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DISCIPLINA: ARQUITETURA E PREVENÇÃO DO CRIME AULA 1 Prof. Marcelo Trevisan Karpinski 2 CONVERSA INICIAL Eu sou o professor Marcelo e esta é a rota de aprendizagem da disciplina de Arquitetura e Prevenção do Crime. O conteúdo da disciplina está dividido em seis aulas e cada aula em cinco temas, os quais facilitarão o seu aprendizado. Nesta primeira aula, conversaremos sobre a relação entre as cidades e o crime. Verificaremos a importância de as pessoas estarem presentes nas ruas e como é possível despertar o interesse para que as ruas sejam frequentadas o máximo de tempo por transeuntes, principalmente. O que pode ocorrer quando não temos a devida utilização das cidades? Resposta: surge a monotonia, que pode levar à maior suscetibilidade ao crime e à chamada Síndrome da Violência Urbana – estudaremos este problema também. TEMA 1 – AS PESSOAS NAS RUAS DAS CIDADES Nossos ancestrais viveram como nômades até descobrirem as práticas agrícolas e domesticadoras de animais. Com o passar do tempo, surgiram as primeiras comunidades de pessoas que foram se organizando para garantirem a segurança e as comodidades da vida em sociedade. As primeiras trocas de produtos entre as pessoas logo tomaram como ponto de encontro as praças do mercado, geralmente nos pequenos centros próximos às igrejas, dando início às noções de comércio. A criação das cidades foi justificada por necessidades como: morar, trabalhar, negociar, passear e viver. Essas necessidades e a melhor forma de supri-las, são observadas nos ambientes públicos e semipúblicos, quando as pessoas estão nas ruas das cidades, movimentando-se e relacionando-se. As ruas são elementos fundamentais das cidades e, para que sejam utilizadas, devem estar adequadas às necessidades das pessoas. A obrigação de trânsito pela calçada, local da rua destinado aos transeuntes, não deve ser o único motivador para as pessoas estarem nos ambientes externos. As ruas no sentido amplo de ambiente externo, também compreendidas como calçadas, praças e parques, devem ser atrativas e geradoras de diversidade de atividades 3 que supram as necessidades das pessoas e sejam, inclusive, prazerosas de se estar. Conforme ensina Jacobs (2011), “... é a necessidade que as cidades têm de uma diversidade de usos mais complexa e densa, que propicie entre eles uma sustentação mútua e constante, tanto econômica quanto social. Os componentes dessa diversidade podem diferir muito, mas devem complementar- se concretamente.” No entanto, o que ocorre se não existirem pessoas utilizando as cidades? Ocorre o começo da depredação, do abandono e, com isso, a possível chegada do crime acompanhado da violência em todas as suas formas de manifestação. Para que as pessoas estejam nas ruas é necessário, portanto, que se sintam seguras, sem medo. “Todos precisam transitar pelas ruas” (Jacobs, 2011). TEMA 2 – A GRANDE PRAGA DA MONOTONIA Essa expressão, criada por Jacobs, nos remete a pensar em uma rua, um bairro ou uma cidade sem “vida”, ou seja, sem a presença de pessoas transitando. O que pode conduzir a essa condição é a falta de atividades interessantes ou necessárias às pessoas. As monotonias, como podemos deduzir, levam um ambiente a tornar-se desinteressante e até mesmo perigoso, pois a falta de ocupação de um local pode atrair a presença de desocupados e criminosos. Para que isso não ocorra, Jacobs (2011) sugere novamente a presença maciça de pessoas nas ruas. Nos períodos noturnos a questão da falta de iluminação é fator importante para que a monotonia e a insegurança se instalem. O conforto e a segurança gerados por ruas bem iluminadas proporcionam a estada tranquila de pessoas nos ambientes externos durante períodos noturnos, seja deslocando para suas atividades obrigatórias, seja praticando atividades físicas, passeando e divertindo-se. 4 Contudo, a escuridão, ou a falta de luz à noite, não é a maior responsável pela Grande Praga da Monotonia, conforme prega Jacobs. As luzes propiciam o aumento do número de olhos nas ruas, as pessoas sentem-se mais à vontade para transitar. Não há que se contestar a importância da iluminação, porém a autora frisa que os olhos e os cérebros atrás dos olhos são as