ 4º e 5º, CF e art. 12 da LIA) 3. O critério de aplicação das sanções 4. Prescrição e Decadência UNIDADE IV - Procedimento Administrativo e Processo Judicial 1. Inquérito Civil 2. Legitimidade ativa 3. Causa de pedir e pedido 4. Legitimidade passiva e competência 5. Pedido cautelar 6. Análise da petição inicial 7. Fase instrutória 8. Sentença P á g i n a | 2 UNIDADE I – O Cenário de Construção da Improbidade Administrativa 1. Autonomia constitucional e definição de improbidade administrativa Costumeiramente se assevera, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, que são três as instâncias de responsabilidade jurídica contempladas na Constituição Federal e no ordenamento jurídico em geral: civil, criminal e administrativa. A responsabilidade civil, clássica por sua origem junto à formação do próprio Direito, serve-nos ainda, a despeito de suas particularidades por se referir a situações jurídicas de direito privado, enquanto teoria geral de responsabilidade ao decompor os elementos que devem ser considerados em qualquer situação jurídica que envolva a possibilidade de responsabilização de um sujeito: comportamento (objetivo ou subjetivo, e nesta hipótese, por dolo ou culpa), nexo causal e dano. A responsabilidade criminal erige-se com o Direito Penal e reconhece-se nela uma estrutura metodológica independente na qual se enfatiza a tipicidade dos comportamentos que podem levar às penas, e muitas destas aptas a cercear um dos bens mais caros ao ser humano, a liberdade. A responsabilidade administrativa refere-se às situações jurídico-administrativas, é dizer, vínculos entre o cidadão e o Estado, ora em relação de sujeição geral (todos e quaisquer cidadãos encontram-se indistinta e potencialmente submetidos à situação jurídica disciplinada em lei, a exemplo do Código de Trânsito Brasileiro e de suas regras sobre a condução de veículos com as respectivas infrações e consequentes sanções administrativas), ora em relação de sujeição especial (vínculos nos quais apenas alguns cidadãos submetem-se, espontânea ou forçosamente, a exemplo do estatuto jurídico de certa categoria de servidores públicos, ou o regimento interno de uma universidade pública, ou de um hospital público ou mesmo as normas que regem a rotina dentro de uma unidade prisional). Correlato então ao tema da responsabilidade jurídica e às suas espécies é o Direito Sancionador, isto é, a sistematização de conceitos, institutos, categorias, de um regime jurídico próprio de estipulação das infrações (tipos infracionais) e respectivas sanções (penas). No Direito Privado em geral (Direito Civil, Código de Defesa do Consumidor e outros diplomas) perquire-se, por exemplo, se o dano moral tem natureza jurídica de “pena”, quais são os limites possíveis, no âmbito da responsabilidade contratual, à previsão (tipificação) de infrações contratuais etc. Igualmente no Direito Penal, P á g i n a | 3 desenvolvem-se elaboradas teorias sobre a descrição de fatos-tipos e as consequentes sanções. No Direito Administrativo, por sua vez, há alguns anos assomou-se o Direito Sancionador num capítulo independente de modo a ser possível melhor compreendê-lo e sistematizá-lo nas relações de direito público e, não obstante alguma pontual divergência existente, a doutrina em geral sustenta que um elemento indispensável à qualificação de infrações e sanções administrativas remete-se ao sujeito que age, a Administração Pública. Em outros termos, trata-se de infrações e sanções administrativas se é a própria Administração Pública no exercício de função administrativa quem atua. Neste contexto se percebe alguma aparente dificuldade em se identificar qual área do Direito deve-se ajustar – logo, assimilar-se ao regime jurídico – a responsabilidade do agente público que comete atos de improbidade administrativa. Pois se evidencia a inadequação de dizer-se que poderia ser a responsabilidade civil na medida em que a pessoa a eventualmente ser responsabilizada não age em nome próprio, não se encontra numa relação entre particulares, mas atua em cumprimento de uma missão pública porque é investido em competências previstas em lei à satisfação do interesse público. Do mesmo modo, seria inapropriado se indistintamente fosse aplicado o Direito Penal a situações que não encontram compatibilidade com a descrição de crimes. Em exemplo a esclarecer o que se afirma considere-se que não há qualquer semelhança na descrição dos fatos-tipos de improbidade em comparação com os tipos penais. Por último, há dificuldade de simplesmente afirmar que a responsabilidade por improbidade administrativa é mera categoria jurídica do Direito Administrativo Sancionador porque, como acima foi adiantado, reconhece-se por infração e sanção administrativa aquelas que são apuradas e aplicadas no exercício de função administrativa, e não, tal como ocorre com a improbidade administrativa, em processo judicial. Mas o desconforto inicial na própria alocação da teoria da improbidade administrativa (se responsabilidade civil, criminal ou administrativa) remete-nos além das assertivas tradicionais sobre as três instâncias de responsabilidade jurídica de modo a fazer perceber que a inequívoca matriz das esferas de responsabilização não pode ser outra a não ser a própria Constituição Federal de 1988. Dela partimos para realçar que entendemos que na contemporaneidade, diante então da realidade jurídico-positiva que P á g i n a | 4 se apresenta em nosso País, é insuficiente a reprodução da clássica divisão em três das responsabilidades jurídico-constitucionais. Isto porque a responsabilidade por improbidade administrativa, em leitura tópica e sistemática da Constituição Federal, encontra sua própria autonomia. Neste sentido, na doutrina, José Roberto Pimenta Oliveira 1 expressamente defende que a improbidade administrativa enquanto esfera de responsabilidade jurídica apresenta inequívoca autonomia constitucional, o que em tudo se reflete na forma de tratamento do tema ao se aplicar a Lei de Improbidade Administrativa (LIA), a Lei n° 8.429/92. Considerem-se alguns exemplos: a) a tipificação dos atos de improbidade administrativa não ocorre nos moldes do Direito Penal, pois a estrita tipicidade exigida (a descrição minudente do fato apto a qualificar-se como tipo penal) não poderia sequer ser logicamente exigível diante de tão múltiplas e diversificadas formas de expressar-se a função administrativa. Portanto, apesar de críticas que são feitas, e não podem ser desprezadas, a respeito do excesso de abertura e da ambiguidade de alguns atos de improbidade administrativa, de todo modo não seria correto exigir que houvesse, a exemplo do crime, o mesmo detalhamento do comportamento fático passível de tipicidade; b) na dosimetria da penaa sua individualização, direito fundamental previsto no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal, deve ainda reputar que o sujeito agiu, ao cometer a improbidade administrativa, investido em função pública, ou seja, enquanto alguém a quem foram confiados deveres e poderes para bem cumprir com os interesses da coletividade, e não os seus particulares; c) na condução do processo judicial que apura a eventual ocorrência de atos de improbidade administrativa, não obstante a indispensável aferição dos elementos subjetivos (dolo e culpa – esta última quando admitida pelo tipo infracional, o que ocorre com o art. 10 da Lei 8.429/92), a identificação do ilícito administrativo em si, em particular do desvio de finalidade, afere-se objetivamente, pois o descompasso da prática do ato é conclusão que se encontra por sua desconformidade não com o móvel íntimo do sujeito, mas com o que o ordenamento jurídico dispõe enquanto comportamento exigido. Mas além dos breves exemplos mencionados, e de volta à autonomia da improbidade administrativa enquanto esfera própria de responsabilidade constitucional – ao lado, e não dentro das demais instâncias de responsabilidade –, este pressuposto do 1 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade administrativa e sua autonomia constitucional, Belo Horizonte: Fórum, 2009. angelica angelica angelica P á g i n a | 5 qual partimos considera, como acima adiantamos, a própria Constituição Federal enquanto matriz das responsabilidades jurídicas. Na Constituição Federal de 1988 a expressão improbidade administrativa aparece, no corpo do texto principal (sem considerar o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), duas vezes. A primeira