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Aula 3 – A contribuição dos clássicos – Karl Marx (1818-1883) Boa noite, Hoje vamos começar a falar da contribuição de autores que são considerados clássicos na Sociologia. Começamos com Karl Marx. O filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) é mais conhecido como o principal teórico do movimento socialista e comunista internacional. Por isso mesmo, sua influência política foi enorme, pois, em algum momento do século XX, cerca de um terço da humanidade foi governada por regimes que se declaravam explicitamente marxistas. Além disso, as suas análises sobre a realidade econômica, social, política e filosófica de sua época influenciam ainda hoje pensadores de todo o mundo. Entre suas principais obras destacam-se “A Ideologia Alemã”, “Manifesto do Partido Comunista” e “O Capital”. História da humanidade e luta de classes Como outros teóricos socialistas, Marx via as sociedades de seu tempo dividido em classes sociais. São agrupamentos sociais nos quais as pessoas são inseridas de acordo com um critério econômico: a propriedade ou falta de propriedade dos fatores de produção (elementos utilizados pelo homem para produzir bens que suprem suas necessidades, como terra, ferramentas, máquinas, instalações produtivas). Isto significa que as sociedades estariam internamente divididas em agrupamentos sociais formados por pessoas que eram proprietárias daqueles fatores de produção e agrupamentos formados por pessoas que não eram proprietárias daqueles fatores. Ainda conforme aqueles teóricos, essa divisão em classes não seria exclusiva das sociedades atuais, mas viria há muito tempo na história da humanidade. Desde o período da Antiguidade, as classes sociais formadas por proprietários dos fatores de produção são compostas por uma pequena minoria da população total, enquanto as classes dos não proprietários seriam integradas pela imensa maioria da população. O fato de pertencer à classe dos proprietários dá enorme vantagem para seus integrantes: vantagens econômicas (são ricos), sociais (são mais bem considerados) e política (detém o poder político). Já as classes dos não proprietários normalmente são integradas por pessoas pobres, pouco importantes e sem poder político. Do ponto de vista econômico, um fator essencial é que, para se sustentar e a suas famílias, aqueles que não são proprietários dos fatores de produção precisam trabalhar para os que são proprietários. Os proprietários, por sua vez, vivem do trabalho daqueles que trabalham para eles (os não proprietários). Além de a divisão das sociedades em classes implicar desigualdades econômicas, sociais e políticas, Marx e os demais teóricos socialistas diziam que em todas as sociedades as classes dos proprietários exploram as classes dos não proprietários. Por exploração deve-se entender que, embora a produção de bens e riquezas seja produzida pelos não proprietários de fatores de produção, a maior parte do que é produzido é embolsado pelos proprietários, enquanto os não proprietários recebem apenas uma pequena parte do que produzem. Ou seja, os proprietários vivem do resultado do trabalho daqueles que, por não serem proprietários, precisam trabalhar para sobreviver. Em consequência, em todas as sociedades, sempre uma pequena minoria de proprietários privilegiados explora a imensa maioria trabalhadores não proprietários. Ora, é evidente que as classes dos não proprietários podem vir a não concordar com sua situação social inferior em relação às classes dos proprietários e procurar rebelar-se, acabando com a situação de desigualdade e privilégios para uns poucos. E, de fato, segundo Marx e os socialistas, até hoje a história da humanidade tem sido movida por lutas entre os proprietários e os não proprietários, chamadas de lutas de classes. É sempre bom relembrar que, ainda de acordo com Marx e os socialistas, essa divisão das sociedades em classes não existiu sempre; surgiu em determinado momento da história da humanidade. Quando os povos primitivos levavam um estilo de vida nômade, baseado na coleta, caça e pesca, não havia divisão das sociedades em classes. Todos produziam e eram donos dos fatores de produção, usufruindo igualitariamente dos frutos de seus