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CCJ0052-WL-B-LC-Metodologia do Parecer Jurídico

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METODOLOGIA DA ESTRUTURA DO PARECER TÉCNICO-FORMAL 
 
 
O professor bem sucedido já não é uma eminência que bombeia 
conhecimento à pressão em receptáculos passivos. [...] É um estudante mais 
velho, ansioso por ajudar os seus colegas mais novos. 
 William Osler 
 
 
FONTE: PALADINO, Valquiria da Cunha (Org.) et al. Teoria e Prática da 
Argumentação Jurídica. 3.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2008. 
 
 
 
 Parecer origina-se do latim vulgar parescere, incoativo de parere, ‘aparecer’ 
(FERREIRA, 1998). Dentre os vários significados dados pelo filólogo, temos que o 
parecer é um juízo ou opinião, “fundamentada sobre determinado assunto, que deve ser 
verossímil, crível, provável”, emitida por especialista ou jurisconsulto, a qual fundada 
em razões de ordem doutrinária e legal, conclui por uma solução, que deve, a seu 
pensamento, ser aplicada ao caso em espécie. Em regra, o parecer técnico é provocado 
por uma consulta, em que se acentuam os pontos controversos da questão, a serem 
esclarecidos pelo parecerista. 
Quando ocorre estar a questão em discussão ou demanda judiciária, constitui praxe, 
sempre que oportuno, a juntada do parecer proferido pelo jurista como peça dos autos, 
pois o parecer é um argumento de prova técnica, quando não contestado pelas partes, 
torna-se argumento de prova concreta, servindo, inicialmente, de ponto de partida, para 
a construção de argumentos. 
A maioria dos pareceres judiciais são de decisões apeladas e o parecerista não 
julga, apenas expõe o fato, analisa, dimensiona, trazendo maiores esclarecimentos sobre 
os pontos controversos, sugerindo uma possível solução para o caso apresentado 
Na primeira instância, o parecer só é solicitado para determinados casos, como: 
curadoria de família, curadoria de massa falida, mandado de segurança e habeas corpus. 
Entretanto, nada impede que uma das partes, satisfazendo interesse particular, solicite a 
juntada de um parecer aos autos. 
 O promotor também atua como parte na ação (autor), quando propõe uma ação 
penal contra um réu criminoso ou, na esfera civil, quando atua na defesa dos interesses 
 2
da sociedade (interesses coletivos afetos a um grupo determinados de pessoas ou 
interesses difusos, isto é, afetos a um grupo indeterminado de pessoas, por 
exemplo:direitos relativos ao consumidor, cidadania, meio ambiente, infância e 
juventude, dentre outros). 
Na instância superior, o promotor emite sempre um parecer, atuando em nome da 
lei, e se o juiz decidir de modo diferente do opinamento do Ministério Público, o 
promotor pode recorrer, caso a matéria lhe seja de grande interesse, cabendo a decisão 
final ao Tribunal Superior. 
O parecer, na verdade, é um documento produzido sob embasamento técnico ou 
jurídico, para que produza efeito esclarecedor e orientador. No plano jurídico, pode ser 
redigido em razão de três situações: Parecer em procedimento processual (ou de ofício), 
Parecer em consulta, Parecer em procedimento administrativo público (DE PLÁCIDO E 
SILVA, 200l). Entretanto, no momento, é do nosso interesse enfocar apenas a estrutura 
formal do Parecer. 
Segundo Rodríguez, há no campo jurídico a superioridade da forma à substância e 
que ambas não podem ser dissociadas na argumentação, pois a forma do discurso 
argumentativo vem a seu conteúdo intrinsecamente ligada. Ensina o teórico: 
 
[...] A forma é um instrumento de garantia para uma série de direitos, substanciais. Não 
resguardada a forma, a substância, o que há de material, raramente seria igualmente 
preservado ou exercido, pois ela dá validade ao ato; [...] mas há um paralelo muito grande 
entre esse valor essencial da forma no direito e a forma na argumentação (2002, p. 158). 
 
Desse modo, fundamento, do latim fundamentum (firmeza, fortalecimento), é a 
palavra que se aplica no mesmo sentido de base ou razão, em que se firmaram as coisas 
ou em que se justificaram as ações. Segundo De Plácido (2001, p. 588), “o fundamento, 
pois, em relação às coisas, mostra-se a própria razão de ser delas. E em relação às ações 
que as legitimam”. Nesse sentido, então, os fundamentos se apresentam como 
fundamento de fato e fundamento de direito, que se exibem razões de ordem jurídica ou 
de fato, conforme se baseiam no Direito ou nas circunstâncias materiais que cercam os 
fatos. 
Nesse mesmo diapasão, ensina Aurélio (1998) que fundamento, do latim 
fundamentum, é a razão justificativa; motivo, ou seja, razões ou argumentos em que se 
fundamenta uma tese, concepção, ponto de vista etc. E que fundamentar é dar o 
fundamento a; documentar, justificar; estabelecer; firmar, alicerçar. Assim, segundo o 
 3
filólogo, fundamento “é aquilo sobre o qual se apoia quer um dado domínio do ser (e, 
então, o fundamento é garantia ou razão do ser), quer uma ordem ou um conjunto de 
conhecimentos (e, então, o fundamento é o conjunto de proposições e de ideias mais 
gerais ou mais simples de onde esses conhecimentos se deduzem)” 
Entretanto, De Plácido (2001) teoriza que qualquer sentido em que seja tomado, 
fundamento exprime sempre a série de circunstâncias que autorizam a prática de um ato, 
mostrando-se jurídico ou de direito, quando fundadas em regras jurídicas, e de fato, 
quando decorrentes de acontecimentos vistos. Fundamento é, pois, o motivo 
determinante e justificativo dos atos jurídicos, em virtude do que eles se autorizam, ou é 
a razão preponderante para a admissão de um pedido ou satisfação de uma pretensão, 
que é julgada procedente. 
Argumento, do latim argumentum, é, por vezes, tomado por extensão no sentido de 
argumentação, que está relacionada a uma solução-problema e é constituída pelo 
conjunto de argumentos mobilizados por uma ou outra parte, quando tal questão é 
debatida, tendo em vista um objetivo particular ou tese. 
Ensina De Plácido (2001, p. 77) no tocante a argumento: 
 
Argumento do latim argumentum, de arguere (convencer, arguir, refutar, 
afirmar, declarar), é vocábulo que se usa para designar o raciocínio ou 
arrazoado, seja escrito ou oral, por meio do qual se quer tirar a consequência 
de uma ou mais proposições, isto é, em virtude do qual se procura provar, 
mostrar ou evidenciar a veracidade, procedência ou exatidão de afirmação 
feita. E assim se diz argumenta afferre (apresentar provas) ou argumenta 
solvere (destruir provas). E se conclui desse modo que o argumento tem a 
finalidade de construir provas ou de destruí-las. 
 