vez no art. 15, inciso V, que classifica a improbidade administrativa como uma das causas de suspensão dos direitos políticos (texto atualizado em 05/06/2013). A segunda, e mais importante, por ser realmente a norma da qual se erige esta esfera de responsabilização, encontra-se no art. 37, § 4º, ao dispor que “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. Por evidente, a autonomia constitucional da responsabilidade por improbidade administrativa não se encerra nesses artigos, mas deles se inicia, edifica-se, em leitura tópica e sistemática da Constituição Federal. Primeiro, em razão do art. 1º da Constituição Federal, texto normativo que anuncia os princípios fundamentais, de pronto afirmar ser o Brasil uma República. Pois ao se assegurar o princípio republicano enquanto fundamento do sistema constitucional enfatiza-se a res publica, isto é, que o agir em exercício de função pública é uma atuação em nome da sociedade – e não por interesse pessoal –, o que por consequência significa dizer que há ao menos três deveres que se imbricam ao exercício de qualquer missão pública, seja na condição de agente ou mesmo de particular em parceria com o Estado, três deveres que naturalmente decorrem do princípio republicano: a) Transparência: se há poderes públicos enfeixados em cargos ou empregos públicos, ou delegados a particulares que se tornam colaboradores e parceiros do Estado, de toda sorte são instrumentos conferidos a quem investido na função para a realização do interesse da sociedade, e se há recursos públicos (capital, empréstimo de bens, cessão de servidores públicos) então é preciso esclarecer de que modo são utilizados. b) Prestação de contas: se qualquer conduta no âmbito da função pública representa, em última análise, um agir em nome da sociedade, então se deve dizer o que se fez, de qual modo e para qual fim. Um corolário da própria transparência, então, pois ao se tornarem efetivamente públicas as atividades que envolvem recursos do Estado o escopo não poderia ser outro senão as contas serem expostas à sociedade. angelica angelica angelica angelica angelica angelica angelica angelica P á g i n a | 6 c) Responsabilidade: a transparência e a prestação de contas têm por mote a titularidade do poder, e o povo é o seu soberano titular (art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal), então se deve responder pela eventual violação da confiança que foi depositada e não correspondida. O princípio republicano então se difunde para concretizar-se em particular direito fundamental do cidadão de exigir a proteção, por ação popular, contra a prática de ato lesivo ao patrimônio público, o que nele se devem compreender os patrimônios moral, histórico, cultural e ainda o meio ambiente (art. 5º, LXXIII). E ainda o princípio republicano orienta a hermenêutica constitucional junto aos princípios que fundam o regime jurídico-administrativo no art. 37, caput, da Constituição Federal ao se imporem legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência na condição de normas estruturantes à realização do interesse público. Por estas razões, não é tanto pela expressão “improbidade administrativa” no texto constitucional (art. 15, V, e art. 37, § 4º), mas antes e principalmente por ser a responsabilidade uma das facetas do princípio republicano (art. 1º, caput), pressuposto fundador do nosso Estado Democrático e Social de Direito, eixo metodológico do próprio regime jurídico-administrativo (art. 37), que na atualidade, em pleno século XXI e em análise da realidade posta em nossa ordem jurídica, entendemos ter a improbidade administrativa verdadeira autonomia constitucional enquanto instância de responsabilidade. A definição de improbidade administrativa deve então partir destas considerações. De acordo com o dicionário de vocabulário jurídico de De Plácido e Silva, probo e probidade advêm do latim probus, probitas: o que é reto, leal, justo, honesto, mas se refere também à maneira criteriosa de proceder 2 . Derivado de improbitas significa também má qualidade, imoralidade, malícia, desonestidade, má fama, incorreção, má conduta, má índole, mau caráter. Ímprobo, ainda segundo este dicionário, é o mau, perverso, corrupto, devasso, desonesto, falso, enganador 3 . Do dicionário etimológico da língua portuguesa de Antônio Geraldo da Cunha 4 probo refere-se a quem apresenta caráter íntegro, o que significa dizer, em sentido inverso, que ímprobo é quem falta com 2 De Plácido e Silva, Vocabulário jurídico, II, p. 454. 3 Op. cit., p. 432. 4 CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa, p. 522. angelica DESTACAR ESSE PARAGRAFO angelica angelica P á g i n a | 7 a integridade. Neste sentido, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves 5 destacam ainda uma origem mais remota: probus quer dizer o que brota bem (pro+bho – da raiz bhu, nascer, brotar). Portanto, “probidade” significa, inicialmente, o comportamento honesto, íntegro, leal, mas ainda quer dizer, em sentidos secundários, o que brota bem, quem observa a maneira criteriosa de proceder. Improbidade administrativa, enfim, define-se como o comportamento que viola a honestidade e a lealdade esperadas no trato da coisa pública, seja na condição de agente público ou de parceiro privado. Improbidade administrativa representa a desconsideração da lealdade objetivamente assumida por quem lida com bens e poderes cujo titular último é o povo. 2. Sujeitos. Definição de agente público (agentes políticos e outros) e demais responsáveis jurídicos (convênio, consórcio, terceiro setor e parceirosprivados) Das tantas classificações que se apresentam na doutrina acerca dos agentes públicos, uma delas, a de Celso Antônio Bandeira de Mello 6 , cumpre com o nosso propósito de identificarmos quem são os primeiros responsáveis por zelar pela coisa pública. Nos limites do quanto é necessário a este estudo pode-se dizer que os agentes públicos são o gênero que se qualifica pelo desempenho de qualquer função estatal. Ou dito de outro modo, enquanto um sujeito exerce uma função estatal ele deve ser considerado agente público. Pouco importa se se encontra lotado junto à Administração Direta ou na Administração Indireta (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista), ou mesmo se é um particular em colaboração com o Estado em razão de específico vínculo travado (tal como acontece com os concessionários e os permissionários de serviço público). Necessário, em última análise, à qualificação de agente público esses dois requisitos: a) objetivo: a natureza estatal da atividade desempenhada; b) subjetivo: a investidura nesta atividade. Portanto, agentes públicos são o gênero no qual se encontram as seguintes espécies: 5 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 6ª ed. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 109. 6 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 29ª ed., rev. e at., São Paulo: Malheiros Editores, 2012, cap. V. angelica DESTACAR angelica P á g i n a | 8 a) Agentes políticos: são os titulares de cargos estruturais à organização política do País, o vínculo que entretêm com o Estado é de natureza política, é dizer, não profissional, submetem-se ao regime estatutário definido primordialmente pela própria Constituição. São exemplos: Chefes do Executivo, Ministros e Secretários, Senadores, Deputados e Vereadores. b) Servidores estatais: são tanto os servidores públicos quanto os servidores de pessoas governamentais com personalidade jurídica de direito privado (como é o caso das empresas públicas e das sociedades de economia mista). O vínculo com o Estado tem natureza profissional. Os servidores públicos, por sua vez, compreendem duas espécies: b.1) servidores titulares de cargos públicos; b.2) empregados públicos; c) particulares em colaboração com o Poder Público: são todos os que firmam com o Estado um vínculo jurídico do qual se legitima a atuação em sua representação, pouco importa se por breve tempo ou em situação de estabilidade. São exemplos os requisitados a exercerem alguma atividade pública, tal como os mesários e os convocados ao serviço militar, além de notários, tabeliães e registradores, e ainda as pessoas jurídicas de direito privado que realizam o serviço público por delegação, o que é o caso dos concessionários e permissionários de serviços públicos e dos que firmam uma parceria público-privada. Ao se prestigiar o princípio republicano, e em especial a responsabilidade que dele