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EDUCAÇÃO E LIBERDADE: Uma reflexão sobre o projeto “Escola sem Partido” Paulo Sérgio Souza dos Santos Professora tutora Ana Cláudia Alves Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Licenciatura em Sociologia (SOC 0028) – Projeto de Ensino 24/11/2016 RESUMO A sala de aula é um dos espaços de aquisição do conhecimento e de trocas de experiências e vivências, aspectos que naturalmente contribuem para o sucesso da educação. São reciprocidades de saberes que foram praticados nos estágios curriculares e na própria universidade através da interação com os colegas. Neste sentido, os objetivos deste trabalho são: Abordar questões referentes à educação na visão dos clássicos da Sociologia, tratar sobre a liberdade de ensinar e aprender e tecer algumas considerações sobre o Projeto de Lei intitulado “Escola sem Partido”, apresentado em nível federal sob o número 193/2016 e em alguns estados através de parlamentares alinhados ao projeto. Palavras-chave: Educação, Liberdade, Reflexão. 1 INTRODUÇÃO A sala de aula é mais que um lugar de transmissão de conhecimento, ela é o espaço onde as trocas de experiências e vivências contribuem para o processo de ensino e aprendizagem, processo esse que se dá com reciprocidade, como afirma Paulo Freire (2002 p. 25) “quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende ensina ao aprender”. Tal afirmação vem justamente reforçar a ideia de que o professor não é melhor que o aluno. Embora apresente e domine conteúdos que o estudante ainda não possui, não há superioridade. Aluno e professor fazem parte do processo de ensino e aprendizagem e ambos são sujeitos importantes na construção do saber, visando não só a aquisição do conhecimento, mas a formação da consciência cidadã. É arcaica a concepção de que o ensino é um processo vertical, de cima para baixo, onde o professor era o único detentor do saber. Sobre isso afirmou Perrenout (2000, p. 31): “a construção do conhecimento é uma trajetória coletiva em que o professor orienta, criando situações e dando auxílio, sem ser o especialista que transmite o saber, nem o guia que propõe a solução do problema”. E n q u a n t o 5 c o n s e n s o 2 Libâneo (2006, p. 69) faz questão de enfatizar a participação ativa do aluno no processo de aprendizagem. Sua proposição é a de que a passividade do aluno não o faz refletir acerca daquilo que lhe é apresentado como conteúdo e essa falta de reflexão implica negativamente a aprendizagem. Orientados pelo professor, os alunos precisam dispor dos meios para desenvolver suas capacidades e habilidades intelectuais de modo que “dominem métodos de estudo e de trabalho intelectual visando sua autonomia no processo de aprendizagem e independência de pensamento” (LIBÂNEO, 2006, p.71). Como percebido, a educação, a liberdade no processo de ensino e aprendizagem e algumas reflexões sobre o projeto de Lei “Escola sem Partido” serão o “fio condutor” deste trabalho, abordados em diferentes aspectos e pontos de vista, inclusive na visão dos principais teóricos da Sociologia. 2 A EDUCAÇÃO NA VISÃO DOS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA 2.1 A EDUCAÇÃO SEGUNDO MARX Marx acreditava que a educação era parte da superestrutura de controle usada pelas classes dominantes. Por isso, ao aceitar passivamente as ideias inculcadas pela escola à classe dos trabalhadores – que Marx denominava classe proletária – a realidade era escondida. Para Giancaterino (2012) “[…] criava-se uma falsa consciência, que a impedia de perceber os interesses de sua classe” Assim, Marx concebia uma educação socializada e igualitária a todos os cidadãos. Abordar estes paradigmas e suas contribuições para a educação enquanto processo é uma tarefa difícil, requer a exata percepção da relação sujeito/objeto como cerne desse processo. Este tem sido o principal problema e a preocupação da Filosofia. Ao compreender a relação sujeito/objeto, compreende-se a relação ser humano/ambiente. (GRAMSCI, 1991, p 31). Para Marx, segundo Ghiraldelli Junior (2003), o mundo social dividia-se em classes determinadas pelas relações econômicas e do processo de produção, tendo como perspectiva a crença da superação do sistema capitalista vigente, através da revolução do proletariado. Em suma, o marxismo constituiu-se em um compromisso com as classes oprimidas e exploradas. 3 Durante a realização do estágio curricular pude perceber, através das intervenções de alguns alunos, uma insatisfação por parte daqueles que trabalhavam durante o dia. Esse descontentamento se convertia para a questão salarial. Os argumentos, embora não viessem acompanhados de um embasamento científico, eram coerentes e traziam em si a indignação do baixo poder de compra e da obrigatoriedade do cumprimento de metas, sobretudo os da área comercial. Fato que nos remete aos conceitos de exploração encontrados em Marx. Já na visão de Durkheim, a coesão social de maneira harmônica era seu modelo de sociedade, onde o fato social constituía-se no objeto de estudo para a Sociologia. 2.2 A EDUCAÇÃO PARA DURKHEIM Enquanto fato social, a educação foi um tema que esteve presente na obra de Durkheim como formadora de uma moral coletiva que, segundo o autor, trata-se de um fator determinante para a ordem social e a solidariedade orgânica. Segundo Cabral (2014 apud Lucena 2010): É assim que em “Educação e Sociologia” Durkheim afirma que a influência das coisas sobre os homens é diversa daquela que provém dos próprios homens; e a ação dos membros de uma geração sobre os outros, diferem da que os adultos exercem sobre as crianças e os adolescentes. É esta relação que Durkheim denomina como Educação. Tomando como referência os princípios da solidariedade orgânica baseada nas diferenças entre os homens, tal qual afirmamos anteriormente, Durkheim entende em “Educação e Sociologia” que nem todos os homens são feitos para refletir, será preciso que sempre haja homens de sensibilidade e homens de ação. Os homens não podem dedicar, todos, ao mesmo gênero da vida; existem diferentes funções a preencher. É preciso construir uma harmonia para o trabalho. A educação é em essência, um fenômeno social que consiste em socializar os indivíduos. Educar uma criança é prepará-la (ou forçá-la) a participar de uma ou de várias comunidades. A educação é um processo social, e cada sociedade tem as instituições pedagógicas que lhe convém. Todo o passado da humanidade contribui para estabelecer o conjunto de princípios que dirigem a educação do presente. Fica claro que para Durkheim a educação é um processo pelo qual as crianças passam com o propósito de moldá-las para o convívio em sociedade, onde a geração adulta socializa a mais jovem. Este autor não defendia uma educação padrão para todos, e sim uma que atendesse as especificidades de cada sociedade. 4 Percebe-se, também, a ausência de criticidade no pensamento durkheiminiano, onde a harmonia social era o objetivo e quando se fala em “harmonia” entenda-se ausência de enfrentamento e de contestação, um alinhamento ideológico com o que hoje se chamaria conservadorismo. Enquanto para Durkheim a sociedade estava acima do indivíduo, para Weber acontecia o contrário, era a partir do indivíduo e sua preparação para o trabalho que se desenvolvia a sociedade. 