Aurélio (1998) assegura que argumento, do latim argumentum, é o raciocínio pelo 
qual se tira uma consequência ou dedução por meio de indício, vestígio para sustentar 
controvérsias. E que argumentar, do latim argumentare, é apresentar argumentos; 
aduzir os raciocínios que constituem uma argumentação. Tirar ilações; deduzir, 
concluir. 
Diante desse quadro, concluímos que a fundamentação nada mais é do que a 
argumentação propriamente dita, pois ao fundamentar o parecerista não só constroi bons 
raciocínios ou bons argumentos com competência linguística, como também 
externaliza-os e enuncia-os, buscando a persuasão do seu raciocínio próprio, por meio 
de argumentos, já que a fundamentação por si só não se sustenta, tornando-se inócua. 
Daí a necessidade de transformar os fundamentos em argumentos e vice-versa, pois para 
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argumentarmos também precisamos elencar os fatos e transformá-los em argumentos, 
pois quem fundamenta argumenta e quem argumenta fundamenta. 
A nomenclatura fundamentação é usada apenas como forma no direito e nas peças 
jurídicas que buscam a persuasão do raciocínio próprio, ou seja, voltadas para o 
emissor, em opinamentos e atos decisórios, pois se volta para a convicção do julgador,sem necessitar da adesão do receptor (destinatário ou auditório). 
Aliás, é senso comum o fato de não existir em registro algum uma forma oficial para 
apresentação de um parecer; tanto em função processual, incumbida ao Ministério 
Público, como na esfera de voluntário pronunciamento no direito privado e também os 
realizados pela administração pública. 
Entretanto, há recomendações legais (Art. 129, VIII, CFB e na Lei 8. 25/93LONMP) 
de que é dever do Ministério Público sempre indicar os fundamentos jurídicos em seus 
pronunciamentos processuais. Ou seja, nenhum parecer pode deixar de ter fundamentos. 
De modo geral, principalmente, em linha de manifestação nos autos pelo Ministério 
Público, um parecer deve ser estruturado com os seguintes elementos: Identificação, 
Ementa, Fatos (Relatório), Fundamentação, Conclusão e Parte autenticativa. É 
obedecendo a essa estrutura, que trabalharemos aqui a forma do Parecer . 
Para uma produção textual com qualidade dessa peça jurídica, informamos os 
leitores, mais uma vez, da necessidade de obedecer à forma e ao conteúdo de cada um 
desses cinco elementos, já mencionados. Vejamos, agora, cada um deles isoladamente: 
 
EMENTA 
 
A palavra ementa deriva do latim ementa, plural ementum (pensamento, ideia), de e 
mens (juízo, razão, mente), e é aplicada, de modo geral, para indicar toda espécie de 
apontamento ou anotação tomada para lembrança, a fim de que, por aí, se produza 
depois o documento ou escrito, que se quer fazer, ou se execute o ato nela lembrado. 
No sentido administrativo, ementa, às vezes, significa o resumo de qualquer fato 
levado ao conhecimento de uma pessoa, para que por ela execute ou determine o serviço 
aí designado, ou representa, mesmo, uma determinação ou ordem para ser cumprida por 
aquele a quem é dirigida. Mas, em qualquer circunstância, a ementa traz sempre o sentido 
de apontamento ou anotação, para que se execute e se faça o que nela está inscrito. 
Em sentido próprio do Direito, que é nossa área de interesse, ementa significa o 
resumo que se faz dos princípios expostos em uma sentença ou em um acórdão ou o 
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resumo do que se contém numa norma, levado à assinatura da autoridade a quem 
compete referendá-la ou decretá-la. Entretanto, nesse capítulo, o que nos interessa é 
apenas a ementa do parecer. 
 
1) EMENTA DO PARECER 
 
 O parecerista, geralmente, funcionário público, incumbido de dar pareceres, 
apresenta apenas um opinamento sobre o caso concreto, como sugestão ou proposta 
para maior esclarecimento da situação de conflito e, consequentemente, maior 
compreensão para a decisão do julgador. 
Sendo assim, a ementa do parecer não apresenta dispositivo, pelo fato dessa peça 
não ser decisória, mas, sim, um breve resumo técnico do caso concreto em que se 
destacam os nexos de referência (fatos e consequências jurídicas), e o entendimento do 
parecerista em relação à análise feita dos fatos, provas e circunstâncias que compõem o 
caso concreto. A ementa tem, nesse contexto, fora o seu valor intrínseco, porque a 
ementa é parte integrante do parecer, uma função didática, pois sinaliza o entendimento 
do parecerista sobre determinado ponto. 
Entretanto, o parecerista não pode justificar ou explicar na ementa o porquê de ele 
ter chegado àquele opinamento, pois tal procedimento deve constar somente do corpo 
da fundamentação. 
Desse modo, a ementa é um texto meramente informativo, voltado, portanto, para a 
função referencial da linguagem, que, em sua simplicidade, dá conta da completude 
textual necessária para descrever ocorrência e fatos jurídicos, sem apresentar em seu 
bojo a fundamentação. 
Logo, a capacidade de síntese, nesse item, é importantíssima, pois a ementa se 
caracteriza por possuir a informação taquigráfica, por meio de frases nominais e 
palavras-chave, de rápida recuperação para pesquisa de dados, inclusive, quando 
informatizados. 
É importante a elaboração da ementa antes de se passar à produção do texto, porque 
ela obriga o redator a definir claramente o posicionamento, servindo de fio condutor de 
sua exposição. Não podemos apresentar nesse elemento do parecer verbos, conectores, 
nomes próprios de pessoas físicas ou jurídicas, legislação, tipificação do crime e devemos 
registrá-la ao extremo da margem direita, com oito linhas, no máximo, e em forma de 
bloco, conforme exemplos apresentados oportunamente. 
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 Em referência à pontuação, assinalamos que na identificação dos nexos de 
referência/causalidade, que resumem tecnicamente a situação de conflito, usamos 
travessões e a primeira letra de cada palavra, em maiúscula. Já no entendimento do 
texto, que marca o posicionamento do parecerista, segue-se a pontuação gramatical 
normal. 
Registramos que os fatos, provas e circunstâncias a serem analisados pelo 
parecerista devem ser ordenados de forma alinear, isto é, decrescente. Ou seja, inicia-se 
a ementa sempre pelo fato antijurídico – o que gerou a situação de conflito, numa 
situação de gradação – do maior (fato antijurídico ou ilícito) para o menor (fatos 
relevantes que auxiliam a composição do conflito), apresentando as relações de causa e 
consequência entre eles; e, em seguida, o entendimento do parecerista sobre o caso 
concreto analisado, marcando o posicionamento tomado por ele que, logicamente, deve 
estar coerente com a linha de seu entendimento. 
 