trabalhos. As classes e as lutas de classes só teriam surgido após as sociedades abandonarem a vida nômade pela sedentária e o homem ter desenvolvido as atividades de agricultura, artesanato e comércio, época em que teriam surgido as primeiras cidades, há cerca de 10 mil anos. O novo estilo de vida ampliou a divisão do trabalho (especialização profissional) e implicou também o surgimento da propriedade privada sobre os fatores de produção que até então eram de uso de todos. Diga-se ainda que, embora a divisão da sociedade em classes acompanhe há muito tempo a história da humanidade, cada período histórico (Antiguidade, Idade Média, Era Moderna e Contemporânea) apresentam classes diferentes e distintas modalidades de relações entre elas e de exploração. Em conseqüência, embora ocorra que quase toda a história (escrita) seja uma história das lutas de classes, isso não significa absolutamente que o que constitui uma “classe” seja idêntica em cada tipo de sociedade de classes, ou que o processo de desenvolvimento do conflito de classes tome, em todos os lugares, o mesmo caminho. A economia sob o Capitalismo Ainda conforme Marx, a história da humanidade sob o regime de divisão em classes pode ser dividida em períodos que correspondem a determinadas maneiras de organizar a economia, ou, “modos de produção”. Cada tipo histórico de sociedade (sociedade antiga, feudalismo e capitalismo) está estruturado em torno de uma divisão no que se refere a relações de propriedade (representadas mais simplesmente em cada caso como uma divisão entre patrício e plebeu, senhor e vassalo, capitalista e trabalhador assalariado). Na Antiguidade, por exemplo, vigia o modo de produção “Escravista”. O centro da economia eram as atividades não urbanas (agricultura, mineração) e urbanas (artesanato, comércio). A produção era essencialmente baseada em trabalho escravo. Assim, a sociedades antigas estavam divididas essencialmente entre escravos e seus senhores. O fruto do trabalho dos escravos era naturalmente apropriado pelos seus senhores. A escravidão, resultado tanto do nascimento quando de derrotas em guerras, era aceita como coisa natural, uma vontade dos deuses, carecendo de justificativa a exploração do trabalhador (o escravo) pelo proprietário (seu senhor). Já no período da Idade Média, o modo de produção escravista teria sido substituído por outro modo de produção, o “Feudal”. Aqui, a economia tinha se deslocado fortemente para o campo. Era essencialmente agrícola. A imensa maioria da população era camponesa e nas cidades, pouco populosas, viviam a burocracia pública e eclesiástica, comerciantes e artesãos. As relações econômicas entre proprietários e trabalhadores já não se baseavam na escravidão. Os trabalhadores do feudalismo europeu já não eram propriedades pessoais de ninguém. Não eram, porém, totalmente livres; estavam “presos” à terra onde tinham nascido, que não era deles, mas do senhor feudal. Pelo direito de viver e trabalhar na terra do senhor, os camponeses deveriam dar ao senhor parte de sua produção, e não podiam retirar-se da terra que lhes foi atribuída, nascendo e morrendo lá. Por isso, estas relações trabalhistas eram conhecidas como servis. As relações de classes opunham grandes proprietários de terras (os senhores), nobres que se dedicavam à guerra, e os servos do campo. Já a organização das sociedades moderna e contemporânea (aquelas historicamente mais próximas de nós) era chamada por Marx e os socialistas de sociedade “capitalista”. Capitalista porque a modalidade de propriedade que caracteriza essas sociedades é o capital, um conjuntode recursos que, a partir de uma forma monetária (dinheiro do empresário para ser investido na produção) se transforma nos demais fatores de produção (terra, recursos naturais, ferramentas, máquinas, matérias- primas, e trabalho assalariado contratado entre os não proprietários). No modo de produção capitalista, as classes principais são a burguesia (classe dos proprietários) e proletariado (classe dos não proprietários, ou trabalhadores). A a forma de exploração da classe não proprietária pela proprietária foi chamada por Marx de “mais-valia”. Sob o capitalismo, relacionam-se no mercado agentes formalmente livres: o burguês, que compra