2.3 A EDUCAÇÃO PARA WEBER Para Weber a educação faz parte do conjunto de reflexões relativas às Sociologias Política e da Religião, por cujos aspectos a sociedade é altamente influenciada. As reflexões de Weber sobre a educação podem ser compreendidas no âmbito de sua SociologiaPolítica e de sua Sociologia da Religião e que influenciaram decisivamente no modo de vida das pessoas. A Educação é segundo Weber apud Cabral (2014), o instrumento que propicia ao homem a preparação necessária para o exercício de atividades funcionais adequadas às exigências das mudanças ocasionadas pela racionalização que o homem irá se deparar socialmente. Nesse sentido, outros autores contribuem escrevendo: O fundamento da racionalidade, da submissão à lei, e da preparação de indivíduos para gerenciar as atividades burocráticas do estado foi lentamente se difundindo. Na constituição do Estado e do capitalismo moderno, esses elementos são indissociáveis. Por isso […] Torna-se o meio determinante de estratificação social, uma forma distinta onde se busca obter privilégios sociais. A Educação sistemática, na análise de Weber, tornou-se um “conjunto” de conteúdos e regras direcionadas para a qualificação de pessoas que demonstrassem reais possibilidades de gerenciar o Estado, as empresas e a política, de maneira “Racional”. Um dos pressupostos básicos na formação do Estado moderno é a constituição de uma administração burocrática racional. Esse “processo” só ocorreu na sua totalidade no Ocidente, com a substituição gradual de trabalhadores sem qualificação, por trabalhadores qualificados, e com orientação política fundamentada em normas racionais. O Oriente, segundo Weber, surge como modelo da Administração irracional, pois esteve baseada na concepção de que as condutas morais do Imperador, dos funcionários, bem como, das competências e habilidades adquiridas por seus […] Educar na forma da racionalização tornou-se essencial para o Estado que necessita se respaldar no Direito nacional e na burocracia, para que a empresa capitalista, que se fundamenta no lucro, e na relação custo/benefício, necessita para alcançar este fim, de profissionais especializados. (SILVA e AMORIM, 2012 apud CABRAL, 2013 p. 28). 5 Longe de ter um viés libertador, a educação para weber tinha o objetivo, como percebido, de preparar o homem para a racionalização crescente na sociedade e para as funções burocráticas do Estado. Cada um dos três autores clássicos da Sociologia tinha sua visão de Educação, porém, os três buscavam a liberdade, cada um a sua maneira e com suas concepções. 3 LIBERDADE A palavra Liberdade é transcendental, cuja definição é suficientemente complexa e por cujo usufruto o homem sempre lutou, por vezes assemelha-se a uma utopia perseguida com o objetivo de dar sentido à existência humana. Não existe liberdade absoluta também não se sabe ao certo desde quando a liberdade é buscada, muito menos até quando será, pois a modernidade oferece novos meios de opressão e aprisionamento. (SOUZA, 2015). Liberdade é algo indescritível e fundamental para que o homem tenha uma vida plena. Nenhum conceito formado de liberdade foi capaz de corresponder ao seu significado. Meireles (1965, p. 70) entende que “Liberdade é palavra que o sonho humano alimenta que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”. Apesar da dificuldade de se conceituar liberdade sabe-se da sua importância, tanto que os homens procuraram resguardá-la nas constituições ao longo da história brasileira. 3.1 LIBERDADE DO PONTO DE VISTA CONSTITUCIONAL A restrição ao direito de livre expressão representa uma violência promovida pelo praticante da censura, seja oriunda de uma pessoa ou do Estado, posto que viola a plenitude da dignidade humana. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008 p. 359). Como tentativa de preservar e garantir esse direito inerente ao ser humano, as constituições do Brasil e de outros países contemplam esse direito no seu conjunto de leis. Na constituição imperial do Brasil de março de 1824, a liberdade de expressão já era garantida, pelo menos até a constituição de 1937, quando Getúlio Vargas assumiu em 10 de novembro. Nessa ocasião foi criado o documento de características fascistas e, portanto, mais autoritária. Desta forma, o direito de manifestação do pensamento foi diminuído, atingindo o rádio, o cinema e o teatro. 6 A esse respeito, Braga (2015) escreve: Assim, em 10 de novembro de 1937, foi outorgada uma nova constituição, idealizada e redigida pelo ministro Francisco Campos. A nova carta incluía vários dispositivos semelhantes aos encontrados em constituições de regimes autoritários vigentes na Europa, como as de Portugal, Espanha e Itália. Com o congresso nacional fechado e com a decretação de rigorosas leis de censura. Vargas pôde conduzir o país sem que a oposição pudesse se expressar de forma legal. Nessa época somente as produções cinematográficas que enaltecesse os feitos do governo poderiam ser exibidas, sob o pretexto de serem “educativas” O tema liberdade de cátedra já figurou na Constituição Federal de 1934, tendo sido a primeira a tratar do assunto de maneira textual e bem objetiva no seu artigo 155: “É garantida a liberdade de cátedra”. (BRASIL, 1934). Já o texto da constituição de 1946, trouxe a expressão junto aos princípios norteadores da legislação do ensino, exatamente no inciso VII, artigo 168 “Art.168 A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: […] VII – é garantida a liberdade de cátedra.”. (BRASIL, 1946). A carta magna de 1967 colocou a liberdade de cátedra num contexto amplo da seção destinada à educação, no inciso VI do parágrafo 3º do artigo 168: “Art. 168. A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola; assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e de solidariedade humana. […]. § 3º – A legislação do ensino adotará os seguintes princípios e normas: […] VI – é garantida a liberdade de cátedra.” Percebe-se a preocupação dos legisladores em garantir a liberdade ao professor no exercício de seu ofício, visto que esse profissional gozava de enorme respeito junto à sociedade. A liberdade de pensamento nos caracteriza como seres humanos, pois permite que expressemos ideias das mais variadas e, através da razão, possamos externá-las. Tal liberdade permite a produção intelectual e a capacidade de ensinar, aprender e difundir o conhecimento pelos meios de comunicação mais diversos. (LIMA, 1998, p. 323). 7 Segundo José Afonso da Silva, (2010 p. 236), o texto da constituição baseado no artigo 5º, dispõe sobre a liberdade de modo amplo, porém, com determinados limites, que podem ser invocados para a manutenção da ordem e a garantia do bem- estar social. O texto constitucional […] Prevê a liberdade de fazer, a liberdade de atuar ou a liberdade de agir como princípio. Vale dizer, o princípio é o de que todos têm a liberdade de fazer e de não fazer o que bem entenderem, salvo quando a lei determina o contrário. A extensão dessa liberdade fica, ainda, na dependência do que se entende por lei. […]. Desde que a lei que obriga a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seja legítima, isto é, provenha de um legislativo formado mediante consentimento popular e seja formado segundo processo estabelecido em constituição emanada também da soberania do povo, a liberdade não será prejudicada. Nesse caso, os limites opostos pela lei, são legítimos. (SILVA, 2010, P. 236). Conforme elucida o autor, a liberdade tem seus limites, ou seja, não é por que o texto constitucional não elenque tudo o que é proibido que se possa sair praticando. O cumprimento das leis exige, sobretudo, bom senso e compromisso com o socialmente aceitável. Entre os muitos aspectos da liberdade, é o de ensinar que permeará este trabalho. 3.2 LIBERDADEDE ENSINAR SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL No tocante à liberdade de ensinar, este tema é tratado na Constituição federal no âmbito do direito à educação, especificamente no título VIII, capítulo III, seção I, artigos 206, 207 e 209. Entretanto, é o artigo 206 que engloba os princípios nos quais a educação deve ter seus processos alicerçados. E, para o propósito deste trabalho, os incisos II e III merecem destaque. