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1 Sobre as teses Note-se que as quatro possíveis teses foram apresentadas em ordem a apresentar, primeiramente, aquela que dá maior ênfase aos tratados internacionais sobre direitos humanos, até chegar à posição mais tímida das quatro, que equipara tais tratados às leis ordinárias do país. Através do mundo o que se nota é uma tendência no sentido de conferir uma proteção reforçada aos direitos humanos, especialmente por meio da adoção das teses II ou III. Com efeito, consideram os tratados normas supralegais (tese III) a Alemanha, a Colômbia, a Grécia e Guatemala. A Argentina, após uma reforma constitucional realizada em 1994, Equador, El Salvador, Venezuela e Honduras são exemplos de países que adotam a hierarquia constitucional para os tratados (tese II). O Brasil, neste ponto, começa a avançar na proteção aos direitos humanos através do reconhecimento de um status privilegiado dos tratados internacionais apenas recentemente, e mesmo assim, ainda não se sabe ao certo a dimensão da proteção que será reconhecida pelo Judiciário, notadamente pelo seu órgão de cúpula – o Supremo Tribunal Federal (STF). No julgamento do RE 80.004/SE, ocorrido no ano de 1977, ficou decidido que os tratados internacionais podem ser revogados por leis ordinárias federais, o que significa dizer que o Brasil, partir daquele ano, adotou a tese IV (natureza legal) para fins de definir a posição hierárquica de um tratado internacional frente ao direito interno. Não havia, à época, qualquer distinção entre os tratados internacionais sobre direitos humanos e outros tratados internacionais. A Constituição da República de 1988, no entanto, trouxe um dispositivo que contribuiu para uma interpretação mais favorável das normas internacionais que se referissem aos direitos humanos: o parágrafo 2º do artigo 5º, verbis: 2 CRFB/88, art. 5º, § 2º. Os direitos e garantias previstos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Impulsionada pela redação do dispositivo constitucional acima transcrito, boa parte da doutrina brasileira passou a defender que os tratados internacionais que versassem sobre direitos humanos passariam a ter prevalência em face do direito interno. O já falecido internacionalista Celso Duvivier de Albuquerque Mello defendia a tese da supraconstitucionalidade, enquanto autores como Flávia Piovesan e Antonio Augusto Cançado Trindade afirmavam a tese da constitucionalidade dos tratados internacionais sobre direitos humanos. O Ministro do STF (já aposentado) Sepúlveda Pertence, por sua vez, entendia que os tratados internacionais sobre direitos humanos possuiriam staus supralegal. O STF, no entanto, não corroborou com o avançado entendimento doutrinário, e manteve o entendimento segundo o qual os tratados internacionais em geral (ou seja, qualquer que fosse o seu conteúdo) seriam equivalentes às leis ordinárias federais. Os principais argumentos a favor desta tese são os seguintes: a) O artigo 102, III, ‘b’ da Constituição de 1988, ao estabelecer o cabimento do recurso extraordinário sempre que houver a declaração de inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, permite que seja feito o controle de constitucionalidade dos tratados internacionais, o que serve para colocá-los em patamar inferior àquele ocupado pela Constituição; b) O artigo 105, III, ‘a’, também da Constituição de 1988, prevê o cabimento do recurso especial sempre que a decisão recorrida “contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência”. Com isto, ficaria estabelecido o caráter legal dos tratados, na medida 3 em que o STJ não resolve sobre questões de constitucionalidade, colocadas sob a guarda do STF; c) O rigoroso procedimento exigido para a aprovação de uma emenda à Constituição (que consagra o caráter rígido de nosso texto constitucional), estabelecido no art. 60 da CRFB/88, deve ser seguido sempre que se desejar a incorporação de normas com hierarquia constitucional. Os tratados internacionais, porém, não se submetem a este procedimento, sendo incorporados simplesmente com a sua ratificação, pelo Chefe do Executivo, condicionada à prévia aprovação do Congresso Nacional – por maioria simples de votos (art. 84, VIII c/c art. 49, I, ambos da CRFB/88); e d) A dificuldade em se determinar quais tratados versam efetivamente sobre “direitos humanos” e merecem, portanto, receber o status privilegiado no ordenamento jurídico. Por outro lado, os defensores da hierarquia constitucional dos tratados internacionais sobre direitos humanos argumentam que: a) O art. 5º, § 2º da Constituição expressamente atribui a qualidade de direitos fundamentais aos direitos e garantias previstos nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil; e b) A Constituição, em outras passagens, demonstra a prevalência dos direitos humanos, como no art. 1º, III (que consagra a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado brasileiro) e art. 4º, II (que estabelece que o Brasil, em suas relações internacionais, será regido pelo princípio da prevalência dos direitos humanos). O STF acabou resolvendo a discussão, num primeiro momento, favoravelmente à primeira tese (que mantinha os tratados em posição equivalente às leis ordinárias). Este foi o entendimento manifestado no julgamento do HC 72.131, em que se discutia a possibilidade da prisão civil