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FISCHEL, Walter J. O uso de fontes de históricas por Ibn Khaldun1. Tradução Lilian de Souza Pereira e Tamires Sodré de Paula; Coordenação Profª Drª Samira Osman; Trabalho de conclusão da matéria História da Ásia; Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas; Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). O grande legado com o qual Ibn Khaldun tem nos beneficiado consiste em sete volumes de seu “Ibar” (o qual o primeiro volume é o famoso Muqqadimah), de sua “Ta’rif” ou “Autobiografia” e com alguns outros pequenos trabalhos que apenas recentemente tornaram-se conhecidos, como seu as his "Lubab al-Muhassal fi Usiul ad-Din"e seu "Shifa' as-Sa'il li-Tahdhib al-Masa'il". O renascimento de um interesse em seu legado, no ocidente tanto quanto no oriente, manifestou-se recentemente em novas traduções de seu Muqqadimah para o inglês, persa, turco e português e na publicação de numerosas antologias em diversas línguas e até mesmo na reimpressão de uma nova edição Bulaq de seu Ibar com índices valiosos e uma nova edição crítica do texto de Muqqadimah em progresso. As contribuições de Ibn Khaldun para a historiografia islâmica e geral, feita em seu Muqqadimah, tem sido exposta desde do dia de seu “Descobrimento europeu”, estão novamente tornando-se um novo tema para as recentes pesquisas. Apesar do retorno deste interesse em Ibn Khaldun, deve-se salientar que o aspecto mais elementar com o qual alguém atualmente deveria iniciar seus estudos sobre Ibn Khaldun como historiador ainda não avançou, especialmente com relação à investigação das fontes por ele usadas para sua História Universal. Ibn Khaldun não era apenas um filósofo da história, ele era um historiador, que assim como qualquer outro muçulmano ou historiador do 1 Tradução do texto : Fischel, Walter J. "Ibn Khaldūn's Use of Historical Sources." Studia Islamica (1961): 109-119. Ocidente dependia dos registros do passado que o precederam. Não se pode avaliar e apreciar Ibn Khaldun como um historiador e posicioná-lo adequadamente nos anais da historiografia geral e islâmica até e a menos que se faça um estudo crítico dos métodos e caminhos com os quais ele fez uso de todas as fontes que ele citou e utilizou, e não apenas no “Prolegômenos”, mas em todos em seus escritos históricos. A negligência de tão elementar e primária tarefa se torna ainda mais assombrosa se pensarmos que Ibn Khaldun é um dos poucos historiadores muçulmanos que foi mais consciencioso em mencionar, de forma deveras muito escrupulosa, as autoridades e fontes de onde extraiu, e cujos escritos abundam em incontáveis citações e referências de muitas fontes do passado. Este descuido pode ser devido à geralmente costumeira porém errônea visão de que Ibn Khaldun não teve precursores no que diz respeito às suas ideias sócio-filosóficas e que suas principais fontes eram suas próprias experiências e reflexões a respeito, e a abstração de seu conhecimento com relação à cena contemporânea das dinastias Árabes e Berberes. Ainda que assim fosse, poderia ser aplicado com um certo grau de justificação apenas na “Prolegômenos”, e não nos outros seis volumes de seu “Ibar”. Esta é, portanto, uma das prementes tarefas para uma verdadeira compreensão de Ibn Khaldun como historiador para iniciar uma nova abordagem metodológica e investigar sistematicamente as obras históricas, biográficas e geográficas (sem falar das fontes como o Hadith, Fiqh, Teologia e Ciência) usadas por ele e citadas expressamente, além de estabelecer de forma incisiva não apenas de quem a utilizou, mas também como estas autoridades foram usadas. Uma investigação desse porte exige tratamento monográfico de toda e qualquer fonte histórica importante da qual