decorre, o art. 1º da Lei 8.429/92 estendeu a qualificação do ato de improbidade administrativa a qualquer agente público que aja contra o patrimônio público em seu sentido amplo, o que compreende, como acima foi visto, a moralidade administrativa e outros valores consagrados constitucionalmente como indispensáveis ao interesse da coletividade e respeito ao povo enquanto titular do poder. O art. 2º da Lei 8.429/92 evidencia o sentido amplo de agente público nos termos expostos acima de modo a abarcar não apenas os servidores estatais (titulares de cargos públicos e empregos públicos), mas ainda os agentes públicos e mesmo os particulares em colaboração com o Estado. O art. 3° da Lei 8.429/92 expande a responsabilização a qualquer sujeito que “(...) induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (...)”, o que ainda abarca, além de alguém em simples conluio com um agente público, qualquer outra pessoa que se valha de recursos angelica angelica angelica angelica angelica P á g i n a | 9 públicos (capital, bens ou a simples cessão de servidores), tal qual acontece com as entidades do denominado Terceiro Setor. Em importante artigo sobre o tema, denominado “Sujeitos dos Atos de Improbidade – Reflexões”, de acesso público por meio do endereço eletrônico da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio de Janeiro (http://www.femperj.org.br/pesquisas/artigos.php), o Professor Emerson Garcia leciona: "...2.1.1. Terceiro Setor Além da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, podem ser atingidas pelos atos de improbidade aquelas empresas que, de qualquer modo, tenham recebido recursos públicos. Releva analisar, neste passo, a situação das organizações sociais, disciplinadas pela Lei no 9.637, de 15 de maio de 1998, e das organizações da sociedade civil de interesse público, instituídas pela Lei no 9.790, de 23 de março de 1999, que compõem o denominado terceiro setor. O terceiro setor, também denominado de setor não lucrativo ou setor de utilidade pública, congrega todas as organizações da sociedade civil, sem fins lucrativos e que prestam serviços de utilidade pública "desvinculados do assim denominado 'núcleo estratégico', configurado por funções essenciais à definição e execução das políticas públicas (Poder Legislativo, Poder Judiciário, Ministério Público e determinados setores do Poder Executivo)". Coexistem com os entes do primeiro e do segundo setor, compostos, respectivamente, pelas entidades estatais e pelas pessoas jurídicas de direito privado com fins lucrativos. Não obstante a qualificação que se lhes atribui, não chegam a constituir um tipo específico de pessoas jurídicas, já que mantém suas características inatas. No entanto, por preencherem determinados requisitos, recebem um título próprio que lhes permite o enquadramento em um regime jurídico diferenciado, auferindo determinados benefícios previstos em lei, sendo este o elemento que as distingue das demais pessoas jurídicas de direito privado. Tradicionalmente, o terceiro setor vem sendo ocupado por muitas entidades que recebem títulos de utilidade pública. A aferição de requisitos meramente formais para a certificação, a inexistência de uma disciplina adequada em relação à atividade finalística a ser desenvolvida e aos critérios de aferição das metas a serem obtidas, bem como o excesso de discrição do Poder Público, isto em razão das inúmeras lacunas na legislação, contribuíram decisivamente para o paulatino enfraquecimento da credibilidade dessas entidades. angelica angelica angelica angelica angelica P á g i n a | 10 De qualquer modo, inexiste vedação à emissão de novos títulos de utilidade pública, sendo os entes contemplados, a teor do art. 1º da Lei no 8.429/92, sujeitos passivos em potencial dos atos de improbidade sempre que recebam incentivos ou subvenções do Poder Público. Buscando contornar os inconvenientes detectados na disciplina das entidades consideradas de utilidade pública, foram criadas novas formas de certificação das pessoas jurídicas de direito privado que prestam serviços de interesse coletivo, do que resultou os títulos de organização social e de organização da sociedade civil de interesse público. Com a instituição dessas formas de qualificação, ambas sujeitas a uma normatização específica, o Poder Público poderá delegar a terceiros atividades que normalmente eram por ele exercidas ou mesmo receber o auxílio dessas organizações em sua atuação regular, isto sem contaros maiores benefícios e vantagens que serão garantidos a tais entes se comparados com aqueles que tão-somente ostentam o título de utilidade pública. Consoante o disposto no art. 1º da Lei no 9.637/98, pode-se dizer que são organizações sociais aquelas entidades de direito privado, sem fins lucrativos, que como tais sejam declaradas pelo Poder Executivo, a partir da verificação do preenchimento dos requisitos previstos nos arts. 2º e 4º da Lei no 9.637/98 e cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde. Como deflui da própria norma, o regime das organizações sociais é atípico, pois não integram a administração pública indireta e desempenham suas atividades em moldes diversos daqueles próprios das concessionárias ou permissionárias de serviços públicos, não recebendo delegação, mas, sim, qualificação, estando impossibilitadas de auferir lucros em suas atividades, o que resulta na obrigatoriedade de reinvestimento de todo numerário obtido. A entidade qualificada como organização social está legitimada a celebrar com o Poder Público contrato de gestão, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas no art. 1º, objeto da atividade finalística de tais entes. De acordo com o art. 6º, o contrato de gestão, elaborado de comum acordo entre o órgão ou entidade supervisora e a organização social, discriminará as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização social, devendo ser submetido, após a aprovação pelo Conselho de Administração da entidade, ao Ministro de Estado ou autoridade supervisora da área correspondente à atividade fomentada. Na pureza de sua concepção, o contrato de gestão, ao utilizar o regime próprio dos entes privados na consecução do interesse público, tem por fim estimular a angelica angelica angelica Xxxxxx P á g i n a | 11 competitividade e alcançar a eficiência da administração pública, pois, além de flexibilizar a ação de tais entes, fixará, ab initio, os resultados a serem obtidos, os quais serão periodicamente aferidos. Com isto, atividades tipicamente públicas serão conduzidas pela iniciativa privada, resultando na supressão de inúmeras formalidades, o que, se por um lado confere maior mobilidade à atividade desenvolvida, por outro em muito suaviza o rigor na aferição da adequação dos atos estatais à sistemática legal. Com efeito, o art. 12, § 3º, da Lei no 9.637/98 dispensa a realização de licitação para a outorga de permissão de uso de bens públicos às organizações sociais, sendo igualmente dispensada a licitação para que o Poder Público celebre contratos de prestação de serviços com tais entidades - desde que a atividade tenha sido contemplada no objeto do contrato de gestão. Não bastasse isto, a qualificação é ato discricionário do órgão competente e não são previstos requisitos de ordem subjetiva para a sua realização e ulterior contratação com as organizações sociais, o que permitirá, v.g., que pessoas destituídas de um mínimo de idoneidade moral venham a integrar os órgãos de direção de tais entes. Assim, é difícil imaginar - e com maior razão em períodos eleitorais - que tais entidades não virão a se constituir em um dos maiores focos de imoralidade já vistos na história republicana, o que certamente desvirtuará e desacreditará os objetivos da lei. Em razão dessas peculiaridades, somente uma fiscalização adequada e de índole eminentemente preventiva não permitirá que inúmeros ilícitos sejam praticados. Partindo da premissa de que a qualificação de determinada entidade como organização social pressupõe que ela não tenha fins lucrativos, afigura-se evidente que, regra geral, o contrato de gestão firmado entre o Poder Público e uma entidade dessa natureza deverá prever a transferência de recursos, bens ou serviços de origem pública, o que possibilitará o implemento do objeto específico de tal avença e a preservação do princípio da eficiência consagrado no texto constitucional. Este fato, por si só, demonstra que as organizações sociais podem ser lesadas por atos de