Exemplificando: 
 
 Venda de imóvel com cláusula de inalienabilidade. 
Testamento. Herdeiro maior. Conclusão 
universitária Transformação da área de localização 
do imóvel em alta periculosidade. Depreciação do 
bem. Possibilidade de autorização da alienação na 
contrapartida de depósito bancário substituidor. 
Iminência de grandes perdas em espécie.Parecer 
favorável à venda do imóvel. 
 
 
 
 
 
 
2) RELATÓRIO DO PARECER 
 
 O relatório é, exatamente, o relato do que aconteceu e não pode ser uma parte 
prolixa, perdendo-se em minúcias sem importância. Na produção do relatório, 
registramos somente o indispensável, as principais ocorrências e os pontos que deverão 
ser analisados pelo parecerista. Na verdade, prenda-se mais aos fatos e às circunstâncias 
em que eles ocorreram assim como nas evidências das provas ou indícios. 
 Deve ser completo, dando uma visão geral dos fatos relevantes ocorridos e 
possibilitando uma transição lógica e coerente para a fundamentação . Esse elemento do 
 7
texto jurídico deve ser marcado pela isenção, pois aqui ainda não é o momento de o 
parecerista ou similar tomar posição, por isso não é de boa técnica o uso de linguagem 
modalizada. 
 O relatório deve também, assim como todas as outras partes da peça processual, ser 
redigido em linguagem simples, clara, concisa e objetiva, obedecendo, logicamente, à 
modalidade culta da língua, pois terá de ser inteligível e insuscetível de interpretações 
ambíguas ou equívocas, com aproveitamento, quando for oportuno, da palavra técnica, 
do vocabulário jurídico. De bom conselho é evitarem-se períodos muito longos e ordem 
inversa dos termos oracionais que dificultam o entendimento do texto e favorecem erros 
de regência e concordância. 
Devemos nos preocupar também com a estética e harmonia textual – evitando a 
grande desproporção de folhas ou parágrafos entre o relatório e a fundamentação, e com 
a teoria da polidez da linguagem, sem fazermos uso de termos da gíria, a não ser, 
quando de extrema importância, empregados em alguma passagem ou frase transcrita, 
nem termos ofensivos para quaisquer das partes, porque elegância, como sabemos, 
especialmente no redigir, é sinal também de imparcialidade. 
O relatório, a fundamentação e a conclusão devem manter coerência entresi, de 
modo a não haver fundamentação diversa do relatado e conclusão destoante da 
fundamentação apresentada. Como também a conclusão do parecer não pode estar 
destoando do opinamento dado na ementa. 
A ordem cronológica na elaboração do relatório é a mais apropriada, pois, sendo ele 
o elemento narrativo da peça processual jurídica vai trazer o relato dos fatos relevantes 
ocorridos no caso concreto; facilitando, assim, a compreensão da leitura de história 
processual. 
De grande utilidade é a divisão da peça jurídica, com elementos bem delineados: 
ementa, relatório, fundamentação, conclusão, parte autenticativa e, como é de praxe, ao 
final do relatório, constar de (em caixa alta) É O RELATÓRIO; iniciando, a seguir, a 
parte da fundamentação, conforme ensina Oliveira (2001). O relatório é, na verdade, a 
sequência narrativa do histórico de como nasceu a questão em que os fatos são 
expostos, visando a mostrar o referencial sobre o que efetivamente a conclusão do 
parecer vai, ao final, se referir. 
Exemplificando (Acórdão-Relator: Des. Sérgio Cavalieri Filho): 
 
