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Rev. Bras. Fisiot. V oi. I, No. I (1996) 13-20 © Associação Brasileira de Fisioterapia Análise Biomecânica da Ativação das Porções Superficiais do M. Quadríceps F em oral durante Contrações Excêntrica e Concêntrica R.C. Araujo e A.C. Arnadio Laboratório de Biomecânica, Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo, Av. Prof Mello Moraes 65, Cidade Universitária, 05508-900 São Paulo- SP, Brasil, e-mail: rcaraujo@usp.br Recebimento: 28.12.95; Aceitação: 1.3.96 Resumo. O presente trabalho apresenta uma análise biomecânica do m.quadríceps femoral, utilizando para isso aná- lise eletromiográfica de seus ventres superficiais, juntamente com a análise eletrogoniométrica, que permitiram, por cál- culos realizados a posteriori, a determinação da velocidade angular. Com esse procedimento foi possível realizar uma comparação da atividade desse grupo muscular em dois movimentos distintos, exemplares de contração excêntrica e con- cêntrica, segundo a variação angular, sendo que os movimentos foram executados em três velocidades distintas. Para esse estudo, foram avaliados três indivíduos voluntários do sexo masculino, saudáveis e de mesma faixa etária, sendo adquiridos os dados no membro inferior direito, lado dominante para todos eles. A técnica de colocação dos eletrodos foi idêntica para ambos os movimentos, nos pontos motores dos referidos ventres musculares. Os resultados encontrados evidenciam uma diferença considerável de tempo de ativação dos ventres, segundo a velocidade e o tipo de contração muscular. Para a con- tração excêntrica, o m.vasto mediallongitudinal entra em atividade precocemente, cerca de 400 ms em relação aos demais, e os ventres dispostos lateralmente foram os últimos a serem ativados. Para a contração concêntrica, esse mesmo compor- tamento não foi encontrado, uma vez que as diferenças de tempo de ativação muscular não foram consistentes com o tipo de movimento, bem como da velocidade angular. Embora a compreensão dessa diferença de tempo de ativação segundo o tipo de movimento não tenha se efetivado, os resultados desse trabalho serviram para mostrar como os sistemas de controle do movimento interagem de maneira complexa com as forças mecânicas que atingem o aparelho locomotor. Palavras-chave: biomecânica, eletromiografia, m. quadríceps femoral Abstract. The present work presents a biomechanical analysis o f the quadriceps femoris, using an electromyogra- phic analysis oftheir superficial bellies, synchronized with an electrogoniometric analysis, which, through calculations car- ried out a posteriori, allowed the determination o f the angular velocity. With this procedure it was possible to compare the activity ofthis muscular group in two distinct movements, samples ofexcentric and concentric contraction, according to the angular variation, with the movements executed at three distinct velocities. For this study three healthy males in the same age group were evaluated, collecting the data from theirright inferior limb, the dominant si de for ali ofthe volunteers. The technique for the placement ofthe electrodes wás identical for both movements, being in the motor points ofthe above- mentioned muscules. The· results show a considerable difference in the time o f activation ofthe bellies, according to the velocity and type o f muscular contraction. For the excentric contraction, the vastus medialis muscle precociously enters into activity, about 400 ms in relation to the others, and the laterally arranged bellies were the last to be activated. For the concentric concentration, this same behavior was not found, since the time differences for the muscular activation were not consistent with the type.ofmovement, nor with the angular velocity. While the understanding ofthis difference in activa- tion time according to the type ofmovement is not complete, the results ofthis work served to show how the systems of movement contrai interact