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O crime de desacato em manifestações um guia prático para assessores jurídicos de movimentos sociais – Ronaldo Bastos

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16/03/2017 O crime de desacato em manifestações: um guia prático para assessores jurídicos de movimentos sociais – Ronaldo Bastos
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Ronaldo Bastos
DIREITO CONSTITUCIONAL
O crime de desacato em manifestações: um guia prático para assessores
jurídicos de movimentos sociais
BY RONALDO BASTOS
27 DE FEVEREIRO DE 2017
Você que integra algum movimento social ou participa de protestos de rua já deve ter se deparado com prisões arbitrárias, algumas delas justificadas pela
ocorrência de desacato à autoridade, que se configura quando um particular ofende algum agente público, normalmente um policial, no exercício da sua
função.
O objetivo deste post é contribuir de forma prática para uma dogmática constitucional que possa ser utilizada e aplicada pelos advogados populares na defesa
de membros de movimentos sociais que sejam acusados de desacato.
Neste post você verá:
1. O que é o crime de desacato;
2. O crime de desacato ofende o direito fundamental à liberdade de expressão previsto na constituição brasileira;
3. O que é bloco de constitucionalidade;
4. Por que o crime de desacato ofende o bloco de constitucionalidade brasileiro;
5. Tratados internacionais e decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos que exigem o fim do crime de desacato;
6. Decisão do STJ que declara o desacato contrário aos tratados internacionais de direitos humanos de que o Brasil é signatário.
Introdução
Vamos começar?
O crime de desacato está previsto no art. 331 do Código Penal e consiste em desprezar, faltar com respeito ou humilhar funcionário público. A doutrina
sustenta que ele pode ser cometido através de qualquer palavra grosseira ou ato ofensivo contra a pessoa que exerce a função pública, com a advertência de que
simples censuras ou desabafos não configuram o crime, devendo estar claro que a atitude do agente criminoso seja acintosa ao livre exercício da função
pública[1].
Se na teoria a situação está clara, a prática alberga situações as mais diversas, que devido à cultura autoritária da polícia brasileira termina por impedir a
crítica ao Estado e, portanto, a liberdade de expressão. No caso do desacato isto é ainda mais problemático porque via de regra quem vai atestar se o crime
ocorreu ou não é o próprio agente público que fora em tese vítima do crime e, portanto, ele age em conflito de interesses.
Compatibilidade com a Constituição Federal
Bom, como nós sabemos, a análise de qualquer dispositivo normativo deve verificar a sua compatibilidade com a
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16/03/2017 O crime de desacato em manifestações: um guia prático para assessores jurídicos de movimentos sociais – Ronaldo Bastos
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Bom, como nós sabemos, a análise de qualquer dispositivo normativo deve verificar a sua compatibilidade com a
constituição. Na constituição há uma série de dispositivos que, coerentes com o seu espírito de prevalência dos
direitos humanos (art. 4º, II), podem ser utilizados para declarar a inconstitucionalidade do crime de desacato. De
todos, o mais importante é o que dispõe sobre a liberdade de expressão.
Mas o que é e quais são as dimensões da liberdade de expressão?
Do ponto de vista moderno, posso dizer que a primeira
manifestação legal que consagrou a liberdade de
expressão foi a Declaração de Direitos do Homem e do
Cidadão, de 1789, que considerou esse direito tão
importante que, dos seus 17 artigos, reservou 2 só para
tratar da liberdade de expressão. Veja:
Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões,
incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação
não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.
Art. 11º. A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo
cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta
liberdade nos termos previstos na lei.
Dois anos depois, em 1791, a primeira emenda à constituição americana reforçou essa consagração ao
nos conduzir à ideia de que os americanos possuem direito de expressar crenças e pensamentos sem
restrição governamental injustificada.
A nossa atual constituição, de 1988, também não ficou para trás ao tratar a liberdade de expressão
como um direito fundamental e, portanto, como cláusula pétrea. Diz a nossa constituição:
“…é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente
de censura ou licença” (CF, art. 5º, IX).