Ibn Khaldun dependeu, seja uma fonte muçulmana, cristã ou judaica. Como contribuição para tal investigação, o presente estudo pretende tratar apenas com uma parte destas fontes históricas usadas por Ibn Khaldun explicitamente para o trato com a história não-Árabe e pré-islâmica, e através das quais ele poderia fazer uma maior contribuição para a história da religião e para a religião comparativa como um todo. Pode parecer surpreendente àqueles que que consideram Ibn Khaldun como historiador islâmico do Ocidente e do Oriente, como predominantemente um historiador dos Berberes e Árabes, vê-lo classificado aqui como um historiador da religião, como um acadêmico que contribuiu para a religião comparada. É bem sabido que a contribuição de Ibn Khaldun à história não se limita a si mesmo e suas ideias filosóficas e sociológicas como se vê no "Prolegômenos", e nem à história do Ocidente Islâmico, os Bérberes e Árabes do Magreb no Norte da África e Espanha, nem tampouco à história do Oriente islâmico, da história de Barquq e da dinastia mameluca, dos tártaros e mongóis e do califado oriental. Sua contribuição à erudição histórica foi além dos confins do Islã e transcendeu sua própria civilização muçulmana. Abrangeu também, em grande parte, o mundo islâmico, a história dos povos não-árabes e não-islâmicos. Em seu "Prolegômenos" ele já havia demonstrado seu interesse na história de povos antigos e religiões, assim como provado através de muitas referências a estes aspectos e aplicando alguns destes conceitos sócio-históricos a personalidades e eventos do mundo não-islâmico para fins de comparação e ilustração. Examinando-se e reunindo-se todas estas referências dispersas na totalidade de seus trabalhos sobre os movimentos religiosos, manifestações e instituições dos povos não-islâmicos pode-se concluir que Ibn Khaldun fez grandes esforços para familiarizar-se com as religiões não islâmicas. É principalmente o segundo volume de seu “Ibar” que reflete os resultados destes esforços. Nele, ele apresenta a história do pré-islamismo e dos povos não árabes e suas religiões como os Babilônios, Egípcios, Nabateus, Gregos, Romanos, Bizantinos, Persas, Judeus e Cristãos, revelando um lado totalmente novo de sua personalidade acadêmica, à qual até o momento não se deu a devida atenção. A disponibilidade dos incontáveis tesouros no Egito, o acesso a novas fontes históricas do Egito e Síria, o contato com eruditos nativos assim como as viagens e visitas a estes eruditos no Egito devem ter ativado e estimulado Ibn Khaldun à fazer uma contribuição substancial para a compreensão da história dos povos não-islâmicos. Dificilmente pode ser alegado ou averiguado que a totalidade do material apresentado no segundo volume é o resultado de sua pesquisa acadêmica no Egito. Algumas das fontes citadas por ele, em sua maioria as muçulmanas, sem dúvida, a ele disponibilizadas no Magreb, mas algumas das principais fontes Cristãs e Judaicas que ele meticulosamente citou devem ter chamado sido descobertas apenas enquanto estivera no Egito. O que eram estas fontes Cristãs e Judaicas que se tornaram acessíveis à Ibn Khaldun durante sua estada no Egito e o que lhe permitiu lidar tão extensivamente com o mundo não-Islâmico? (A) Fontes Cristãs Suas fontes cristãs eram divididas em ocidentais e orientais . Horosius A fonte cristã ocidental mais citada para a história do mundo não-Árabe e pré-Islâmico é o trabalho do aluno de Santo Agostinho, Paulo Orósio (Século V), que ele chama de “o historiador de Roma”. Se seu escrito latino "Historae Adversum Paganos”, a primeira história contínua do mundo de um ponto de vista Cristão, uma tradução árabe foi feita no século X, que Ibn Khaldun pôde usar, citando-a continuamente como uma de suas