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: […] II – Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – Pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; […] (BRASIL, 1988a). Diminuir a distância entre o texto constitucional e a realidade das instituições de ensino talvez seja o mais difícil, pois nem sempre os meios necessários à realização de um bom trabalho são fornecidos, sejam eles materiais, financeiros ou estruturais. No caso da pluralidade citada acima, com os poucos períodos destinados 8 a determinadas disciplinas, abordar diversos pontos de vista sobre um mesmo assunto torna-se extremamente difícil. Em relação ao artigo 207, a Constituição brasileira oferece outra perspectiva para a garantia da liberdade de ensinar e a autonomia no ensino superior: Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino pesquisa e extensão. (BRASIL, 1988b). Autonomia não significa soberania e, portanto não exclui formas de controle por parte do Estado. A autonomia na acepção da palavra significa reger-se por leis próprias, o que não parece o caso das universidades brasileiras. Ainda na linha constitucional, Rossato acrescenta: A universidade é uma comunidade de pesquisadores que gozam de liberdade acadêmica, rejeitando, portanto, o controle ou a cooptação; os professores gozam de liberdade de expressão, sem censura política no exercício do ensino. A universidade tem autonomia pedagógica, administrativa e financeira. (ROSSATO, 1998, P. 3). Apesar dos controles estatais aos quais estão sujeitas as instituições privadas que no fundo prestam um serviço de interesse público, elas dispõem de certa autonomia que garantem a pluralidade de pensamento e abordagens pedagógicas. No entendimento dos juristas Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins: A liberdade de ensino possibilita e garante um desenvolvimento amplo da ciência e da pesquisa no país. Essa liberdade, frisamos, visa a exterminar qualquer tipo de autoritarismo e manipulação que a educação possa sofrer. A liberdade de ensino pressupõe, antes de tudo, a ideia de que os professores possam trabalhar segundo suas convicções, não estando obrigados a ensinar o que os outros impõem. (BASTOS; MARTINS, 1998, p. 435). Com a tendência conservadora de uma educação voltada para o mercado, a pressuposição de o professor ensinar segundo suas convicções conforme citação acima ficará cada vez mais distante. Apesar de não estar textualmente expressa na Constituição Federal, a liberdade de cátedra figura conceitualmente em outras liberdades expressas 9 literalmente no documento, como liberdade de expressão do pensamento, por exemplo, que figura no artigo 5º, inciso IX da Constituição Brasileira, afirmando ser livre a expressão das atividades intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. (RODRIGUES; MAROCCO, 2014, p 8). A Constituição de 1988 consagrou a autonomia das universidades, porém, há que se definir a aplicação, os limites, as implicações e possíveis contradições que possam conflitar com os próprios preceitos constitucionais de maneira a assegurar sua plena vigência. (DURHAN, 1989, p3). A liberdade de ensinar prevê que o professor possa utilizar métodos, metodologias, estratégias e instrumentos que considere adequados, desde que legalmente reconhecidos e autorizados (RODRIGUES; MAROCCO, 2014, p. 9). - condições previstas no Inciso III, artigo 206, já exposto anteriormente. Mais uma vez evoca-se o bom senso agora por parte do professor. A constituição de 1988 também contempla a liberdade de aprender, que inclusive precede a liberdade de ensinar, acerca disso Donadeli e Gonçalves expõem que: O processo de formação escolar está ligado, intrinsecamente, à liberdade de aprender. Ao mesmo tempo em que se consagra a liberdade de ensinar, deve-se também garantir a liberdade de aprender, ou seja, ninguém pode ser forçado a aceitar certa opinião, pensamento ou doutrina, o que implica dizer que a discordância de ideias não pode afetar ou prejudicar o aluno dentro da escola. O professor deverá respeitar o posicionamento dos alunos de forma democrática e construtiva. (DONADELI; GONÇALVES, 2006). Percebe-se que tais liberdades são indissociáveis, pois são intimamente ligadas, sendo uma a razão da outra. Deste modo, para Donadeli e Gonçalves (2006 p. 4) “A liberdade de ensinar não comporta a decisão unilateral da vontade, a imposição fere a democracia do ensino.” O posicionamento de Castro (2010, p. 437) é de que “a preparação educacional e cultural compatível com a afirmação da personalidade e o exercício da plena cidadania” é fator fundamental para a inserção de todos no estado democrático de direito. Para a preparação referida por Castro, a liberdade de pensamento e de expressão deve acompanhar o estudante em todas as fases da sua vida escolar. Porém, essa liberdade de pensamento e expressão tem sofrido um duro golpe através de iniciativas como a do projeto “Escola sem Partido”. 10 4 A ESCOLA SEM PARTIDO O movimento Escola sem Partido, que tem ganhado defensores e críticos nos últimos tempos, existe desde 2004 e foi criado por membros da sociedade civil. Segundo Miguel Nagib, advogado e coordenador, a ideia surgiu como uma reação contra práticas no ensino brasileiro que ele considera como “doutrinação”. Apresentando-se como “sem ideologia” o movimento transformou-se em projeto de Lei, cuja pretensão é ser aprovado em todo o país nos níveis federal, estadual e municipal. Como exemplo da suposta doutrinação, (Nagib 2004 apud Resende 2015) afirma: […] O governo vem tentando naturalizar o comportamento homossexual, e isso pode atingir o que um pai ensina ao seu filho. Promover os próprios valores morais é violar os direitos dos pais, e isso é ilegal. O pai pode processar o professor por abuso de autoridade de ensinar, e dizer que isso é preconceito, é autoritário. […] Não é prudente que se debatam assuntos que estão no noticiário dentro de sala de aula, por exemplo. O debate pode trazer problemas para a escola. A Educação é garantida como direito de todos e dever do Estado e tem como um dos objetivos o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). Desta forma, seria impossível promover o pleno desenvolvimento e preparo para a cidadania excluindo os debates sobre os assuntos políticos e atuais que afetam diretamente a vida dos estudantes, inclusive sobre a convivência com a diversidade em todos os sentidos. A menos que “cidadania” seja entendida de maneira diferente pelos defensores do projeto. A ideia da busca pela “neutralidade” que visa tirar a política da pauta educativa, não é outra coisa senão uma manifestação com a mais intensa carga política e imposição ideológica das classes dominantes através do sistema escolar. (GUTIERREZ, 1988). Busca-se essa“despolitização”, afastando-se a escola dos problemas sociais. Não se pode pensar em educar fechando-se para o mundo, afastando-se da realidade social. Fica nítido o fortalecimento de um sistema educacional que incentiva o individualismo, a competição e a aceitação da realidade que se apresenta. 