“Censura” é uma ordem ou comando emanada de uma autoridade pública que deseja impedir a
circulação de ideias que se opõem a determinados preceitos políticos ou morais que se julgam
imutáveis e, portanto, não poderiam ser ofendidos. Já a “licença” é uma autorização prévia necessária
para a veiculação de notícias ou produção de conteúdo escrito (livros, jornais, revistas etc.) e audiovisual (CD’s, DVD’s, rádio, podcast etc.).
Assim, no ordenamento constitucional brasileiro são proibidas a censura e a necessidade de licença para o exercício da liberdade de expressão, sendo
permitido a qualquer pessoa se expressar artisticamente, intelectualmente, cientificamente ou no âmbito da comunicação, ainda que o Estado seja contra quem
se dirige a manifestação de teor crítico ou não.
Nota-se, portanto, como o crime de desacato pode, em algumas ocasiões, entrar em conflito com o direito
fundamental à liberdade de expressão. E é preciso lembrar, com José Afonso da Silva[2], que a norma
constitucional que trata da liberdade de expressão possui aplicabilidade direta e imediata.
Evidentemente que apenas a análise da constituição não é suficiente.
Além de tomar como parâmetro de compatibilidade vertical a Constituição, através do controle difuso de
constitucionalidade, o advogado deve mostrar ao julgador que ele também deve considerar inúmeros diplomas
internacionais, notadamente os de Direitos Humanos, que por força do art. 5º, §2º e 3º, da Constituição,
possuem status constitucional e, juntos, compõem o chamado “bloco de constitucionalidade”.
Liberdade de expressão e o nosso “bloco de constitucionalidade”
“Bloco de constitucionalidade” é uma solução institucional que, embora surgida na França, se espalhou por
diversos países, da Europa à América Latina, e consiste em uma ampliação da ideia de que as normas
constitucionais só podem ser encontradas em um documento único, escrito e promulgado em um dado
momento histórico – a constituição.
A ideia surgiu na França no início dos anos de 1970, quando, em decisão de 16 de julho de 1971, o Conseil Constitutionnel elevou a liberdade de associação ao
patamar de “princípio fundamental reconhecido pelas leis da República”. Nessa sentença, o Conselho Constitucional francês, que é o que realiza o controle
concentrado de constitucionalidade por lá, decidiu que existe um bloco de princípios e regras dotadas de nível constitucional que abrangia não só as normas da
atual Constituição de 1958, mas também o Preâmbulo da Constituição de 1946, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e os princípios
fundamentais reconhecidos pelas leis da República[3].
Isto significa que as normas constitucionais, para serem de fato conhecidas, deverão ser buscadas não apenas na constituição, pois existem outros
atos normativos que ostentam a mesma hierarquia constitucional, em especial as emendas constitucionais, os tratados que o país for signatário e,
inclusive, as decisões que reconheçam a existência de princípios constitucionais implícitos[4].
Pois bem. O bloco de constitucionalidade brasileiro é composto por um conjunto de legislações e jurisprudências, com destaque para a Convenção Americana de
Direitos Humanos de 1969 (Pacto de São José da Costa Rica), o Pacto Internacionalsobre Direitos Civis e Políticos de 1966 e o Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, também de 1966, bem como a jurisprudência dos tribunais brasileiros, com destaque para a do STF, e as jurisprudências
internacionais, com destaque para a da Corte Interamericana de Direitos Humanos e a do Tribunal Internacional de Justiça da ONU.
É esta lógica que introduz no nosso bloco de constitucionalidade a Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão, aprovada no ano 2000 pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos. Esta Declaração teve como um dos objetivos estabelecer a abrangência da garantia da liberdade de expressão, que é
assegurada pelo art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos. Dentre inúmeros princípios consagrados na referida Declaração, estabeleceu-se no item 11
que “as leis que punem a expressão ofensiva contra funcionários públicos, geralmente conhecidas como ‘leis de desacato’, atentam contra a
liberdade de expressão e o direito à informação”[5] (https://wordpress.com/post/ronaldobastosjr.com.br#_ftn1).
Apesar de inexistir caráter vinculante na interpretação da Convenção acima referida realizada pela Comissão Interamericana, existem outros dispositivos que
contribuem para esta interpretação.