in a complex manner with the mechanical forces which affect the locomotive apparatus. Keywords: biomechanical, electromyography, quadriceps femoris . ·- 13 Introdução O m.quadríceps femoral é constituído por quatro múscu- los: um profundamente situado, que é o m_vasto intermédio e outros três superficiais, o m.vasto lateral (VL), o m. reto femo- ral (RF) e o m.vasto mediai, subdividi_do em m.vasto mediai longitudinal (VML) e m.vasto mediai oblíquo (VMO), sendo que em relação a essas quatro porções a literatura especializada Te! I Fax: 011-818-3184 14 Araujo & Amadio Rev. Bras. Fisiot. tem demonstrado para um mesmo movimento diferenças teóri- cas em suas respectivas funções 1•2. O fato de haver vários músculos responsáveis por um mesmo movimento tem interessado a comunidade científica, que procura compreender como os músculos são ativados, ou em que fase cada um participa mais que seus sinergistas. Me- lhor entendida, essa questão poderia trazer importantes contri- buições para a fisioterapia, já que o recrutamento maior de um músculo específico em relação a seus sinergistas constituiu-se numa base teórica para a terapia de disfunções articulares cau- sadas por desequilíbrios de força ou de ativação musculares. Na fisioterapia, essa questão tem sido investigada particular- mente nos músculos relacionados à articulação do joelho3•4, talvez por evidências de que várias patologias têm como ori- gem desequilíbrios das forças internas ( desalinhamentos da pa- tela, por exemplo) ou surgem como conseqüência delas, ou ainda por causa da maior facilidade de análise do movimento nessa região, circundada por músculos relativamente grandes. Várias técnicas fisioterápicas também têm sido propostas para a ativação seletiva de um grupo muscular, como tipos especiais de exercícios, biofeedback eletromiográfico, estimulação elé- trica, entre outros3. Outra questão que tem sido levantada ao longo dos anos é como os músculos distribuem a carga para um movimento ar- ticular, especialmente se um deles tem mais de uma função5•6. Supõe-se que essa distribuição da carga para os músculos acon- teça em função do movimento, da variação angular e da fre- qüência com que a contração ocorre. A biomecânica baseia-se Cinemetria Dinamometria Posição e orientação Forças externas dos e segmentos corporais distribuição de pressão ~~ ----- Modelo l Forças de gravitação Energia mecânica Inércia na utilização de procedimentos de medição que permitem a obtenção de diferentes parâmetros do movimento humano5, como representado na Fig. I. O desenvolvimento da informáti- ca permitiu que todos esses procedimentos biomecânicos fos- sem analisados simultaneamente5, de forma que a biomecânica desenvolveu-se significativamente, nestes últimos 20 anos. Conforme demonstrado na Fig. 1, a determinação de for- ças internas somente é possível a partir do desenvolvimento de modelos cujos parâmetros do movimento são fornecidos pelos procedimentos biomecânicos básicos de medição: a cineme- tria, a dinamometria, a antropometria e a eletromiografia. A de- terminação de forças internas é complexa e considerada uma tendência da biomecânica atual. Portanto, as questões de ori- gem básica ou aplicada que buscam a compreensão do movi- mento e suas disfunções, bem como a análise de métodos de tratamento dos desequilíbrios musculares, encontram-se na de- pendência da determinação de forças internas, determinação esta que só agora tem se desenvolvido. Os estudos científicos que abordam a problemática ainda são escassos na literatura especializada, demonstrando uma la- cuna metodológica na compreensão da distribuição da ativida- de muscular do m.quadríceps femoral em suas quatro porções superficiais, dadas as diferentes funções que esses músculos podem desempenhar 7. Para uma melhor compreensão dessa questão, esse estudo foi desenvolvido utilizando os seguintes movimentosselecio- nados: agachamento por flexão dos joelhos e extensão da perna na posição sentada, ambos em três