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COF Resumos Aulas 11 a 15

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Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 1 
 
Curso Online de Filosofia 
 
OLAVO DE CARVALHO 
 
 
 
 
 
Resumos de Aulas 
 
Vol. III 
 
 
Elaborado por Mário Chainho 
 
 
 
 
 
Índice Pag. 
Aula 11 – 20/06/2009 2 
Aula 12 – 27/06/2009 10 
Aula 13 – 04/07/2009 15 
Aula 14 – 11/07/2009 23 
Aula 15 – 18/07/2009 31 
 
 
 
 
 
 
 
Notas: 
1) Este material é para uso exclusivo dos alunos do Curso Online de Filosofia. Estes 
devem sempre recorrer às gravações e transcrições das aulas, como fontes primárias, 
para limitar a propagação dos erros involuntários aqui contidos e colmatar as lacunas. 
2) Os resumos foram escritos em português de Portugal. 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 2 
Aula 11 – 20/06/2009 
 
Sinopse: No actual estado da sociedade não basta cuidar da educação intelectual mas 
há que refazer a educação moral e a educação social. A educação moral é recebida 
em casa, onde se forma a personalidade, correspondendo a um património de valores 
que nos acompanha por toda a vida. A educação social é recebida na escola e dita as 
regras e as normas de conduta a utilizar na vida pública. Este modelo disciplinar 
começou também a invadir a educação intelectual, que se transformou apenas num 
adestramento que simula uma verdadeira actividade intelectual. Uma das 
consequências da deterioração da linguagem foi a perda da sua capacidade 
nominativa, observável na utilização deslocada de figuras de linguagem. Romper com 
este analfabetismo consagrado irá colocar-nos numa posição de solidão por algum 
tempo, mas teremos de atingir uma posição de pura dádiva onde já não necessitamos 
de obter aprovação. Apenas com esta maturidade estaremos habilitados para o 
caminho da filosofia. A educação moral refaz-se pela prática da confissão e a técnica, 
a esta preparatória, do exame de consciência descrita por Adolphe Tanquerey. O 
nosso exame de consciência deve ainda ser complementando sondando em nós alguns 
aspectos mais: a cobardia, a necessidade de segurança e aprovação que nos foram 
induzidas; o ódio ao conhecimento e a inveja destrutiva em relação aos melhores; e o 
mimetismo neurótico. Relativamente à educação social, devemos desde já ter em conta 
que nos estamos a capacitar para ocupar posições que actualmente não existem e 
terão de ser criadas, tendo nós, desde já, que começar a ver os meios de alcançar 
novas formas de actuação. Sobre a linguagem, há ainda o problema das categorias 
que a cultura colocou à disposição serem inadequadas e deformantes, como a 
utilização de intelecto e emoções para descrever o ser humano, conduzindo a todo o 
tipo de distorções. No Exercício de Leitura Lenta devemos não só evocar experiências 
que demonstrem o conteúdo positivo das afirmações mas também exemplos opostos 
que esclareçam os seus limites semânticos. O nascimento da filosofia na Grécia 
introduziu um novo princípio orientador da sociedade, que já não era o da ordem 
cósmica mas o do auto-conhecimento e da alma humana na busca da perfeição. O 
porquê da filosofia só ter nascido na Grécia prende-se, acima de tudo, com a intensa 
actividade política, que levava à disputa de lugares públicos mediante a utilização de 
discursos retóricos, todos eles eficientes, mas que levantavam contradições que 
suscitaram em Sócrates a vontade de os comparar para verificar a sua veracidade. 
 
A necessidade de refazer a educação 
O currículo da Educação Liberal é insuficiente para as necessidades dos alunos do 
COF, que vivem num contexto onde a vida intelectual desapareceu e é necessário criar 
os postos, papéis e actividades que existiriam para os intelectuais numa sociedade 
normal. Existe a necessidade de refazer a educação nas suas diversas vertentes, aqui 
denominadas, por convenção, de moral, social e intelectual. A educação moral é 
recebida em casa e fornece um património de valores básicos que nos orientará por 
toda a vida, correspondendo à grande parte da formação da personalidade. Na escola, a 
formação vai ser ao nível social, que lida com as questões da vida pública, se bem que 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 3 
a tendência é enviar as crianças cada vez mais cedo para a escola para que esta não 
transmita apenas os códigos sociais mas que passe também a moldar nas crianças as 
reacções íntimas e por vezes quase inconscientes. 
A educação recebida em casa, a autoridade, as regras, proibições, imposições, tem 
apenas validade naquele contexto e cada família tem o seu modelo próprio. Na escola 
existe apenas um código para todos; o tratamento é impessoal e frio, contam apenas os 
direitos e deveres, não sendo como em casa onde as crianças podem também fazer as 
suas chantagens. A educação social não se limita a direitos e deveres, passando 
também por uma série de códigos necessários para a vida em sociedade. Aos poucos, a 
escola entra também na educação intelectual, com o adestramento da linguagem, 
matemática, ciências, etc. Não se trata de uma verdadeira educação no início porque 
não existe um foco na compreensão mas na obtenção de resultados pelo seguimento de 
protocolos. Este carácter puramente disciplinar se continuamente aplicado a disciplinas 
como a matemática será muito prejudicial pois conduzirá a uma indução de 
obediência. Como a matemática é altamente complexa, este puro adestramento pode 
dar a ilusão de ser o exercício de uma actividade intelectual, mas é apenas um 
comportamento de macaco adestrado que não sabe o que faz. A matemática já é uma 
arte do imaginário, puramente construtiva e sem relação com a realidade, e se nos 
deslumbrarmos pelas suas dificuldades e complexidades estaremos a nos bloquear à 
verdadeira compreensão. 
A ênfase no princípio disciplinador no ensino das ciências e das artes, que se prolonga 
até à universidade, foi instigada pelos proponentes da revolução cultural, que querem 
substituir a compreensão por adestramento comportamental, onde as pessoas nunca 
percebam a sua realidade mas sejam facilmente mobilizáveis e reajam da forma como 
os seus gurus ordenem. É um sistema mitológico, onde se fala muito de liberdade e 
pensamento crítico, mas o que realmente existe é um autoritarismo sem paralelo. A 
crítica só é exercida sobre coisas ausentes e nunca sobre a própria situação. Quando já 
não nos reconhecemos como os agentes das situações que produzimos estamos na 
alienação total, impossibilitados de pesar qualquer decisão e de assumir 
responsabilidades. A substituição da educação intelectual pela “educação disciplinar” 
instituiu um sistema onde se visa obter a aprovação do grupo de referência através do 
simulacro de conhecimento. Esta exibição de “bom-mocismo” é complementada pela 
demonização dos seus adversários, que muitas vezes são totalmente imaginários. 
Actualmente existem apenas papéis sociais para quem está disposto a viver na mentira 
existencial total. É necessário criar novos papéis sociais ligados à vida intelectual, mas 
isso não pode ser feito apenas na base da educação intelectual, sendo necessário 
intervir também nas componentes moral e social, através de um exame retroactivo da 
nossa formação recebida para perceber realmente aquilo que nos foi inculcado. A 
educação social já não pode ser recebida por nós a um nível disciplinar mas através da 
meditação crítica da nossa própria experiência. 
O foco da educação intelectual é o despertar da inteligência, ao que se liga a 
capacidade de compreender a realidade da experiência. A maior parte das pessoas não 
sabe que é possível fazer isto, a sociedade reprime isto, o que significa que a obtenção 
de uma educação intelectual vai fazer-nos entrar numa situação de conflito. Temos de 
nos transformar em autoridades capazes de impor novos modelos de conduta. 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 4 
Precisamos de verse a nossa formação de base não nos formatou para sermos 
cobardes, o que nos levará instintivamente à recusa em assumir as responsabilidades 
inerentes à vida intelectual. Temos de ter especial atenção para o medo que nos foi 
incutido em relação a situações imaginárias, vagas e que apenas se manifestam como 
ameaças, pois mostrariam a sua fragilidade ao se cumprirem. O medo do imaginário 
não tem limites. Como antídoto, devemos fazer uma lista de pessoas que respeitamos, 
porque elas querem que sejamos independentes, fortes e conhecedores. Essas são as 
únicas pessoas que nos devem interessar, não vamos querer a aprovação das outras. O 
exercício da filosofia não é compatível com a covardia, nem física, nem moral e muito 
menos intelectual, e por isso temos de examinar se existe a presença destes elementos 
corruptores em nós, introduzidos desde a infância. 
 
A perda da capacidade nominativa da linguagem 
Para Karl Bühler a linguagem tem três funções. A primeira é a função expressiva onde 
se manifestam sentimentos, estados interiores, etc. A segunda é a função apelativa, que 
requer um recuo do sujeito em relação à sua linguagem para poder agir sobre a 
consciência de outros. Para isto há que ter um domínio da função expressiva, mas esta 
tem que ser algo reprimida para não trair o objectivo da apelação. Com a função 
nominativa pretendemos descrever a realidade e por isso as outras duas funções têm 
que recuar. Descrever a realidade deixou de ser um objectivo, as pessoas apenas dizem 
algo para se sentirem melhor, e aí usam a função expressiva, ou então usam a função 
apelativa para moldar a cabeça dos seus interlocutores. Se os sujeitos tivessem a noção 
que fazem isto já teriam algum domínio da linguagem, mas como são hábitos 
consolidados, de origem esquecida, os indivíduos acham que estão mesmo a falar da 
realidade. Daqui resulta um uso abstruso das figuras de linguagem, exemplificado por 
Emir Sader que escreveu sobre os seus heróis, Marx, Fidel, Che, como sendo 
inexprimíveis, inefáveis. Percebe-se o ridículo disto quando constatamos que somente 
Deus pode transcender a linguagem humana, e mesmo assim a teologia consegue falar 
algo sobre Ele. O que Emir Sader mostra, ao atribuir características divinas aos seus 
ídolos, é um exemplo de idolatria psicótica. 
 