do 4 alienante fiduciário, equiparado à figura do depositário infiel pelo Decreto-Lei 911/69, uma vez que o Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil em 1992 (Decreto 678) só admite a prisão por dívida do devedor de alimentos. O relator do feito, Ministro Moreira Alves, assim sintetizou os argumentos decisivos: Por fim, nada interfere na questão do depositário infiel em matéria de alienação fiduciária a Convenção de San José da Costa Rica, por estabelecer, no § 7º de seu artigo 7º que: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”. Com efeito, é pacífico na jurisprudência desta Corte que os tratados internacionais ingressam em nosso ordenamento jurídico tão somente com força de lei ordinária (o que ficou ainda mais evidente em face de o artigo 105, III, da Constituição que capitula, como caso de recurso especial a ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça como ocorre em relação à lei infraconstitucional, a negativa de vigência a tratado ou a contrariedade a ele), não se lhes aplicando, quando tendo eles integrado nossa ordem jurídica posteriormente à Constituição de 1988, o disposto no artigo 5º, § 2º, pela singela razão de que não se admite emenda constitucional realizada por meio de ratificação de tratado. Sendo, pois, mero dispositivo legal ordinário este § 7º do artigo 7º não pode restringir o alcance das exceções previstas no artigo 5º, LVII, da nossa atual Constituição (e note-se que essas exceções se sobrepõem ao direito fundamental do devedor em não ser suscetível de prisão civil, o que implica em verdadeiro direito fundamental dos credores de dívida alimentar e de depósito convencional ou necessário), até para o efeito de revogar, por interpretação inconstitucional de seu silêncio no sentido de não admitir o que a Constituição brasileira admite expressamente, as normas sobre a prisão civil do depositário infiel, e isso sem ainda se levarem consideração que, sendo o artigo § 7º, § 7º, dessa 5 Convenção norma de caráter geral, não revoga ele o disposto, em legislação especial, como é a relativa à alienação fiduciária em garantia, no tocante à sua disciplina do devedor como depositário necessário, suscetível de prisão civil se se tornar depositário infiel. Este entendimento foi mantido até a aprovação da Emenda Constitucional nº 45/2004, que trouxe uma inovação que torna necessária, mais uma vez, a discussão sobre este tema: o parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição da República: CRFB/88, art. 5º, § 3º. “Os tratados e convenções internacionais que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Houve uma tentativa, pelo Constituinte Derivado, de conciliar as duas principais proposições acerca da situação hierárquica dos tratados sobre direitos humanos no Brasil: de um lado passou-se a possibilitar que eles tenham, efetivamente, status de norma constitucional, como pretendiam alguns autores. De outro, previu-se exatamente o mesmo quórum exigido na a aprovação das emendas à Constituição para sua ratificação, de maneira a superar o argumento do STF, que, baseado na supremacia e rigidez constitucionais, entendera que tais diplomas teriam força legal. Apesar da tentativa de resolver a questão por uma via conciliatória, ainda há problemas não resolvidos e que vêm dividindo a doutrina quanto às suas respostas. Veja algumas questões polêmicas: a) A Emenda Constitucional 45/2004, ao prever a necessidade de aprovação por três quintos dos membros de cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação, não teria dificultado, em vez de 6 ter facilitado, a aprovação de novos tratados internacionais sobre direitos humanos? A resposta para esta indagação só pode ser negativa, mas, para tanto, é necessário aceitar a idéia de que os tratados, quando submetidos à votação no Legislativo, poderão seguir dois trâmites distintos: ou serão votados por maioria simples, hipótese em que não terão hierarquia constitucional, mas apenas legal (ou supralegal), ou então serão submetidos à votação pelo quórum exigido para as emendas, hipótese em que terão força constitucional. É o que determina, por exemplo, o Projeto de Resolução nº 204, de 2005, que visa alterar o Regimento Interno da Câmara dos Deputados. b) Os tratados internacionais aprovados na forma exigida pelo art. 5º, § 3º da CRFB, ou seja, após o advento da EC 45/2004, terão incontestavelmente força de normas constitucionais. No entanto, qual a posição hierárquica ocupada pelos tratados internacionais ratificados pelo Brasil antes da EC 45/2004? Esta indagação se torna mais importante se nos lembrarmos que o Brasil já ratificou os principais tratados sobre direitos humanos existentes no mundo. Para respondê- la, há basicamente três opções. Uma leitura mais conservadora responderá afirmativamente à indagação, afirmando que será necessário que tais tratados sejam submetidos novamente à votação no Congresso Nacional para que adquiram status de normas constitucionais. Dois Ministros do STF, no entanto, já se manifestaram em sentido diverso: Gilmar Mendes, que defende a hierarquia supralegal dos tratados internacionais ratificados antes da EC 45/2004 e Celso de Mello, que atualmente sustenta que os tratados ratificados antes da promulgação da EC 45/2004 já possuem a hierarquia de normas constitucionais.
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