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Insira uma legenda
De fato, a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados estabelece em seu art. 27 que “uma Parte não pode invocar as disposições do seu direito interno para
justificar o descumprimento de um tratado”, disposição que foi reafirmada pela Convenção Americana de Direitos Humanos, que em seu art. 2º dispõe que “Se o
exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-Partes
comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza
que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades”.
É por isso que a Corte Interamericana, no caso Garrido y Baigorria, declarou que:
[e]n el derecho de gentes, una norma consuetudinaria prescribe que un Estado que ha celebrado un convenio internacional, debe introducir en su derecho interno las
modificaciones necesarias para asegurar la ejecución de las obligaciones asumidas. Esta norma aparece como válida universalmente y ha sido calificada por la
jurisprudencia como un principio evidente (“principe allant de soi”; Echange des populations grecques et turques, avis consultatif, 1925, C.P.J.I., série B, no. 10, p. 20).
En este orden de ideas, la Convención Americana establece la obligación de cada Estado Parte de adecuar su derecho interno a las disposiciones de dicha Convención,
para garantizar los derechos en ella consagrados[6] (https://wordpress.com/post/ronaldobastosjr.com.br#_ftn2).
E, no caso Almonacid Arellano y otros v. Chile, a Corte detalhou o seu entendimento ao exigir que o Poder Judiciário de cada Estado Parte da Convenção
Americana exercesse o controle de convencionalidade das normas jurídicas internas que aplica aos casos concretos, dispondo que:
A la luz del artículo 2 de la Convención, tal adecuación implica la adopción de medidas en dos vertientes, a saber: i) la supresión de las normas y prácticas de cualquier
naturaleza que entrañen violación a las garantías previstas en la Convención, y ii) la expedición de normas y el desarrollo de prácticas conducentes a la efectiva
observancia de dichas garantias[7] (https://wordpress.com/post/ronaldobastosjr.com.br#_ftn3).
Debate doutrinário: a liberdade de expressão estaria ou não incluída no bloco de constitucionalidade brasileiro?
Antes de continuarmos, porém, é preciso realizar uma OBSERVAÇÃO FUNDAMENTAL. O advogado deve
ficar atento ao fato de que alguns juízes entendem que a Convenção Americana de Direitos Humanos não integra
o bloco de constitucionalidade brasileiro. Isto porque a referida Convenção teria sido ratificada pelo Brasil antes
da Emenda Constitucional n. 45/2004, que acrescentou o §3º ao art. 5º da nossa constituição.
Veja os dois parágrafos para, após, eu fazer um comentário importantíssimo.
Art. 5º.
[…]
§2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por
ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
§3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais.
O que ocorreu, afinal? Bom, a EC n. 45/2004 estabeleceu um procedimento especial e mais dificultoso para que os
tratados de direitos humanos possuíssem formalmente o status de norma constitucional.
Falo isso porque é equivocada e incompatível com o desejo manifestado pelo constituinte originário a jurisprudência do STF (RE 349.703/RS, DJe de
5/6/2009) que sustenta que antes da EC n. 45/04 os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil tinham status não de norma constitucional, mas
de norma supralegal, isto é, abaixo da constituição, mas superior às demais espécies legislativas.
Basta uma leitura atenta do dispositivo constitucional para entender como a postura conservadora do Supremo não se sustenta. Segundo o §2º, do art. 5º, da
constituição, os direitos e garantias previstos na constituição NUNCA excluíram outros, sejam implícitos (“outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados“), sejam aqueles previstos em outros diplomas normativos (“ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte“).
Assim, a interpretação constitucional adequada é aquela que sempre combinou o art. 5º, §2º, com o art. 1º, III (dignidade da pessoa humana), e com o art. 4º, II
(prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais brasileiras). Entendo, portanto, ao contrário do que a maioria da doutrina sustenta, que a EC n.
45/2004 não veio para fortalecer a efetivação dos direitos humanos; muito pelo contrário, veio para dificultar a inserção dos tratados de direitos humanos no
Brasil, até porque exigiu um procedimento muito mais dificultoso (“que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos
dos votos dos respectivos membros“) do que o que vigia anteriormente. 