A identificação grupal e a intervenção pública 
Quando aparece alguém que sabe escrever, ele pode apenas ser compreendido no 
contexto do analfabetismo consagrado. Vamos obter reacções de pessoas habituadas 
apenas a buscar certos símbolos, emblemas, lugares comuns que evocam um senso de 
concordância que assinala a pertença a um grupo. Com a educação emocional que 
tiveram, as pessoas são carentes, covardes e apenas procuram na leitura estas muletas. 
Não há aqui qualquer compreensão do que realmente se está a falar e muito menos 
poderá haver compreensão de algo realmente bem escrito. Há aqui apenas a tentativa 
de pertencer a um grupo e encontrar os seus semelhantes, uma característica 
puramente animal. Quem pretende manter o conforto grupal está impossibilitado de 
entrar no mundo do conhecimento, que implica uma abertura para uma dimensão que 
não existia antes. A transição não é directa, implica uma “travessia do deserto”, 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 5 
durante a qual vamos achar que estamos perdidos e sem saída, mas isso é apenas 
transitório. 
Mesmos depois de termos feito a “travessia do deserto” podemos cair no erro de 
procurar aprovação de colegas, família, conhecidos. Agora somos diferentes e 
queremos que eles aprovem o diferente. Não temos que discutir com ninguém nem 
temer ser incompreendidos. Não podemos esquecer o que disse Nicolás Gómez 
Dávila: “vencer um tonto nos humilha”. Nós já temos a comunidade do COF e fora 
disso a intervenção pública só é lícita se estivermos em missão, para desmascarar 
alguém que ocupa uma posição intelectual sem qualquer mérito, por exemplo. Intervir 
publicamente com o objectivo de obter aprovação não é lícito, dentro do espírito do 
COF, além de que nos coloca numa posição frágil onde facilmente seremos derrotados 
pela sociedade. Temos de atingir uma posição de simples dádiva porque já não 
necessitamos de aprovação ou algum tipo de auto-satisfação. Temos de ter consciência 
de que estamos a trabalhar para o bem das pessoas e por isso não precisamos que elas 
gostem de nós. 
 
A conquista da maturidade 
A vida intelectual, tal como entendida no COF, é a condensação e melhoramento da 
educação nas suas três vertentes. Nesse percurso vamos obter respeito por nós mesmos 
e a consciência do que fazemos. Só assim podemos conquistar a maturidade, sem 
esquecer que Aristóteles dizia que o homem maduro é o homem ideal para a filosofia. 
Na educação dos filhos, por exemplo, o homem maduro revela-se ao interferir o 
mínimo na vida das crianças mas, quando a situação o exigir, impondo a sua 
autoridade sem ter a necessidade de dar explicações. Muitos pais fazem o oposto, 
querem decidir tudo na vida dos filhos, mas também não se querem responsabilizar por 
nada, chamando os filhos para opinar sobre assuntos para os quais eles não estão 
capacitados, esperando assim obter a aprovação deles. Neste contexto, o homem 
maduro é aquele que é capaz de dar o amor sem esperar receber algo em troca. 
Em filosofia a maturidade é essencial para criar uma atitude de procura sincera da 
verdade. A satisfação tem de estar contida na actividade em si e não no conteúdo das 
respostas. Devemos ter muito cuidado com a racionalização dos auto-enganos. Não 
somos melhores que as outras pessoas e se alguma vantagem podemos ter é a 
consciência de que temos também em nós a raiz do mal e isso leva-nos a um exame de 
consciência, que pode ser feito diariamente antes do adormecer. “O mundo é composto 
de dois tipos de pessoas: pessoas boas que se acham más e pessoas más que se acham 
boas” (Barbey d’Aurevilly ou Léon Bloy). 
 
Refazer a Educação Moral 
A entrada na vida intelectual implica refazer as três etapas da educação, começando 
pela vertente moral. A educação moral refaz-se a partir da prática da confissão. Não é 
uma questão religiosa, simplesmente não existe outra técnica. Pode ser complementada 
com outras práticas, como a técnica platónica de recordar tudo o que fizemos num dia 
antes de adormecermos ou os exercícios do Narciso Irala, mas não pode ser 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 6 
substituída. A psicanálise, por exemplo tem um âmbito de actuação muito limitado e 
não serve como instrumento de auto-conhecimento. As Confissões, de Santo 
Agostinho, foram uma conquista da civilização, onde pela primeira vez o homem 
ocidental assumiu a responsabilidade por tudo o que se passa na sua alma. A confissão 
é um ritual mas também uma arte e uma técnica. Não pode ser feita por curiosidade 
mórbida, na ânsia de descobrir apenas o que há de mal. Vamos descobrir em nós, mais 
que a maldade, a mediocridade e a mesquinharia, e perceberemos que somos como 
todas as outras pessoas. 
Para preparar a confissão existe o exame de consciência proposto por Adolphe 
Tanquerey no livro Tratado de Teologia Ascética e Mística. Este exame de 
consciência pretende ajudar a ultrapassar o difícil problema de realizar uma confissão 
sincera, e consta em cerca de 10 perguntas para cada um dos 10 mandamentos. 
Respondendo às 100 perguntas inevitavelmente saberemos algo mais sobre nós, mas 
não podemos cair na tentação de querer parecer “bom menino” perante Deus; Ele já 
nos desaprovou devido ao pecado original; Ele está ali para nos revelar algo sobre nós 
que desconhecíamos. Através da confissão iremos corrigir inúmeras distorções da 
nossa educação moral. 
Temos de ainda meditar noutras questões não referidas explicitamente por Tanquerey. 
Em primeiro lugar devemos prestar atenção à subtil indução de covardia a que fomos 
submetidos deste tenraidade, o que também conduz a uma carência afectiva. Fomos 
habituados a procurar segurança, protecção, aprovação de um grupo de referência ou 
de um chefe e, por outro lado, fomos habituados a temer os desafios. Temos de sondar 
em nós também o ódio ao conhecimento e a inveja destrutiva em relação aos melhores. 
A sociedade tem horror ao conhecimento, substituindo-o por símbolos exteriores 
burocráticos, como a escola, o diploma, o grau académico. O verdadeiro intelectual, se 
não estiver preparado, de tanto ser desprezado acabará por ser destruído. E quando 
atingir esse ponto será apreciado pela sociedade, porque se redimiu da sua capacidade. 
O ódio ao conhecimento é o ódio à verdade e isto é o pecado contra o Espírito Santo 
que não pode ser perdoado. Alguns livros de Lima Barreto retratam bem o ódio ao 
conhecimento na sociedade brasileira: Recordações do Escrivão Isaías Caminha, 
Triste Fim de Policarpo Quaresma e Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá. 
Devemos ainda estar atentos ao nosso eventual mimetismo neurótico. A imitação 
passou a ser um valor em si mesmo, como se a realidade fosse um mero acessório da 
encenação. Machado de Assis retratou bem este mundo do auto-engano e ele é odiado 
porque nunca se deixou destrui pela sociedade. Contudo, a imitação é a mãe do 
aprendizado, mas tem que ser encarada como um instrumento para adquirir uma 
habilidade e não uma forma de obter um brilho social. O actor é que tem a imitação 
como um fim, mas nós queremos mesmo ser aquilo. Será a imitação consciente 
utilizada como instrumento pedagógico, também ao nível da educação intelectual, que 
nos irá livrar da imitação neurótica. A imitação dos grandes escritores já nos foi 
proposta como meio de obter a própria voz, que não tem apenas que transmitir o que 
queremos mas também ser uma expressão do que somos. Na medida em que iremos 
progredir na nossa educação, ficaremos diferentes e incompreensíveis para as outras 
pessoas que, todavia, não deixarão de encontrar critérios para nos julgar à luz de uma 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 7 
autoridade que eles atribuíram a si mesmos para se iludirem de terem compreendido 
alguma coisa. 
 
Educação Social – O posição a ocupar 
A formação obtida no COF não é feita à medida de alguma posição social já existente. 
Pelo contrário, vão ter de ser criadas novas posições e o caminho para alcançar isso vai 
ter de ser aberto à força. Precisamos desde já pensar em descobrir novas formas de 
actuação, intervenção, novos meios de subsistência que permitam obter independência 
e uma recompensa existencial. Ortega y Gasset dizia que génio é aquele que inventa a 
sua profissão e hoje em dia a Internet abre muitas possibilidades. O próprio exemplo 
do professor Olavo mostra que é possível criar um lugar que não existia anteriormente. 
 