freqüências diferentes, para Antropometria EMG Parâmetros para o Atividade muscular modelo corporal ~/ Modelo l Momentos líquidos e forças internas Figura 1. Diagrama ilustrativo das distintas áreas para análise biomecânica do movimento humano e suas complexas interações segundo Baumann8. V oi. I, No. I, 1996 Análise Biomecânica da Ativação do M.Quadriceps Femoral 15 avaliar a distribuição de atividade das porções superficiais do m.quadríceps femoral durante sua contração excêntrica e con- cêntrica, objetivando caracterizar padrões de ativação muscu- lar segundo o tipo de contração. Material e Métodos Amostra O estudo foi feito em três adultos voluntários do sexo masculino com idades de 27, 28 e 31 anos. Como já descrito, o estudo foi desenvolvido observando-se o movimento de aga- chamento por flexão dos joelhos em três freqüências distintas. Procurou-se analisar a freqüência máxima (a), que pode variar muito segundo as características de cada indivíduo, e freqüên- cias menores impostas a cada indivíduo por treinamento prévio (b = 69 bpm, média e c= 50 bpm, baixa), controladas com au- xílio de marcador de ritmo para movimentos repetidos (metrô- nomo), com o propósito de avaliar a distribuição de atividade do m.quadríceps femoral durante sua contração no movimento selecionado. Então, cada um dos indivíduos realizou uma série de três movimentos em cada uma das três freqüências para cada um dos tipos de movimento, totalizando 54 aquisições de dados nos diferentes testes experimentais. Eletromiografia Um eletromiógrafo ETK 90JC/4K-d60 de quatro canais foi utilizado para a aquisição do sinal dos músculos seleciona- dos. O registro do sinal eletromiográfico foi do tipo retificado, ou seja, a partir do sinal original elevam-se os valores ao qua- drado e calcula-se a média da raiz quadrada desse valor9. Foram utilizados eletrodos de superficie do tipo bipolar, colocados sobre o ponto motor de cada um dos ventres muscu- lares selecionados para a presente análise: RF, VL, VML e VMO. Essa técnica de colocação dos eletrodos mostrou-se a menos sujeita a erros sistemáticos, conforme estudo anterior- mente realizado 10. Os eletrodos foram fixados junto à pele por meio de uma fita adesiva de dupla face, internamente, sendo outra fita adesiva usada externamente ao eletrodo para melho- rar a fixação junto à pele. Para a determinação do ponto motor, foi utilizado um ge- rador de pulsos elétricos (Omni Pulsi-901 Quark) e dois eletro- dos de estimulação: um passivo, em forma de placa, foi colocado na região lombar ou esternal, respectivamente no caso do músculo encontrar-se posterior ou anteriormente situ- ado; o segundo eletrodo, em forma de caneta, era o ativo, des- lizando pelo ventre do músculo em busca da localização do ponto motor. A técnica de localização do ponto motor adotada foi a mesma sugerida por Dainty e Norman 11 . Após a seleção dos locais onde foram colocados os eletrodos, os pontos moto- res; foi feita uma raspagem da pele com uso de uma lixa suave e aplicação de éter sulfúrico, para remoção da camada sebácea da pele e conseqüente diminuição da resistência cutânea. Figura 2. Representação do eletrogoniômetro colocado na articulação do joe- lho, como utilizado no experimento 5. Eletrogoniometria Essa técnica permite o registro da variação angular contí- nua e automaticamente através de potenciômetros, que são dis- positivos destinados à medição da variação da tensão elétrica. Assim, pode-se utilizá-los como transdutores das rotações efe- tuadas pelas articulações, em sincronia com o sinal eletromio- gráfico. Então, a variação angular da articulação do joelho foi medida por meio de um eletrogoniômetro planar construído com um potênciometro BOURNS, tipo 65345-001-502, com li- nearidade de ável e com saídas para processamento analógico- digital (A/D). A calibragem do sistema apresentou uma lineari- dade entre o valor analógico de tensão e a grandeza de medida em 99,7%. Tal potênciometro encontra-se conectado a duas