força de trabalho, isto é, contrata trabalhadores em troca de um salário, e o proletário, que vende sua força de trabalho (capacidade de realizar um trabalho qualquer durante uma jornada de trabalho por dia). O proletário não é um escravo, que é propriedade do senhor, nem servo, preso à terra onde nasceu e trabalha. Ele trabalha para quem quiser. Por isso, é um trabalhador “livre”. A exploração característica do capitalismo, a extração de mais-valia, realiza-se no ambiente da produção. Por ser proprietário dos negócios (o capital), o burguês fica com a riqueza produzida e transferindo para o trabalhador somente uma parte do que este produziu (o salário). Assim, entre o que foi produzido pelo trabalhador e o que este recebe de salário existe uma diferença, chamada mais-valia, que é embolsada pelo patrão (grosso modo, corresponde ao lucro bruto da empresa). Exploração e sociedade de classes no Capitalismo Então, note-se que sob o capitalismo permanece a divisão da sociedade em classes de proprietários e não proprietários, a relação de exploração da minoria (os proprietários-empresários-burgueses) sobre a maioria da população (não proprietários- trabalhadores-proletários), e a luta de classes. A exploração ocorre porque o proletário (trabalhador), para sobreviver, é obrigado a vender sua força de trabalho para o burguês (empresário). Mas embora essa divisão entre duas classes, burguesia e proletariado, seja o “eixo” principal da estrutural social no capitalismo, existem outras classes ou agrupamentos sociais que, porém, não tem a mesma importância. São, por exemplo, as classes que tinham sido dominantes no modo de produção anterior (o feudalismo): os grandes proprietários de terras e os trabalhadores do campo. Embora o modo de produção tenha passado de feudal para capitalista, essas classes “antigas” não desapareceram, pois uma mudança social radical não se realiza de um dia para o outro, mas constitui um processo extenso de desenvolvimento. Já as chamadas “classes médias”, integradas por funcionários, pequenos proprietários, pequenos empresários constituem um tipo em “transição” (por exemplo, que vai acabar se transformando em proletariado ou em burguesia), ou são segmentos de classes mais amplas. A burguesia e o proletariado surgiram na transição do modo de produção feudal para o capitalismo. No modo de produção feudal, a burguesia era uma classe pouco importante de artesãos e comerciantes, habitantes das cidades. As classes mais importantes da época eram os grandes proprietários de terras (senhores feudais) e a dos trabalhadores do campo (servos). Mas ao final da Idade Média, as cidades cresciam, e com ela a importância e o poder da burguesia. O crescimento dos negócios tornou os pequenos artesãos e comerciantes em grandes empresários, que passaram a empregar trabalhadores assalariados, primeiro em manufatures e depois em grandes fábricas. Esse fenômeno se aprofundou a partir do século XVIII, com a Revolução Industrial. Quando o capitalismo substitui o feudalismo, isso ocorre porque um novo sistema de classes, baseado na manufatura e centrado nas cidades, criou uma espécie de enclave dentro da sociedade feudal que veio por fim predominar sobre a estrutura agrária de dominação feudal. A partir daí, o centro das sociedades vai se deslocando do campo para as cidades, que crescem bastante. A burguesia, que tinha se tornado econômica e socialmente poderosa, foi buscar também o poder político, apoiando movimentos como a Revolução Francesa que deslocou do poder a velha nobreza. Já o proletariado também foi crescendo com o avanço da industrialização na Europa, porém vivendo em condições extremamente precárias nas grandes cidades. Esta situação estimulou movimentos de revolta dos trabalhadores nos começos do século XIX. Nestas primeiras manifestações de lutas de classes sob o capitalismo, entretanto, o proletariado estava muito desorganizado politicamente. Só aos poucos é que foram surgindo movimentos e partidos políticos de trabalhadores, chamados à época de socialistas, ou social-democráticos. O capitalismo, além de basear-se numa nova relação de classes em comparação com o feudalismo, transforma radicalmente as bases econômicas do regime feudal. Este era baseado sobretudo