A utilização de categorias desajustadas 
Juntando à perda do domínio da linguagem, reflectida no desaparecimento da função 
nominativa e no uso incorrecto de figuras de linguagem, adiciona-se o problema das 
categorias que a cultura coloca à nossa disposição serem inadequadas e muitas vezes 
autênticos espelhos deformantes. Vencer esta situação não é nenhum acto de heroísmo 
mas implica alguma coragem para atravessar a solidão da travessia do deserto. Como 
exemplo dessas categorias inadequadas temos a caracterização do ser humano feita em 
termos de intelecto e emoções, muito utilizadas na sociedade americana. Como ao 
intelecto se associa a objectividade e as funções relacionadas com a ciência e às 
emoções foram associadas à subjectividade e aos estados interiores, isso criou 
apreciações incongruentes, como acreditar mais naquele sujeito que diz serenamente 
que 2 mais 2 são 5 do que naquele que diz, indignado, que são 4, como realçou 
Schuon. 
O recuo que o conhecimento exige não pode ser indiferença. Refrear as emoções no 
conhecimento é uma forma de auto-defesa para evitar ser atingido, e as pessoas 
passam a ser vistas como fantoches, mas não é assim que o sujeito quer ser visto. O 
que simula ser um distanciamento objectivo, na verdade, é resultado de uma emoção 
muito baixa e infantil, de medo e até de ódio e sadismo. Por outro lado, a emoção é 
uma repercussão que um facto, real ou imaginário, teve na totalidade do nosso ser 
psico-físico, pois não é possível isolar a parte física da mental na decorrência da 
emoção. A emoção mede a importância que algo tem para nós, e se a escamoteamos 
vamos ignorar o nosso posicionamento no quadro e estaremos a ignorar qual é ali a 
nossa função. Isto é totalmente irracional porque razão significa acima de tudo 
proporção. 
A emoção não pode ser afastada mas tem que ser educada para reflectir a realidade e 
não uma fantasia imaginária, o que configura um caso de histeria. A histeria passou a 
ser o traço fundamental dos sujeitos falantes depois que ocorreu a dispersão da 
paralaxe cognitiva e a inversão sujeito-objecto. A histeria não pode ser combatida pelo 
afastamento das emoções porque perderíamos o sentido das proporções. Por outro 
lado, também é pernicioso separar a emoção da imaginação. A emoção é 
complementada pela imaginação para esclarecer os dados da realidade que não estão 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 8 
plenamente manifestos ou, no caso da histeria, substitui os próprios dados da 
realidade. Já a emoção serve para refrear a imaginação, pois sem esta não haveriam 
limites. Mas tanto a emoção como a imaginação são despertadas por uma terceira 
coisa, que não são os dados da realidade, pois estes provocam reacções imaginárias e 
emocionais diferentes para cada pessoa. Tudo é desencadeado por uma espécie de 
reacção imediata que funciona como percepção antecipatória, algo a que os 
escolásticos chamavam de estimativa. S. Tomás de Aquino dava um exemplo do que 
era a estimativa quando disse que uma ovelha que nunca tenha visto um lobo, a 
primeira vez que avistar um sabe que aquilo não presta. Ela não tem uma impressão 
negativa sobre o lobo porque ficou com medo, é o oposto, pois é a estimativa que faz 
uma ponte entre os dados dos sentidos e a imaginação e as emoções. Hoje em dia já 
ninguém sabe o que é a estimativa e as pessoas vão cair em categorias toscas como 
intelecto e emoções, resultado de um grande empobrecimento conceptual da psicologia 
moderna relativamente à psicologia escolástica, apesar de todas as descobertas feitas. 
Outro resultado é a falsa oposição entre fé e razão, alimentadas por pessoas que nunca 
tiveram a experiência real de nenhuma delas. 
 
O Exercício de Leitura Lenta e os limites da verdade 
Os livros de Aristóteles que nos chegaram são resumos de aula e só podem ser lidos da 
maneira exemplificada no Exercício de Leitura Lenta. Precisamos de complementar as 
notas de Aristóteles com a imaginação, para poder recrear os exemplos que ele terá 
dado nas aulas. O texto em si não pode ser visto como um objecto mas como um 
instrumento que permite recriar o mundo interior do autor, que é muito mais rico que o 
nosso, com muito mais coisas, mais nítidas e organizadas. Mas não podemos nos ater 
apenas ao conteúdo positivo das afirmações. O que muitos comentadores fazem é ler 
uma frase, dar-lhe um sentido absoluto e partir para a contestação. Isto revela um 
desconhecimento sobre o que é a leitura, pois cada verdade tem o seu conteúdo 
positivo e os seus limites. Precisamos ler, em especial no Exercício de Leitura Lenta, 
evocando exemplos que demonstrem o que está sendo afirmado e outros, em sentido 
oposto, que dão o círculo semântico da validade. Só com esta noção dos limites 
saberemos o peso relativo que o autor colocou em algo. 
 
O nascimento da filosofia na Grécia 
Na Suméria e no Egipto existiram civilizações avançadas em termos tecnológicos, 
legislativos, musicais, poéticos, mas a filosofia nasceu apenas na Grécia. Muitos dos 
elementos culturais anteriores foram incorporadospelos gregos e o que constituiu 
novidade foi a transferência do princípio organizador da sociedade, antes colocado na 
ordem cósmica, para a alma humana e para o auto-conhecimento. Antes de Sócrates 
não existia uma crítica à sociedade e o que ele fez foi observá-la a partir da busca da 
verdade dentro de si. Ter a busca da perfeição da alma como um princípio organizador 
só é acessível a quem se dedica a essa tarefa, algo a que o resto da sociedade no início 
se alheia e por isso não reconhece essa função como tendo utilidade pública. Sócrates 
não queria mudar a sociedade, queria apenas aumentar o nível de consciência dela. A 
autoridade intelectual que Sócrates alcançou, devido à sua procura sincera da verdade 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 9 
e não de uma mera opinião, não o impediu de achar que a sociedade continuava a ter 
autoridade sobre ele, e por isso aceitou a sentença de morte que sobre ele recaia. 
Várias são as razões que levaram a ser na Grécia, especificamente, o local de 
nascimento da filosofia. A principal razão terá sido a intensa actividade política 
originada pela democracia grega, onde uma enorme disputa de cargos públicos era 
feita por pessoas bem preparadas pela retórica. Causou perplexidade a Sócrates a 
multiplicidade de discursos retóricos, todos eles eficientes, mas que levantavam 
contradições. Daí surgiu a vontade de comparar esses discursos, já não em termos de 
eficiência mas em termos de veracidade. Aristóteles também chamou a atenção de que 
o conhecimento só pode surgir com um certo domínio material e económico da 
situação. Isto pode ser visto a vários níveis de profundidade. Por um lado, quem vive 
apenas para manter a subsistência não terá nem sequer tempo para o conhecimento. 
Mas o conhecimento requer ainda um certo afastamento e serenidade que não estão 
presentes no homem que vive aterrorizado com medo da fome, da miséria, da morte e 
da própria natureza, que é um conceito que só aparece depois de se obter alguma 
protecção do recinto urbano. Mas há ainda um terceiro elemento subentendido. O 
domínio material e económico da situação refere-se sobretudo a uma confiança de que 
é possível resolver aqueles problemas, é um domínio sobretudo interior e não apenas a 
própria obtenção de abastança, que pode até produzir uma falta de confiança devido ao 
medo de perder tudo. É preciso passar de uma situação em que se vive sempre à mercê 
das circunstâncias para outra em que se experimenta a obtenção dos mesmos 
resultados partindo dos mesmos procedimentos racionais. E só aqui pode surgir a 
confiança na capacidade intelectual. 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 10 
Aula 12 – 27/06/2009 
 
Sinopse: Nesta aula procura-se saber até que ponto é possível agir para além daquilo 
que o ambiente determina. Contudo, “ambiente” é muitas vezes utilizado como figura 
de linguagem, como na escola behaviorista, podendo significar uma infinidade de 
coisas. Para nos esclarecermos temos de usar o “ambiente” como um conceito 
descritivo. O ambiente é uma série de círculos onde estabelecemos relações, e 
algumas dessas relações são a mediação para outras, por exemplo, para a criança a 
relação familiar medeia a relação com o ambiente espacial. A cada momento vamos 
ter um universo de referências decorrentes das relações em cada círculo do ambiente 
e que servem para nossa orientação. Para conhecer, validar e controlar as nossas 
reacções e simpatias temos de examinar essas referências e a sua origem, sem 
esquecer as nossas tendências genéticas. Na busca de maior autonomia, o ser humano 
vive uma dialéctica permanente entre poder e autoridade. Poder é uma imposição 
directa enquanto a autoridade é um valor aceite que nos liberta de um poder mais 
imediato. Este processo é a verdadeira educação e continua sempre com a busca de 
uma autoridade mais elevada, que vai nos libertar da antiga autoridade, que passa a 
ser vista como um poder depois de esvaziada do seu valor. A superação do ambiente 
cultural e social consiste em conceber e penetrar sempre numa autoridade mais 
elevada, sendo Deus a mais elevada de todas e, por isso, a que menos se impõe, caso 
contrário seria poder. A máxima autoridade humana é a comunidade dos sábios, e 
para estar submetido a ela temos não só de ter coragem mas também um grande 
domínio da linguagem abstracta. A liberdade não pode ser vista como separada das 
determinações, porque ela é um jogo entre distintas determinações. O ambiente não 
nos determina univocamente, mas ele fornece um conjunto de círculos de 
determinações mutuamente contraditórios que implicam a nossa escolha. A máxima 
liberdade é a busca das determinações mais elevadas, que correspondem às 
autoridades mais altas. Conferir uma autoridade absoluta a certas ideias pode 
produzir severas limitações. Um exemplo é a escolha feita por lorde Bacon de um 
ponto de vista, na ciência, que privilegia o sujeito e considerava a natureza um código 
oculto que implicava forçá-la para obter respostas. O resultado veio a ser, mais tarde, 
o nascimento do subjectivismo moderno, a alienação em relação à realidade concreta 
e a perda de consciência da sua presença total em todas as nossas experiências. 
 