hastes de material plástico de 25 em de comprimento e 1 em de largura, as quais servem como meio de fixação do potenciôme- tro próximo ao eixo estimado do movimento articular. Nesse caso, então, uma haste foi fixada na coxa e a outra na perna dos indivíduos, por meio de fitas elásticas. Uma representação es- quemática do eletrogoniômetro pode ser vista na Fig. 2. Assim como outros instrumentos de medição, essa técni~ ca apresenta certas limitações devido à dificuldade na determi- nação externa do ponto anatômico que representa o eixo articular e à perturbação no padrão natural do movimento, pela necessidade de transporte de cabos e equipamentos 12. Como sistema de referência, foi adotado que na extensão completa do joelho o ângulo medido pelo eletrogoniômetro se- ria de 0°, como sugerido pela American Academy of Ortho- paedic Surgeons 13 , sendo que esse valor aumenta em função da flexão desta articulação. Aquisição dos dados A sincronização dos registros eletromiográficos e eletro- goniométricos foi possível pelo fato de ambos os sistemas de 16 Araujo & Amadio Rev. Bras. Fisiot. medição serem gerenciados por uma mesma fonte de controle de dados (placa de conversão A/De programa de gerenciarpen- to e coleta de dados). A velocidade do feixe foi de 500Hz, e a coleta experimental foi interfaceada por um conversor A/D de 1 O bits para transferência de dados experimentais para um mi- crocomputador PC 386, no qual o software Aqdados (Lynx Eletrônica), permitiu a aquisição, o gerenciamento, a análise e o armazenamento de dados. Este procedimento foi necessário para que obtivéssemos uma relação de dependência maior entre as variáveis, uma melhor calibração dos sistemas de medição e uma minimização do erro na coleta dos dados. Para o movimento de agachamento, foi analisada a fase excêntrica do movimento, isto é, o intervalo durante a flexão do joelho, enquanto para o movimento de extensão da perna na posição sentada foi analisada a fase concêntrica. Utilizou-se como critério de determinação do início do movimento o ins- tante de inflexão da curva de deslocamento angular, no mo- mento de máximo valor. O instante da inflexão foi determinado como parâmetro referencial para a comparação dos resultados inter e intra-individual nos diferentes testes observados, con- forme protocolo experimental. O tempo para o qual a curva da velocidade angular apresentava valor diferente de zero também pôde ser usado como critério para o início do movimento. Resultados Pelas figuras anexas podemos observar as característi- cas, no comportamento comparativo diferencial, ds quatro por- ções do m.quadríceps femoral (RF, VL, VML e VMO) em relação ao tempo de ativação ou velocidade de recrutamento, variação angular e características de dependência entre essas funções. Demonstra-se, assim, como esses músculos distribu- em a carga, a partir do padrão de ativação neuromuscular, para esse movimento articular observado para as três freqüências do movimento. A importância dessa verificação fica enalteci- da por apresentar múltiplas aplicações para a análise de movi- mento. Movimento de agachamento por flexão das pernas: contração excêntrica De maneira exemplar apresentamos na Fig. 3 os resulta- dos experimentais para um dos sujeitos de nossa amostra. De acordo com o protocolo experimental, temos a atividade eletro- miográfica das quatro porções do músculo analisado, junta- mente com a atividade eletrogoniométrica; representando a variação angular do joelho durante o movimento de agacha- mento e sua primeira derivada: a velocidade angular, determi- nada a posteriori. Note-se a diferença no traçado eletromiográfico entre essesquatro músculos, evidenciando nas três velocidades maior ativação do VML e menor atividade do VL. Além disso, pode ser observado um retardo de 453 ms em média (considerando as três velocidades) na ativação do VL em relação aos demais e uma aparente pré"ativação do VML. Pode-se observar também uma diferença de cerca de 59,33 VL. A ~ISO "' ~100 o 50 "3 OI) o c <<( ~ ti OI) E IJ.l B c o o - -ângulo --velocidade ~ "' L---\----:;;:tf:--T---;ft;i----j500 ~ o ~ ~~--~~~---_, ~ --.h-rr-- -500 'g --4!ffil.