fontes mais importantes. O fato de Ibn Khaldunnão ter utilizado Orósio em sua abordagem do Islã Ocidental e os Berberes e não tê-lo referenciado em seu “Prolegômenos” pode muito bem apoiar a hipótese de que uma cópia da tradução Árabe do Horosius tornou-se acessível a ele apenas quando estava no Egito. Ele estava aparentemente tão impressionado com seu “historiador de Roma”, que até mesmo nos fornece detalhes sobre o tradutor deste trabalho e nos informa que foi traduzido do Árabe no século X, no tempo do Califa Omíada al-Hakam II al- Mustansir (915-976), pelo cristão Cadi de Cordova, Qasim ibn Asbag. Ibn al-'Amld As fontes cristãs do oriente que Ibn Khaldun usou diligentemente, especialmente os autores Melquitas e Coptas, são classificados por Ibn Khaldun como os “historiadores dos Cristãos” entre os quais o mais proeminente era Jirjis al-Makin, conhecido como Ibn al-'Amid (d. 1273)e sua História do mundo em Árabe, "Majmi' al-Mubarak". Não obstante o fato de que Khaldun faz a referência de Ibn al-'Amid em um ponto da "Prolegômenos" que aparenta ter sido adicionada posteriormente – pode mostrar poucas dúvidas de que a história de Ibn al-'Amid tornou-se conhecida a Khaldun apenas no Egito. Ibn Khaldun cita al-'Amid quase tão extensa e frequentemente como ele faz de Orósio, e dele ele extraiu uma grande quantidade de informações sobre a história dos Persas, dos Gregos, dos Romanos, dos bizantinos, e sobre o Judaísmo e Cristianismo pós-bíblicos. Juntamente com Ibn al-'Amid, Ibn Khaldun usou trabalhos escritos em árabe de um autor Copta, o "Ta'rikh" de Abu Shakir Butrus, conhecido como Ibn ar-Rahib (d. 1282), e ele também se referia regularmente a outro autor Cristão, Ibn Musabbihi, ou al-Musabbihi, todos os quais ele chamava coletivamente, como se nota acima, os “historiadores dos Cristãos”. Além destes autores Cristãos, Ibn Khaldun usou também o trabalho de Êutico (d. 940), os patriarcas Melquitas de Alexandria, conhecidos em árabe como Sa'Id ibn Batrlq ou (Bitriq), E ele se refere a um certo Abi Fanlyis, sob o qual evidentemente está oculto Epifânio, o bispo copta de Ciro; e a Yiuhanna Fam adh-Dhahab, como sendo João de Antioquia, o patriarca de Constantinopla, conhecido como João Crisóstomo (d. 407). Proto-Evangelho de Jacó. Em sua busca pelo máximo de cobertura documental de seus vários temas, Ibn Khaldun conseguiu, em muitos casos, descobrir algumas fontes incomuns. Uma fonte tão incomum para seu esboço da História de Jesus e do Cristianismo foi “o livro de Jacó, o Filho de José, o Carpinteiro”, que auxiliou Ibn Khaldun Que ajudou Ibn Khaldun a complementar seu conhecimento derivado dos Evangelhos canônicos, e especialmente do Evangelho de Mateus. Este "Livro de Jacó" é aparentemente um evangelho apócrifo, um Proto-Evangelho de Jacó, o qual as primeiras traduções árabes e coptas são conhecidas como existentes, e que evidentemente chegou às suas mãos provavelmente através do contato com acadêmicos cristãos no Egito. Ibn Khaldun fez uso desta fonte em sua apresentação da origem e crescimento do Cristianismo e o referenciou em cinco diferentes momentos, introduzindo suas declarações com “Eu copiei do Livro de Jacó...”, “Eu li no Livro de Jacó”, “Está escrito no Livro de Jacó”, etc. Até onde pode ser verificado, nenhum outro historiador muçulmano antes dele mencionou e usou explicitamente esta fonte. (B) Fontes não identificadas Ibn Khaldun refere-se também a uma série de outras fontes que até agora não foram identificadas, como Baba as-Sabi al-Harrani e um certo Dahir ou Dahar, a quem ele chama de "historiador dos sírios" e, em outro contexto, “O historiador da regra persa.” (C) Fontes Judaicas Ibn Khaldun também fez uso extensivo de fontes judaicas. Sua principal fonte foi o Torá, citando-o