11 Em 2008, a edição de agosto da revista Veja levantou um debate polêmico sobre o ensino brasileiro. Conforme a publicação, o fracasso da educação brasileira se deve ao fato de os professores doutrinarem os alunos, fato que se tornava visível devido aos assuntos escolhidos pelos professores que envolvia, entre outras coisas, atualidades políticas. Conforme Calbino et al (2009): […] dando mais ênfase à formação para a cidadania do que com o ato de ensinar conteúdo de técnico-profissional. A revista defende, ainda, que a solução para a educação é a busca da neutralidade como um dever, citando, como exemplo, o movimento “Escola Sem Partido”, em Brasília, que tem como objetivo chamar a atenção para a ideologização em sala de aula. Cabe frisar que por muito tempo as ideias da Escola sem Partido encontraram pouco “eco” na sociedade, porém, em 2014 com o acirramento das disputas políticas e a pouca representatividade em nível nacional, um encontro com os membros da família Bolsonaro mudou a dimensão do programa. Pode-se respaldar esse pensamento em Júnior (2015 p. 5): A pedido de Flávio Bolsonaro, o idealizador do projeto Miguel Nagib redigiu um anteprojeto de Lei com as propostas do movimento. Primeiramente foi no estado do Rio de Janeiro, tanto nos âmbitos estadual quanto municipal. Jair e Cláudio Bolsonaro apresentaram o texto na assembleia legislativa e na câmara de vereadores para aprovação. Desde então o web site do projeto disponibiliza dois modelos, um municipal e outro estadual, para que vereadores possam utilizá-los como modelo. Há graves problemas de argumentação que denotam que existe claramente uma determinada ideologia por trás de algo que se pretende neutro ou livre de ideologia. Ou seja, há uma clara “contradição entre o afirmado num ato linguístico e o saber agir implícito na realização desse ato”. (VELASKO, 2001 p. 49). Na visão desse autor, esse evento traz consigo algo chamado de “contradição performativa”. Onde traz em si o elemento que ele mesmo busca invalidar. Nesse sentido, Júnior (2015 p. 6) escreve: Nos projetos de lei baseados na Escola sem Partido, ao procurar proibir doutrinação ideológica ou política na escola, as bases pelas quais essa proibição se sustenta deveria, por força de uma ética 12 comunicativa e lógica, serem isentas de ideologia e de política, mas não são. Se essa isenção é possível ou não, é outra questão. A questão aqui é: se há uma ideologia ou vertente política por trás da proposição dos projetos, passa a não fazer mais sentido a própria proposição, já que procura tornar o ambiente escolar isento de ideologias e pensamento político. O fato de declararem que buscam a pluralidade de ideias não é suficiente para lhes dar a posição de que, de fato, buscam essa pluralidade. Usou-se nesse caso um artifício falacioso na construção do Projeto de Lei 193/2016, contraditório e com objetivos imprecisos. Como melhor exemplifica Júnior (2015, p. 8): A essa altura poderíamos definir como evidente o uso da Falácia do Espantalho como base para a proposição dos projetos de lei. Constitui- se um espantalho a eleição de um fato fictício, porém necessário, para compor e dar substância a uma proposição ou conclusão cujos motivos reais estão ocultos. É, portanto, um espantalho (até que se demonstre o contrário) que há doutrinação política e ideológica nas escolas ao ponto de poder ser reconhecida a necessidade de uma Lei que coíba ou elimine essa doutrinação na prática do ensino É importante destacar que há uma mistura de elementos auto-evidentes e irrefutáveis com afirmações questionáveis. Aonde a aceitação do segundo argumento vem automática pela aceitação do primeiro. Como bem explica Júnior (2015, p.6): Ao dizerem que almejam uma escola em que não haja doutrinação ideológica ou política, o discurso almeja a adesão das pessoas. Espera-se, portanto, que não haja quem discorde desse ponto. Porém, ao atrelar esse ponto à afirmação de que existe, de fato, doutrinação política e ideológica na escola, cria-se um vínculo entre o primeiro enunciado e o segundo que carece de uma justificativa ou um fundamento plausível. Esse tipo de jogo retórico é conhecido em Filosofia como argumento non sequitur e se constitui em um erro, uma falácia. Como uma tentativa de minimizar o claro erro do discurso, os proponentes do projeto alegam as “evidências empíricas” como bases retiradas de um artigo postado no próprio site do movimento, posteriormente transcrito para o projeto como uma das justificativas, a saber: É fato notório que professores e autores de livros didáticos vêm-se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas; e para fazer com que eles adotem padrões de julgamento e de conduta moral – especialmente moral sexual – incompatíveis com os que lhes são 13 ensinados por seus pais ou responsáveis. Diante dessa realidade – conhecida por experiência direta de todos os que passaram pelo sistema de ensino nos últimos 20 ou 30 anos –, entendemos que é necessário e urgente adotar medidas eficazes para prevenir a prática da doutrinação política e ideológica nas escolas, e a usurpação do direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções. (MALTA, 2016 p. 3). Basear a propositura de uma lei na “notoriedade” da coisa a qual se queira combater é no mínimo irresponsabilidade. O texto afirma ser notório baseado na experiência de todos que passaram pela escola nos últimos 20 ou 30 anos. Júnior (2015 p. 7) ratifica esse pensamento afirmando que: Não se demonstra ou referencia nenhum estudo que dê respaldo a essa afirmação, nenhuma pesquisa, nenhum levantamento de dados objetivo, mas fia-se a propositura na percepção empírica dos proponentes e daqueles que eles representam com uma generalização falaciosa de que “todos” teriam a mesma percepção. Para que seja objeto de um Projeto de Lei com regras e ordenamentos (inclusive legalmente puníveis), é preciso que se demonstrasse a existência de doutrinação ou a inexistência de pluralidade pelas quais a proposição deve se basear. Até onde podemos ver, não há um estudo que reconheça, a partir de pesquisa feita por método científico, a existência de doutrinação na escola de forma sistemática e ampla a ponto de haver a necessidade de sua eliminação através de Lei. Sem que haja nenhuma referência ou estudo sério que fundamente tal afirmação. O que há é uma generalização tendenciosa de que todas as pessoas teriam a mesma percepção. A partir da articulação do movimento que fora transformado em projeto de lei iniciou-se uma proliferação pelo país daquilo que, segundo seus proponentes, seria a salvação para a educação nacional: Desde então, o projeto foi aprovado em Alagoas, Campo Grande (MS), Santa Cruz do Monte Castelo (PR) e Picuí (PB). O Centro de Referências em Educação Integral fez um breve levantamento e identificou que o projeto de lei tramita ou tramitou em ao menos 10 assembleias legislativas e em 9 câmaras de vereadores de capitais do país. (ZINET, 2016). A necessidade dessa Lei requer um grande debate, pois a Constituição Federal, já contempla a maior parte das reivindicações contidas no projeto 193/2016. Em nível federal começoucom os Projetos de Lei nº 867/2015 de autoria do Deputado Izalci Lucas, do Partido da Social Democracia Brasileira do Distrito Federal (PSDB/DF) e o de nº 193/2016 de autoria do Senador Magno Malta, do Partido da República do Estado do Espírito Santo (PR/ES), apresentados ao Congresso Nacional 14 para apreciação das comissões da casa e posterior aprovação, Nas esferas municipais e estaduais a tarefa coube aos parlamentares locais simpatizantes ao projeto. O projeto popularmente conhecido por PL 193/2016 protocolado no senado tem o seu preâmbulo configurado da seguinte maneira: O congresso Nacional Decreta: Art. 1º. Esta lei dispõe sobre a inclusão entre as diretrizes e bases da educação nacional, de que trata a Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996, do “Programa Escola sem Partido” (MALTA, 2016b). O discurso da neutralidade enfatiza mais a criação de métodos do que a formação do conteúdo. Para Gadotti (2006, p.95), “Essa tipo pedagogia não se coloca o problema dos conteúdos, esquece os conteúdos para se deter sobre métodos, sobre o encontro de opiniões”. Essa perspectiva também trata com algum ceticismo a questão da verdade; recusando-se a abordar este problema. Além disso, perspectivas cognitivistas e construtivistas também são empregadas como bases de fundamento da neutralidade, uma vez que visariam ao desenvolvimento cognitivo dos alunos em detrimento da conscientização político-social “ideologizada” (CABANAS 1995). Uma escola pautada na neutralidade, conforme a educação proposta pela “Escola sem partido” daria ênfase ao método pré-determinado de cima para baixo, de maneira acrítica. Para Cabanas (1995, p. 271), os adeptos da neutralidade têm certa simpatia por pedagogias como cognitivismo e construtivismo devido