RELATÓRIO 
 8
 
A Casa de Saúde Santa Helena está sendo acusada de provocar a morte do recém-
nascido Alan Marques Amaral, devido à alta hospitalar prematura dada, em 9 de abril de 
1996, no município de São Gonçalo, em Niteroi, Rio de Janeiro. 
Alan Marques Amaral, filho de mãe desnutrida e fumante, nasceu de parto normal, 
com peso inferior ao normal, 1. 800 gramas, com deficiências respiratórias, e 24 horas 
após o seu nascimento, ele e a mãe receberam alta hospitalar. 
Mãe e filho retornaram, oito horas depois, à Casa de Saúde, este quase desfalecido e 
sendo socorrido pelo mesmo médico que o assistiu ao nascer e que, naquele momento, 
lhe introduziu uma sonda nasogástrica. Entretanto, após receber esse atendimento 
hospitalar, a criança veio a falecer de insuficiência respiratória e hemorragia digestiva, 
conforme depoimento de fls. 21 do próprio médico que autorizou a alta, e pelo registro 
de óbito de fls. 7 
De acordo com o depoimento do médico que atendeu Alan, ao nascer, e que lhe 
prestou também atendimento quando este retornou à Casa de Saúde, sempre que uma 
criança nasce com problema, nas 24 horas seguintes ao nascimento, o estabelecimento 
hospitalar transfere o recém-nascido para o berçário patológico para receber o 
tratamento devido e que tal procedimento não foi feito em relação ao Alan Amaral. 
Hamilton da Paixão Amaral e sua mulher, pais do recém-nascido, entraram na Justiça 
contra a Casa de Saúde Santa Helena, solicitando indenização por danos morais e 
patrimoniais. 
A sentença (fls. 30/35) condenou a ré a pagar aos autores indenização por dano 
moral – 100 salários mínimos – despesas com funeral e pensões vincendas, a serem 
apuradas em liquidação, durante nove anos, compreendidos entre os 16 e os 25 anos do 
filho dos autores. 
A Casa de Saúde recorreu sustentando que não existe nos autos prova da culpa do 
estabelecimento hospitalar e aduz não ter a sentença considerado que o recém-nascido é 
filho de mãe desnutrida, fumante, e que esta não fez sequer acompanhamento pré-natal. 
O estabelecimento hospitalar alegou, ainda, que a sentença não considerou a baixa 
situação social-financeira dos pais de Alan, causa principal da mortalidade infantil, e 
que a introdução da sonda não foi a causa da morte da criança. Pede a reforma da 
sentença. 
 É O RELATÓRIO. 
 9
 (2ª Câmara Civil – Apelação Civil nº 1. 217/93 – Relator: Des. Sérgio Cavalieri 
Filho, com adaptações pelo professor. ) 
 
3) FUNDAMENTAÇÃO 
 
O parecer é uma análise que resulta de fatos concretos e dados objetivos. Para que o 
juiz possa reconhecer força persuasiva ao parecer técnico é necessária a exposição dos 
motivos que o determinaram, porquanto, meramente opinativo, convence pela força dos 
fundamentos em que repousa. 
A fundamentação do parecer consiste na análise dos fatos e do direito e da valoração 
do caso concreto, fazendo uma análise técnica ou técnico-jurídica sem abandonar as 
razões já apresentadas, para que possa realizar um opinamento consistente. 
Impõe a técnica jurídica, também, a ordem lógica na fundamentação, devendo o 
parecerista por primeiro conhecer as condições de ação, bem como as questões 
prejudiciais, para, então, finalmente apresentar uma proposta ou sugestão para o caso 
concreto; não podendo deixar de explicar como conseguiu chegar àquela solução, sem 
necessidade, contudo, de fazer uma operação demasiadamente minuciosa em fatos nada 
relevantes para os autos. 
O técnico não pode tender para um dos lados da demanda, pois a atividade dele 
pressupõe retidão, sem concessões com uma das partes ou comprometimento com uma 
delas. Assim, o parecerista deve procurar ser justo, técnico e imparcial, sugerindo uma 
solução clara e completa, de acordo com a análise feita sobre os autos, e com o corpo do 
relatório já apresentado. Deve também ele ficar atento a determinados fatos que podem 
não ter sido bem pesquisados ou apresentados pelas partes em litígio – considerados 
desnecessários – que ponderados cuidadosamente apontam para uma possível solução. 
Na fundamentação, o parecerista explicita, pois, os argumentos (provas, fatos, 
circunstâncias) que sustentam o seu ponto de vista (tese ou conclusão), agasalhando 
todas as hipóteses, utilizando-se de uma linguagem técnica. Além disso, pode fazer uso 
nesse tópico, de recursos polifônicos (Religião, Mídia, Opinião pública, Família, Moral, 
Costumes etc. ), técnicas argumentativas e estratégias discursivas, para tentar enriquecer 
a sua fundamentação e buscar convencimento maior de seu raciocínio próprio. 
A fundamentação é a parte mais importante porque o parecerista dará ali seu 
opinamento, concordando com os fatos ou discordando deles, por isso deve ter sempre 
uma costura com algum ou alguns dispositivos, no sentido de que o raciocínio vá sendo 
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mostrado atreladamente à norma legal. Não existe, na redação do parecer, uma opinião 
livre, subjetiva de seu autor. A lei, a norma são os pontos a que obrigatoriamente terá o 
parecerista de vincular-se para expressar seu entendimento (2ª Câmara Civil – Apelação 
Civil nº 1. 217/93 – Relator: Des. Sérgio Cavalieri Filho, com adaptações pelo 
professor. ) 
 . 
Exemplificando 
 
FUNDAMENTAÇÂO: 
 
Alan Marques Amaral, a infeliz vítima, nasceu de parto normal, mas com peso 
muito inferior ao normal – apenas 1. 800 gramas. Mesmo assim, 24 horas após o parto, 
a vítima e sua mãe tiveram alta hospitalar. Cerca de oito horas mais tarde, Alan 
retornava ao hospital já desfalecido, onde veio a morrer pouco depois por insuficiência 
respiratória e hemorragia digestiva alta. Esses fatos estão comprovados pelo depoimento 
de fls. 21, do próprio médico que autorizou a alta, e pelo registro de óbito de fls. 7. 
Ora, até um leigo é capaz de identificar a relação de causalidade existente entre a 
alta hospitalar prematura e a morte de uma criança nascida com peso muito inferior ao 
normal e com deficiência respiratória. A eventual desnutrição da mãe e da própria 
criança não foi a causa adequada da morte desta última, foi apenas uma concausa 
antecedentetal como a hemofilia, osteoporose etc. – mas que por si só não produziu o 
resultado morte. Inúmeras crianças nascem prematuramente e são salvas. 
O próprio médico que prestou depoimento às fls. 21 informou que, quando alguma 
criança nasce com problema, nas 24 horas seguintes ao nascimento, a clínica transfere o 
recém-nascido para o berçário patológico para receber o tratamento devido. Mas isso 
não foi feito com Alan, o que torna a apelante responsável por sua morte. 
Em face dessequadro, a apelante, por ser prestadora de serviços, deve responder 
objetivamente pela reparação dos danos causados à família, conforme reza nosso 
Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 2º, que enquadra perfeitamente a 
atividade dos estabelecimentos hospitalares, sendo os seus clientes, como destinatários 
finais desses serviços, consumidores por definição legal. 
 Pois bem, o artigo 14 do Código do Consumidor é de clareza solar ao 
responsabilizar o fornecedor de serviços, independentemente de culpa – vale dizer, 
objetivamente – pela reparação à prestação dos serviços. Desse modo, provada a relação 
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de causalidade entre o serviço defeituoso e o dano, responde o fornecedor 
independentemente de culpa, à luz da legislação que protege o consumidor. 
Mesmo que assim não o fosse, a culpa dos prepostos da apelante resultou 
plenamente configurada na modalidade de negligência e imperícia, negligência porque 
não foram capazes de detectar as deficiências físicas de Alan, mormente respiratórias, a 
despeito de ter nascido com peso muito inferior ao normal, filho de mãe desnutrida (fls. 
21), imperícia porque a hemorragia digestiva, apontada na certidão de óbito de fls. 7, 
como uma das causas da morte da vítima, foi provocada pela introdução da sonda 
nasogástrica (fls. 21, in fine). 
Ressalta-se que, nesses casos, os pais só devem fazer jus à indenização pelo dano 
moral, de acordo com a mais atual doutrina e jurisprudência, pois não sofreram nenhum 
prejuízo econômico, só moral. 
Na realidade, o que se indeniza em casos tais é a dor e o sofrimento dos pais pela 
morte do filho menor, já que não existe dano patrimonial indenizável com filho menor, 
antes de idade de trabalho. 
 