na comunidade local de pequena escala: a produção é ajustada principalmente para as necessidades da comunidade. A difusão do capitalismo, entretanto, destroi inexoravelmente tanto os laços e a fidelidade feudais quanto o caráter relativamente “autocontido” da comunidade local. Já o capitalismo estimula o crescimento dos mercados nacional e internacional. A estrutura de classes do feudalismo é mediada por laços personalizados de fidelidade legalmente sancionados na diferenciação entre os estamentos. Estas não são relações puramente “econômicas”; na estrutura do estamento, os fatores econômicos e políticos estão fundidos. Enquanto que o capitalismo, as relações de classes são governadas pelos laços contratuais introduzidos pelo capital e pelo trabalho assalariado no mercado: Em formas anteriores de sistemas de classes, a motivação exploradora das relações de classes é facilmente perceptível: uma quantidade definida do produto é entregue, por exemplo, pelo vassalo ao seu senhor. Mas o capitalismo, como a política econômica ortodoxa enfatiza, “libertou” os homens da sujeição a trocas injustas. No mercado capitalista, a derivação da mais-valia não é determinada pela extração direta do lucro do trabalho assalariado, tanto pela força quanto através da apropriação consuetudinária: o trabalho, como qualquer outro produto, é “comprado e vendido por seu valor” no mercado. Ideologia e luta de classes Marx dizia que toda a história da humanidade tinha sido vivida, até então, sob o signo das lutas de classes. Naturalmente, assim se passava também no capitalismo, ou seja, as lutas entre o proletariado que queria escapar à situação de exploração e a burguesia que queria manter esta relação que a favorecia. Portanto, a questão que se coloca para a burguesia é como manter-se como classe exploradora, como manter seu domínio sobre a classe proletária. Em toda sociedade de classes, inclusive no capitalismo, há dois dispositivos básicos com os quais a burguesia mantém seu domínio de classe: pela força das armas e pela força das idéias. Controlando o poder político, o Estado, a burguesia controla a polícia, as forças armadas, o sistema judiciário que, com a violência que podem exercer, controlam as revoltas do proletariado, evitam as revoluções. Já com a ideologia, as classes dominantes obtêm o controle sobre os dominados. Ideologias são conjuntos estruturados de “visões de mundo”, modos de pensar, “filosofias” que garantem a manutenção da ordem. Toda classe social possui sua “visão de mundo”, mas, por ser a classe dominante, a burguesia impõe para toda a sociedade (para dominantes e dominados) sua ideologia (como dizia Marx, a ideologia de uma época é sempre a ideologia da classe dominante). A “visão de mundo” transmitida pela burguesia para o proletariado esconde a exploração que acontece no processo produtivo, isto é, a injustiça do fato de que o trabalhador recebeapenas uma pequena parte das riquezas que produz, que vão parar no bolso do patrão. A ideologia esconde a exploração porque apresenta as relações de classes, que são relações sociais, criadas pelos homens ao longo de sua história, como relações “naturais”, isto é, coisas imutáveis, que não podem ser transformadas e que são justas por isso mesmo. Assim, por exemplo, a ideologia burguesa apresenta as relações entre patrões e empregados como relações contratuais livres, em que cada um participa por sua livre e espontânea vontade, porque quer. O patrão contrata o trabalhador porque é sua vontade, porque quer tocar seu negócio, e o trabalhador torna-se um assalariado também porque quer. As relações de contrato de trabalho que se estabelecem entre patrão e empregado aparecem assim como “naturais”, justas, porque decorrem da vontade de ambas as partes. Mas essa ideologia ignora que o trabalhador é obrigado a se assalariar, não o faz por sua “livre e espontânea vontade”, mas porque disso depende sua sobrevivência. Já o patrão não sofre a mesma obrigação. Da mesma forma, como as relações de trabalho sob o capitalismo transcorrem com justiça, sob as vontades “iguais” de ambas as partes, nada mais justo que o patrão, por ser o dono do capital, do negócio fique com o lucro e pague ao trabalhador um salário (que é apenas uma parte da