E eu não estou isolado nesta interpretação. Flávia Piovesan, por exemplo, na busca de uma solução para o impasse, após afirmar que os tratados de direitos
humanos já possuíam status constitucional por decorrência de todos os dispositivos que eu citei no parágrafo anterior, vai dizer que os tratados de direitos
humanos aprovados antes da EC n. 45 são MATERIALMENTE constitucionais, ao passo que os que vieram depois e obedeceram o procedimento especial (art.
5º, §3º) são, além de materialmente, também FORMALMENTE constitucionais[8].
Liberdade de expressão e o controle de convencionalidade das leis
Porém, mesmo os magistrados que discordam que a Convenção Americana não estaria incluída no bloco de constitucionalidade brasileiro, ainda resta a
possibilidade da realização do controle de convencionalidade do delito de desacato. Para você entender o que é controle de convencionalidade recorro ao
magistério de Valério Mazzuoli:
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Nesse sentido, entende-se que o controle de convencionalidade (ou o de supralegalidade) deve ser exercido pelos órgãos da justiçanacional relativamente aos tratados aos quais o país se encontra vinculado. Trata-se de adaptar ou conformar os atos ou leis
internas aos compromissos internacionais assumidos pelo Estado, que criam para estes deveres no plano internacional com
reflexos práticos no plano do seu direito interno. Doravante, não somente os tribunais internacionais (ou supranacionais) devem
realizar esse tipo de controle, mas também os tribunais internos. O fato de serem os tratados internacionais (notadamente os de
direitos humanos) imediatamente aplicáveis no âmbito do direito doméstico, garante a legitimidade dos controles de
convencionalidade e de supralegalidade das leis no Brasil[9]
Assim, mesmo não sendo acatada a teoria do bloco de constitucionalidade, o art. 13 da Convenção Americana possui
hierarquia superior ao art. 331, do Código Penal.
Isso não significa, porém, que a Convenção revogou o delito de desacato. Na verdade, pela Convenção ser de hierarquia
superior ao código penal o que ocorreu foi que ela o tornou inválido, vale dizer, inaplicável. O STJ já se manifestou nesse
sentido:
No plano material, as regras provindas da Convenção Americana de Direitos Humanos, em relação às normas internas, são
ampliativas do exercício do direito fundamental à liberdade, razão pela qual paralisam a eficácia normativa da regra interna em
sentido contrário, haja vista que não se trata aqui de revogação, mas de invalidade (REsp 914.253/SP) [10]
Observando a jurisprudência da CIDH e todas essas considerações acima expendidas, o STJ, no REsp n. 1.640.084/SP)[11],
ao analisar o crime de desacato, asseverou que:
Punir o uso de linguagem e atitudes ofensivas contra agentes estatais é medida capaz de fazer com que as pessoas se abstenham de usufruir do direito à liberdade de
expressão, por temor de sanções penais, sendo esta uma das razões pelas quais a CIDH estabeleceu a recomendação de que os países aderentes ao Pacto de São Paulo
abolissem suas respectivas leis de desacato.
E concluiu que:
[…] a ausência de lei veiculadora de abolitio criminis não inibe a atuação do Poder Judiciário na verificação da inconformidade do art. 331 do Código
Penal, que prevê a figura típica do desacato, com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica, que estipula mecanismos de proteção à liberdade de pensamento
e de expressão.
Liberdade de expressão e os princípios do direito penal
Por estas razões é que, creio eu, a comissão de juristas responsável pela elaboração do novo Código Penal deliberou, por maioria de votos, na sessão de 07 de
maio de 2012, no sentido de deixar de prever o crime de desacato no novo código ante a sua incompatibilidade com a Convenção Americana de
Direitos Humanos.
Inclusive, há uma série de projetos de lei que visam retirar o crime do desacato do atual ordenamento jurídico brasileiro (PLC 602/2015 e PLC 2769/2015)
ou aumentar o rigor da punição aos agentes públicos que realizam prisões ilegais (PLC 1277).
Isto se deve ao fato de que o crime de desacato contraria os princípios da fragmentariedade e da intervenção mínima, que impõem ao direito penal a
regulação somente das condutas que violam bens jurídicos fundamentais, que não possam ser adequadamente protegidos por outros ramos do direito. Assim,
por mais que seja censurável a manifestação pública de desapreço direcionada a agentes públicos no exercício de atividade administrativa, isso não o implica em
ato cuja lesividade possa ser atingida pela tutela penal.