ao grau de cientificidade que apresentam. Na visão do autor, ao contrário da ideologização de outras propostas, estas: […] oferecem, pelo menos, uma vantagem que não costuma verificar- se noutras: referimo-nos ao facto de não terem uma origem nem um caráter ideológico (derivam de certos pontos essenciais da Psicologia da Educação), mas sim, de facto, científico, pelo que sua discussão se situa não num terreno filosófico, mas sim em constatações mais ligadas à observação e à experiência, no âmbito da ciência psicológica. Este objetivo de neutralidade na educação tem dois significados: puritanismo ou astúcia, pois não tem como falar de neutralidade educacional numa “sociedade que exclui dois terços de sua população e que impõe ainda profundas injustiças à grande parte do terço para o qual funciona” (FREIRE, 2006, p. 9). Não há como crer num sistema de educação que teve suas origens na divisão das escolas para os ricos e 15 para os pobres (BRANDÃO, 1981). Sugerir a neutralidade na educação é propor a manutenção do status quo (GADOTTI, 2006). Um dos maiores opositores da (im) possível neutralidade na educação é Paulo Freire. O autor afirma que o discurso da neutralidade da educação é utópico e nega a natureza política no processo educativo. E, tomando isto por natural, sem “interferências”, caminha para uma abstração da humanidade, um idealismo inalcançável. […] é impossível uma educação neutra, que se diga a serviço da humanidade, dos seres humanos em geral; de outro, uma prática política esvaziada de significação educativa. Neste sentido é que todo partido político é sempre educador e, como tal, sua proposta política vai ganhando carne ou não na relação entre os atos de denunciar e de anunciar. (FREIRE, 2006 p. 23). Tanto na educação quanto na política, o fundamental é ter em vista que estas sempre giram a favor de interesses específicos. Como exemplo, Freire (2006, p. 24) cita o caso da educação burguesa, que sempre foi sistematizada pelos burgueses, mas a implementação aconteceu somente quando estes chegaram ao poder. Os burgueses, antes da tomada do poder, simplesmente não poderiam esperar da aristocracia no poder que pusesse em prática a educação que lhes interessava. A educação burguesa, por outro lado, começou a se constituir, historicamente, muito antes mesmo da tomada do poder pela burguesia. Sua sistematização e generalização é que só foi viável com a burguesia como classe dominante e não mais contestatória. Outro exemplo da relação da política/educação encontra-se na simples escolha de bibliotecas populares, pois: A forma como atua uma biblioteca popular, a constituição do seu acervo, as atividades que podem ser desenvolvidas no seu interior, e a partir dela, tudo isso, indiscutivelmente tem que ver com técnicas, métodos, processos, previsões orçamentárias, pessoal auxiliar, mas, sobretudo, tudo isso tem que ver com certa política cultural. Não há neutralidade aqui também. (FREIRE, 2006, p.35) Completando esta visão, Charlot (1979, p. 11) afirma que a educação é política, pois atende a quatro sentidos que se articulam entre si, como: “a educação transmite os modelos sociais. A educação forma a personalidade, a educação difunde ideias políticas, a educação é encargo da escola, instituição social”. 16 Ficou possível, diante do exposto, observar que a educação, numa sociedade de classes, reproduz os modelos sociais dominantes. Para Gadotti (2006) “[…] forma cidadãos para reproduzirem essa sociedade, difunde as ideias políticas dessa classe e perpetua desse modo, a dominação de classe.” Este pensamento pode ser reafirmado em Mészáros (2006, p. 275), quando, ao analisar a educação no capitalismo, destaca que ela está profundamente integrada na totalidade dos processos sociais e suas funções são julgadas de acordo com a sua razão identificada na sociedade em geral: A educação tem duas funções principais numa sociedade capitalista: (1) a produção das qualificações necessárias ao funcionamento da economia, e (2) a formação dos quadros e a elaboração dos métodos de controle político. É possível perceber uma relação entre as visões de Mészáros e a de Weber no que diz respeito à qualificação para o trabalho, em ambas há a preocupação em preparar para o trabalho, um para a iniciativa privada e o outro para o estado. O projeto Escola sem Partido carrega claramente nas “entrelinhas” uma concepção de sociedade, um modelo idealizado, preconceituoso e excludente. Como apontado por Júnior (2015 p. 4): Resta saber se, sob o discurso da busca de uma escola sem partido – termo que obviamente um desejo, uma concepção de sociedade – o que se quer é o desenvolvimento pleno da cidadania ou a manutenção compulsória das estruturas de dominação que alienam e de forma coercitiva, formam pessoas para a reprodução acrítica de situações de opressão e usurpação de direitos. Faz-se necessária uma análise crítico-filosófico dos projetos de lei em nível nacional e não do movimento escola sem partido, visto que o objeto do projeto é justamente a inclusão de suas proposições na legislação já existente. A essa altura, é importante que se trate do sentido da palavra “crítica” sobre isso, Júnior (2015 p 5) escreveu: O senso comum entende que a ideia de crítica se resume a juízos desabonadores ou depreciativos em relação ao objeto da crítica. Embora esse seja um dos aspectos possíveis em uma análise, a preocupação filosófica centra-se na possibilidade dos esclarecimentos sobre os fundamentos que sustentam de forma coerente o sentido existencial atribuído a esse objeto. 17 Ou seja, a crítica é necessária tanto para confirmar o sentido existencial do objeto de análise quanto para refutá-lo, seja a partir da inexistência de fundamento, da existência de outro fundamento subentendido – com ou sem intenção – oua partir de um sentido não declarado tendo como base o fundamento inicial. Dando sequencia à análise do PL 193/2016, temos em Malta (2016c): […] Art. 2.º A educação nacional atenderá aos seguintes princípios: I – neutralidade política, ideológica e religiosa do estado; II – pluralismo de ideias no ambiente acadêmico; III – liberdade de aprender e ensinar; IV – liberdade de consciência e crença; […] A exigida neutralidade do estado constante no inciso I do Artigo 2.º é praticamente impossível de se atingir, pois iriam de encontro às obrigações do estado como afirma Júnior (2015 p. 9): A exigência de neutralidade política do Estado significa retirá-lo de sua principal função que é, eminentemente, política. Embora seja possível entender a proposição como “neutralidade partidária”, o que faria total sentido, não é esse termo que é usado. Neutralidade partidária não implica neutralidade política, embora o texto as use como sinônimos. Por exemplo, o Estado tem dentre suas funções, determinadas pela Constituição Federal, garantir o ensino público gratuito. Esse é um posicionamento político e também constitucional. Conceber o Estado neutro politicamente, além de ferir a própria constituição que lhe dá sentido, é abrir mão de garantir aquilo que o define enquanto instituição sociopolítica. Toda atuação institucional na sociedade é eminentemente política. Isso é inescapável. Como se viu, a neutralidade política do estado é impossível, desta forma a neutralidade ideológica também o é, pois não há política sem um conjunto de ideias que sustente sua visão de mundo, ou seja, uma ideologia. Em se tratando de Brasil os princípios que norteiam o ensino estão no Art. 206 da Constituição de 1988, claramente trata-se de um posicionamento ideológico que determina através dessas ideias uma específica política de educação. Diante da impossibilidade de neutralidade política e ideológica do estado, resta ao Estado ser laico, caso contrário seria religioso, teocrata ou ateu. Laicidade não é neutralidade, a laicidade do Estado está expressa na seguinte proibição constante