em muitos contextos, também referindo-se especificamente ao Livro dos Juízes, aos Livros dos Reis, aos Salmos e ao "Isra'iliyat". Sob o termo "Isra'iliyat" ele se referiu a uma fonte no mínimo de origem judaica, e ele considerava os transmissores de "Isra'iliyat" como "pessoas da Torá", judeus e cristãos, que viviam entre os árabes, principalmente Himiaritas convertidos ao judaísmo, que disseminaram uma grande massa de histórias, lendas e tradições entre o povo árabe com a intenção de glorificar o passado de Israel e seus heróis bíblicos. Ibn Khaldun percebeu, como outros haviam feito antes dele, que essa massa de tradição formou um fator importante que moldou muitas crenças e idéias no Islã, um fluxo significativo através do qual o pensamento e a influência judaica penetraram na tradição e literatura islâmica. Entre os transmissores mais proeminentes de "Isra'iliyat" menciona Ka'b al- Ahbar, Wahb b. Munabbih, e 'Abdallah b. Sallam. Ibn Khaldun descobriu também uma fonte judaica incomum para sua abordagem da história judaica pós-bíblica, ou seja, a crônica de Yusuf ibn Kuryun que, como ele afirma explicitamente, tornou-se disponível para ele apenas no Egito e que se tornou uma das mais citadas autoridades não- muçulmanas para a história pós-bíblica e romana. Foi o entusiasmo de Ibn Khaldun por ter encontrado esta fonte - aparentemente depois de uma longa busca - que deve tê-lo levado a fornecer um relato muito detalhado da obra e de seu autor, como ele não fez com qualquer outra fonte de material. Deste modo, ele escreve: "Chegou-me nas mãos, enquanto eu estava no Egito, um livro de um dos sábios dos Judeus, um dos contemporâneos daquele período específico, que tratava da história do Santo Templo e dos dois reinos durante os períodos entre a primeira destruição de Nabucodonosor e a segunda destruição de Tito, quando ocorreu o "grande exílio". O livro continha a história dos dois governos, a da Casa dos Hasmoneus e a da Casa de Herodes. Eu resumi o seu conteúdo como o encontrei no livro, pois eu não encontrei nada sobre este assunto de nenhum outro autor." Sobre o autor do livro, Ibn Khaldun declara: “Ele foi chamado Yusuf ibn Kuryuin e foi considerado como o mais influente dos judeus e um dos seus generais quando os romanos marcharam contra eles. Vespasiano, o pai de Tito, o atacou e o acossou com força. Yusuf fugiu para uma das passagens da montanha e se ocultou ali. Ele (Vespasiano) conseguiu então capturá-lo, mas mostrou-lhe gentileza e permaneceu com ele; Ele tinha a mesma ligação com seu filho Tito, sob cujo regime "os filhos de Israel" foram exilados de Jerusalém ". Este Yusuf ibn Kuryun era, de acordo com Ibn Khaldun, idêntico a Josefo Flavius, o autor do "Bellum Judaicum". Todos os detalhes biográficos mencionados por Ibn Khaldun se aplicam à vida e carreira de Josefo Flávio. Ibn Khaldun o chama de "um dos líderes dos judeus e um de seus generais", "um dos sacerdotes dos judeus", "um amigo de Vespasiano e Tito" e, acima de tudo, o chama de" historiador da segunda restauração do Templo antes do grande exílio ". É bem evidente, no entanto, que Ibn Khaldun foi vítima de uma confusão que era muito comum entre os eruditos medievais ao não perceber que o trabalho que ele estava se referindo e usando tão extensivamente não era de Josefo Flávio, mas uma crônica hebraica da Idade Média geralmente conhecida como a Crônica de Josippon, de que existiu uma tradução por um certo Zakarlya 'ibn Sa'id, um judeu do Iêmen, de acordo com o testemunho do historiador turco Hajjl Khalifa (d 1655 dC). Era a versão árabe de Josippon, da qual existia uma tradução por um certo Zakarlya 'ibn Sa'id, um judeu do Iêmen, de acordo com o testemunho do historiador turco Hajjl Khalifa (d 1655 D. C.). consistia