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DISCIPLINA DE DIREITOS HUMANOS ATIVIDADE DISCURSIVA ATIVIDADE: A Teoria do duplo estatuto foi estabelecida a partir de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, referente a um habeas corpus impetrado com objetivando a soltura de indivíduo acusado de receptação ilegal. A prisão do depositário infiel é prevista pela nossa Constituição Federal, contudo, era contrária às disposições da Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada e incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro. Assim, o Supremo Tribunal Federal buscou resolver tal impasse, por meio de tal decisão, a qual se tornou paradigmática para a interpretação e aplicação dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Considerando tal decisão, diga o que é a teoria do duplo estatuto e analise de forma crítica sua repercussão sobre a interpretação e aplicação dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos incorporados ao nosso ordenamento. RESPOSTA: Ao se tratar da Teoria do Duplo Estatuto dos Tratados de Direitos Humanos, é importante situá-la no âmbito do Direito Internacional. Existe um debate doutrinário e jurisprudencial a respeito do status das normas internacionais oriundas dos tratados internacionais que versam sobre direitos humanos. Em suma, a Teoria do Duplo Estatuto dos Tratados de Direitos Humanos atribui caráter supralegal àqueles que forem recepcionados no ordenamento interno mediante o rito comum e status constitucional àqueles recepcionados pelo rito especial. Conforme artigo 2º da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, significa acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica. O conceito, portanto, envolve um acordo de vontades, a necessidade de as partes serem todas sujeitos de Direito Internacional e agirem nessa qualidade, regulamentação pelo Direito Internacional, produção de efeitos com relevância nas relações internacionais, sejam estritos efeitos nessas relações, sejam efeitos nas ordens internas das partes (DIREITONET, 2012). Os Direitos humanos correspondem ao conjunto de valores comuns à humanidade, entendidos individual ou coletivamente, inerentes à natureza humana (MAHLKE, 2017). Em outras palavras, “consistem em um conjunto de direitos considerado indispensável para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade, […] são os direitos essenciais e indispensáveis à vida digna” (RAMOS, 2017). Sendo então inerentes à própria condição humana, e, portanto, inalienáveis e imprescritíveis por princípio, não cabe ao Direito, enquanto ordenamento jurídico das relações sociais, constituí-los, apenas declará-los. Alguns princípios são atribuídos aos direitos humanos, como a historicidade, universalidade, imprescritibilidade, indivisibilidade, inviolabilidade, irrenunciabilidade, complementaridade e inalienabilidade, primando pela sua efetividade. O princípio da universalidade garante que os direitos humanos alcancem todas as pessoas, independente da nacionalidade, cor, raça, crença, opção sexual ou política ou qualquer outro motivo. Os direitos humanos, em suma, se aplicam a todas as pessoas, sem qualquer tipo de discriminação e possuem abrangência territorial universal. Tratando-se então de normas universais, portanto internacionais, é importante entender como os direitos humanos são recepcionados e previstos na Constituição Federal brasileira de 1988 e como são garantidos e aplicados no ordenamento jurídico brasileiro. A Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 102, III, b, que as normas internacionais, em regra, possuem status de lei federal dentro do ordenamento jurídico brasileiro, não havendo grandes controvérsias ou dificuldades em sua aplicação, desde que obedecido o processo regular para a sua internalização (MELO, 2017). No entanto, em razão do seu conteúdo, existe um debate doutrinário e jurisprudencial a respeito do status das normas internacionais oriundas dos tratados internacionais que versam sobre direitos humanos. Em síntese, destacam-se quatro correntes a respeito do assunto: 1) da hierarquia supraconstitucional; 2) da hierarquia constitucional; 3) da hierarquia infraconstitucional, mas