4) CONCLUSÃO 
 
Na conclusão, o parecerista apresenta uma proposta ou sugestão para a solução do 
caso concreto que será apreciada pelo juiz e pelas partes atuantes. Ou seja, neste 
momento, o parecerista apresenta o resultado de sua análise e, nela, estabelece sua 
proposta de entendimento. 
As únicas formas verbais aceitas na conclusão do parecer são: sugere-se, propõe-se, 
opina-se, recomenda-se, pois parecerista não julga nem solicita ou pede coisa alguma, 
apenas analisa o caso concreto e apresenta um opinamento que poderá ser aceito total, 
parcial ou até rejeitado pelo julgador. 
 
Exemplificando 
 
Em face ao exposto, propõe-se que seja excluída a indenização por dano patrimonial 
e sugere-se a indenização por dano moral como também as despesas com o funeral. 
 
5) PARTE AUTENTICATIVA 
 
 12
Ao final do parecer, o parecerista precisa assiná-lo, datá-lo e, se possível, informar 
o órgão do qual ele fizer parte e/ou até o registro da OAB, se for o caso. 
 
9. 5 ESTRUTURA FORMAL DO PARECER 
 
PARECER 
2 linhas 
I – EMENTA 
 1 linha 
 
 
 
2 linhas 
 
II-RELATÓRIO 
1 linha 
 
 
 É O RELATÓRIO. 
2 linhas 
 
III-FUNDAMENTAÇÃO 
 1 linha 
 
 
 
2 linhas 
 
IV-CONCLUSÃO 
1 linha 
 
 
2 linhas 
 
V- PARTE AUTENTICATIVA 
 
 
 
Data 
Assinatura 
Órgão 
 
 
 
 
 
 
 
 13
 
9. 6 SUGESTÕES DE PARECER 
 
 
 
 
PARECER 1 
 
 
I) EMENTA 
Suspensão do fornecimento de água- Exposição do 
usuário ao ridículo- Autoridade coatora- Obrigação no 
fornecimento de serviços adequados.Serviço essencial à 
dignidade do cidadão. Corte ilegal no fornecimento de 
água como obrigação do cidadão para quitação da sua 
dívida. Existência no Poder Público de meios cabíveis 
para a cobrança dos débitos dos usuários. Parecer 
favorável à religação da água. 
 
 
II) RELATÓRIO 
 
 
O pescador Ademar Manoel Pereira morava com a família, em julho 2004, em um 
barraco de madeira que incendiou e todos os móveis foram destruídos, não podendo 
nada ser recuperado. E, por isso, devido às dificuldades financeiras, atrasou o 
pagamento das contas de água à CASAN (Companhia Catarinense de Águas e 
Saneamento). 
Conforme afirmou Marlene Teixeira Pereira, esposa do pescador, ela foi ao 
escritório da companhia para pedir o parcelamento da dívida, pois não teriam condições 
de pagar a quantia à vista, porque o marido estava reconstruindo a casa com a ajuda da 
comunidade local, e não poderia a sua família ficar sem água. 
Entretanto, o representante da CASAN negou o pedido de Marlene Pereira e a 
companhia cortou o fornecimento de água devido ao atraso de pagamento por parte do 
usuário, em dezembro de 2004. 
O pescador, que hoje trabalha na Prefeitura de Piçarras (SC), onde recebe um salário 
de 400 reais, entrou com mandado de segurança em face da empresa. 
A primeira instância acolheu o pedido de Ademar Manoel. 
 14
A CASAN, então, apelou ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina, alegando que o 
fornecimento de água constitui serviço remunerado por tarifa, e que deve ser permitida 
sua interrupção no caso de não pagamento das contas. 
 
 É O RELATÓRIO. 
 