Determinismo e ambiente 
O determinismo como teoria metafísica tem um alcance total, exemplificado por 
Lutero e Calvino que achavam que no momento do nascimento já era tarde para salvar 
ou danar a pessoa. Este tipo de determinismo entra em contradição com o dogma da 
bondade de Deus, pois se já estamos pré-determinados, então Deus nos enganou 
permitindo-nos a ilusão do livre arbítrio. O determinismo defendido por B. F. Skinner 
e pela escola behaviorista tem um alcance muito mais limitado e refere-se apenas à 
dificuldade, real, que as pessoas têm de pensar e agir para além daquilo que o 
ambiente determina. A teoria é auto-contraditória porque se apoia numa circularidade 
insustentável. O ambiente, que supostamente tudo molda nos indivíduos nele 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 11 
inseridos, é o objecto que os behavioristas pretendem alterar. Mas eles mesmos 
também seriam fantoches na mão do seu ambiente, o que faria do ambiente uma 
entidade consciente e inteligente capaz de decidir o seu próprio destino. Na realidade, 
os behavioristas colocam-se fora desta circularidade pois acham que eles podem 
moldar o ambiente alheio, mas eles mesmos não se acham moldados pelo seu próprio 
ambiente. Tem que existir uma esfera de livre arbítrio para a experiência científica 
poder se realizar, pois esta baseia-se na escolha entre hipóteses contrastantes. Pregar o 
determinismo neste contexto é ignorar as condições básicas onde se desenrola a 
experiência, um caso extremo de paralaxe cognitiva. 
Estas contradições ficam camufladas em muitas teorias científicas quando estas usam 
conceitos que não são descritivos mas figuras de linguagem. Neste caso, “ambiente” é 
uma figura de linguagem que significa apenas tudo aquilo que não é o indivíduo 
considerado. Isso pode significar uma infinidade de coisas, pois podemos considerar 
vários tipos de ambiente, temporal, espacial, ecológico, cósmico, e dentro de cada um 
deles traçar limites, por exemplo, se considerarmos o ambiente temporal, vamos 
considerar toda a História da humanidade, apenas a história do indivíduo desde que 
nasceu ou somente as ocorrências da sua última semana? Se não especificarmos ao 
certo a que se refere o ambiente, a teoria behaviorista não diz absolutamente nada. No 
entanto, a pergunta levantada, saber em que medida o ambiente condiciona os 
indivíduos, é pertinente e acaba por ser o tema da aula. Para obter algumas respostas 
temos que abandonar o “ambiente” como figura de linguagem e abordá-lo como 
conceito descritivo. 
 
O ambiente como mediador 
A questão do “ambiente” fica bastante simplificada no caso da percepção de uma 
criança.Para ela só existe o ambiente físico imediato e o ambiente familiar. Já existe 
nas crianças mais novas a intuição de que o ambiente físico imediato não esgota todo o 
ambiente físico, mas para que a relação com o espaço aumente é necessária a 
mediação da relação familiar. São os pais o mapa do espaço para a criança, que 
impedem que ela se perca mas também aumente o seu domínio espacial, ficando cada 
vez mais autónoma em relação a este. Depois será a linguagem a entrar em cena 
possibilitando o aumento e o domínio do nosso ambiente familiar. Uma nova relação 
com um novo ambiente será sempre a chave para as relações anteriores. 
 
O universo de referências 
Em cada momento possuímos um conjunto de referências que derivam da nossa 
interacção com cada um dos ambientes, que nos dão uma série de conhecimentos e 
expectativas que nos servem para orientação, determinando e limitando as nossas 
possibilidades de agirmos e aprendermos. Essas referências, espaciais, temporais, 
linguísticas, afectivas, foram dadas pelo ambiente mas não seleccionadas por este. A 
educação consiste na dilatação desse quadro de referências, ampliando o domínio 
sobre elas e aumentando a consciência da unidade interna do sistema para que ele se 
torne inteligível para o indivíduo. A influência que o ambiente tem sobre nós é 
indirecta, mediada pela capacidade de aprendizagem, que não é determinada pelo 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 12 
ambiente. Cabe-nos a interrogação sobre a consciência que temos sobre as nossas 
próprias referências e sua origem. Sem este exame não podemos conhecer, validar 
ou controlar as nossas simpatias e reacções. Um aspecto frequentemente esquecido é o 
“Carma Familiar”, que Szondi aludia como sendo o peso dos antepassados em nós 
exigindo a repetição dos seus destinos. 
A ampliação do quadro de referências, que corresponde à nossa margem de manobra, 
dá-se através do conhecimento, onde é indispensável a existência de um eu consciente 
que pode fazer escolhas entre influências ambientais e tendências genéticas que entram 
em todo o tipo de contradições. O processo é longo porque muitas das condutas que 
temos parecem ser inteiramente nossas mas vieram de fora. É uma perda de tempo 
entrar na questão do determinismo versus livre arbítrio quando o que interessa é 
reconhecer o ambiente como uma série de influências sobrepostas e frequentemente 
contraditórias, e nesse contexto há factores que nos determinam e limitam e outros que 
nos abrem novas possibilidades, sendo isto uma dádiva do ambiente e não resultado de 
uma liberdade metafísica incorporada em nós. 
 
Poder e autoridade 
Poder e autoridade são aqui usados como figuras de linguagem que ajudam a descrever 
a dialéctica permanente no ser humano na busca de maior autonomia ao avançar nos 
círculos que compõem o ambiente. O poder é uma imposição directa e silenciosa, 
sendo o exemplo mais óbvio o ambiente espacial que nos confina a um lugar. A 
autoridade representa um valor, respeitado e desejado, que não se impondo tão 
directamente nos vai livrando do poder mais imediato. A família é a autoridade que 
nos liberta do ambiente espacial, mas depois a família passa a ser vista também como 
um poder que é superado pelo aparecimento de novos ambientes vistos como 
autoridade, como a televisão ou a escola. O poder é como uma autoridade esvaziada de 
valor pelo surgimento de uma autoridade mais elevada que é aceite e já não vista como 
imposição. A educação consiste em fomentar esta dialéctica entre poder e autoridade, 
onde se busca sempre uma autoridade mais elevada e o processo definha se não for 
possível concebê-la. 
 
A comunidade dos sábios 
Superar o próprio ambiente cultural e social consiste em conceber e penetrar numa 
autoridade mais elevada. Este é um processo que depende da educação, mas não da 
educação oferecida pelo próprio ambiente, que apenas pode dar os meios para lidar 
dentro desse contexto. É preciso buscar sempre uma autoridade mais elevada até 
chegar à máxima autoridade humana, que é a comunidade dos grandes sábios que 
existiram ao longo da humanidade. É para estes que vamos pedir o julgamento e a 
quem devemos prestar reverência. São eles que podem fazer tremer os nossos 
alicerces, mas no seu conjunto eles subscrevem um conjunto muito menor de 
convicções que qualquer comunidade científica moderna. Além disso, o conjunto de 
teses positivas subscritas por toda a filosofia universal é de natureza muito genérica e 
não oferece solução para problemas concretos. Os sábios dão-nos um encorajamento 
implícito para investigarmos e procurarmos respostas utilizando caminhos ainda não 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 13 
traçados, mas para a comunidade científica actual isso é heresia; eles não toleram um 
desvio de percurso que questione as suas convicções, embora essas convicções estejam 
sempre se alterando pois sofrem de um provincianismo temporal. A opinião dos sábios 
é um cruzamento de olhares que abre inúmeras possibilidades, não é uma forma 
específica de disciplinar o olhar, que é o que já faz a comunidade académica. 
Para nos colocarmos sobre a autoridade dos sábios precisamos de muita coragem, mas 
sem a visão dos sábios diante de nós não há verdadeira educação e a realidade não 
pode ser apercebida. Só temos acesso aos sábios pela leitura, e eles só podem dizer 
“sim” ou “não”, não podendo exercer qualquer tipo de pressão individual ou social 
sobre nós. Mas a partir do momento em que nos colocamos sobre a sua autoridade, a 
pressão do meio já não nos irá constranger mais. Acima disto só há a autoridade divina 
e o que é revelado dessa forma não é uma ideia ou uma opinião mas um facto brutal da 
realidade que, ao invés de necessitar de explicação, termina com todas as explicações. 
Estamos agora em condições de avaliar a questão da liberdade e do determinismo com 
maior clareza. O ambiente não é uma substância mas um conjunto de círculos de 
determinações mutuamente contraditórios. Isso implica uma escolha, que é a nossa 
liberdade em escolher o que nos determina e não em não estar determinado por nada, o 
que seria a liberdade divina, contraditória com a condição humana. A máxima 
liberdade é a busca das determinações mais elevadas que, pela sua natureza, são as que 
menos se impõem. Deus não se pode impor de forma alguma ou seria um poder e não 
uma autoridade. A liberdade não pode ser desligada das determinações porque ela é 
um jogo entre distintas determinações e estas só podem ser efectivadas pela escolha 
dos entes livres. Para subir na escala das determinações, e estar submetido a 
autoridades cada vez mais elevadas, é necessário desenvolver cada vez mais a 
linguagem. Só é possível aceder aos sábios tendo um grande domínio da linguagem 
abstracta, para poder descodificar uma rede imensa e subtil de relações. 
 