-lffill--._._-- vmo ~ ······vi 2 3 4 Tempo (s) - -ângulo --velocidade 2 3 4 Tempo (s) . ~- ~ ---.- ... ----- w.--.- ------------.-------.-------------.--.-- 1------rf o 2 3 4 Tempo(s) Figura 3. Resultado experimental com freqüência de niovimento A, B e C. Re- gistro do comportamento eletromiográfico param. vasto mediai oblíquo (vmo ), m.vasto mediai (vm), m.reto femoral (rf) e m.vasto lateral (vi), da variação e velocidade angulares na articulação do joelho, em contração excêntrica. V oi. I, No. I, 1996 Análise Biomecânica da Ativação do M.Quadriceps Femoral 17 ~ U} '-' o 1,0- @' 0,5- ~ 0,0- Ó' ,, (~.-5: {_l~l-:- (• .'. ,,, ú '.) o:, o 20 vi vm r f v mo X X o o I 40 60 80 100 120 140 160 Ângulo (graus) Figura 4. Distribuição dos valores temporais em função do ângulo de início de ativação muscular, independente da freqüência de movimento, para a contração excêntrica. Ainda na Fig. 3, deve-se considerar uma significativa di- ferença de tempo entre o início de movimento e a ativação de um ou mais músculos desse grupo. O início do movimento foi definido como o instante seguinte ao de velocidade diferente de zero (Fig. 3, curva superior- escala demonstrada no eixo verti- cal direito do gráfico). Em algumas situações, o primeiro mús- culo ativado entra em ação cerca de 400 ms após o início do movimento. O comportamento diferenciado de cada músculo, segun- do a freqüência, pode ser verificado na Fig. 5. Na freqüência máxima A, observamos que não existe distinção clara entre os tempos de ativação (5.1) e os ângulos em que os músculos são ativados (5.2) para nenhuma das quatro porções do m.quadri- ceps femoral. Assim, os quatro músculos parecem ser ativados num mesmo intervalo de tempo. Por outro lado, na freqüência mais baixa, C = 50 bpm, verifica-se maior diferenciação entre os tempos e ângulos de ativação do que na freqüência média, B = 69 bpm, apresentando portanto intervalos distintos para cada um destes músculos. Na Fig. 6, podemos verificar a distribuição dos valores experimentais sem distinção da freqüência do movimento ana- lisado. Verifica-se que cada músculo ocupa uma região especí- fica do gráfico, como um indício das especificidades quanto a variação angular e tempo de ativação muscular, denotando mais uma vez a ativação prévia dos componentes mediais (VML e VMO), seguidos pelo RF e pelo VL. Na freqüência mais alta, tanto o tempo de ativação quanto o ângulo de ativação são muito semelhantes para qualquer um dos ventres estudados. É possível observar uma diferenciação entre parte mediai e lateral dom. quadriceps femoral, como ob- servado na Fig. 4. Para o VML e VMO, o ângulo de ativação varia de aproximadamente 15° até 60°, ao passo que os outros dois músculos foram ativados num intervalo de 60° até 130°. 1.0 ~ ~ o c. E 0.5 ~ 1 )} I J A a X b o c 0.0 -+---,---.---,---.---,---,---,,...---l 120 i 100 ~ 80 I V> ª ~ o 60 "3 on <:: <<( 40 20 o 2 Músculo i I 2 Músculo f 1 I 4 A a )( b o 4 Figura S. Comportamento de cada músculo (I = VL, 2 = RF, 3 = VM e 4 = VMO) em função do tempo (5.1) e do ângulo (5.2) de início de ativação mus- cular para cada uma das três freqüências de movimento: a (máxima), b (média) e c (mínima), para a contração excêntrica. Movimento de extensão da perna na posição sentada Na Fig. 7 estão apresentados os valores representativos do início da ativação muscular em função do tempo e do ângulo do movimento, independente da freqüência, que mostra que não há distinção nítida no tempo de ativação muscular para esse movimento. Na Fig. 8 estão apresentados os dados do tem- po de ativação muscular (8.1) e do ângulo em que esses mús- culos entraram em atividade (8.2) em relação ao início do movimento. Note que para a freqüência A os músculos entra- ram em atividade antes do movimento ter sido iniciado. Discussão dos Resultados Considerações sobre ambos os movimentos Para a situação de freqüência máxima imposta ao movi- mento, foi observado que o tempo de ativação (definido como o 18 Araujo & Amadio Rev. Bras. Fisiot. l.Ol 0.5 ~ o.o+-----,---,----,-----,-------r---,-- mvo ::;::c ::;::B =}=A 0.5 vm I.o: ~0.0~----~~B~,------,-----~-----,-----,------,---:::=c =:=A c:::::::::: E r f =i= A ~ l.Ol F< 0.5 ~ 0.0 -1---,.