supralegal e 4) da paridade hierárquica entre tratado e lei federal (MELO, 2017). Dois momentos no âmbito jurídico são importantes para a compreensão desse embate teórico e para a cognição da jurisprudência vigente. Primeiramente, o entendimento jurisprudencial prevalecente pelo STF desde a década de 1970 até meados da década de 2000, era o de que os tratados internacionais de direitos humanos eram equivalentes à lei ordinária, sustentando a inexistência de previsão legal que atribuísse o mesmo status constitucional a quaisquer tratados. Ou seja, as normas internacionais recepcionadas pelo ordenamento brasileiro equiparavam-se às demais leis (DIREITO DIÁRIO, 2017). O segundo momento se caracteriza quando esse entendimento majoritário é questionado na ocasião do julgamento do HC 72.131/RJ, de 31/10/1995, onde a posição do STF à época, com relação à temática da hierarquia das convenções internacionais, seguia mantida em direção à equiparação das normas internacionais ao status de lei ordinária, conforme ementa: “HABEAS CORPUS – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA – PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR COMO DEPOSITÁRIO INFIEL – Sendo o devedor, na alienação fiduciária em garantia, depositário necessário por força de disposição legal que não desfigura essa caracterização, sua prisão civil, em caso de infidelidade, se enquadra na ressalva contida na parte final do artigo 5º, LXVII, da Constituição de 1988. – Nada interfere na questão do depositário infiel em matéria de alienação fiduciária o disposto no § 7º do artigo 7º da Convenção de San José da Costa Rica. Habeas corpus indeferido, cassada a liminar concedida”.(STF – HC 72131 – RJ – TP – Rel. p/o Ac. Min. Moreira Alves – DJU 01.08.2003 – p.00103)” (DIREITO DIÁRIO, 2017). A lide supracitada colocou em confronto o art. 5º, LXVII, CF/88 e o art. 7º, § 7º do Pacto de São José da Costa Rica ao discutir a prisão civil do depositário infiel, a qual é autorizada pela Carta Magna, mas rechaçada pelo tratado internacional, que só abre exceção para o caso de dívida alimentícia. À época assentou o órgão plenário que, como a Constituição tem valor superior a qualquer tratado internacional, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos não representaria óbice à prisão do devedor que, ao não adimplir as prestações que lhe cabiam e não devolver o bem dado em garantia, passaria a ser considerado depositário infiel. Na ocasião, o Pleno da Corte acordou, por maioria dos votos, que o Pacto de São José da Costa Rica, a despeito de seu conteúdo protetivos de direitos e garantias individuais, equivaleria à legislação ordinária federal. A corrente defensora do status supralegal, por sua vez, espelha-se nas Constituições alemã e francesa que dispõem que as regras gerais do direito internacional público são parte integrante do direito federal, sobrepondo-se então às leis, constituindo fonte direta de direitos e obrigações para os habitantes do território federal. Atualmente, no Brasil, a posição jurisprudencial vigente é de que os tratados ou acordos internacionais, regularmente ratificados ou aprovado, têm autoridade superior às das leis ordinárias (MELO, 2017). Observa-se que o Supremo Tribunal Federal se filiou à inteligência do parágrafo 3º do art. 5º da CF/88, com a edição da Emenda Constitucional nº 45/2004, que traz o seguinte texto: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. (BRASIL, 1988). Com isso, passou a ser expressamente reconhecido o status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos recepcionados internamente pelo rito especial previsto no parágrafo 3º do art. 5º da CF/88.O ponto de partida para essa mudança de entendimento foi o RE 466.343/SP, levado a Plenário em 22/11/2006, no sentido de que o art. 5º, § 3º, oriundo da EC nº 45/2004, teria encerrado as dúvidas quanto à hierarquia normativa das convenções internacionais acerca de direitos humanos, uma vez que foi claro ao determinar que apenas aqueles tratados aprovados sob o rito nele previsto teriam status constitucional, integrando, inclusive, o bloco de constitucionalidade para fins de aferição quanto à adequação de uma norma aos preceitos constitucionais. Até