 
III) FUNDAMENTAÇÃO 
 
 O fornecimento da água não pode ser interrompido por inadimplência, pois, por se 
tratar de serviço público fundamental, é essencial e vital ao ser humano, não podendo, 
assim, ser suspenso pelo atraso no pagamento das respectivas tarifas, já que o Poder 
Público dispõe dos meios cabíveis para a cobrança dos débitos dos usuários. 
 A Companhia Catarinense de Águas cometeu, grosso modo, um ato reprovável, 
desumano e ilegal. É ela obrigada a fornecer água à população de maneira adequada, 
eficiente, segura e contínua e, em caso de atraso por parte do usuário, não poderia ter 
cortado o seu fornecimento, expondo o consumidor ao ridículo e ao constrangimento, 
casos previstos, inclusive, no Código de Defesa do Consumidor. 
 É fato que o art. 42 do CDC não permite, na cobrança de débitos, que o devedor 
seja exposto ao ridículo, nem que seja submetido a qualquer tipo de constrangimento ou 
ameaça. Embora a CASAN alegue que o fornecimento de água constitui serviço 
remunerado por tarifa, e que deve ser permitida sua interrupção no caso de não 
pagamento das contas, ela deve usar os meios legais próprios, não podendo fazer justiça 
privada porque hoje se vive no império da lei, e os litígios são compostos pelo Poder 
Judiciário, e não pelo particular. 
 A água é bem essencial e indispensável à saúde e higiene da população. Seu 
fornecimento é serviço público indispensável, subordinado aos princípios da 
continuidade, sendo impossível, pois, a sua interrupção e muito menos por atraso no seu 
pagamento. 
 Primeiramente, resta evidente que o fornecimento de serviços água 
encanada em áreas urbanas, é considerado serviço público essencial, assim definido pela 
Lei 7. 783 de 28. 6. 89. Como todo e qualquer serviço público, o fornecimento de água 
está sujeito a cinco requisitos básicos: a) eficiência; b) generalidade; c) cortesia; d) 
modicidade e finalmente e) permanência. 
 15
 A permanência, principalmente no que tange aos serviços públicos 
essenciais, está ainda sedimentada no artigo 22 "caput - in fine"do Código de Defesa do 
Consumidor: "Art. 22: Os órgão públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, 
permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a 
fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quando essenciais, contínuos" (grifo 
nosso) 
 Assim, resta como evidente que o serviço de fornecimento de água, por ser 
essencial, não pode ser interrompido sobre qualquer pretexto. Evidentemente, que a 
empresa concessionária pode utilizar-se de todos os meiosjuridicamente permitidos 
para fazer valer seu direto de receber pelos serviços prestados. 
 A requerida como concessionária dos serviços de fornecimento de água encanada 
a população, explora na verdade um serviço público essencial à dignidade humana, 
posto que ligada diretamente a saúde e ao lazer. 
 Aliás, a dignidade da pessoa humana, encontra-se entre os princípios 
fundamentais de nossa Nação, como se encontra insculpida no artigo 1º, inciso III, da 
Constituição Federal. E mais, o artigo 6º da Carta Magna, reconhece que a saúde e o 
lazer são direitos sociais assegurados a todos os cidadãos e que incumbem ao Estado 
conforme se vê do artigo 196 da Constituição Federal, in verbis: "A saúde é direito de 
todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à 
redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às 
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". A matéria novamente foi 
referendada pelo CDC na primeira parte do inciso I do artigo 6º: "Artigo 6º - São 
Direitos básicos do consumidor: I - a proteção à vida, à saúde....” 
 Não pode desta forma a requerida, como concessionária de serviços 
públicos de fornecimento de água encanada, proceder a cortes, a fim de coagir a 
requerente ao pagamento, já que se trata, o seu fornecimento, de um dos direitos 
integrantes da cidadania. 
 Se não houve o pagamento, incumbe à empresa concessionária do serviço 
adotar providências que a lei lhe assegura para efetuar a cobrança do que lhe é devido. 
O que não se pode admitir nem permitir, é a absurda exceção concedida a estas 
empresas para que procedam à margem da lei e do judiciário, realizando sua própria 
justiça, "Manu militari". 
Portanto, o inadimplemento quanto ao pagamento da taxa de água não dá à 
concessionária o direito de suspender o fornecimento, como forma de compelir o 
 16
usuário a pagar a dívida. Tal conduta extrapola os limites da legalidade, existindo, como 
já se sabe, outros meios para buscar o adimplemento do débito. 
 
 
IV) CONCLUSÃO 
 
 Em face do exposto, sugere-se o não-acolhimento do pedido da Companhia 
Catarinense de Águas e à religação da água e cobrança pelas vias adequadas para 
recebimento de pagamentos em atrasos 
 . 
 
V) PARTE AUTENTICATIVA 
 
Niterói, 17 de agosto de 2008. 
Assinatura do parecerista 
Titulação do parecerista 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 17
 
 
 
 
 
 
PARECER 2 
 
 
 
 
 
 
 
I) EMENTA 
 
 
 Venda de imóvel. Cláusula de inalienabilidade. 
Testamento. Herdeiro maior. Conclusão 
universitária. Transformação da área do imóvel em 
alta periculosidade. Excesso de criminalidade. 
Depreciação do bem. Possibilidade de autorização 
da alienação na contrapartida de depósito bancário 
substituidor..Parecer favorável à quebra da 
cláusula e venda do bem patrimonial. 
 
 
 
 
II) RELATÓRIO 
 
João Paulo Soares é herdeiro de um imóvel deixado por seu tio materno, sob 
testamento com cláusula condicionada, impedindo sua alienação temporária até que o 
herdeiro complete 25 anos e que tenha concluído curso superior. 
Ocorre que João Paulo Soares ainda não atingiu a idadecondição, estando com 21 
anos completos, e cursando ainda Economia, e o referido imóvel, apartamento de dois 
quartos em prédio de escadas, está situado em cercanias identificadas como região de 
constante e crescente criminalidade e periculosidade, causa de acelerada depreciação. 
Devidamente provado nos autos, não apenas com sequência de fotos, mas também 
por avaliação técnica sobre a região em que se acha o imóvel, postulou o agravante a 
venda do bem, em face da desvalorização decorrente, devendo a importância ser 
 18
depositada em banco para liberação, até que se efetivem as condições testamentárias 
estabelecidas. 
A pretensão do agravante foi indeferida pelo julgador de primeiro grau, sob o 
fundamento de que o Código Civil, por seu artigo 1. 676, torna nulo ato judicial que não 
considere cláusula de inalienabilidade. 
 
 É O RELATÓRIO. 
 