------,-----,----,---,--=---,- l.Ol 0.5 ~ o.o+-~-,-~---,-~--,--...,..~-,.--~---,~ c =}=B vi =:=A o 20 40 60 80 100 120 Ângulo (graus) Figura 6. Distribuição das médias do tempo de ativação para cada músculo es- tudado em função do ângulo, subdividido para cada músculo estudado, para a contração excêntrica. intervalo entre o início do movimento e o aparecimento do pri- meiro sinal de potencial de ativação do músculo analisado) é o menor entre as três freqüências definidas no protocolo experi- mental. Além disso, podemos observar que há o seguinte com- portamento para a relação tempo de ativação e freqüência de mo- vimento: A> B >C (ver Fig. 5.1 ). Por outro lado, para a relação de dependência entre ângulo de início de ativação e tempo obser- vamos A< B <C para os músculos analisados (ver Fig. 5.2). Desse modo, o comportamento de contração muscular observado apresenta, para velocidades mais rápidas, intervalo de recrutamento menor e variação angular maior enquanto para a freqüência mais baixa são observados intervalo de recruta- 1.0 •VL • A 0.8 •RF A ........ ;.VM I• •• • • TVMO • 0.6 + 'I' A • ·•: , 'I' • ----"' 0.4 ••• "I '-' . " 'I' o c. I 0.. • ., • ., 'I' A a + 'I' A. ~ 0.2 •H: Íl 'I' •"' ·o • • • • 0.0 .~ .. ..... ,,, .. ... .. -0.2 o s 10 15 20 25 30 Ângulo (graus) Figura 7. Gráfico mostrando a distribuição dos valores temporais em função do ângulo de início de ativação muscular, independente da freqüência, para o movimento de extensão da pema.na posição sentada, para a contração concên- trica. mento maior e variação angular menor. Assim, esse comporta- mento reflete a relação diretamente inversa entre o tempo de ativação e variação angular em função da freqüência de movi- mento. A princípio podemos constatar que, se a velocidade de contração aumentar, o tempo de ativação será menor. Contudo, ainda não foi possível verificar parâmetro indicador que possa determinar objetivamente a razão desse comportamento neuro- muscular. As limitações impostas pela eletromiografia de su- perfície impedem que encontremos indicadores sobre o real comportamento da ativação muscular numa fase excêntrica de movimento. A razão da redução do tempo de ativação em fun- ção de um aumento da velocidade angular do movimento pode ter origem em diferentes funções que o sistema neuromuscular assume para realizar um movimento, ou mesmo resultar de uma estratégia para otimização das estruturas musculares res- ponsáveis por essa ação. Considerações sobre o movimento de agachamento por flexão das pernas A ativação muscular foi observável depois de iniciado o movimento. Na fase estudada de contração excêntrica, apresen- ta-se um componente inicial indefinido nointervalo entre início de movimento e início da ativação muscular. Nesse intervalo, não é observável a ativação da musculatura agonista, e a prová- vel causa do movimento envolve estruturas paralelas (muscula- tura antagonista e a própria inércia do movimento). Contudo, não é possível caracterizar o movimento excêntrico pela ativa- ção muscular pós-movimento, porque não foi possível isolar os componentes de momento inercial do membro inferior. Os resultados permitiram verificar que existe uma varia- ção para as medidas de tempo de ativação e variação angular para os músculos analisados nas freqüências definidas, cuja re- lação de dependência não podemos considerar linear, por limi- tações de ordem metodológica experimental. Ou seja, muito provavelmente há outros mecanismos controladores do movi- mento de natureza neuromuscular- ou mesmo entre as grande- zas físicas determinantes das funções do