na versão árabe de Josippon (a qual Ibn Khaldun sóse conhecera no Egito), que serviu-lhe como fonte exclusiva para o esboço da história dos Macabeus, a Casa de Herodes e as guerras com os romanos até a destruição do Templo em 70 d.C. Assim como Ibn Khaldun encontrou em Orósio "o historiador de Roma", e em Ibn al-'Amid e outros "os historiadores dos cristãos", encontrou em Yisuf b. Kuryun "o historiador dos judeus" do período pós-bíblico. (D) Fontes Muçulmanas: al-Mas'did Das muitas fontes muçulmanas que Ibn Khaldiin usou, uma foi de particular importância para sua abordagem dos povos não-islâmicos, a saber, al-Mas'udi. Nos escritos de Ibn Khaldun a obra de al-Mas'idi ocupa uma posição privilegiada e preferencial. Nenhum outro historiador muçulmano é citado e personificado por ele tão criticamente e extensivamente como al-Mas'udi. Apesar da atitude crítica de Ibn Khaldun em relação a algumas abordagens de Mas'uidi sobre certos tópicos históricos, ele o elogia nos termos mais elevados e o considera "um dos poucos historiadores cujo trabalho se distinguiu pela aceitação universal ... e como modelo de História escrita ". Ibn Khaldun estava tão estimulado pela abordagem historiográfica de al-Mas'idi que ele mesmo fez o seguinte anúncio programático no início de seus "Prolegômenos": "É preciso neste momento que alguém estabeleça sistematicamente o estado do mundo entre todas as regiões e raças, bem como os costumes e as crenças sectárias de seus adeptos como eles desenvolveram, fazendo para esta era o que al-Mas'udi fez para a sua. Este deve ser um modelo a ser seguido por futuros historiadores . O que atraiu Ibn Khaldun para al-Mas'iud não foram apenas os muitos fatos que ele poderia extrair de suas obras sobre a história islâmica, mas sua abordagem historiográfica geral que teve a devida consideração dos aspectos árabes e não-árabes da história. Ele elogia Al-Mas'idi porque ele "comentou sobre as condições das nações e regiões no Ocidente e no Oriente em seu tempo (que era) os trezentos e trinta (novecentos e quarenta) .Ele mencionou suas seitas e costumes. Ele descreveu os diversos países, montanhas, oceanos, províncias e dinastias. Ele fez distinção entre grupos árabes e não- árabes. Seu livro tornou-se assim o trabalho de referência básico para os historiadores, sua principal fonte de verificação de informações históricas.” Parece que aqui se encontram os laços de afinidade entre os dois historiadores, e é muito provável que Al-Mas'idi tenha aberto pela primeira vez a Ibn Khaldun a janela para o mundo não-islâmico que lhe permitiu fazer sua contribuição para campos fora dos confins da civilização islâmica. 3 O uso de Ibn Khaldun de suas fontes Ibn Khaldun usou todas essas fontes constantemente e incessantemente para quase todos os aspectos de sua história de povos não islâmicos. Ele as cita centenas de vezes, em todos os seus escritos que lida com a história das tribos de Israel, a construção do Templo em Jerusalém ou com outros aspectos da história bíblica ou pós-bíblica, ou se investiga os ensinamentos do cristianismo, a propagação e as divisões da Igreja primitiva, ou se ele nomeia os vários aspectos e nomes dos patriarcas, ou se ele lida com os reis latinos ou o Império Bizantino ou a história dos aquemênidas persas baseando-se em primeiro lugar em Ibn Al-'Amid e os outros historiadores cristãos e sobre al- Mas'idi que o guiaram na abordagem de problemas que ele estava determinado a esclarecer. Ibn Khaldun não só cita conscientemente todos os dados históricos de acordo com a fonte de onde os retirou, mas compara esses autores uns com os outros, verifica suas respectivas declarações, observa suas divergências, diferenças ou similaridades, a fim de estabelecer a verdade de cada