ferramentas mais importantes no combate à violência e à insegurança. A iluminação adequada, juntamente com a oferta de diversas atividades, combaterá a Grande Praga da Monotonia, mas por si só não resolverá totalmente o problema. TEMA 3 – CONDIÇÕES PARA A DIVERSIDADE URBANA Já estudamos que para uma cidade se manter viva é necessário que as pessoas estejam ocupando seus espaços. Ao transitar pelas ruas, as pessoas promovem a segurança, transformando-se em um agente de segurança da coletividade. Para que isso aconteça é fundamental que as ruas sejam atraentes, bem como ofereçam atividades interessantes que levem as pessoas a desejarem estar circulando. A pergunta que podemos nos fazer é: como gerar esse ambiente positivo? A melhor maneira, segundo Jacobs, é construindo um ambiente plural em relação aos atrativos, e a isso a autora (2011, p. 165) chamou de “diversidade exuberante”, dizendo que há quatro condições para gerá-la: 1. O distrito, e sem dúvida o maior número possível de segmentos que o compõe, deve atender a mais de uma função principal; de preferência, a mais de duas. Estas devem garantir a presença de pessoas que saiam de casa em horários diferentes e estejam nos lugares por motivos diferentes, mas sejam capazes de utilizar boa parte da infraestrutura. 2. A maioria das quadras deve ser curta; ou seja, as ruas e as oportunidades de virar esquinas devem ser frequentes. 3. O distrito deve ter uma combinação de edifícios com idades e estados de conservação variados, e incluir boa porcentagem de prédios antigos, de modo a gerar rendimento econômico variado. Essa mistura deve ser bem compacta. 4. Deve haver densidade suficiente alta de pessoas, sejam quais forem seus propósitos. Isso inclui alta concentração de pessoas cujo propósito é morar lá. 5 O processo de decadência de um bairro e até mesmo de uma cidade pode começar a se instalar quando falta uma dessas quatro condições geradoras de diversidade. A combinação de todas é necessária para que a diversidade urbana mantenha o interesse das pessoas pelo bairro ou pela cidade, não permitindo que ela se transforme em simples “dormitório” após a jornada de trabalho. TEMA 4 – CRIME E SUSCETIBILIDADE AO CRIME O processo de decadência pode se instalar no bairro e na cidade de maneira geral. Bondaruk (2007, p. 41) leciona que Esta decadência começa a dar lugar a um aspecto de desolação e abandono, que gera a temida desordem percebida, grande fomentadora da criminalidade, pois cria uma mentalidade local de descaso, desrespeito, omissão e libertinagem. Esta será sucedida pelo aumento de pequenos delitos no início e depois de crimes maiores. O autor descreve o que mais tememos em relação às cidades: a insegurança gerada pela presença do crime ou do que pode ser até mais cruel, o medo do crime. A sensação de insegurança torna diversas pessoas prisioneiras de suas próprias casas. Na pesquisa realizada nos anos 1980, em cidades norte-americanas, Bayley e Skolnick (2006, p. 15) dizem que os cidadãos estão Assustados e preocupados, parece que estamos presos em um ambiente semelhante a um hospício, cercados de violência e ameaças imprevisíveis. Não estamos apenas aterrorizados, mas também impotentes.Nenhum dos órgãos do sistema de justiça penal – e muito menos a polícia –, criados supostamente para nos proteger, parece eficaz. Bayley e Skolnick buscavam ideias, mas de mais interessante revelaram que o aumento do investimento financeiro não reduz necessariamente o índice de criminalidade, pouco adiantam mais policiais, carros de polícia e armas. Ainda, os mesmos pesquisadores (2006, p. 20) acrescentam: “Os estudos indicam claramente que a proteção deve ser fornecida pelos próprios cidadãos, e que a ajuda destes é fundamental ....” 