da carta magna: Estabelecer cultos religiosos ou igrejas subvencioná-las, embaraçar- lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes 18 relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público (BRASIL, 1988). Isto é, não há neutralidade, e sim um evidente posicionamento ideológico e político que estabelece a laicidade do Estado. Situação que é questionável uma vez que o Estado favorece as igrejas com isenção de impostos. A laicidade do estado, ou seja, a exclusão das Igrejas do exercício do poder político e/ou administrativo, mencionada anteriormente tem sofrido um duro golpe a cada pleito eleitoral como se pode ver: A Bancada Evangélica no Parlamento é composta em setembro de 2016, por 84 deputados/as federais e 3 senadores, num total de 87parlamentares. Entre os parlamentares da Câmara dos Deputados, nove estão licenciados para exercerem cargos públicos, para tratamento de saúde ou de questões pessoais, e seis são suplentes em exercício, formando um total de 81 deputados evangélicos em atuação. No Senado, um está licenciado para cargo público. Nesta lista aqui apresentada estão aqueles/as deputados/as e senadores com vinculação identificada ou declarada a uma igreja evangélica. Não estão considerados parlamentares apoiados por igrejas. (MÍDIA RELIGIÃO E POLÍTICA, 2016) Tendo em vista que a chamada “bancada evangélica” é unânime em favor do projeto escola sem partido, a começar pelo seu propositor, o senador Magno Malta, fica claro que há uma concepção de sociedade “ideal” que fundamenta o projeto, Logo uma ideologia. Para que melhor se entenda o sentido empregado ao termo ideologia, onde ela é mascarada dificultando sua percepção como tal, cabe recorrer ao conceito de reificação em Marx, no qual as relações dominantes que privilegiam determinado modo de vida criam um dado e determinado mundo histórico estruturado como se esse fora anterior à história. Para esse pensador, por vezes contestado no ocidente por suas teorias, o homem não pensa antes de fazer história, mas vive no mundo, fazendo história e depois pensando. Segundo Marx (1998), não há história se a dimensão social, pois, para ele tudo decorre dela: A produção das ideias, das representações e da consciência está, a princípio, diretamente e intimamente ligada à atividade material e ao comércio material entre os homens; ela é a linguagem da vida real. As representações, o pensamento, o comércio intelectual dos homens, aparecem aqui como emanação direta do seu comportamento material. O mesmo ocorre com a produção intelectual, tal como aparece na linguagem da política, das leis, da moral, da religião, da metafísica, etc., de todo um povo. (MARX e ENGELS, 1998, p. 18 e 19) 19 Sendo assim, ideologia é um conjunto de ideias pelas quais um determinado modo de vida, mascara as relações naturalizando-as, reificando-as. “Por isso, ao reivindicar neutralidade pressupõe-se que não há ideologia envolvida, todavia, a neutralidade já é, nesse sentido, uma maneira de mascarar as relações de poder vigentes.” (JÚNIOR, 2015 p 11). No tocante ao pluralismo de ideias referido no projeto e já contemplado pela constituição federal é importante garanti-lo é um dever do Estado e consequentemente do trabalho docente, contudo, essa garantia não significa a obrigatoriedade de abordagem de todos os temas de maneira plural. Determinado estudo ou teoria que tenha prestígio junto à comunidade científica relacionada aos assuntos abordados devem ser observados dentro do princípio da pluralidade, mesmo que tragam contradições. Não é o caso, segundo Júnior (2015 p. 12) de: […] em nome dessa pluralidade, conferir o mesmo peso epistêmico entre crendices, tradições, costumes culturais, estudos acadêmicos e pesquisas científicas. Se relacionarmos esse princípio a outros que constam desses projetos de lei, não fica claro se eles abarcam, por exemplo, o princípio VII, que dá pleno direito aos “pais que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções” (BRASIL, 2015, p. 2). Portanto, se esses princípios se correlacionam entre si, será vedado ao professor ensinar a Teoria da Evolução (teoria que goza de status científico inquestionável) sem que seja abordada a Teoria Criacionista (visão de mundo de uma parte do cristianismo que nega a evolução sem que ofereça qualquer respaldo a partir do método científico). Com um olhar mais atento observa-se que, através da retórica do “pluralismo de ideias”, pretende-se garantir um espaço para a doutrinação religiosa e ideológica com uma ação política no sentido de atentar contra a liberdade de cátedra assegurada na constituição. Outro complicador para a pluralidade é a exigência cada vez maior de especialização por parte dos professores, onde ao especializar-se é natural o domínio maior de uns assuntos em detrimento de outros, o que, naturalmente, faz com que determinados temas sejam tratados com maior profundidade. Júnior (2015 p. 12) complementa escrevendo: 20 Essa exigência é para que cumpram, não só o plano de carreira estabelecido na LDB e qualificação nos concursos para serem admitidos ou promovidos, como também pelo entendimento que quanto mais especializados, melhores condições para um ensino com excelência estará garantido. Uma especialização requer escolhas direcionadas a determinados assuntos, temas, autores, e, em geral, alinhados com a própria visão de mundo do professor. Um professor que se sintaobrigado a garantir absoluto pluralismo de ideais naquilo que ensina, não pode ser um especialista, fazer um mestrado ou doutorado. Ele terá que permanecer um bacharel generalista para que não beneficie um assunto em detrimento de outro, pois todo e qualquer especialista ensinará mais e melhor aquilo que dedicou anos de estudo para lhe dar a cátedra que tem. Qualquer aluno que perceber que um professor aprofundou-se mais no tema que domina do que em outro que ele apenas estudou de forma mais geral, poderá denunciar esse professor por ferir esse princípio de pluralidade, seja por má-fé ou outro motivo […] Em seu inciso IV do Art. 5.º do PL 193/2016, é obrigatória a abordagem das principais versões concorrentes sobre as temáticas econômicas, socioculturais e políticas com a mesma profundidade. Muito justo, porém, com a quantidade mínima de períodos que as disciplinas de que tratariam deste tema dispõem por semana, como é o caso da Sociologia, fica muito difícil abordar sobre todas as correntes de pensamento com a devida profundidade. A situação citada pelo autor pode ser agravada caso o princípio da pluralidade seja relacionado com o da liberdade de crença (princípios IV e VII), como afirma esse mesmo autor: […] ao abordar, por exemplo, em estudos culturais, a tradição africana, o professor cumprirá um e ferindo outro, pois garantirá a pluralidade de ideias, mas poderá ferir o direito aos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções. O que dizer, por fim, de pais cujas convicções morais exijam que seus filhos não convivam com negros, índios, gays ou mulheres que vistam calças? (JÚNIOR, 2015 p. 13a). Já o Art. 3º do PL 867/2015 proíbe a veiculação de conteúdos ou realização de atividades que conflitem com as convicções religiosas ou morais dos pais. A contradição se explicita da seguinte maneira: Devendo haver pluralidade de ideias no ambiente acadêmico, não é possível pretender vedar a realização de atividades pedagógicas que possam de alguma maneira conflitar com as convicções religiosas e morais dos pais. O que a lei garante é que ninguém pode ser discriminado por sua raça, cor, religião, orientação sexual, política ou ideológica. O pluralismo é, em essência, a não discriminação. 