improbidade, sendo o Poder Público o sujeito passivo material, vale dizer, o ente de origem das subvenções (bens, serviços ou recursos) destinadas àquelas organizações. Observe-se, ainda, que as organizações sociais, consoante o art. 11, são declaradas como entidades de interesse social e utilidade pública, para todos os efeitos legais, o que também reforça o seu enquadramento no art. 1º da Lei de Improbidade, já que gozarão de benefícios e incentivos fiscais e creditícios. Em relação à subsunção da conduta à tipologia dos atos de improbidade, vale reiterar que os agentes das organizações sociais (dirigentes, empregados etc.) estão sujeitos à angelica angelica angelica angelica angelica P á g i n a | 12 seguinte disciplina: a) recebendo a organização social benefício, incentivo ou subvenção inferior a cinqüenta por cento de sua receita anual, será aplicado o disposto no parágrafo único do art. 1o da Lei no 8.429/92, somente estando o agente sujeito a sanções em sendo detectado o dano ao patrimônio público, isto porque aquele preceito é dotado de menor amplitude do que o caput; e b) recebendo a organização social subvenções (rectius: transferências do erário destinadas a cobrir suas despesas de custeio - art. 12, § 3º, da Lei no 4.320/64) que representem mais de cinqüenta por cento de sua receita anual, será aplicado o art. 1º, caput, da Lei de Improbidade, estando o agente sujeito à tipologia legal ainda que não seja divisada a ocorrência de dano. Além das organizações sociais, merecem ser lembradas as organizações da sociedade civil de interesse público, instituídas pela Lei no 9.790/99 e que funcionam sob o regime de gestão por colaboração. Em linhas gerais, são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos e que recebem tal qualificação do Executivo após comprovarem o exercício de determinadas atividades de utilidade pública e o cumprimento dos requisitos previstos no art. 4º da lei de regência, dentre os quais pode ser mencionada a necessária observância aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência. Obtida a qualificação, as organizações da sociedade civil de interesse público estarão habilitadas a celebrar termo de parceria com o Poder Público, que formalizará o vínculo de cooperação entre as partes para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3º da Lei. Os termos de parceria discriminarão direitos, responsabilidades e obrigações das partes signatárias. Os mecanismos de fiscalização dos termos de parceria são em muito semelhantes àqueles instituídos pela Lei no 9.637/98 para os contratos de gestão celebrados entre o Poder Público e as organizações sociais. A organização deve conferir ampla publicidade à forma de gasto dos recursos públicos; o Poder Público deve garantir o livre acesso às informações relativas às organizações; é imperativo que as organizações sejam fiscalizadas por órgãos estatais da área de atuação correspondente à atividade fomentada; e devem os responsáveis pela fiscalização, sob pena de responsabilidade solidária, informar ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas qualquer irregularidade ou ilegalidade na utilização de recursos ou bens de origem pública pela organização (art. 12 da Lei no 9.790/99). Não cumprindo a atividade a que se destina, deixando de atender aos requisitos previstos em lei ou sendo detectado desvio de finalidade em suas operações,estará a angelica P á g i n a | 13 organização da sociedade civil de interesse público sujeita à perda da qualificação, o que se dará a pedido ou mediante decisão proferida em processo administrativo ou judicial, de iniciativa popular ou do Ministério Público, no qual serão assegurados o contraditório e a ampla defesa. Como pode ser facilmente observado, o regime das organizações da sociedade civil de interesse público em muito se assemelha ao das organizações sociais. Ambas integram o denominado terceiro setor, devem executar serviços públicos e manter-se em estrita harmonia com o pacto celebrado com o Poder Público, isto sem contar a necessária publicidade de seus atos e a sujeição a rigorosos mecanismos de controle. No que concerne aos pontos de distinção, merece lembrança a lição de Carvalho Filho: ‘Um deles é a participação de agentes do Poder Público na estrutura da entidade: enquanto é ela exigida nos Conselhos de Administração das organizações sociais, não há esse tipo de ingerência nas organizações da sociedade civil de interesse público. Outro aspecto é a formalização da parceria: com aquelas entidades é celebrado contrato de gestão, ao passo que com estas é firmado termo de parceria. Enfim, nota-se que as linhas da disciplina jurídica das organizações sociais colocam-nas um pouco mais atreladas ao Poder Público do que as organizações da sociedade civil de interesse público. Ambas, porém, retratam novas formas de prestação de serviços públicos’. Além disso, as organizações da sociedade civil de interesse público podem ter um objeto social mais amplo que as organizações sociais, o seu processo de qualificação é mais simplificado e devem fazer publicar nos trintas dias subsequentes à assinatura do termo de parceria o regulamento que será adotado nas contratações a serem realizadas, o qual deverá necessariamente observar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência. Diferentemente das organizações sociais, não há previsão legal de transferência de servidores do órgão com o qual firmaram o termo de parceria. No entanto, a Medida Provisória nº 37, de 9 de maio de 2002, convertida na Lei nº 10.259, de 22 de setembro de 2002, acresceu um parágrafo único ao art. 4º da Lei nº 9.790/99, permitindo que servidores públicos participassem da diretoria ou do conselho, o que em muito atenuou a distinção para com as organizações sociais. Por não exercerem atividade lucrativa, as organizações da sociedade civil de interesse público serão normalmente contempladas com recursos públicos, o que viabilizará o exercício de suas atividades finalísticas e, ipso facto, permitirá a aplicação das normas angelica angelica P á g i n a | 14 da Lei de Improbidade. Nesse particular, ante a identidade dos argumentos, reportamo- nos ao que dissemos em relação às organizações sociais. 2.2. A Noção de Entidades Custeadas pelo Erário Tanto o caput como o parágrafo único do art. 1º fazem expressa menção às empresas custeadas pelo erário, sendo estabelecida uma distinção, quanto às sanções cominadas, conforme o erário concorra ou haja concorrido com mais ou menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual. Concorrendo com mais de cinqüenta por cento, haverá incidência imediata de todo o microssistema de combate à improbidade, concorrendo com menos, além de exigível a ocorrência de dano, a reparação se limitará à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos. Por força desse preceito, foi consideravelmente ampliado o rol dos sujeitos passivos dos atos de improbidade, o que exige sejam redimensionadas as clássicas concepções doutrinárias que se limitavam ao estudo da administração direta e indireta, noções incapazes de albergar por completo as inovações introduzidas pela Lei de Improbidade. Trata-se de situação peculiar instituída pela Lei de Improbidade e extremamente relevante ao evolver da moralidade que deve reger as relações intersubjetivas: eleva-se o desfalque de montante originário do patrimônio público, ainda que o numerário seja legalmente incorporado ao patrimônio privado, à condição de elemento consubstanciador da improbidade. Em decorrência disto, os agentes privados são equiparados aos agentes públicos para o fim de melhor resguardar o destino atribuído à receita de origem pública, estando passíveis de sofrer as mesmas sanções a estes cominadas e que estejam em conformidade com a peculiaridade de não possuírem vínculo com o Poder Público. Assim, também poderão ser sujeitos passivos dos atos de improbidade as entidades, ainda que não incluídas dentre as que compõem a administração indireta, que recebam investimento ou auxílio de origem pública, o que pode ser exemplificado com o auxílio financeiro prestado pelo Banco Central do Brasil a instituições financeiras em vias de serem liquidadas, erigindo seus administradores à condição de agentes públicos para os fins da Lei no 8.429/92. Justifica-se a previsão legal, pois se o Poder Público cede parte de sua arrecadação a determinadas empresas, tal certamente se dá em virtude da presunção de que a atividade que