Um exemplo de uma falsa autoridade 
A ciência moderna apoia-se numa ideia de lorde Bacon que produziu muitos resultados 
técnicos mas provocou um afastamento em relação à realidade. Bacon considerava a 
natureza como um código escondido que, para ser desvendado, implicava a realização 
de experiências onde se forçava a natureza a se comportar de forma não natural. Kant 
dirá mais tarde que o cientista tem de assumir uma postura de policial que espreme a 
natureza para forçá-la a dizer o que se pretende. Os resultados obtidos, sendo reais, 
verificam-se apenas para as condições em que a experiência se deu, ou seja, a 
experiência mostra como a natureza reage à acção humana mas não como se comporta 
em si mesma. O cientista pode fazer um número infinito de perguntas e para cada uma 
obterá uma resposta diferente. Para conhecer a natureza real é preciso considerar o 
facto concreto, que é o facto tomado não apenas na sua dimensão lógica mas com a 
totalidade dos acidentes necessários para que ele aconteça. Para tal é necessário umaobservação contemplativa que aceite o facto como algo misterioso, como faziam os 
escolásticos e por isso eram criticados pelos filósofos da entrada da modernidade. As 
duas aproximações podem ser combinadas, mas se concedermos uma autoridade 
absoluta à premissa estabelecida por lorde Bacon estaremos a sair da realidade e a 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 14 
esquecer que a ciência moderna estuda apenas certas relações co-proporcionais à 
pergunta feita. O conjunto de todas as ciências origina uma série de linhas que 
confluem em alguns pontos, mas não compõem de forma alguma um universo real, são 
apenas um conjunto de esquemas hipotéticos, funcionando uns melhores que outros. 
A escolha feita por lorde Bacon acabou por originar o subjectivismo moderno. A partir 
da atitude policial do cientista face à natureza, Kant avançou que o conhecimento da 
natureza é apenas resultado da projecção dos nossos esquemas cognitivos sobre o 
objecto, que permanece inalcançável. Mais tarde, Kuhn e Foucault declararam 
explicitamente o subjectivismo ao afirmarem que as teorias científicas podiam mudar a 
sua estrutura de repente e sem motivo algum. Privilegiar o ponto de vista do 
observador e não o do objecto fará com que todo o conhecimento pareça sempre 
subjectivo. Esta perspectiva activa e interrogativa teria de ser complementada com o 
ponto de vista contemplativo e passivo que aceita a natureza tal como ela se apresenta. 
Mas o que a ciência moderna faz, ao invés, é introduzir a medição e a exactidão 
matemática para compensar o deslocamento em relação ao objecto. Mas a medição e a 
exactidão matemática não podem reconstruir o objecto porque também provêm do 
sujeito. A ciência moderna acabou por se construir também construindo o 
subjectivismo moderno, ao ponto dos dois serem indiferenciáveis. Não tem, por isso, 
sentido usar a ciência como autoridade para terminar uma discussão em nome da sua 
objectividade. A ciência moderna nasce com o Iluminismo e a pretensão da razão, mas 
na realidade o processo nunca se conseguiu desvincular das suas origens ocultistas e 
mágicas, que ainda se mantém hoje camufladas. Foi a época em que o ocidente 
aprendeu a mentir e a verdade só se revelou mais tarde, mentindo, nos romances. 
O objectivo da educação ministrada no COF é superar os limites que a ciência 
moderna introduziu, devido a ser demasiado selectiva, o que fez com que certos 
aspectos substituíssem a realidade concreta. O objectivo é desenvolver a consciência 
quase permanente da presença total da realidade, que não é quantitativa, já que isso só 
é acessível a Deus. 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 15 
Aula 13 – 04/07/2009 
 
Sinopse: É feito aqui um resumo das primeiras aulas do curso na óptica dos deveres 
do aluno. Vamos ter de assistir cada aula pelo menos 3 vezes para conseguir 
apreendê-la e o ideal é fazer a sua transcrição. As aulas são o centro pedagógico do 
curso no início mas depois iremos ganhar progressiva autonomia. Vamos ter de 
refazer o Exercício do Necrológio muitas vezes, que nos dá uma imagem do futuro que 
nos orienta agora de forma provisória e hipotética, e na medida em que vamos 
realizando essa imagem ela passará a ser um dever. O Exercício do Testemunho, de 
Louis Lavelle, é um alerta permanente para não fugirmos à responsabilidade da nossa 
existência. A Gramática Latina, de Napoleão Mendes de Almeida, para além do latim, 
vai ensinar-nos a escrever português, aprendizagem que será continuada com a 
imitação dos grandes escritores de língua portuguesa. A técnica da confissão refaz a 
nossa educação moral, e como preparação fazemos o exame de consciência 
recomendado por Adolphe Tanquerey. O Exercício de Leitura Lenta mostra como 
devemos ler livros de filosofia, colocando o foco no objecto e não no texto, pela 
evocação de experiências análogas às que motivaram o autor. Os exercícios de 
Narciso Irala dão-nos ferramentas de percepção que nos colocam na pista da 
presença total. Imaginar a vida de outras pessoas como um romance combate a nossa 
tendência de acharmos que só existe o nosso “eu” e todos os outros são apenas cenas 
separadas do nosso drama. A audição de peças de música pode ajudar-nos a 
descobrir os ritmos de fundo que existem na vida. A leitura de romances serve, entre 
outras coisas, para nos fornecer modelos de vida que passarão a ser nossos 
instrumentos de percepção. A Biblioteca Imaginária é um novo exercício, como que 
um começo da vida de estudos, onde iremos listar todos os livros que iremos ler com 
base em questões com importância existencial para nós. A timidez é vencida deixando 
de dar tanta importância a nós mesmos e nos centrando no amor ao próximo, que 
pode ser um exercício levado ao extremo durante algum tempo para que o hábito da 
generosidade fique incorporado em nós. Refazer a história que certas ideias e 
conceitos têm em nós é uma forma de nos libertarmos de figuras de linguagem que 
mascaram ficções ideológicas. 
Esta aula é baseada numa mensagem colocada no fórum, que se encontra disponível 
em http://www.seminariodefilosofia.org/node/400. 
 
Aulas – Assistência, transcrição e notas 
Na primeira parte do curso o centro pedagógico estará colocado nas aulas e não nas 
leituras. Depois o aluno vai ganhando progressiva autonomia, especialmente com a 
indicação de trabalhos de investigação, que não são meros exercícios como os 
ministrados inicialmente. No final do curso os alunos deverão estar em condições de 
programar os seus próprios estudos. 
A compreensão das aulas só será efectiva quando as coisas já se tiverem incorporado 
em nós como se fossem um novo órgão de percepção e não será necessário recordar as 
palavras usadas na aula. A assistência às aulas não é suficiente para isso, é necessário 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 16 
ouvir novamente a aula, ler as transcrições e tirar notas. O ideal é fazer as transcrições, 
sem ter obsessão de seguir palavra por palavra já que a expressão oral é por natureza 
imprecisa. As notas e resumos que fizermos das aulas devem ser vistos como 
património comum e ser colocados à disponibilidade de todos se acharmos que têm já 
têm valor documental. 
 
Exercício do Necrológio 
No Exercício do Necrológio concebemos uma imagem do futuro que nos vai 
orientando de forma hipotética e provisória. A nossa situação real vai também alterar a 
nossa imagem do futuro, que se vai tornando cada vez mais precisa porque a vamos 
realizando em nós e ela deixa de ser tão abstracta e hipotética e ganha consistência de 
realidade. Nesse percurso a renúncia a vários projectos é um componente essencial. 
Depois de fazer o exercício uma primeira vez por escrito, ele terá de ser refeito muitas 
vezes sem ser necessário ser por escrito. Temos de ter sempre diante de nós a imagem 
do que queremos ser para que exista uma tensão permanente que formará a nossa 
história. As nossas decisões mais próximas são aquelas que se irão confrontar 
directamente com a imagem do “eu ideal”. 
 
Exercício do Testemunho – Louis Lavelle 
 
Há na vida momentos privilegiados (…) A sabedoria consiste em 
conservar a lembrança desses momentos fugidios, em saber fazê-los 
reviver, em fazer deles a trama da nossa existência cotidiana e, por assim 
dizer, a morada habitual do nosso espírito. 
 
A tendência humana é fugir à responsabilidade da sua existência e refugiar-se na 
banalidade. Evitar os dilemas e os conflitos impede a chegada à maturidade e o 
indivíduo permanece sempre pueril em termos morais, espirituais e intelectuais. A 
consciência dos próprios actos apaga-se e o indivíduo sofre de uma permanente 
repressão da consciência moral, achando-se sempre inocente. Numa simulação de 
modéstia, as coisas mais elevadas são afastadas e a pessoa declara que aquilo é demais 
para ela, que apenas pode se preocupar com coisinhas. Mesmo pessoasque ocupem 
postos de relevância social sofrem também do mesmo problema de terem uma moral 
infantil. Uma das coisas que distingue o ser humano é a capacidade de sofrimento 
moral. Sem pressão exterior ele consegue se horrorizar consigo e se corrigir. Isso é o 
princípio da filosofia, que se iniciou com Sócrates com o apelo à responsabilidade 
moral e cívica e não como metafísica ou lógica. O que se pode pedir ao ser humano 
não é uma coerência lógica mas uma consistência interior, que é uma consciência da 
existência de elementos contraditórios em nós, que nos possibilitam fazer diferentes 
coisas e nos provocam impulsos contraditórios em luta entre si; é uma coerência 
dialéctica, opositiva, necessariamente complexa e dolorosa. Se não conseguirmos ter 
uma visão do que seja uma personalidade complexa não conseguiremos compreender 
os filósofos nem os grandes escritores, e restará apenas um esquema simplista e 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 17 
desumano. Muitos indivíduos acham que são pessoas simples mas são um enorme 
depósito de demónios camuflados. 
 
Gramática Latina 
A Gramática Latina de Napoleão Mendes de Almeida é um livro único não só no 
estudo do latim, não havendo paralelo no estudo de outras línguas. As propriedades da 
língua latina levam a que a sua aprendizagem conduza também à aprendizagem do 
português. Os exercícios resolvidos da Gramática Latina estão ser progressivamente 
publicados no seguinte blog: http://mestrenapoleao.blogspot.com/ 
 
Imitação dos Grandes Escritores de Língua Portuguesa 
A imitação deve começar pelos escritores que utilizem poucos recursos expressivos e 
um vocabulário não muito alongado. Começar com um escritor como Aquilino Ribeiro 
pode ser problemático, devido à riqueza do seu vocabulário e dos efeitos semânticos 
que não se conseguem compreender numa primeira leitura. Mas se sentirmos uma 
afinidade especial com o escritor podemos arriscar. 
 