então, toda e qualquer convenção era considerada equivalente à lei ordinária (DIREITO DIÁRIO, 2017). Entretanto, permaneceu o debate em torno da hierarquia a ser atribuída aos tratados de direitos humanos anteriores à referida emenda, bem como aos que não forem recepcionados por meio do rito especial. O STF, no julgamento do Recurso Especial nº 466.343/SP, passou a atribuir caráter supralegal aos tratados internacionais de direitos humanos, anteriores ou posteriores a EC/45, não recepcionados pelo rito especial (art. 5º, ¶3º da CF/88), posicionando-os abaixo das normas constitucionais, mas acima das demais leis ordinárias (MAHLKE, 2017). Em razão desse entendimento, adota-se no Brasil a Teoria do Duplo Estatuto dos Tratados de Direitos Humanos, pois é atribuído caráter supralegal àqueles que forem recepcionados no ordenamento interno mediante o rito comum, e status constitucional àqueles recepcionados pelo rito especial. A discussão do precedente jurisprudencial, cumpre detalhar, mais uma vez, girou em torno do embate entre art. 5º, LXVII, CF/88 e o art. 7º, § 7º do Pacto de São José da Costa Rica, especificamente no que tange à possibilidade de prisão do depositário infiel. Reconhecendo que, à época, todas as convenções sobre direitos humanos haviam sido ratificadas pelo Estado brasileiro antes da introdução do art. 5º, § 3º, o que não autorizaria considerá-las equivalente a emendas constitucionais, o STF, por maioria dos votos, admitiu que a EC nº 45/2004, ao inserir o art. 5º, § 3º, no ordenamento jurídico pátrio, quis conferir aos tratados internacionais de proteção de garantias e direitos individuais um caráter especial, motivo pelo qual não seria coerente considerá-los meramente equiparados à lei ordinária. Assim, por mais que não sejam equivalentes a emendas constitucionais, os documentos internacionais de direitos humanos aprovados sem peculiaridades, seguindo o mesmo trâmite dos tratados comuns, estão hierarquicamente acima da legislação ordinária, o que se convencionou chamar de status supralegal, em razão da relevância da matéria sobre a qual versam. Analisando as consequências da EC 45/2004 para o ordenamento jurídico brasileiro, ao inserir o parágrafo 3°, no art. 5° da CF/88, é possível observar que um dos resultados mais relevantes foi a alteração da hierarquia das normas no plano interno. A tradicional pirâmide kelsiana, aplicada ao direito brasileiro, foi modificada para incluir as normas supralegais entre suas camadas. É nesse contexto que surge o controle de convencionalidade, que tem por finalidade verificar a compatibilidade vertical da norma nacional com os Tratados Internacionais ratificados pelo Estado e vigentes no território nacional. Em outras palavras, o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004 suscitou um novo tipo de controle das normas infraconstitucionais, que é o controle de convencionalidade das leis. Diante disso, entende-se que a produção normativa doméstica conta com um duplo limite vertical material: a) a Constituição e os tratados de direitos humanos; e b) os tratados internacionais comuns em vigor no país (MAHLKE, 2017). Tal situação nos leva à “Teoria do Duplo Controle”, onde temos o controle de convencionalidade que é exercido a título definitivo pelos organismos internacionais; e o controle de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal, uma vez que tais tratados passam a fazer parte do “bloco de constitucionalidade” da Constituição Federal (MAHLKE, 2017). REFERÊNCIAS DIREITO DIÁRIO. Tratados Internacionais de Direitos Humanos no Direito brasileiro: recepção e hierarquia normativa. Disponível em: <https://direitodiario.com.br/tratados-internacionais-direitos-humanosrecepcaohierarquia/>. Acesso em 28 out. 2019. DIREITONET. Tratado Internacional. Disponível em: <https://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/1102/Tratado-Internacional>.Acesso em 28 out. 2019. MAHLKE, Helisane. Direitos humanos. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2017. 200 p. MELO, Adryssa Diniz Ferreira de. Direito internacional. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2017. 200 p.
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