desempenham é de interesse coletivo, o que torna imperativa a utilização do numerário recebido para esse fim. Face à relevância do tema, realizaremos uma breve referência a algumas hipóteses específicas de aplicação dessa regra, bem como do que se deve entender por custeio pelo erário: alcançaria angelica angelica P á g i n a | 15 unicamente os casos em que o numerário se deslocasse fisicamente do caixa público para o caixa privado ou corresponderia, igualmente, às situações em que o Estado, valendo-se do seu poder de império, determinasse ao particular a entrega de recursos a determinado ente?". Em suma, além dos agentes públicos qualquer outra pessoa, a qual título for, que com o Estado estabeleça um vínculo no qual lhe seja disponibilizado recursos financeiros, ou o uso privativo de bens públicos (a exemplo da concessão de uso de bem público, ou mesmo de servidores públicos que lhe sejam cedidos, como pode acontecer com as Organizações Sociais), pode responder por improbidade administrativa. Anote-se, por fim, que, nos termos das lições de José Roberto Pimenta Oliveira: "O artigo 3º da Lei n. 8.429/92 responsabiliza pessoas físicas e jurídicas (...) De sorte que nada impede que, no sistema de probidade, à pessoa jurídica seja imputada a conduta de induzir, concorrer e beneficiar-se, direta ou indiretamente, de atos ímprobos, para o fim de reconhecimento de sua responsabilidade e aplicação de sanções compatíveis com a personificação" 7 (*texto atualizado em 24 de julho de 2013). UNIDADE II - Atos de Improbidade Administrativa 1. Estrutura Normativa dos Atos de Improbidade Administrativa Os atos de improbidade administrativa estão previstos na Lei nº 8.429/92 em três espécies. Os atos que importam em enriquecimento ilícito (art. 9º), os que causam lesão ao erário (art. 10) e os que atentam contra os princípios da administração pública (art. 11). Na tipificação dos atos de improbidade administrativa a lei utilizou dois modelos de técnica legislativa. O emprego de conceitos jurídicos indeterminados e outros tipos de conteúdo mais preciso e determinado constante nos incisos dos artigos de cada espécie de improbidade. Embora em vários tipos dos incisos também haja abertura. 7 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade Administrativa e sua autonomia constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 359-360. angelica angelica P á g i n a | 16 No caput dosartigos de cada espécie de improbidade, a lei prescreveu tipos abertos como: a) auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida; b) provocar lesão ao erário por qualquer ação ou omissão que enseje perda patrimonial; c) praticar qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. A abertura permite amoldar o enquadramento de situações de fato em face da constante mudança de métodos de infrações aos princípios da administração pública, dando "flexibilidade normativa aos mecanismos punitivos, de tal modo a coibir manobras formalistas conducentes à impunidade" 8 . O modelo de tipo aberto serve para o "enquadramento do infindável número de ilícitos passíveis de serem praticados, os quais são frutos inevitáveis da criatividade e do poder de improvisação humanos" 9 . O modelo reforça o papel do Poder Judiciário a quem compete decidir sobre a aplicação das sanções por improbidade e que irá concretizar nos casos em julgamento os conceitos indeterminados, observados os parâmetros legislativos e administrativos de integração. A outra técnica adotada na lei prescreve de forma mais específica os tipos legais, a exemplo de "receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado" (art. 9º, X); "conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie" (art. 10, VII); e "frustrar a licitude de concurso público" (art. 11, V). Na forma como posta na lei "existe uma autonomia funcional do caput dos textos com relação aos incisos e vice-versa" 10 , com complementação subsidiária entre eles. Comumente se revela o caráter exemplificativo do rol dos tipos, em especial pela menção a "notadamente" que consta no caput dos artigos 9º, 10 e 11. A referência é válida no sentido de que os tipos específicos dos incisos não esgotam a possibilidade de enquadramento de condutas ímprobas, mas elas precisam ser reconduzidas ao caput. É que o direito sancionatório convive com tipos em linguagem aberta, mas não com a ausência normativa de tipos, sendo certo que a "necessidade de prévia estipulação da 8 OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da Improbidade Administrativa. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 328. 9 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 6ª ed. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 279. 10 OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da Improbidade Administrativa. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 217. angelica angelica angelica angelica PRESTIGIA O ATIVISMO JUDCAL. INSTITUTO DE INTEGRAÇÃO DA NORMA. angelica Atenção: inibstante se tratar de tipo aberto , sempre haverá de ter relação com o caput ref. aos arts. 9,10 e 11. É tipo aberto, o que é permitido , não ausencia de tipo , o que nào é permitido. angelica P á g i n a | 17 conduta vedada é uma das principais funções do tipo, presente em qualquer atividade sancionadora" 11 . A concretização dos conceitos normativos indeterminados abre uma importante perspectiva no campo da improbidade administrativa que se reporta à forma de integração dos tipos previstos na Lei nº 8.429/92. Destaca-se que alguns tipos carecem de integração e remetem para outras normas jurídicas ou para certos atos administrativos "cuja violação é pressuposto indispensável à configuração do ato de improbidade" e que outros tipos "descrevem com precisão a conduta passível de configurar improbidade administrativa, não dependendo de integração por uma segunda norma ou ato administrativo" 12 . Há quem defenda que a intermediação legislativa ocorre em todos os tipos da lei de improbidade que possuem o rótulo de normas em branco e são "complementados por legislações setoriais, instituindo regras que se sistematizam e se incorporam aos princípios". 13 O tema tem todo o interesse para o julgamento das ações de improbidade administrativa. Convém enfatizar que as condutas dos agentes públicos, de regra, são formalizadas em atos administrativos que requerem o cumprimento de legislações próprias, de acordo com seu conteúdo, e da observância dos pressupostos de validade de competência, finalidade, forma, motivo e objeto. Na maioria dos tipos específicos das modalidades de improbidade administrativa a definição sobre a incidência do ato como ímprobo passa pela antecedente aferição da legalidade ou pertinência à juridicidade do ato administrativo. Daí a correção da tese de que a integração depende da análise de outras leis que não a de improbidade e ainda da adequação normativa do ato administrativo subjacente. Para mostrar a relevância dessa questão extrai-se de decisão do STJ o comando no sentido de que não "é possível o julgamento de ação civil pública, em que se pugna pelo reconhecimento de ato de improbidade, sem que haja pronunciamento sobre a legalidade ou ilegalidade do ato administrativo questionado, o que configura omissão no julgado". 14 Por outro enfoque, da análise dos tipos previstos nos incisos dos artigos 9º, 10 e 11, da Lei nº 8.429/92 colhe-se que existem tipos que, de regra, podem ser aplicados diretamente sem necessidade de integração (art. 9º, IV, V; 11 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade Administrativa e sua Autonomia Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 251. 12 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 6 ed. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 281/282. 13 OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da Improbidade Administrativa. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 218/219. 