Confissão – Santo Agostinho e Adolphe Tanquerey 
A educação moral refaz-se através da prática da confissão, cujo mestre é Santo 
Agostinho. A técnica de Tanquerey é um exame de consciência prévio à confissão e 
consiste simplesmente em fazer 10 perguntas para cada um dos 10 mandamentos. 
Como o mundo se complicou formidavelmente desde então, precisamos de 
complementar esta prática examinando outros aspectos que podem residir em nós, 
como a covardia e a necessidade de segurança, o ódio ao conhecimento, a inveja 
destrutiva em relação aos melhores e, ainda, o mimetismo neurótico. 
 
Exercício de Leitura Lenta 
Não se pretende com este exercício fazer uma análise do texto. É uma fase de absorção 
passiva, depois da qual a análise torna-se fácil, onde vamos preencher de conteúdo 
existencial sensível as estruturas verbais. Assim ficamos sintonizados com a 
imaginação, os sentimentos e as percepções do autor, e é esse compartilhar de 
experiências interiores a essência do aprendizado da filosofia. Cada frase, e depois 
cada filósofo, terão que se tornar para nós janelas de percepção, e depois vamos 
obtendo um mundo de reacções platónicas, lavellianas, etc., a partir do imaginário dos 
filósofos sobre os quais nos debruçamos. Nem todos os filósofos são hábeis na sua 
expressão escrita e em alguns casos, como em Aristóteles que nos deixou apenas notas 
de aulas, o material em falta é enorme, pelo que ainda se torna mais fundamental este 
exercício imaginativo. As teorias são elaboradas em cima de experiências humanas, 
para as quais temos de evocar análogos ao fazer o exercício. 
O que se faz hoje em dia é o oposto, com o desconstrucionismo o texto é visto como 
um objecto em si e é feita abstracção da experiência interior, se bem que eles não 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 18 
toleram que se faça o mesmo com os textos desconstrucionistas. Eles dizem que um 
texto se compõe apenas de outros textos, mas quem compõe um texto tem que ler 
outros textos. Há aqui um acto físico e o próprio texto de referência existe num suporte 
físico e ambas as coisas são elementos externos. O desconstrucionismo é uma técnica 
aprimorada de não entender nada que apenas tem interesse sociológico ou 
psicopatológico. No extremo oposto está Louis Lavelle que conseguia textos de uma 
estrutura lógica perfeita mas a sua atenção estava votada apenas para a descrição de 
um estado interior transposto não em linguagem poética ou narrativa mas em conteúdo 
inteligível do que havia de imanente. Não era a tentativa de uma construção lógica, 
que faz desaparecer os objectos do discurso, mas era a unidade do discurso utilizada 
como instrumento para expor a unidade da realidade, e a coerência lógica era uma 
consequência disso. Ser filósofo não consiste em fazer construções lógicas mas em 
expressar o conteúdo inteligível de algo vivenciado e percebido. 
Em filosofia, a fidelidade total ao texto é utópica e muito menos importante que a 
apreensão das estruturas gerais das experiências ali descritas, e por vezes as duas 
coisas entram em conflito. Não podemos esquecer que os filósofos, excepto em 
reflexões autobiográficas, estão debruçados sobre objectos que não são eles mesmos. 
Por isso é um erro desviar o foco do objecto que está a ser tratado e incidi-lo no 
próprio autor. Nós conseguimos compreender os intelectuais passados porque eles 
falam de algo que existe para além dos textos. A análise filológica, assim como a 
análise histórica, pode nos socorrer em várias situações, mas usada em exclusivo é 
uma perversão cognitiva. O Exercício de Leitura Lenta tem a sua ênfase no foco no 
objecto e não do texto. Mesmo quando o texto esteja errado, como nós conhecemos o 
objecto podemos corrigir o autor. Eric Voegelin dizia que devíamos estudar a 
realidade e não Aristóteles ou Platão, porque foi o que eles fizeram e servem para nós 
como portas de acesso. 
 
Exercícios do Narciso Irala 
O livro de Narciso Irala destina-se a fornecer exercícios para o aprimoramento do 
controlo cerebral e emocional, mas o fim a que se destinam neste curso é outro. 
Pretende-se apreender a diferença entre o que é percepção e o que é construção mental. 
No início há apenas o foco na percepção sensível, mas mais tarde nós podemos 
perceber a nossa presença no espaço, o que já não é uma experiência puramente 
sensível, nós sabemos que o chão tem uma certa densidade e não termina onde o nosso 
olhar alcança. Mas isto não é uma construção mental, é também uma percepção 
imediata. Já a experiência de suprimir o universo é um exercício construtivo, de 
imaginação. Vai sempre sobrar alguma coisa, por mais que forcemos, até chegarmos a 
um mundo kantiano onde só existem aparências fenoménicas, mas mesmo aí existe o 
outro lado das coisas, mesmo que dimensão infinitesimal, que mostra que não nos 
isolamos totalmente do ambiente exterior. 
Podemos estar sempre a refazer estas experiências. Há a experiência da densidade do 
mundo e da nossa presença nele, que pode ser feita quando estamos deitados no chão e 
nos apercebemos que ele se prolonga para baixo e para os lados, e quando ele termina 
começa outra coisa, nunca deixando de haver continuidade. Outra experiência tenta 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 19 
suprimir a nossa presença, onde imaginamos que morremos e fomos para o nada. Mas 
como no nada nunca nada existiu, a nossa existência, por mais breve que seja, exclui-
nos eternamente do nada. É uma experiência oposta à experiência da impermanência 
dos filósofos gregos, onde tudo parecia fluir e extinguir-se. Mas o evento mais simples 
não pode “desacontecer” e ser expulso para o nada, o tempo é irreversível. Isto já nos 
dá uma experiência da permanência e uma antevisão da eternidade, onde “nada jamais 
passa”. A eternidade não pode caber dentro do tempo pois o tempo é apenas uma linha 
dentro da eternidade, e isto é algo acessível como experiência e não como teoria.Nem 
Deus pode devolver a ocorrência mais básica ao nada porque Ele teria de estar e ser o 
nada. 
O nosso esquecimento não pode ser dado como medida de algo existir ou não. 
Perguntar se as coisas continuam existindo mesmo se não as estivermos percebendo já 
demonstra uma inversão da ordem real da experiência. A memória não é soberana, ela 
necessita do repositório que vem da realidade. Nas experiências de privação sensorial 
o indivíduo fica em pouco tempo num estado de desordem. Duvidar da existência do 
mundo exterior quando nele não estamos reparando só se tornou possível depois de 
Descartes nos ter iludido que apenas o “eu” é real e o resto é duvidoso. Só existe o 
“eu” dentro da estabilidade do mundo exterior. O método que iremos usar é o inverso, 
é assumir cada vez mais a densidade do real e nossa presença nele. É um acto de 
responsabilidade cognitiva. A honestidade intelectual consiste em não fingir saber o 
que não se sabe, nem fingir não saber o que se sabe. Os exercícios são para esse fim, 
tendo o seu análogo metafísico na confissão, e por isso acabam por ser também uma 
confissão. 
A confissão moral só é válida se confessarmos a realidade, que temos de assumir ser 
partilhada por todos. Nos séculos XVI e XVII os intelectuais passaram a viver no 
mundo do “eu”; é uma vivência numa névoa kantiana, pejada de irrealismo, onde a 
confissão verdadeira torna-se utópica. O “eu” atomístico, para não se esfarelar, tem 
que se situar em algum lugar e no tempo. Apenas Louis Lavelle despertou do pesadelo 
criado por intelectuais como Descartes ou Kant, onde a tentativa de levar uma vida 
moral leva à loucura, pois as normas e os valores ficam desligados da densidade do 
real. Deus é substituído por um acto de vontade própria, que seria a fonte dos direitos 
que cada um tem, e aí criam-se expectativas irrealistas, não temos a mesma capacidade 
de perdoar que tem Deus. Entramos num “subjectivismo absoluto”, que dá ao 
indivíduo a ilusão de estar acima do universo, quando isso na verdade é o fim do “eu”, 
que não pode existir por si mesmo. O “eu” é uma espécie de relação com a realidade 
que só pode existir plenamente com a consciência da sua inserção na presença total. 
O livro de Narciso Irala está disponível em: 
http://www.4shared.com/account/file/119203865/edf2fd4a/Control_cerebral_y_emoci
onal.html 
 
A vida de outras pessoas imaginada como um romance 
Se imaginarmos a vida de pessoas que conhecemos como um romance vão acontecer 
várias coisas. Veremos que a vida das pessoas tem uma forma e que o sentido dos 
factos só aparece à luz da biografia dela, da sua história passada e das expectativas 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 20 
futuras. Deixamos de ver apenas uma sucessão de eventos e descortinamos ali um 
drama de alguém que quer ser algo, nem que seja continuar a ser o mesmo. Veremos 
como acidentes podem forçar os indivíduos a mudar de rumo, como eles são regidos 
pela busca de um significado, mesmo que ilusório. Nós conseguimos contar este drama 
em relação a poucas pessoas, e em geral não as vemos a não ser como personagens 
ocasionais de cenas separadas que ocorrem no nosso drama. Para sairmos deste 
egocentrismo temos de contar a história das outras pessoas tal como contamos a nossa, 
sentindo a sua unidade. Os bons romancistas fazem este exercício e por essa razão 
alguns escritores, como Dostoiévski, entendiam melhor a realidade que os filósofos do 
seu tempo. 
Outros exercícios imaginativos consistem em transformar um filme numa narrativa 
verbal e, por sua vez, pegar uma narrativa verbal e imaginar um filme ou uma peça de 
teatro. Com estes exercícios entenderemos o que é uma narrativa e o que consiste a sua 
tradução e condensação em símbolos visuais e corporais, como no caso do teatro. 
 