movimento- influen- ciando esta relação. Considerações sobre o movimento. de extensão da perna na posição sentada Analisando-se as Figs. 7 e 8, podemos constatar várias di- ferenças no comportamento muscular, se compararmos esse movimento com o anteriormente analisado: Na Fig. 7, percebemos que a ativação dos diversos ven- tres musculares ocorreu de maneira mais difusa que no movi- mento de agachamento por flexão das pernas demonstrado na Fig. 4, o qual apresentou uma nítida ativação prévia dos com- ponentes mediais do m.quadríceps femoral em relação aos componentes laterais. Portanto, nesse movimento de extensão da perna na posição sentada, não ocorreu distinção da ativação muscular como no movimento de agachamento. Vol. I, No. I, 1996 Análise Biomecânica da Ativação do M.Quadriceps Femoral 19 o lt<l o. ro ;> ·,g3 ., .... -oro ro3 '-'o ::l<n (\j::l tE 0.. E ~ 0.8 0.7 0.6 1 0.5 0.4 0.3 0.2 • 0.1 0.0 -0.1 . í 2 Músculo 3 I 1 4 0,-----------------------------------------. 20 80- 1 i ! 2 Músculo 1 1 3 1 4 Figura 8. Comportamento de cada músculo (I = VL, 2 = RF, 3 = VM e 4 = VMO) em função do tempo (8.1) e do ângulo (8.2) de início de ativação mus- cular para cada uma das três freqüências de movimento: a (máxima), b (média) e c (mínima), para a contração concêntrica. Na Fig. 8.1, percebemos que na freqüência A (a mais al- ta), a ativação muscular, em três dos quatro músculos analisa- dos, ocorreu antes do movimento ter sido iniciado -o que não aconteceu no outro movimento. Esse fato é facilmente compre- endido devido ao tipo de movimento, que executa uma eleva- ção desse segmento corporal, a perna, contra a ação da gravidade- diferenciando-se marcadamente do movimento de agachamento por flexão das pernas, em que a ação do m.qua- dríceps femoral cumpre um papel frenador do movimento. Sobre a diferença de ativação muscular segundo a fre- qüência do movimento, não obstante as similaridades de com- portamento do outro movimento analisado, no qual freqüências mais altas têm menor distinção da ativação dos ventres muscu- lares, também se pode notar outra diferença. A Fig. 8.2 mostra o ângulo de ativação muscular segundo a freqüência. Percebe- se que na freqüência A, independentemente do ventre muscu- lar, ocorre ativação próximo dos 90 graus, nas freqüências mais baixas (B e C) os músculos são ativados em ângulos intermedi- ários, demonstrando ativação dos mesmos em uma fase poste- rior e com uma diferença menor da ativação entre o primeiro e o último ventre. Essa diferença de tempo de ativação muscular dos quatro ventres musculares observada demonstra claramente como o sistema nervoso pode controlar o movimento, interagindo com as propriedades mecânicas impressas ao segmento corpóreo em função do ritmo imposto aos sujeitos para manutenção da velocidade. Por exemplo, para a velocidade mais baixa, grande parte do movimento aconteceu sem ativação muscular, apro- veitando a inércia adquirida, uma vez que partindo da máxima flexão os indivíduos podem ter apresentado uma fase da exten- são do joelho em que o movimento estivesse sendo realizado a favor da força da gravidade, e assim os músculos entram em atividade em média 544 ms após o início do movimento, po- dendo nesse caso a atividade neuromuscular ter apenas um pa- pel complementar nesse movimento de natureza quasi pendular. Talvez o fator mais interessante dos resultados obtidos te- nha sido a seqüência de ativação dos músculos, sendo o VML o primeiro músculo a ser ativado, seguido pelo VMO, RF e VL, respectivamente. Entretanto, ainda permanece a dúvida: Por que motivo e por qual mecanismo regulador ocorre essa se- qüência de ativação das porções do m.quadríceps femoral na função movimento dependente? Uma primeira hipótese levantada por nós para tentar en- tender essa diferença no tempo de ativação foi atribuir ao VMO sua função já descrita na literatura de estabilização da patela. Ou seja, supôs-se que em um movimento de natureza excêntri- ca como esse analisado ocorre uma