6 O esvaziamento das ruas do bairro vai dando espaço ao que Bondaruk (2007, p 41) chamou de rede de “... ‘controle social’ pelo crime e o medo do crime.” O medo de sermos vítimas de qualquer crime é terrível, porém o medo também nos faz cautelosos e nos protege. O que pode ser prejudicial a nós é o excesso de confiança, assim como, inclusive, o excesso de medo, que pode nos imobilizar. TEMA 5 – SÍNDROME DA VIOLÊNCIA URBANA O exagero da mídia em algumas notícias acaba por deturpar a realidade dos fatos em alguns casos. Essas notícias, muitas vezes sensacionalistas destroem o sentimento de segurança, alterando o comportamento diário das pessoas. A divulgação equivocada pela mídia pode causar na psique de muitas pessoas um temor excessivo. Mesmo que distantes do fato ocorrido, tais pessoas sentem receio de serem vítimas de fatos semelhantes. A expressão “Síndrome da Violência Urbana” é utilizada para descrever esse medo do crime, que surge como uma reação emocional relativa à exploração inadequada, principalmente pela televisão, dos atentados contra as pessoas, sejam eles de menor ou maior repercussão, sejam perto ou não das pessoas (Valla, 2012). Na Síndrome da Violência Urbana, o medo do crime pode ocorrer de maneira genérica, ou seja, difusa, sendo alastrado de forma equivocada e desnecessária para muitos lugares. O medo difuso trata-se de “achismos” baseados em informações difusas, as quais não estão necessariamente ligadas àquela localidade ou comunidade. Por sua vez, o medo concreto do crime se estabelece quando há real possibilidade de o cidadão ser vitimado. 7 NA PRÁTICA Durante uma semana assista aos telejornais. Faça anotações relativas aos possíveis crimes que são noticiados: qual o tipo de crime; em que local foram praticados; o bairro; o horário etc. Depois de coletados os dados, faça uma análise em relação aos locais, quais suas características? E nos locais onde você mora e trabalha, pergunte: qual é a relação entre “medo difuso” e “medo concreto”? Nos ambientes onde eu estou presente, o que é real e o que não é quando o assunto é crime ou violência? SÍNTESE Neste primeiro encontro, como ocorrerá nos próximos, procuramos ressaltar alguns aspectos fundamentais em relação às cidades e à necessidade de mantê-las “vivas”. Analisamos a cidade sob a ótica de quem necessita da convivência em comunidade para satisfazer suas necessidades básicas, ou seja, os seres humanos. Necessidades como: morar, trabalhar, negociar, passear e viver. As ruas foram apresentadas como elementos fundamentais das cidades. Além disso, falamos que quando estas estão adequadas às necessidades, quando as calçadas estão em condições de uso e quando a iluminação é boa, a “Grande Praga da Monotonia” é afastada, seja de dia, seja à noite. Ambientes monótonos tornam-se desinteressantes e até mesmo perigosos, propiciando a presença de pessoas desocupadas e criminosas. Algo importante que também frisamos é que os olhos e os cérebros atrás dos olhos são as ferramentas mais relevantes no combate à violência e à insegurança. Pessoas transitando pelas ruas aumentam potencialmente a sensação de segurança de todos os demais, há a sensação de que o ambiente se torna positivo, alegre e convidativo. E a melhor maneira de promover esse ambiente positivo é com a construção do que Jacobs (2011, p. 165) chamou de “diversidade exuberante”. 8 Sem a presença da diversidade, o processo de decadência pode se instalar, levando ao aumento de pequenos delitos, no início, e, depois, de crimes maiores. Conforme estudamos, somente o investimento financeiro não pode ser capaz de eliminar o crime ou o medo dele; carros de polícia, armas ou mesmo a força policial não serão capazes de conter esses problemas sem o auxílio dos próprios cidadãos O sentimento de segurança ou a falta dela pode alterar significativamente o comportamento diário das pessoas. Quando a mídia divulga alguma notícia, de forma equivocada, pode causar excessivo medo na população. Para explicar tal fenômeno, foi criada a expressão “Síndrome da Violência Urbana”, que é utilizada para descrever o medo do crime. Na Síndrome da Violência Urbana, temos, de um lado, o conceito de medo difuso, baseado em notícias de fatos isolados e/ou distantes que causam o medo demasiado e desnecessário; e, de outro, temos o conceito de medo concreto, que é aquele real, em que uma pessoa sabe que se transitar por determinada rua onde há tráfico de drogas e/ou assaltos poderá ser uma vítima em potencial. REFERÊNCIAS BONDARUK, R. L. A prevenção do crime através do desenho urbano. Edição do autor. Curitiba: [s.n.], 2015. JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.
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