14 REsp nº 617.851. Rel. Min. Eliana Calmon. angelica angelica angelica angelica angelica angelica Exigência de qualquer atividade sancionadora é se adequar um tipo. angelica angelica Note a presença do instituto da integraçao i tipo. angelica A incidência da improbidade adm. Exige interpretação sistemática do ordenamento jurídico brasileiro permitindo a integração da norma, mas tb há casos que o tipo já vem completo. Sstema tripartide de imrobidade. angelica angelica angelica angelica P á g i n a | 18 art. 10, XIII; art. 11, III, VII). Para contemplar a necessidade de integração em todos os casos é preciso pensar na linha de que todas as condutas da lei representam uma infração a um dever do agente público, o que de fato acontece. O sistema tripartite de improbidade detém uma conexão entre eles, de modo que todo ato de improbidade já revela uma lesão aos princípios da administração (art. 11), 15 antes de poder ser classificado como lesão ao erário (art. 10) ou enriquecimento ilícito (art. 9º). É comum nas ações de improbidade a desclassificação do ato imputado na petição inicial para outro. O STJ já firmou entendimento de que não "infringe o princípio da congruência a decisão judicial que enquadra o ato de improbidade em dispositivo diverso do indicado na inicial, eis que deve a defesa ater-se aos fatos e não à capitulação legal" 16 . A lei de improbidade não trata do concurso de infrações como existente no Direito Penal. Embora seja possível a prática de atos ímprobos em concurso material e formal, com a forma atualmente positivada não se pode transpor para a seara cível a técnica adotada no Direito Penal para "pretender que os responsáveis, na mesma ação, sejam condenados nas sanções do artigo 12, em regime de cumulação, ou que lhes seja imposto qualquer acréscimo sancionatório não autorizadona lei das penalidades previstas no seu artigo 12" 17 . Na hipótese de concurso de infrações a tipos diversos aplica-se o princípio da consunção ou absorção para prevalecer a norma de nível punitivo mais elevado. Observe-se, no entanto, a necessidade de se explicitar, quando for o caso, que a condenação se deu com base em mais de um artigo, especialmente para se evitar polêmicas sobre a incidência ou não da inelegibilidade, conforme será tratado nos últimos parágrafos da unidade IV deste trabalho ( texto atualizado em 24/07/2013). Nesse desiderato, pondera-se que presente "a coexistência do art. 11, seja com o art. 9º, seja com o art. 10, será por qualquer deles absorvido, dado que qualificados pela maior extensão material, isto é, pela projeção de seus efeitos, para além do mero confronto conduta/dever. Não há, pois, concorrência, mas absorção, para fins sancionatórios" 18 . 15 OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da Improbidade Administrativa. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 218. 16 REsp nº 842428. Rel. Min. Eliana Calmon. 17 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade Administrativa e sua Autonomia Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 292. 18 JÚNIOR, Waldo Fazzio. Improbidade Administrativa. São Paulo: Atlas, 2012. p. 129. angelica angelica angelica angelica angelica angelica angelica P á g i n a | 19 A improbidade administrativa importa na responsabilização de agente público (e eventualmente um terceiro) por matriz normativa de sede constitucional (art. 37, § 4º) e concretização legislativa (Lei nº 8.429/92) com conteúdo sancionatório em que impera a análise da culpabilidade, do elemento subjetivo da conduta (dolo ou culpa) para possibilitar a punição. Exige-se dolo para os atos dos artigos 9º e 11 e dolo ou culpa para os do artigo 10. O STJ possui jurisprudência consolidada na direção de que "para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10" 19 . 2. Atos de Improbidade Administrativa que importam enriquecimento Ilícito Os tipos que traduzem enriquecimento ilícito estão previstos no art. 9º, da Lei nº 8.429/92. Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público; II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado; 19 AgRg no AREsp 20.747/SP. Rel. Min. Benedito Gonçalves. angelica angelica angelica angelica angelica P á g i n a | 20 III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado; IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades; V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem; VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público; VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade; IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza; angelica angelica angelica angelica P á g i n a | 21 X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado; XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei; XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei. A norma do art. 9º caput reflete um conceito indeterminado passível de integração. Ela não apresenta uma tipificação específica, mas aberta para abarcar a conduta que importe em enriquecimento ilícito por aferição de "qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida" em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade pública. Desse modo, o "caput serve à função de tipo subsidiário, porque forma de enriquecimento ilícito não colhida pelos dispositivos é reconduzível à norma geral, na atividade de subsunção" 20 . Os incisos trazem um modelo mais determinado em sua tipificação para prescrever condutas que representam: a) o recebimento de vantagem econômica indevida (art. 9º, I, II, II, V, V, IX); b) a utilização particular de bem público e a incorporação deles ao patrimônio privado (art. 9º, IV, XI, XII); c) a ostentação de patrimônio particular desproporcional à renda do agente público ou patrimônio a descoberto; e d) a atuação em conflito de interesses públicos e privados por prestar consultoria ou assessoramento a pessoa física ou jurídica com interesses nas atividades públicas exercidas pelo agente (art. 9º, VIII). As hipóteses previstas, de ordinário, visualizam o enriquecimento ilícito do próprio agente público, exceto nos incisos I e VII do art. 9º que incluem a vantagem indevida ou aquisição de patrimônio "para outrem". O reconhecimento do enriquecimento ilícito não importa necessariamente na produção de dano ao erário. Algumas figuras típicas refletem o dano ao erário (art. 9° II, III, IV, VI, XI e XII) e outras não exigem o dano (art. 9º, caput, I, V, VII, VIII, IX e X). 20 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade Administrativa e sua Autonomia Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 251. angelica angelica angelica angelicaP á g i n a | 22 Cabe evidenciar que certos tipos trazem a necessidade de exame do ato administrativo onde se deve identificar a ofensa à legalidade ou juridicidade para integrar a norma sancionatória (art. 9º, II, III, VI, X). No elemento subjetivo a conduta para se enquadrar no art. 9º requer dolo, a consciência pelo agente de sua ilicitude. Dada a dificuldade de análise nesse tema sugere-se que o elemento subjetivo seja aferido "de acordo com as circunstâncias periféricas ao caso concreto, como o conhecimento dos fatos e das consequências, o grau de discernimento exigido para a função exercida e a presença de possíveis escusas, como a longa repetitio e a existência de pareceres embasados na técnica e na razão" 21 . Rechaça-se a culpa como elemento subjetivo para o enriquecimento ilícito, já que a "conduta de auferir vantagem patrimonial indevida em razão da função pública não pode ser fruto de atuação culposa, de negligência, imprudência ou imperícia" 22 . 3. Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário Os tipos que prescrevem prejuízo ao erário estão contidos no art. 10, da Lei nº 8.429/92. Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; 21 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 6 ed. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 331. 22 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade Administrativa e sua Autonomia Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 275. angelica angelica angelica angelica P á g i n a | 23 III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie; IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado; V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado; VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente; IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento; X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público; XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; angelica angelica P á g i n a | 24 XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades. XIV - celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei; (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005) XV - celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei. (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005) A norma do art. 10 caput expõe um tipo aberto que abarca ação ou omissão, dolosa ou culposa que cause lesão ao erário por perda, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação do patrimônio das entidades protegidas. A diretriz do artigo é "fornecida pela compreensão da noção de perda patrimonial, que é o efeito do ato comissivo ou omissivo do agente e se expressa na redução ilícita de valores patrimoniais”23. Aqui também se faz alusão ao caráter exemplificativo dos tipos24. Adverte-se, no entanto, que “na realidade, o que se tem, segundo a linguagem normativa, é uma conduta genérica na cabeça do artigo e padrões específicos da mesma natureza nos incisos, numa relação de especialização e não meramente exemplificativa”. Acaso ocorra prejuízo ao patrimônio público e o comportamento do agente não venha a se adequar a qualquer dos incisos, mas vier a amoldar-se ao caput, essa modalidade de ato de improbidade estará configurada 25 . As condutas especiais dos incisos do art. 10 podem ser agrupadas a partir de dados comuns e que não estão na norma geral e outros que são reflexos de sua 23 JÚNIOR, Wallace Paiva Martins. Probidade Administrativa. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 249. 24 DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade Administrativa. São Paulo: Dialética, 2007. p. 109. JÚNIOR, Wallace Paiva Martins. Probidade Administrativa. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 249. p. 251. 25 BERTONCINI, Mateus. Ato de Improbidade Administrativa: 15 anos da Lei 8.429/1992 São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 202. angelica angelica P á g i n a | 25 especificação, como: a) o enriquecimento ilícito de terceiro (art. 10, I, II, III, XII, XIII); b) as fraudes em licitações (IV, V); c) a desídia na concessão de benefícios e na arrecadação tributária (VII, X) e, d) a gestão irregular de recursos e negócios públicos (VI, IX, XI) 26 . Registra-se controvérsia doutrinária sobre o conceito de lesão ao erário previsto no art. 10, caput. Uma corrente doutrinária afasta a interpretação literal da norma que se refere a "lesão ao erário que enseje perda patrimonial" para reclamar uma interpretação teleológico-sistemática que insere o conjunto de prescrições da própria Lei nº 8.429/91 e a dicção dos artigos1º, 5º, 7º, 8º, 10, 16, 17, § 2º e 21, I. Conclui que a "expressão perda patrimonial, também constante do referido dispositivo, alcança qualquer lesão causada ao patrimônio público, concebido este em sua inteireza" 27 . Com tal interpretação o conceito engloba "não apenas o Tesouro Nacional e os bens públicos, mas também o patrimônio ambiental, histórico, artístico, estético, turístico, etc." 28 . Outra corrente aponta que a diretriz constitucional tem endereço certo para os bens jurídicos tutelados pelo art. 37, § 4º quando menciona erário e a lei "fala em bens ou haveres (art. 10, caput), bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades tuteladas (art. 10, I, II), tributoou renda (art. 10, X), verba pública (art. 10, XI)". 29 A posição restringe o alcance de patrimônio público para situá- lo apenas no plano do conceito de erário com dimensão econômico-financeira dos entes públicos protegidos. O STJ possui jurisprudência cristalizada com o entendimento de que o "ato de improbidade administrativa previsto no art. 10 da Lei nº 8.429/92 exige a comprovação do dano ao erário" 30 . Requer-se, assim, a existência de prejuízo patrimonial efetivo, o que se confirma pela necessidade de ressarcimento integral do dano previsto no art. 12, II para o caso do art. 10 e nas demais hipóteses o ressarcimento integral do dano, quando houver 31 . Em que pese a prevalência jurisprudencial dessa posição, é de se registrar que esse entendimento afasta o denominado "dano presumido". Na defesa da lesão presumida pondera-se que "nos casos do art. 10 da Lei nº 8.429/92, assim como do 26 Ibidem, p. 209. 27 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 6 ed. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 310/311. 28 SARMENTO, George. Improbidade Administrativa. Porto Alegre: Síntese, 2002. p. 92. 29 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade Administrativa e sua Autonomia Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 258. 30 REsp 1151884/SC, Rel. Min. Castro Meira. 31 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 6 ed. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 309. angelica angelica angelica angelica angelica angelica P á g i n a | 26 art. 4º da lei nº 4.717/65, há presunção de lesividade, competindo ao agente público a prova da regular aplicação do dinheiro público em face da ausência de formalidades no empenho das verbas públicas. Nesse sentido, conforme determinação do inciso I do art. 21 da LIA, não será necessário a demonstração efetiva do prejuízo sofrido pelo erário, sendo este presumido" 32 . No STJ a orientação jurisprudencial é de exigir-se o dano efetivo 33 , tendo havido divergência pela manutenção do dano presumido. 34 Refletindo questionamento já realizado no tocante à necessidade de avaliação do ato administrativo em que ocorrida a imputada improbidade para certificar de sua efetiva ocorrência, nas tipificações do art. 10, e seus incisos, registram-se posições doutrinárias a atestar que todas “traduzem ilegalidade ou desvio de finalidade do ato administrativo, implicando prejuízo ao patrimônio”35 e de que "não é possível afastar a nota da ilegalidade dos atos praticados no exercício da função pública, claramente configurada em todos os tipos. Não há aqui possibilidade de improbidade sem cometimento de ilegalidade no exercício da atividade funcional" 36 . No elemento subjetivo a conduta para se enquadrar no art. 10 e seus incisos pode ser dolosa ou culposa. Dentre as três espécies de atos de improbidade administrativa somente os que provoquem lesão ao erário admitem a conduta culposa para autorizar a sanção. É que o "despreparo para o cargo, o desleixo com a coisa pública, a conivência com os desmandos de superiores hierárquicos ou a desídia na gestão dos recursos estatais fazem com que o funcionário, no exercício de suas atribuições, provoque 32 JÚNIOR, Wallace Paiva Martins. Probidade Administrativa. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 252. 33 REsp 1038777/SP, Rel. Min. Luiz Fux. "O elemento subjetivo é essencial à caracterização da improbidade administrativa, sendo certo, ainda, que a tipificação da lesão ao patrimônio público (art. 10, caput, da Lei 8429/92) exige a prova de sua ocorrência, mercê da impossibilidade de condenação ao ressarcimento ao erário de dano hipotético ou presumido". 34 Destaca-se passagem do voto da Min. Eliana Calmon no REsp nº 621.415 - MG. "De referência à primeira questão, é importante frisar que não se exige, para a configuração do ato de improbidade, a existência de dano ou prejuízo material. Aliás, desde a época em que surgiu no direito brasileiro a ação popular, tenta-se ligar a idéia de prejuízo ou dano à perda do erário, deixando à margem o imenso prejuízo que pode ser causado ao meio ambiente, às artes, à moralidade ou até mesmo ao patrimônio histórico e cultural da nação, nem sempre mensurável em dinheiro. O equivocado raciocínio está hoje inteiramente superado porque na ação civil pública, acertadamente, a expressão ATOS LESIVOS, constante do art. 1º da Lei 4.717/65, (ação popular), foi substituída pela expressão DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS, o que deixa clara a intenção político-legislativa de sancionar não somente os atos danosos aos cofres públicos, mas também as improbidades geradoras de danos imateriais, visto que tais atos atingem a moralidade, requisito que hoje está explicitado na Constituição Federal como princípio da administração pública. Assim, é possível haver lesão presumida, na medida em que a moralidade passou a ser, por princípio, dever do administrador e direito público subjetivo. Esse entendimento encontrava respaldo em julgados desta Corte, mas hoje há consenso, diante da prevalência de julgado recente na Seção, quanto à necessidade imperiosa de prova da lesão. Sobre esse entendimento guardo reserva". 35 SARMENTO, George. Improbidade Administrativa. Porto Alegre: Síntese, 2002. p. 92. 