carga elevada sobre a patela e o VMO seria ativado primeiramente para impedir os desloca- mentos excessivos que a pateta faria com uma carga elevada. No entanto, os resultados aqui encontrados não revelam uma ativação prévia do VMO em relação ao VML, embora ambos os músculos tenham apresentado uma ativação prévia em rela- ção aos demais. Foi sugerido, então, que o fator determinante nessa or- dem de ativação foi o ângulo de inserção dos músculos, como descrito na Tabela 1. Observando esses dados, e sabendo que a eficiência do movimento que um músculo realiza depende do ângulo que suas fibras mantêm com o eixo longitudinal do seg- mento (varia segundo o cosseno), pode-se sugerir que os mús- culos VML e VMO agem sinergicamente com o RF para produzir a ação frenadora desse músculo em relação ao movi- Tabela 1. Descrição dos ângulos de inserção dos componentes superficiais do m.quadríccps femoral em relação ao eixo longitudinal do fêmur. Adaptado de Karst & Jewett4. Músculo VL VML VMO Ângulo 12-15 (lateralmente) 15-18 ( mcdialmentc) 40-55 (mcdialmentc) 20 Araujo & Amadio Rev. Bras. Fisiot. Tabela 2. Propriedades arquiteturais das porções componentes do m.quadríceps femoral (adaptado de Wickiewicz et a/. 14). Obs: Os músculos VML e VMO são aqui apresentados em conjunto (VM). Músculo Massa muscular Comprimento Comprimento da Ângulo de penação Área de secção Proporção CM/CF (g) muscular (mm) fibra (mm) RF (n= 3) 84.3 ± 14 316 ± 5.7 66.0 ± 1.5 VI (n = 3) 160 ±59 329 ± 15 68.3 ± 4.8 VL (n = 3) 220 ±56 324 ± 14 65.7 ± 088 VM (n= 3) 175 ±41 335 ± 15 70.3 ± 3.3 mento do joelho. Deve-se considerar, contudo, que essa apre- sentação se faz no plano frontal e que a disposição dos ventres do m.quadríceps femoral em relação ao fêmur é oblíqua nos três planos. Como o VML encontra-se sobre o côndilo mediai, que é mais pronunciado que o côndilo lateral, pode haver nesse movimento um estiramento maior do VML que o VL, o que po- deria ser um fator ativador do VML previamente ao VL (que tem aproximadamente o mesmo ângulo de inserção). Pode-se sugerir também que o comprimento do músculo possa ser outro fator determinante de sua ativação: os músculos mais curtos podem ser estirados primeiro. Assim, o VML, que apresenta um ângulo de inserção de 15 o a 18 o e que apresenta origem distai no fêmur (lábio mediai da linha áspera), poderia ser previamente estirado e, por isso, previamente ativado. Observando dados da literatura4 sobre o comprimento muscu- lar e das fibras musculares ou o ângulo de penação dos vários componentes do m.quadríceps femoral, segundo a Tabela 2, não se pode inferir outra hipótese, uma vez que não há diferen- ças significativas entre esses componentes. As diferenças mais significativas quese pode encontrar ao analisar os dados da Tabela 2 estão na massa muscular e na área da secção transversal dos músculos - e em suas correla- ções com a capacidade destes de gerar força, já que ela é dire- tamente proporcional à área da seção transversal. Mas isso diz respeito à força e não à ativação muscular, até porque a área da seção transversal apresentada de cada um desses músculos, não guarda relação com a seqüência de ativação muscular encontra- da nos resultados do presente trabalho. Todas essas hipóteses por nós levantadas a partir de da- dos da literatura permitem incrementar a discussão sobre o controle do movimento humano, muito embora não estejamos num estágio de desenvolvimento suficiente nessa área para chegarmos a uma conclusão sólida sobre a relação controle neuromuscular- propriedades biomecânicas do aparelho loco- motor, determinantes do movimento. Certamente a continuidade do desenvolvimento desses métodos de análise do movimento e principalmente a interação entre eles serão os fatores que permitirão melhor compreensão do movimento humano. Referências Bibliográficas 1. MAQUET, PG. Biomechanics ofthe Knee. Berlin-Heidel- berg-New York: Springer Verlag, 1984. 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