Exercício da Aceitação Plena 
Foi referido o exercício de aceitar tudo o que nos acontece, sem queixas e lamentos, a 
ser feito mais tarde. Este exercício desdobra-se em vários, sendo um deles imaginar 
que tudo o que nos acontece é responsabilidade nossa. Este é um exercício construtivo 
que se destina a perceber que tal presunção, de um carma pessoal que tudo determina 
em nós, é impossível, pois tal inviabilizaria que mais alguém tivesse carma pois estão 
simplesmente ali à disposição da nossa pessoa. Complementamos depois este exercício 
com outro, onde nos imaginamos como uma vítima inerme, tudo na nossa vida resulta 
da acção alheia. Ambas estas perspectivas são falsas mas formam uma tensão onde em 
algum ponto se encontra a realidade das coisas. 
 
Audição de peças de música 
A música é a arte da continuidade e o nosso objectivo, no âmbito do COF, é conseguir 
memorizar e “reproduzir” algumas peças que nos refaçam a sucessão de experiências 
interiores. A grande música é uma sequência de experiências sensoriais e emocionais 
muito bem organizada. Essa sequência pode servir de modelo para perceber outras 
harmonias na vida, mas para isso temos de memorizar a sequência e não fazer análise 
musical. No livro Sound and Symbol, Victor Zuckerkandl diz que a música revela uma 
experiência peculiar que envolve a percepção de algo mais que o imediato sensorial, 
abrindo a porta para um reino de significados que se estende para muito além dos 
signos. A música ajuda-nos a perceber certos ritmos da vida, que tem muito maior 
variedade de ritmos que os da música, onde há uma condensação e depuração. Mas na 
vida, para além dos elementos acidentais, também se encontram ritmos musicais. No 
limite conseguiremos ter uma percepção musical da vida inteira. 
 
 
 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 21 
Leitura de romances 
A leitura de romances tem várias finalidades. Dos romances dos escritores de língua 
portuguesa adquirirmos instrumentos expressivos que nos ajudam a modelar a nossa 
voz própria. Romances de autores como Machado de Assis, Lima Barreto são úteis 
para fazermos o exame de consciência que refaz a nossa educação moral e nos 
esclarecem sobre o meio social onde vivemos. Mas a utilidade mais importante 
retirada dos romances está nos modelos de vida que nos fornecem e permitem que 
contemos a nossa própria vida e a dos outros. Para cumprir o segundo mandamento 
temos de ter um sentido dramático sobre a nossa própria vida, pois só assim nos 
podemos amar e, depois, usar esse amor como modelo do amor a devotar ao próximo, 
pois o passamos a ver também com um “eu” onde se desenrola um drama. Existe, 
então, uma exigência cognitiva implícita à realização do segundo mandamento. 
Este material literário que vamos usar nesta primeira fase dá-nos instrumentos de 
percepção que depois servem para pesar aquilo que os filósofos dizem, pois sem esta 
base imaginativa eles são-nos inacessíveis. 
 
Biblioteca Imaginária 
Neste exercício faremos a lista de todos os livros que iremos ler para resto da vida, 
algo impossível de acontecer realmente porque nos falta sempre alguma informação 
que é necessário ir sempre completando. Esta lista parte do nosso universo de 
interesses, mas não devemos nos basear numa simples curiosidade por certas áreas de 
estudo mas em algo que tenha uma importância existencial. A partir daí é que vamos 
tentar encaixar disciplinas que nos possam esclarecer, sempre sem esquecer que o 
nosso universo de estudos não pode criar um abismo com a realidade. 
Vamos começar por fazer a lista de livros que ainda não lemos mas nos parecem 
importantes. A partir da nossa definição de áreas de perplexidade, iremos fazer uma 
bibliografia essencial de cada uma delas. A Internet é uma fonte útil e na bibliografia 
final do livro “The Great Ideas” (Mortimer J. Adler) existe uma bibliografia final com 
certa de 1500 ou 2 mi livros que é um bom começo. Depois de pegarmos as áreas que 
nos interessam e excluirmos as outras, vamos procurar livros sobre a história dessas 
áreas, que nos darão uma lista de autorese livros. Mas podem existir omissões brutais 
que teremos de complementar com outras histórias e outro tipo de pesquisa 
bibliográfica. Os pontos onde existem dúvidas, aqueles onde uns autores dão muito 
relevo e outros esquecem totalmente ou dão uma interpretação oposta, são preciosos. 
São estes pontos de conflito que mostram o coração do problema. 
Há também outro tipo de omissões que podem depender de circunstancialismos 
temporais ou de “tendências incomunicáveis”, como aquela descrita por José Ferrater 
Mora, que dizia que havia 3 tradições filosóficas independentes e incomunicáveis: a 
continental, onde predominava a fenomenologia, o existencialismo, etc.; a anglo-
saxónica, com o predomínio da filosofia analítica e, ainda, a tradição marxista. Não há 
uma história da filosofia que consiga mostrar essas três tradições em pé de igualdade. 
Mas tudo o que são abismos na filosofia são a revelação de temas contraditórios, os 
quais são aqueles potencialmente mais ricos. 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 22 
A Biblioteca Imaginária é como um começo da vida de estudos, que nos dá o nosso 
reportório de ignorância, que é aquilo que não sabemos mas precisamos saber. Isso nos 
levará a uma busca que não se encaixa na vida académica com as suas divisões bem 
compartimentadas. 
 
Vencer a timidez e o egocentrismo 
A timidez excessiva deriva da ilusão de nos vermos a nós como um “eu” mas os 
restantes como forças que estão ali presentes apenas para nos inibir. A solução para 
vencer a timidez é também o amor ao próximo, que fará o outro deixar de parecer um 
estranho. Mas enquanto pensarmos que a timidez é um problema nosso, isso irá criar 
uma pressão difícil de superar. Por isso, ao invés de pensarmos que temos um 
problema de timidez devemos nos questionar se não temos falta de amor ao próximo. 
Muitas técnicas em voga para vencer a timidez limitam-se a reforçar o egoísmo, mas o 
sujeito é ainda um tímido mas disfarçado de arrogância, agressividade ou 
inconveniência. A solução é sair do centro e deixar a luz incidir nos verdadeiros 
problemas das outras pessoas. A civilização burguesa deu ao indivíduo ilusão dele 
estar coberto de direitos e ser o centro do mundo, o que só veio causar uma série de 
frustrações. 
Um exercício para vencer a timidez e o egocentrismo, ou seja, um treino para amar o 
próximo, consiste em ser atento, cuidadoso e generoso com cada pessoa que 
encontrarmos. Não vamos abrir excepções, tem que ser com cada pessoa, mesmo que 
ela não preste. Vamos tentar que a nossa passagem pela vida de outras pessoas faça 
diferença, e mesmo que algumas se comecem a aproveitar de nós, vamos encarar isso 
como parte do exercício. Somos como um balcão de reclamações onde fazemos 
abstracção dos nossos interesses. É algo para fazer apenas durante uns meses pois não 
é possível viver assim em permanência, mas alguma desta generosidade vai ficar 
incorporada em nós. 
 
A história das ideias em nós 
Quando falamos da evocação da experiência real há sempre o perigo de evocarmos 
ficções ideológicas, que são figuras de linguagem disfarçadas de conceitos efectivos. 
Uma figura de linguagem não transmite nada de real mas é uma amálgama de 
impressões nossas. Estas possuem várias camadas de significação e, conforme o 
contexto, podem se adequar ou não. Elas referem um objecto indirectamente, pelas 
emoções que nos infundem, e não podem ser analisadas segundo as categorias de 
verdade ou falsidade pois não estão na clave denominativa. Para saber se estamos a 
tomar as figuras de linguagem por entidades reais, temos de decompor as suas várias 
camadas de significação. Para além da confissão, existe o exercício de reconstituir a 
história de certas ideias e conceitos em nós. Iremos constatar que, na maior parte dos 
casos, existiu uma impregnação por osmose; ligamos apenas para aquilo que as 
pessoas disseram e nunca examinamos o objecto em si mesmo. 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 23 
Aula 14 – 11/07/2009 
 
Sinopse: O problema da verdade não pode ser seriamente equacionado a não ser 
rastreando o momento em que a experiência da verdade chegou até nós como algo 
diferenciado, como uma coisa que não pode ser negada e onde o seu valor aparece 
por contraste. Sobreposto a isto acrescenta-se a experiência de saber que se sabe e a 
percepção da existência de um mecanismo que se pode repetir muitas vezes. A 
verdadeira dimensão da verdade revela-se quando reconhecemos um acto biográfico 
nosso, onde se torna patente que a experiência fundamental ali envolvida é a 
confissão. A sinceridade é um elemento intrínseco da verdade, sendo aquilo que 
coloca o nosso desempenho actual dentro de um quadro real determinado pelas 
nossas acções passadas, revelando assim a existência de duas verdades simultâneas. 
A lógica de Aristóteles foi criada como um instrumento de verificação e averiguação 
da coerência do discurso, pois só um discurso coerente com ele mesmo pode se 
aplicar à realidade. Aristóteles defendia que tudo o que existe tem uma forma 
inteligível que é perceptível ao ser humano. A declaração sincera articula várias 
verdades, a verdade da relação causa/efeito, a verdade da sucessão dos actos e a 
verdade da nossa declaração no momento onde assumimos um papel verdadeiro. 
Hegel vai afirmar que a principal capacidade cognitiva no homem era a de se isolar 
de tudo e elevar-se ao plano da universalidade, mas tinha consciência de que isso 
poderia dar ao ego a tentação de impor as suas regras ao mundo. A proposta 
socrática é o inverso disto e tenta sempre trazer o indivíduo desde as suas construções 
teóricas para o mundo da experiência real, afinal, o método da confissão, que mostra 
que o outro também faz parte do nosso aparato mental. O Iluminismo prometia acabar 
com uma era de fé, misticismo e autoridade, e inaugurar uma época em que todos 
iriam fazer uso da razão, em que floresceriam as liberdades civis e desaparecia o jugo 
na natureza sobre o homem, mas todas estas promessas não foram cumpridas porque 
a proposta iluminista vinha carregada com várias camadas de falsificação. Quem se 
encontra numa periferia cultural pode aproveitar o facto de não estar comprometido 
com uma tradição cultural envenenada de Iluminismo. 
 