riqueza que o trabalhador produziu). A exploração, a desigualdade das relações patrão-empregado não aparecem na consciência das pessoas, porque a ideologia burguesa as apresenta como o resultado de uma troca justa no mercado: o patrão compra a força de trabalho e o trabalhador a vende. É como se fosse uma simples transação entre um comprador e um vendedor: toma lá uma dúzia de laranjas e dê cá R$ 5,00. Além de esconder a exploração entre as classes, a ideologia também reforça a dominação da burguesia escondendo a injustiça das desigualdades sociais. Para Marx e os socialistas, as desigualdades sociais tinham sua origem no fato de que uma minoria era proprietária dos meios de produção e a maioria, não proprietária, não tinha alternativa a não ser empregar-se para sobreviver. Essa seria a origem das diferenças de riqueza, prestígio e poder político na sociedade capitalista. Mas o que diz a ideologia burguesa? Diz que as desigualdades sociais se devem a fatores “naturais”: esforço pessoal, vontade de trabalhar, inteligência etc. Assim, o pobre é pobre e o rico é rico porque o rico é trabalhador, diligente, inteligente, enquanto o pobre é vagabundo, burro e não se esforça. Todos os membros de todas as classe sociais estão submetidos aos efeitos da ideologia da classe dominante. O efeito que ela causa sobre a classe dominada é deixá- la conformada com a situação em que se encontra, por não ver as injustiças escondidas pela ideologia. A ideologia burguesa divulga aos quatro ventos a idéia de que sob o capitalismo se vive sob os benefícios da liberdade, do gozo dos frutos da propriedade privada. Mas quem pode usufruir de liberdade e da propriedade privada no capitalismo é a burguesia, não o proletariado. Assim, embora as relações de classes sejam necessariamente instáveis em essência, a classe dominante procura estabilizar a sua posição pela promoção de uma ideologia legitimadora que “racionaliza” a sua posição de dominação política e econômica e “explica” à classe subordinada por que ela deve aceitar tal subordinação. Contradições e crises Mas apesar de contar com o poder repressivo do Estado e da difusão de sua ideologia sobre as classes dominados, Marx e os socialistas acreditavam que o fim do capitalismo seria inevitável. Em primeiro lugar, o próprio capitalismo não poderia fugir a crises econômicas cada vez mais severas. Em segundo lugar, eles acreditavam que quanto mais o capitalismo avança, se consolida, maior é a exploração sobre as classes trabalhadoras, de modo que nem mesmo a ideologia burguesa conseguirá esconder para sempre as injustiças sociais. O capitalismo padeceria de duas contradições básicas. Por um lado, o aumento das riquezas da burguesia e a pobreza cada vez maior do proletariado. Tal contradição traria um estímulo cada vez maior para o trabalhador se revoltar com sua situação. Ademais, o empobrecimento crescente do trabalhador diminuiria cada vez mais o mercado para o escoamento da crescente produção das empresas, o que também geraria uma crise no capitalismo. Além disso, haveria uma contradição entre as necessidades de expansão econômica e a propriedade privada da produção, isto é, chegaria um momento em que a propriedade privada se tornaria um estorvo à expansão econômica, devendo ser superada por um novo tipo de propriedade, incompatível com a sociedade capitalista. Note-se que estas seriam crises econômicas inerentes ao próprio modo de produção capitalista, que acabaria sendo substituído por um novo modo de produção, o socialista. O mercado capitalista é “anárquico” no sentido de que não há nenhuma organização social mediadora entre a produção e o consumo. Na comunidade feudal (como em qualquer economia tradicional) a produção é ajustada às necessidades conhecidas da localidade. Mas esse vínculo é quebrado com a chegada de um sistema bem mais amplo e complexo de troca de mercadorias, que constitui o mercado capitalista. De acordo com Marx, é a desarticulação entre a produção e o consumo que fornece o background para a ocorrência de crises, que são endêmicas no capitalismo. No capitalismo, pela primeira vez na história humana, um volume considerável de superprodução é possível: “superprodução” não necessariamente em termos de necessidades reais, mas