fato, seja uma data, um nome, um lugar, etc. Sua abordagem revela o historiador da religião que escava no passado e desenterra fontes até então negligenciadas ou incomuns. Nunca satisfeito com apenas com uma fonte, ele verifica até mesmo o menor e aparentemente mais trivial detalhe e compará-lo com uma matriz de muitas outras fontes, a fim de estabelecer o máximo de exatidão e precisão quanto aos nomes dos governantes de todas as várias dinastias e povos, a duração exata de seu governo, os seus títulos, etc., e sobretudo a fim de colocar os acontecimentos da história no seu devido tempo e espaço. O que é ainda mais característico, Ibn Khaldun coloca todas essas diferentes categorias de fontes em pé de igualdade. Ele não seguiu qualquer uma de suas fontes de forma acrítica, mas sempre verificou suas declarações de forma muito prudente e cuidadosa. Ao verificar por comparação outras fontes, ele mesmo percebe que, para citar um exemplo, Ibn al-'Amid omitiu um determinado item que outros tinham mencionado. Na comparação de itens genealógicos ou históricos, ele chega em muitos casos à conclusão: "Isso está longe da verdade", "isso não é correto", "isso é contraditório", "isso é impossível". É óbvio que Ibn Khaldun não acrescentou e não pôde acrescentar quaisquer fatos ou dados novos relativos à história não-islâmica, mas sua contribuição individual neste campo reside na tensão especial que ele colocou em certos aspectos, eventos e tópicos, na seleção de material que julgava oportuno incluir e aceitar fora da grande massa de informações à sua disposição, ou por outro lado, para rejeitar e omitir. Tal abordagem seletiva de Ibn Khaldun revela que ele estava particularmente interessado não tanto nos aspectos genealógicos, dinásticos, políticos ou militares, nas mudanças dinásticas dos povos não-islâmicos (embora tenha dado a devida atenção a todos eles), mas nos aspectos religiosos e espirituais, nas manifestações religiosas dos povos não-árabes Sua apresentação indica uma abordagem peculiar, um tom típico Khaldunico, que se centra em torno de aspectos tão importantes da história religiosa e espiritual da humanidade como (A) os fundadores religiosos e personalidades religiosas; (B) os "livros sagrados"; (C) sua tradução e transmissão; (D) heresias, dissensões, movimentos sectários de todos os tipos; (E) instituições religiosas e títulos de líderes; (F) locais sagrados das grandes religiões; (G) a variedade e a multiplicidade da cronologia, os calendários dos povos antigos, etc. De fato, a característica metodológica mais destacada da abordagem de Ibn Khaldun do mundo não-islâmico é a grande variedade, diversidade e multiplicidade de fontes que ele citou e usou para esse propósito. Em nenhuma outra parte de sua monumental História existe tal abundância de provas documentais de uma tal variedade de fontes, cristãs, muçulmanas ou judaicas, tão conscienciosa e diligentemente investigadas, como no seu tratamento com relação aos povos não-islâmicos. Isso pode ser devido ao fato de que, embora para a história dos povos islâmicos, ele dar por certos muitos detalhes obtidos; ao entrar em um novo campo, ao pisar em um novo território, como o tratamento dos povos não- islâmicos, ele teve que se referir a uma grande variedade de autoridades confiáveis e autênticas. Ao não confiar cegamente e sem crítica em qualquer fonte e consultando muitas fontes de diferentes proveniências, comparando, verificando e ponderando seus respectivos argumentos, sua história do mundo não-islâmico está em uma base documental mais ampla do que todas as tentativas feitas por autores muçulmanos anteriores que tentaram abordar este tópico. Walter J. FISCHEL. (Berkeley, California).
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