Como bem ponderou Alexandre Morais da Rosa:
Trata-se de previsão jurídica nitidamente autoritária – principalmente em se considerando que, em um primeiro momento, caberá à própria autoridade ofendida (ou
pretensamente ofendida) definir o limiar entre a crítica responsável e respeitosa ao exercício da atividade administrativa e a crítica que ofende a dignidade da função
pública, a qual deve ser criminalizada. A experiência bem demonstra que, na dúvida quanto ao teor da manifestação (ou mesmo na certeza quanto à sua lidimidade), a
tendência é de que se conclua que o particular esteja desrespeitando o agente público – e ninguém olvida que esta situação, reiterada no cotidiano social, representa
infração à garantia constitucional da liberdade de expressão[12] (https://wordpress.com/post/ronaldobastosjr.com.br#_ftn4).
Conclusões
Assim, considero que o crime de desacato contraria o bloco de constitucionalidade brasileiro e, portanto, o advogado deve requerer em juízo a absolvição do
acusado da prática do delito previsto no art. 331, do Código Penal, e os fundamentos são:
1. Ofensa ao art. 13, da Convenção Americana dos Direitos Humanos;
2. Não cumprimento do item 11 da Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão;
3. Desrespeito aos casos Garrido y Baigorria e Almonacid Arellano y otros v. Chile, proferidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos;
4. Não cumprimento da decisão proferida pelo STJ no REsp n. 1.640.084/SP.
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REFERÊNCIAS
[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 10 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 1145.
[2] SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2014, p. 482.
[3] LOPES, Ana Maria D’Ávila. Bloco de Constitucionalidade e princípios constitucionais: desafios do poder judiciário. Revista Sequência: publicação do Curso
de Pós-Graduação em Direito da UFSC, Florianópolis, n. 59, ano XXIX, dez. 2009, pp. 45-46.
[4] VARGAS, Angelo Miguel de Souza. O bloco de constitucionalidade: reconhecimento e consequências no sistema constitucional brasileiro. São Paulo,
PUC, 2007. 204p. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007, pp. 163-164.
[5] COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Declaração de princípios sobre liberdade de expressão. Disponível
em: http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/s.convencao. libertade.de.expressao.htm
(http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/s.convencao.%20libertade.de.expressao.htm). Acesso em: 26 jan. 2017.
[6] CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Garrido y Baigorria. Reparaciones (art. 63.1 Convención Americana sobre Derechos
Humanos). Sentencia de 27 de agosto de 1998. Serie C No. 39, par. 68.
[7] CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile (art. 62.3 y 63.1 de la Convención Americana
sobre Derechos Humanos (en adelante “la Convención” o “la Convención Americana”). Sentencia de 26 de septiembre de 2006, par. 118.
[8] PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 18.
[9] MAZZUOLI, Valério. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 2ª ed. V. 4. São Paulo: RT, 2011, p. 133-134.
[10] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão em Recurso Especial n. 914.253/SP. Relator: Ministro Luiz Fux. Disponível em:
https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8606935/recurso-especial-resp-914253-sp-2006-0283913-8/inteiro-teor-13677531#
(https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8606935/recurso-especial-resp-914253-sp-2006-0283913-8/inteiro-teor-13677531#).Acesso em: 07 fev. 2017.
[11] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial n. 1.640.084 – SP. Relator: Ministro Ribeiro Dantas. Disponível
em: http://www.stj.jus.br/static_files/STJ/Midias/arquivos/Noticias/RECURSO%20ESPECIAL%20N%C2%BA%201640084.pdf. Acesso em: 05 fev. 2017.
[12] FLORIANÓPOLIS. 4ª Vara Criminal da Comarca de Florianópolis. Ação penal nº 0067370-64.2012.8.24.0023, como Ministério Público do Estado de
Santa Catarina e como acusado A. F. dos S. F. Juiz Alexandre Moraes da Rosa.
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Jurista, doutorando em direito (UFPE) e professor universitário. Estudioso da participação popular nas democracias constitucionais, dedica-se à elaboração de
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