em termos da capacidade dos consumidores para comprar os bens em questão. A ocorrência de crises e as falências em negócios provocadas por elas fornecem um ímpeto maior para a concentração e centralização do capital, expresso, por um lado, no crescimento de grandes firmas a expensas de negócios menores, e, por outro, na emergência de bancos estatais, estabelecimentos de financiamentos etc. A sociedade anônima é importante porque proporciona uma demonstração aberta do fato de que a indústria moderna pode funcionar sem a intervenção direta da propriedade privada. A sociedade anônima, então, como “o desenvolvimento final da produção capitalista”, acarreta “a abolição do modo capitalista de produção dentro do próprio modo capitalista de produção”. Isso não é socialismo, porque a sociedade anônima ainda funciona dentro do quadro de referência global do mercado capitalista; entretanto, ela representa a emergência de um conjunto de relações de produção bastante distintas das que caracterizam a estrutura original do capitalismo. Como resultado do seu próprio funcionamento, portanto, o capitalismo transforma-se “de dentro para fora”. Ele é assim levado a mover-se em direção a um novo tipo de ordem econômica e social, mas isso só pode ser feito pela ação revolucionária da classe trabalhadora. De fato, Marx vai ressaltar que as simples crises do capitalismo não levarão a sua superação. Para que venha o socialismo, a classe trabalhadora tem que atuar politicamente, tomando o poder numa ação revolucionária. Ora, para que a classe trabalhadora se torne revolucionária é indispensável, em primeiro lugar, que ela tome consciência de sua situação de classe. A piora da posição relativa da classe trabalhadora fornece a combinação de circunstâncias que promovem o desenvolvimento da consciência de classe do proletariado. Entretanto, outros fatores, eles próprios endêmicos do modo de produção capitalista, facilitam a criação da consciência de classe. Eles incluem a concentração da classe trabalhadora nas áreas urbanas e a criação de unidades produtivas de grande escala, que dão ao homem uma percepção imediata de sua posição comum (uma percepção que também é clarificada pelas súbitasprivações experimentadas nas crises periódicas a que o capitalismo está sujeito. Mas a “consciência de classe” só é significativa quando toma uma forma organizada e, mais especificamente, política. O próprio caráter da democracia burguesa, com a sua esfera do “político” claramente delineada, possibilita formas de união e organização de partidos que podem fomentar as reivindicações revolucionárias da classe trabalhadora. Socialismo e o fim das sociedades de classes E quando vier, o que deverá ser o socialismo? O socialismo implicará o fim, a substituição do capitalismo por um novo modo de produção. Mas, segundo Marx, esse novo modo de produção não trará novamente a divisão da sociedade em classes. Quando o proletariado tomar o poder da burguesia, acabando com o capitalismo, ele vai inaugurar, pela primeira vez na história, uma sociedade sem classes, sem exploradores e explorados, sem opressores e oprimidos. Embora o capitalismo, como o feudalismo, carregue dentro de si “o germe de sua própria destruição” e essa tendência autonegadora também se expresse sob a forma de luta de classes manifestas, o seu caráter subjacente é bastante diverso daqueles relativos ao declínio do feudalismo. O conflito de classes no capitalismo não representa a luta de duas formas de técnicas em competição, mas deriva, ao contrário, da incompatibilidade de uma técnica produtiva existente (manufatura industrial) com outros aspectos do “modo de produção”, ou seja, a organização do mercado capitalista. O acesso de uma nova classe ao poder não envolve a ascendência de uma nova forma de propriedade privada, mas, em vez disso, cria as condições sob as quais a propriedade privada é abolida. Quando isso acontecer, na chamada sociedade “comunista”, a divisão das sociedades em classes deixará de existir, assim como o Estado e seu aparato repressivo (que, historicamente, só teria servido para reprimir os trabalhadores) e as pessoas poderão livremente realizar-se conforme suas potencialidades.
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