 
III) FUNDAMENTAÇÃO 
 
A escritura testamentária, com condição de cláusula de inalienabilidade por tempo 
até que o herdeiro adquira maioridade determinada e após conclusão de curso superior, 
não deve ser analisada como impossibilidade de autorização de alienação na 
contrapartida de depósito bancário, uma vez que o agravante, João Paulo Soares, tem 
como intenção apenas salvaguardar o valor patrimonial, recebido de herança, 
apresentando sempre lisura e boa-fé em seu pedido. Logo, tal situação deve ser 
valorada e julgada não só pela lei fria, pois trata-se de um fato atípico. 
A pretensão, negada sentencialmente, não infringe o escopo do artigo da lei 
substantiva, pois, em verdade, operacionalizar-se-á inversão financeiro-patrimonial. O 
efeito da cláusula testamentária tem por objeto a salvaguarda do patrimônio como valor 
e substância de riqueza e não propriamente o imóvel em si, protegendo o que ele 
representa de patrimônio. 
Portanto, não ocorre violação do artigo 1. 676 do CC; pois a alienação do imóvel, 
com depósito do valor, não alterará o patrimônio, logo ele estará continuadamente 
garantido, sob nova forma. 
E, analogicamente, pode-se citar os efeitos do artigo 1. 648 do mesmo diploma em 
que é dado ao Juiz o poder de suprir outorga para que se aliene um bem de casal em que 
um dos cônjuges, sem razão objetiva, denegue sua autorização. 
O caso não se encerra no regramento do artigo 1. 911, pois a inalienabilidade se 
aplica essencialmente ao patrimônio e não especificamente ao apartamento em questão, 
cujo valor se deteriora em razão de sua localização em contexto social problemático. 
No direcionamento da proteção patrimonial do apelante e de sua futura família, cita-
se a palavra abalizada do especialista Melhim Chalhub (2003, p. 58) que observa: 
 19
“Registre-se, por relevante, a garantia do direito individual de propriedade, 
considerados os bens necessários à garantia da subsistência do indivíduo e sua família”. 
Embora o sentido sentencial pretendesse impedir a quebra da cláusula de 
inalienabilidade sob a égide do artigo 1. 911 do CC, infere-se do caso em tela uma 
situação de anomalia que vem depreciando o valor de um patrimônio, a cuja titularidade 
o agravante atingirá, uma vez vencida a obrigação testamentária, logo considerando-se 
os fatos e as circunstâncias apresentadas, não há ilegalidade na quebra da cláusula em 
questão. 
Em verdade, na ocorrência da inversão financeira do patrimônio legado pretendida, 
convolando-o em espécie, que corretivamente evitará que se deteriore, não haverá 
desatendimento à intenção do testador; ao contrário, preservar-se-á o patrimônio como 
bem deixado ante sua desvalorização circunstancial. 
 
 
 
IV) CONCLUSÃO 
 
 Em face do exposto, sugere-se a quebra da cláusula de inalienabilidade. 
 
V) PARTE AUTENTICATIVA 
 
Niterói, 17 de agosto de 2008. 
Assinatura do parecerista 
Titulação do parecerista 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 20
 
 PARECER 3 
 
 
I- EMENTA 
Acidente de carro. Menor. Perda de sangue. Necessidade de 
transfusão. Não autorização dos pais. Motivos religiosos. 
Direito à vida. Liberdade religiosa. Ponderação de valores. 
Paciente incapaz, sem possibilidade de autorização judicial. 
Prática médica obrigatória na imposição do tratamento.Parecer 
favorável à realização de transfusão no menor. 
 
II-RELATÓRIO 
 
 Lorena Pereira, 38 anos de idade, Paulo Pereira, 40 anos de idade, Rua X, na e 
Pedro Pereira, x, 8 anos de idade, todos domiciliados na Rua Barata Ribeiro, nº 67, em 
Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro, sofreram um grave acidente de carro, 
enquanto viajavam para Angra dos Reis, em 10 de março de 2010. 
 Em consequência do acidente, Pedro Pereira, o filho do casal, ficou preso nos 
escombros do carro. Após alguns minutos, a ambulância chegou e o menor foi retirado 
dos escombros pelos médicos, encontrando-se em estado grave. O casal, porém, saiu 
ileso do acidente. 
 O menor foi levado para o Hospital Municipal de Angra dos Reis onde foi 
examinado pelo médico Dr. Paulo Rainho de Menezes que constatou hemorragia 
generalizada e, consequentemente, que o menor precisaria de uma transfusão de grande 
quantidade de sangue. Os pais do menor não autorizaram a transfusão de sangue por 
motivos religiosos o que levou o menor a falecer em decorrência de hemorragia 
generalizada algumas horas depois. 
 É O RELATÓRIO. 
 