21 Acerca das contradições apresentadas no projeto de Lei, para uma melhor compreensão, recorremos ainda a Júnior (2015 p. 13b): Há, claramente, no mínimo mais uma contradição performativa nesse caso. Propaga-se e exige-se algo no discurso que, na verdade, está vedado de se praticar. Mais uma vez, no entanto, a retórica capciosa do texto coloca à frente do artigo a óbvia vedação acerca da prática de doutrinação política e ideológica, sem que se especifique no que consistiria essa prática. Fica implícito, ao que podemos especular que para o proponente do projeto, tudo o que vai contra as convicções religiosas e morais dos pais dos alunos se constituam em doutrinação, sem se levar em conta que negar a possibilidade da pluralidade de ideias (algo exigido no próprio PL). Não há como exercer a pluralidade sem, em algum momento, confrontar a concepção moral ou religiosa dos pais, sob pena de retirarmos da escola a rica história da África e seus ritos, da Grécia e seus mitos e tantas outras culturas. Dando prosseguimento à análise, no parágrafo único do PL 193/2016, o senador Magno Malta propõe: O Poder Público não se imiscuirá na opção sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer, precipitar ou direcionar o natural amadurecimento e desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação dos postulados da teoria ou ideologia de gênero. (MALTA, 2016, p. 1 e 2). Percebe-se uma proibição às questões de gênero, como se na sociedade atual não existissem novos papéis de homens e mulheres e os diferentes arranjos familiares. Sobre isso Marco Antônio Teixeira (2016) se manifesta: Se o movimento é “Escola sem partido” não há nada mais partidarizado do que isso, pois traz em si uma concepção de sociedade de um determinado grupo. A sociedade de hoje é diferente da idealizada no projeto. O debate sobre gênero aparecerá. Outro dia uma aluna me questionou: Por que meu irmão pode jogar bola e eu tenho que lavar louça? Segundo o projeto, esse debate não poderia ser feito. Há uma visível indefinição sobre o entendimento de “ideologia de gênero”. O texto mostra claramente seu viés ideológico ao tomar a sexualidade como uma questão de opção, contrariando todos os estudos cujas conclusões sugerem o termo 22 “orientação sexual”. A falha conceitual de um projeto de lei que propõe mudanças na Lei vigente sobrepõe a crença ideológica dos proponentes aos estudos acadêmicos e científicos, cujos resultados mostram que a sexualidade tem estrita ligação com sexo biológico, identidade de gênero e preferência sexual por imposição cultural, mesmo que haja certa relevância estatística dessa coincidência. Almejar o pleno desenvolvimento da pessoa ao exercício da cidadania fica difícil se o que está no cerne da sua formação humana, a sexualidade, não for tratado de forma plural e não ideológica na escola. Júnior (2015, p. 14) afirma que: Proibir a discussão sobre gênero nas escolas, tratando-a como ideologia, sendo que a proibição traz consigo motivação ideológica, perpetua a desigualdade de poder relacionada a gênero de maneira autoritária e doutrinária. Além de promover a exclusão dos que não se alinham à corrente dominante que engloba de maneira coercitiva e politicamente sexo biológico, orientação sexual e identidade de gênero. A tranquilidade do professor para desempenhar suas funções será ameaçada, pois uma onda de “denuncismo” pode tomar conta das escolas, bastando que algo seja interpretado como doutrinação para que a repressão aconteça. Segundo Júnior (2015 p. 15): […] ambos os projetos prevêem que no descumprimento da Lei, assegurado o anonimato do denunciante, tanto o Ministério quanto as Secretarias de Educação deverão contar com um canal de comunicação para receber as reclamações de quem se dispuser a fazê-las. Não fica claro em nenhum momento de que forma as denúncias serão apuradas ou de que forma será avaliada sua pertinência, apenas obriga-se a esses órgãos que as encaminhe em sua totalidade ao Ministério Público. O professor ficará refém das possíveis interpretações de doutrinação que poderão surgir, algo que é muito temerário em um momento de extrema polaridade política e ideológica no qual vive o país. Seguindo na exposição do PL 193/2016, Malta (2016d) propõe: […] V – reconhecimento da vulnerabilidade do educando como parte mais fraca na relação de aprendizado; VI – educação e informação do estudante quanto aos direitos compreendidos em sua liberdade de consciência e de crença; 23 O fato de a escola ser apenas uma das fontes de informação e conhecimento parece ter sido ignorado pelos idealizadores do projeto. O adolescente de hoje dispõe de todos os meios de informação possíveis: blogs, sites, comunidades virtuais, redes sociais e tantos outros, isso no mínimo é subestimar a capacidade crítica dos alunos. De acordo com Lisias (2016): As convicções políticas se formam a partir de múltiplas experiências. A escola é apenas uma delas. A propósito, durante a vida nossas inclinações vão mudando, sendo testadas, aprimoradas e transformadas. As pessoas que defendem a pauta do movimento Escola sem Partido acham que o filho se dobra a qualquer opinião. Não sabe pensarsozinho e vai ter sempre a mesma idade. Acreditam, portanto, que colocaram idiotas no mundo. Portanto, o argumento que coloca o aluno como parte mais fraca no processo de aprendizagem referida no inciso V pode ser relativizada, visto que o estudante vem à aula munido de informações para um possível debate. Observa-se, ainda, a redundância do inciso VI do PL 193/2016 uma vez que esse tema já aparece no inciso IV, sendo natural a explicação ao aluno sobre o mesmo em caso de incompreensão. Cabe uma reflexão bastante oportuna de alguns temas polêmicos e contraditórios, já que os atores envolvidos são praticamente os mesmos, ou seja, a bancada parlamentar conservadora: O temor pela suposta '‘doutrinação’' que assombra aos simpatizantes desse projeto alegando “inocência intelectual dos jovens” é o mesmo que nega essa inocência na questão da redução da maioridade penal, quando afirmam que os adolescentes, ao cometerem crimes, sabem o que estão fazendo, têm maturidade suficiente e merecem ser punidos como adultos. (PÉRICO, 2015). Ainda na linha de análise do PL 193/2016, se tem: […] Art. 5.º No exercício de suas funções, o professor: […] III – não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas. […] (MALTA, 2016d) grifo nosso. 24 Parte do inciso III da citação acima sugere uma reflexão quando o texto faz referência a “incitar” a participação em manifestações, atos públicos e passeatas, qual seja: Quando algum direito igualmente constitucional está sendo, ainda que indiretamente violado como o direito à educação pela falta de professores ou o desvio da verba para a merenda, sendo a manifestação democrática permitida, não faz sentido proibir o professor de levantar essa questão já que a escola também deve educar para a cidadania. No que se refere à cidadania, Júnior (2015 p.3) afirma que: […] nos seus mais diferentes aspectos envolve ação política. Essas ações, por sua vez, envolvem a constante discussão e diálogo sobre os direitos civis e políticos que visam à organização da sociedade através da participação ativa dos próprios cidadãos. Conforme lembra, ainda, Júnior (2015, p. 4) “Para ser considerado cidadão, não apenas por direito, mas por definição, é preciso ser educado para tal” Sempre é bom lembrar que “cidadão”, em latim, civitas é a tradução literal do grego politikós, o morador da cidade, cuja motivação e comportamento estão voltados à participação ativa na gestão da coisa pública (res-publica) e ao bem público (JUNIOR, 2015 p. 4b). No intuito de contribuir para a formação de cidadãos conscientes é que se desenvolveram os estágios curriculares realizados nas escolas públicas de Porto Alegre, onde foram escolhidos as escolas, os materiais, os métodos e os temas que, da melhor maneira possível, contribuíram com esse processo. 