A colocação do problema da verdade 
Não podemos perder tempo discutindo com relativistas sobre a existência de uma 
verdade objectiva, tal é a importância que o conceito da verdade tem para nós. A 
primeira coisa que temos de fazer é interrogarmo-nos sobre a primeira vez que a ideia 
de verdade e a sua experiência chegaram até nós. Tudo o que nos acontece é 
verdadeiro mas há um momento em que a experiência adquire um valor especial 
porque não pode ser negada. A verdade vem associada à negação e o seu valor aparece 
pelo contraste que aquela experiência, como a experimentação de uma peça correcta 
num puzzle, tem em relação a outras. 
 
 
 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 24 
Componentes da verdade 
Um dos componentes da verdade é a noção de que aquela é uma experiência 
diferenciada em relação a um primeiro nível de experiência que não trás consigo 
qualquer significado. Um rato de laboratório pode atingir este nível, mas nos seres 
humanos existe uma segunda experiência de retorno sobreposta à primeira, que é o 
saber que se sabe. A isto ainda se pode juntar a percepção de sabermos aquilo que 
outros não sabem. A verdade também nunca vem sozinha, ela abre uma certa 
perspectiva sobre a possibilidade de novas acções, porque naquele momento 
percebemos automaticamente um mecanismo que se pode repetir muitas vezes em 
situações do mesmo tipo. Mas estas coisas não são a verdade empírica, são apenas seus 
componentes, em que a mais diferenciadora em relação a outro tipo de experiências é 
que a verdade é uma experiência que não pode ser negada. 
 
A verdade no confrontobiográfico 
A dimensão efectiva da verdade não se revela num jogo ou quebra-cabeças mas 
quando se trata de reconhecer aquilo que fizemos ou pensamos. Negar o que sabemos 
implica criar um outro passado para colocar no lugar da verdade e ao fazer isto 
passamos da função memorativa para a função construtiva. Para quase todos nós a 
verdade surge com algo oposto à mentira, não apenas uma oposição ao erro. E esta 
oposição surge no confronto com o que fizemos, pensamos ou quisemos. Fica assim 
patente que a experiência fundamental da verdade é a confissão. 
Quando se trata de confessar algo que só nós sabemos, esta experiência torna-se 
extremamente valiosa. Como podemos inventar uma história para colocar no lugar do 
que se passou, a verdade vem automaticamente carregada de um senso de 
responsabilidade. Criar uma história para a colocar no lugar da realidade, para além de 
falsificar a nossa vida, torna falsa toda a situação: inventamos um teatro para agirmos 
sobre as outras pessoas e lhes dar novos papéis, e esta é uma nova situação que tem 
que ser mantida por nós. Mas se confessarmos a verdade encaixamos a situação 
presente num passado que só nós conhecemos mas que passou a ser do domínio 
público. Não há mudança de papéis ou de funções, apenas o reencaixe da situação do 
momento dentro da linha normal do tempo. 
 
A verdade ligada à sinceridade 
Nunca podemos separar a questão da verdade da sinceridade, pois é a sinceridade que 
restabelece a linha do tempo. A sinceridade consiste na verdade da nossa declaração 
no momento onde é expressa a verdade dos factos passados. Muitos filósofos fazem a 
abstracção do problema da sinceridade e dão apenas importância ao problema teórico 
da verdade. Mas quando se opta por uma abordagem lógica estamos a fugir da 
realidade, porque a lógica é apenas uma articulação de relação possíveis, funcionando 
tanto se preenchida com factos reais ou conteúdo imaginário. Em lógica é considerado 
verdade tudo o que seja confirmado por uma proposição anterior. Mas para existir um 
conceito de verdade lógica é necessário existir um conceito efectivo de verdade. 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 25 
A sinceridade é um elemento essencial na busca da verdade porque é aquilo que coloca 
o nosso desempenho actual dentro do quadro real que já foi determinado pelas acções 
passadas. Ao reconhecermos que fizemos uma certa coisa não estamos apenas a 
verbalizar uma verdade passada mas estamos também praticando uma acção que 
naquele instante nos torna verdadeiros; existem, então, duas verdades ali. 
As crenças cépticas e relativistas são desenvolvidas por pessoas que nunca fizeram um 
esforço sincero para procurar a verdade no que quer que fosse e apenas se referem à 
verdade como um conceito genérico e nunca a verdades concretas e específicas que 
elas conhecem. Uma verdade genérica que seja verdadeira independentemente da sua 
ligação com o mundo da experiência real, realmente não existe. Procurar a verdade em 
relação às questões últimas será uma busca vazia enquanto não tivermos suficiente 
base de experiência para investigá-las. Uma discussão que começa sobre a verdade 
facilmente é trocada por outra de um género diferente, onde se discute apenas a 
coerência de possibilidades. Mas algo pode ser verdade no plano da lógica sem o ser 
no plano da experiência. Para escapar dos dilemas cépticos e relativistas temos de sair 
do plano hipotético e voltar para o plano real onde estamos e o discurso se desenrola. 
Os cépticos e relativistas dizem duvidar de tudo mas há coisas que eles nunca 
pensariam negar. 
 
A lógica de Aristóteles como instrumento de verificação e averiguação 
Aristóteles escreveu sobre lógica com a pretensão que esta se aplicasse à realidade, e a 
lógica foi retirada da realidade, da observação do mundo natural. Se bem que a lógica 
seja um mero jogo formal, ela foi criada para ser um instrumento de verificação e 
averiguação, mas não de descoberta. A coerência do discurso era para Aristóteles uma 
expressão da unidade e da densidade do próprio real. Com a invenção da lógica de 
sinais, dez séculos depois, percebeu-se que esta tinha uma estrutura e regras próprias. 
Aristóteles sabia desta autonomia da lógica mas o que lhe interessava era desenvolver 
uma técnica de discurso que permitisse manter a coerência naquilo que se fala sobre a 
realidade e não sobre outra coisa, o que seria apenas um mero jogo. A verificação que 
interessava a Aristóteles fazer era a da coerência do discurso com ele mesmo, porque 
só assim ele podia ser conferido com a realidade. Para Aristóteles o discurso lógico 
(analítico) não fornecia qualquer conhecimento. A sua função é a averiguação da 
coerência do discurso, que é algo preliminar à verificação da sua veracidade ou 
falsidade. Se o discurso não é coerente não poderá se referir à realidade. A 
investigação propriamente dita funcionava de outra forma e enfoca o objecto real, quer 
este seja físico, social ou da alma humana. 
 
As formas inteligíveis 
Aristóteles acreditava que tudo o que existe, material ou imaterial, possui em si uma 
forma inteligível perceptível ao ser humano. Os desenhos das crianças de seres 
humanos ou casas não são semelhantes aos objectos reais, mas mostram as suas formas 
internas que fazem os objectos ser aquilo que são. A inteligência humana apreende por 
trás da aparência sensível a forma inteligível, mas muitos filósofos discordaram desta 
ideia imbatível de Aristóteles, achando que apenas podemos captar as formas sensíveis 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 26 
das coisas, o que tornaria impossível de dizer que apenas captamos as formas sensíveis 
das coisas. 
 
As várias verdades na declaração sincera 
Quando prestamos uma declaração verdadeira sobre o nosso passado criamos uma 
relação lógica de causa e efeito que imita a sequência temporal, não em toda a 
complexidade, mas representa-a de forma reduzida num esquema de causa e efeito, e 
este acto rearticula a situação presente com a situação passada dentro de uma 
sequência real. Existem aqui várias verdades: a verdade esquemática da relação 
causa/efeito; a verdade temporal da sucessão dos actos; e a verdade da nossa 
declaração no momento onde assumimos um papel verdadeiro numa nova situação. 
Apenas neste novo papel podemos compreender a realidade passada, porque se 
decidíssemos inventar uma outra história teríamos de criar uma nova estrutura, uma 
nova temporalidade hipotética e agir de acordo com este cenário. Mas como este seria 
um teatro concebido por nós não poderia ter todos os elementos do mundo real mas 
apenas aqueles que seleccionamos, o que o torna muito incompleto e esquemático, não 
é possível viver nele mas apenas fazer a sua simulação por momentos, e mesmo para 
fazer essa simulação é necessário ter consciência que se trata mesmo de uma 
simulação. 
Aristóteles criou a lógica para que esta expressa-se as relações entre as formas 
inteligíveis reais, e desta forma os discursos lógicos não estavam separados do mundo 
real. Mas a lógica de sinais considerada como um universo em si, separado e sem 
relação com o mundo real, aplicada a Pedro Abelardo, seu criador, no momento de 
criação desta lógica, vai fazer aparecer contradições. Então, a grande preocupação 
daqui em diante será evitar o exame das próprias acções pela lógica de sinais, e lógica 
será elevada a um plano específico que só vale para ela mesma, o que dá início à 
paralaxe cognitiva. 
 
A maneira correcta de investigar o problema da verdade 
A investigação do conceito da verdade é uma armadilha, porque o conceito quando 
adquire independência em relação à experiência real torna-se incognoscível e daí sai a 
proclamação de que a verdade não existe. Para investigar a verdade, e não o seu 
conceito, temos de nos colocar numa teia de relações que não seja criada pela nossa 
mente mas que seja

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