36 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade Administrativa e sua Autonomia Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 260. angelica angelica angelica angelica angelica angelica angelica P á g i n a | 27 prejuízos ao erário" 37 . A da culpa como elemento subjetivo para ato ímprobo recebe algumas contestações. Uma primeira do próprio papel do legislador na concretização do comando constitucional para dizer-se que foi além do que deveria com ofensa à proporcionalidade e à razoabilidade pela inclusão da culpa 38 e uma segunda para afirmar-se que "não se pode conceber a ideia de que alguém atue com desonestidade ou de maneira corrupta, com desvio de caráter, simplesmente por negligência, imprudência ou imperícia, que são modalidades culposas" 39 . A Lei 12.813/2013, em seus artigos 5º e 6º, tipifica novas condutas capazes de caracterizar atos de improbidade administrativa, em especial situações que configuram conflito de interesses envolvendo ocupantes de cargo ou emprego no âmbito do Poder Executivo federal e, também, aqueles que violam impedimentos posteriores ao exercício do cargo ou emprego. As condutas, embora tipificadas para aqueles que atuam ou atuaram no âmbito do Poder Executivo Federal, podem ser utilizadas para o enquadramento de outros agentes nos tipos abertos do caput dos artigos 9º e 10 da Lei n. 8.429/1992 (texto atualizado em 25/07/2013). A Lei 12.846, de 1º de agosto de 2013, dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. A responsabilização judicial por ilícitos previstos nesta nova lei será processada sob a luz da Lei n. 7.347/1985 ( Lei da Ação Civil Pública) e não afeta os processos de responsabilização e aplicação de penalidades decorrentes de: I - ato de improbidade administrativa nos termos da Lei n o 8.429, de 2 de junho de 1992; e II - atos ilícitos alcançados pela Lei n o 8.666, de 21 de junho de 1993, ou outras normas de licitações e contratos da administração pública, inclusive no tocante ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC instituído pela Lei n o 12.462, de 4 de agosto de 2011. 4. Atos que Atentam Contra os Princípiosda Administração 37 SARMENTO, George. Improbidade Administrativa. Porto Alegre: Síntese, 2002. p. 92. 38 FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade Administrativa: comentários à Lei nº 8.429/92 e legislação complementar. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 82. 39 FIGUEIREDO, Isabela Giglio. Improbidade Administrativa - dolo e Culpa. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 127. angelica angelica angelica angelica angelica angelica angelica angelica P á g i n a | 28 Os tipos que prescrevem ofensa aos princípios da administração pública estão contidos no art. 11, da Lei nº 8.429/92. Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo; IV - negar publicidade aos atos oficiais; V - frustrar a licitude de concurso público; VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo; VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço. A norma do art. 11 caput prescreve um tipo aberto que engloba ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. A lei usou da mesma técnica legislativa adotada para os artigos 9º e 10, fixando uma norma geral no caput com especificações de condutas nos incisos, mantendo uma relação de complementação entre elas, ou seja, "o tipo geral (art.11, caput) também exerce a função de tipo subsidiário, porque certa conduta funcional, ilegal, desleal e parcial não tipificada nos incisos poderá ser subsumida na norma indicada” 40 ou exerce a função de norma de reserva, já que "ainda que a conduta não tenha causado danos ao patrimônio público ou acarretado o enriquecimento ilícito do agente, será possível a configuração da improbidade sempre que restar demonstrada a 40 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade Administrativa e sua Autonomia Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 266. angelica angelica angelica P á g i n a | 29 inobservância dos princípios regentes da atividade estatal" 41 . Conjuga-se o dever de observância dos agentes públicos quanto aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade expostos no art. 4º com os deveres que expressam o princípio da moralidade de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições do art. 11. A posição mais corrente é a de que a norma do art. 11 alcança os princípios da administração de modo amplo e não apenas aqueles literalmente citados nos artigos 37, da Constituição Federal e 4º da Lei nº 8.429/92. Declara-se que "o enunciado do art. 11 alude aos princípios administrativos como um todo, não apenas aqueles gravados no art. 37, caput, da Constituição Federal”42 ou que a enumeração legal dos princípios é mera exemplificação, já que revelam de forma ampliada a preocupação com a violação ao princípio da moralidade 43 . Nessa visão, destaca-se que a improbidade fica associada à violação do princípio da juridicidade 44 . Como concretização do princípio da moralidade defende-se que os valores morais devem ser extraídos das pautas de conduta previstas no sistema jurídico, não se aceitando a posição de que as regras morais já juridicizadas estejam fora desse sistema 45 . Em posição similar, com relevantes complementos, assevera-se que o controle de legalidade em sentido estrito e da moralidade efetiva-se no mundo jurídico, vale dizer, controlar "a moralidade significa verificar a adequação dos atos administrativos ao conjunto de princípios explícitos e implícitos presentes na Constituição e na legislação infraconstitucional, notadamente a simetria com o dever de boa administração e com a efetividade do bem comum" 46 . As condutas especiais dos incisos do art. 11 reproduzem especialização do princípio da legalidade (I, II, III, IV, V, VI); também do princípio da eficiência (I, II) e da publicidade (IV) e ainda da moralidade dependendo do caso em apreciação 47 . A conduta para se enquadrar nos referenciados atos de improbidade não precisa causar 41 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 6ª ed. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 318. 42 JÚNIOR, Waldo Fazzio. Improbidade Administrativa. São Paulo: Atlas, 2012. p. 300. 43 JÚNIOR, Wallace Paiva Martins. Probidade Administrativa. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 283. 44 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 6ª ed. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 318. 45 FIGUEIREDO, Marcelo. O controle da Moralidade na Constituição. 1ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 100. 46 SARMENTO, George. Improbidade Administrativa. Porto Alegre: Síntese, 2002. p. 117. 47 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 6ª ed. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 318. angelica angelica angelica angelica P á g i n a | 30 dano ao erário 48 . As condutas do art. 11 e seus incisos exigem a consciência da ilicitude, o dolo, que na interpretação do STJ é o dolo genérico ou sem fim específico. 49 A abertura expressa no tipo geral e nos incisos do art. 11 da Lei nº 8.429/92 e a desnecessidade para sua incidência de enriquecimento ilícito ou dano ao erário, abre amplo espectro para a sanção por improbidade e traz à tona a delicada questão da equiparação da ilegalidade à improbidade 50 . O STJ tem expressado a interpretação de que a "Lei nº 8.429/92 visa a resguardar os princípios da administração pública sob o prisma do combate à corrupção, da imoralidade qualificada e da grave desonestidade funcional, não se coadunando com a punição de meras irregularidades administrativas ou transgressões disciplinares, as quais possuem foro disciplinar adequado para processo e julgamento" 51 . Para a caracterização das condutas típicas que representam ofensa aos princípios é necessário o exame do ato administrativo onde se deve identificar a ofensa à legalidade ou juridicidade para integração da norma sancionatória (art. 11, I, II, III, IV, V, VI, VII). Não merece recepção a crítica de que a postura do legislador tem que ser analítica e precisa na definição dos tipos e nem a que afasta a adoção da norma em branco 52 . O legislador utilizou-se de técnica legislativa em que a indeterminação da norma geral está em sintonia com a indeterminação da regra constitucional sancionatória cuja "comprovação da ilegalidade da conduta assegura a 48 "...evidencia não ser o dano aos cofres públicos elemento essencial das condutas ímprobas descritas nos incisos dos arts. 9º e 11 da Lei 9.429/92". REsp 604151/RS, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki. 49 " ...o elemento subjetivo, necessário à configuração de improbidade administrativa censurada nos termos do art. 11 da Lei 8.429/1992, é o dolo genérico de realizar conduta que atente contra
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