3 MATERIAL E MÉTODOS Para a realização deste trabalho acadêmico foram utilizadas fontes primárias em pesquisa bibliográfica. Já para os estágios nas escolas os materiais utilizados variavam de acordo com os temas propostos. Foram usados os tradicionais quadro e giz em alguns momentos. Noutras ocasiões as fotos foram mais eficazes, culminando com o uso de recursos audiovisuais quando estes ilustravam melhor a aula proposta. Esses métodos 25 e materiais foram utilizados ao longo das duas fases que formaram os estágios curriculares. 3.1 FASE DAS OBSERVAÇÕES Na fase das observações busquei verificar a postura do professor e qual era a metodologia utilizada para o ensino da Sociologia, avaliando o grau de envolvimento e participação dos alunos em relação a questões sociológicas atuais como corrupção, violência, movimentos sociais, entre outras. Fiz algumas anotações que julgava importantes na medida em que as aulas se desenvolviam, nas quais registrei que era nítido o esforço dos professores em ministrar suas aulas tentando a participação ativa dos alunos, no entanto, o que se via era um monólogo exaustivo, um desinteresse muito grande com algumas exceções. Os poucos que mostravam interesse tinham suas intervenções atrapalhadas pela maioria. Tal situação ia à contramão dos objetivos do Projeto Político Pedagógico analisado, que buscava um ensino participativo, de excelência e, sobretudo, que tivesse utilidade para o aluno. Classificaria essa fase de observações como decepcionante e desanimadora para as pretensões de uma futura carreira docente, no entanto, acredito que só é possível melhorar e crescer onde há espaço e demanda para isso. E foi justamente o que percebi na realidade da sala de aula. 3.2 FASE DAS REGÊNCIAS Nessa fase foi onde realmente pude vivenciar a sala de aula como espaço transformador. Em escolas diferentes da etapa anterior e com total liberdade proporcionada pelos professores titulares das turmas, consegui abordar temas importantes como Direitos Humanos, Política, Ética e outros que, embora não estivessem na pauta dos professores, não trouxeram prejuízos aos seus planejamentos. De maneira introdutória, abordei sobre a história, a evolução e a consolidação dos Direitos humanos enquanto documento inspirador de algumas constituições de países democráticos. E, por fim, como componente da didática empregada, incitou-se 26 o debate e enalteceu-se toda e qualquer tentativa de pôr em prática os preceitos dos Direitos Humanos. Ministrei uma introdução à Sociologia, onde se abordou a origem, a evolução histórica, principais teóricos e suas respectivas obras, bem como alguns temas sociológicos contemporâneos. Apesar do caráter introdutório da aula de sociologia, fiquei certo que lhes forneci boas bases para um futuro aprofundamento dependendo, claro, do interesse de cada um. Nas regências foi possível romper aquela barreira professor/aluno que por vezes ultrapassa a necessária relação de respeito. Pude estabelecer uma linguagem leve e condizente com a realidade dos alunos, mas nem por isso menos didática e objetiva. Percebi que as experiências trazidas pelos alunos podem se constituir em farto material para uso em aulas, uma vez que foram estopins para calorosos debates e reflexões que confesso, não estavam previstos. Estar em sala de aula como professor é uma sensação maravilhosa, é ter a certeza de que farei parte, em certa medida, da formação de algumas pessoas, ainda mais levando temas de grande relevância que de alguma forma impactará em suas vidas. Esta fase é a praxis, é o ápice do meu processo de formação buscado ao longo dos sete semestres. 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO A missão de ensinar seguidamente ganha contornos de desafio, muito mais pela falta de recursos e investimentos do que pela atividade em si. No entanto, a escolha pela docência acaba por ser um aceite de tudo isso, não como resignação, mas por entender que é pela educação, e só através dela, é que as coisas podem acontecer e mudar. Se de um lado estamos nós, árduos defensores da causa e incansáveis incentivadores dos estudos, do outro lado está a realidade a nos contestar, a dar exemplos de sucesso sem esforço, por caminhos tortuosos e condenáveis, quase sempre sem volta. 27 Percebi na experiência fantástica dos estágios que ninguém fica indiferente quando há diálogo, quando suas histórias são ouvidas e ressignificadas pelo viés da compreensão e da empatia do interlocutor. Não existe assunto, por mais teórico que seja que não possa mostrar-se interessante quando está relacionadode alguma forma com a realidade dos alunos, ainda que a relação se dê apenas pela linguagem. Constatei que o aprendizado dos valores e princípios éticos não acontece apenas pela transmissão verbal, pelo contrário, sua transmissão depende dos exemplos, do exercício cotidiano das práticas éticas e do respeito integral à dignidade humana e às diferenças. Vivemos um tempo onde urge a necessidade de valorização da vida, do respeito às instituições democráticas e da busca pela paz. O que me faz entender que temáticas como direitos humanos, cidadania, política e ética devem ser uma constante em todas as etapas da educação, justamente para evitar os conceitos errados a respeito e as distorções de entendimento como as verificadas em sala de aula. Aprendi que a maneira mais eficiente de transmitir e cultivar esses valores transcende às palavras, requerer ações, nossas como futuros professores e de todos que têm sob sua responsabilidade a formação das futuras gerações. 5 CONCLUSÃO Chegar a uma conclusão definitiva esteve longe de ser o objetivo deste trabalho, sobretudo pela complexidade dos temas apresentados. Porém, foi possível apurar a necessidade de, pelo menos, a criação de uma espécie de código de ética profissional para o professor, pois, apesar dos episódios isolados de supostas doutrinações, algo de concreto ocorreu para que esse movimento ganhasse a dimensão atual. Não vejo a necessidade da criação de uma lei para dirimir problemas dessa natureza, bastaria uma discussão ampla no âmbito da escola com a participação de professores, pais, enfim, os membros da comunidade escolar. Junto à aprovação desta lei viria a criação de um canal de denúncias direto ao ministério público, o que certamente criaria um terrível clima de insegurança ao professor, prejudicando sobremaneira o desenvolvimento do trabalho em aula, limitando a espontaneidade tanto de alunos quanto de professores. 28 Ao tentar transformar de maneira sistemática o projeto “Escola sem Partido” em lei, demonstra claramente o atendimento a uma demanda ideológica, um modelo preconcebido de sociedade, ignorando sua história e sua dinâmica. No meu entendimento o projeto “mirou no alvo errado”, se ateve na polaridade política pela qual passa o país elegendo, covardemente, a educação e mais especificamente o professor como vilões, quando a qualidade do ensino e os poucos investimentos deveriam ser o foco. As rivalidades políticas acabam sendo um entrave, um desserviço ao país. E nesse embate interminável é a sociedade quem perde. Tal disputa não permite enxergar algo positivo no opositor, ou melhor, trata de negativar o que há de bom. Esquecem os detentores do poder que a sociedade não é uma “arena” de disputa de vaidades e projetos particulares de poder, mas um lugar de convivência, onde devem prevalecer a ética, o respeito e a preocupação com as gerações futuras. REFERÊNCIAS BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva 1998. BRANDÃO, R. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1981. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1934. Disponível em: <www.planalto.com.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 05 set 2016. CABANAS, J. M. Teoria da educação. Concepção antinômica da educação. Porto: ASA, 1995. CABRAL, Marco Aurélio dos Santos. Pensamento Sociológico e Educacional: Contribuições da Sociologia para a Educação. Porto Alegre: UNIASSELVI, 2014. 51 f. 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