 
III- FUNDAMENTAÇÃO 
 
 21
 Os princípios constitucionais tem como objetivo a criação de deveres 
inderrogáveis do poder público. No caso concreto em ponderação estamos diante do 
Princípio da Dignidade da vida Humana e do Princípio de Unidade da Constituição. 
 O Princípio da Dignidade Humana é uma dos princípios fundamentais do estado 
brasileiro e está consagrado no artigo 1º, inciso III, da Constituição da República 
Federativa do Brasil de 1988. 
 O princípio de Unidade de Constituição, de acordo com Luiz Roberto Barroso, é 
uma especificação de interpretação da Constituição de acordo com qual temos o dever 
de harmonizar as tensões e contradições entre normas jurídicas, inclusive na própria 
Constituição. Assim a interpretação deve promover uma concordância prática entre os 
bens jurídicos, garantindo ao máximo a preservação de cada um. (BARROSO, Luiz 
Roberto; Direito Constitucional Contemporâneo, São Paulo, Saraiva, 2009, p 302 e 
303). Isto implica que devemos fazer uma ponderação de valores em cada caso 
concreto. 
 O caso concreto nos confronta com um conflito de direitos fundamentais. De um 
lado o direito absoluto à vida, diretamente ligada ao Princípio da Dignidade Humana, 
consagrado no direito pátrio no artigo 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, e do 
outro lado a liberdade religiosa, consagrado no artigo 5º, inciso VI, da Constituição 
Federal de 1988. 
 De acordo com o Parecer Jurídico de Manoel Gonçalves, em caso de conflito de 
direitos fundamentais, a pessoa, titular de ambos, deve escolher qual deles prevalece 
(FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. “Questões Constitucionais e legais referentes 
a tratamento médico sem transfusão de sangue”. Parecer. São Paulo, 24 de outubro de 
1994., p.21). Nessa mesma linha de raciocínio, Luis Roberto Barroso, em seu parecer 
sobre a legitimidade de recusa de transfusão de sangue, ensina-nos que é intrínseca à 
dignidade humana a responsabilidade por sua própria vida por meio dos seus valores e 
objetos que se manifesta como a autonomia da pessoa. Assim a liberdade religiosa se 
integra na autonomia da pessoa e não cabe ao Estado avaliar o mérito da escolha da 
pessoa, a não ser para defender os direitos dos outros. Para ele, se o titular do direito à 
vida manifesta, de forma válida, a recusa a transfusão de sangue, essa recusa é legitima, 
e o Estado não pode impor o tratamento. (BARROSO, LUIS ROBERTO; 
“Legitimidade da recusa de transfusão de sangue por testemunhas de Jeová. Dignidade 
Humana, Liberdade Religiosa e escolhas existenciais”; Rio de Janeiro 2010. paginas 1 a 
42). Entretanto, esse não é o nosso caso em estudo, visto que o paciente era incapaz. 
 22
 Pois bem, em caso de conflitos de direitos fundamentais, deve-se fazer uma 
ponderação de valores, pois não há uma hierarquia entre os direitos fundamentais. 
Deve-se também verificar se não existe uma contradição e esta contradição existe no 
caso concreto em tela. A vida é um bem jurídico indisponível, porém, ao se aceitar que 
os pais, por motivo religioso, podem levar a vida do menor a falecer, por não intervir e 
fazer a transfusão de sangue, a vida torna-se um bem disponível, desde que o menor seja 
absolutamente incapaz. 
 A Convenção Americana de Direitos humanos tem uma forma clara de resolução 
deste conflito. No seu artigo 4º declara que “Toda pessoa tem direito de que se respeite 
sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da 
concepção.” E, depois, sobre a liberdade de religião, diz o seguinte em seu artigo 12 
parágrafo segundo: “A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças 
está sujeita unicamente às limitações prescritas pela lei e que sejam necessárias para 
proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos ou liberdades 
das demais pessoas.” 
 Ora, o crime de homicídio admite a forma comissivo por omissão, nos casos 
quando venha a falecer aquele que está sob a guarda do agente garantidor. Declara o 
Código Penal ser omisso quem deixa de prestar socorro quando possível prestar-lhe sem 
risco pessoal. Aplicada no caso concreto, é claro que, por omissão dolosa dos pais, o 
menor veio a falecer. Assim, se enquadrando diretamente no dispositivo da convenção. 
 Vale também, mencionar o artigo 9º do Código Processual Civil que diz que, se os 
interesses do representante legal colidem com os interesses do incapaz, o que ocorreu 
com certeza no caso concreto, o juiz deve designar um curador especial para este 
incapaz. 
 De acordo com o tribunal de São Paulo, “Acusadas que em nome de seita religiosa 
e das orientações nela recebidas deixam de permitir transfusão de sangue em menor, 
possibilitando a consumação da omissão de socorro e da periclitação de vida, praticam 
em tese os delitos dos artigos 132 e 135 do Código Penal” (Habeas Corpus no 
184.642/5, julgado em 30.08.1989, 9a Câmara, relator: Marrey Neto, RJDTACRIM 
7/175). 
 Tendo o Estado o dever de garantir a vida de todos, é de clareza solar que o médico 
poderia ter ignorado a religião dos pais, pois sabia que o menor iria falecer se não 
houvesse a transfusão de sangue. Como diz o artigo 6º do Código de Ética Médica, o 
médico deve guardar o absoluto respeito à vida humana, sempre agindo pelo bem do 
 23
paciente. De acordo com a jurisprudência, “uma vez comprovado efetivo perigo de vida 
para a vítima, não cometeria delito nenhum o médico que, mesmo contrariando a 
vontade expressa dos por ela responsáveis, à mesma tivesse ministrado transfusão de 
sangue. ” (Habeas Corpus no 184.642/5, julgado em 30.08.1989, 9a Câmara, relator: 
Marrey Neto, RJDTACRIM 7/175). Neste caso, o médico age em estrito cumprimento 
de dever legal. (Apelação Cível no 264.210-1- Suzano, 6a Câmara de Direito Privado, 
relator: Testa Marchi- 01.08.96-V.U. São Paulo). 
 
 Nos casos futuros, podem-se discriminar 4 (quatro) casos distintos: 
1. Quando há perigo iminente à vida. Neste caso claramente prevalece o direito à vida e 
a obrigação do médico de salvar o paciente, e se o paciente for incapaz de expressar a 
sua própria vontade de forma válida; deve o médico agir e fazer a transfusão. 
2. Quando há risco de vida iminente, mas o paciente é capaz e pode expressar a sua 
vontade de forma válida, deve o médico abster-se de impor o tratamento. 
3. Quando há perigo à vida, mas sem este perigo ser iminente, o médico deve pedir 
autorização judicial para fazer o tratamento.4. Quando existe terapia alternativa e não há risco de vida, deverá o médico aplicar este 
terapia alternativa. 
 
IV- CONCLUSÃO 
 
 Diante do exposto, se há perigo iminente de vida, sugere-se que é dever do médico 
de fazer o tratamento, mesmo sendo contra a vontade do seu representante legal; se este 
vier a agir por motivos de religião. Se o paciente for capaz e não ter tempo para pedir 
autorização judicial, deve o médico se abster de impor o tratamento. Quando se trata de 
risco de vida, mas não há urgência, o médico deve pedir autorização da justiça para 
fazer o tratamento necessário. Quando não há risco de vida e se existe tratamento 
alternativo, o médico deve optar por este último. 
 
V- PARTE AUTENTICATIVA Data 
 Assinatura do Parecerista 
 Órgão 
 
 
 24
 
REFERÊNCIAS 
 
 
BINENBOJM , Gustavo. Disponível neste site: 
http://pt.scribd.com/doc/49149221/VISTO-PARECER-GUSTAVO-TRANSFUSAO-
DE-SANGUE-TESTEMUNHA-DE-J-3; acesso em 23 de julho de 2011. 
 
PALADINO, Valquiria da Cunha (Org.) et al. Teoria e Prática da Argumentação 
Jurídica. 3.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2008.

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