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O DIREITO DAS MINORIAS NA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

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Prisma Jurídico
ISSN: 1677-4760
prismajuridico@uninove.br
Universidade Nove de Julho
Brasil
Baptista Pavan, Fernando
O direito das minorias na democracia participativa
Prisma Jurídico, núm. 2, 2003, pp. 195-205
Universidade Nove de Julho
São Paulo, Brasil
Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=93420013
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Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto
O DIREITO DAS MINORIAS NA DEMOCRACIA
PARTICIPATIVA
Fernando Pavan Baptista
Doutor em Filosofia do Direito e Mestre em Direito Processual pela
Faculdade de Direito da USP; Coordenador do Curso de Direito da
UNINOVE
Resumo
Trata-se de uma an‡lise cr’tica da democracia representativa,
estruturada essencialmente na fal‡cia da regra da maioria,
apresentando formas alternativas de supera‹o deste modelo
pseudodemocr‡tico, que garantam um grau de participa‹o das
minorias nas decis›es pol’ticas.
Unitermos: democracia; representatividade; minorias; opress‹o;
participa‹o. 
Abstract
ItÕs a review analysis about representative democracy essentially
structured in misconception of generally rules presenting
alternative forms of surmount this democratic pseudo code in order
to guarantee a certain degree of participation of minorities groups
in politics decision. 
Uniterms: democracy; representativity; minorities; oppression;
participation
Em meados do sŽculo XIX, Lincoln declarou que a democracia Ž
o governo do povo, pelo povo e para o povo. No sŽculo seguinte,
Churchill declarava que a democracia Ž a pior forma de governo Ð
exceto por todas as outras.
PRISMA JURêDICO 195
No decorrer do sŽculo XX, a pr‡tica da democracia foi
aperfeioando v‡rios de seus elementos fundamentais, como o
sufr‡gio universal, a possibilidade de oposi‹o, a altern‰ncia no
poder, a organiza‹o, controle e financiamento dos partidos, a
liberdade de reuni‹o e de express‹o, a utiliza‹o da m’dia e das
pesquisas, alŽm de outras institui›es. PorŽm, a quest‹o da
representatividade, em que se ap—ia toda a legitima‹o do poder,
embora tambŽm tenha evolu’do, n‹o alcanou ainda um objetivo
b‡sico do ideal democr‡tico: exprimir as aspira›es das minorias da
sociedade. Esse Ž um dos fatores da deteriora‹o da democracia.
A chamada democracia representativa, cuja legitimidade est‡
calcada na vontade da maioria, pode tornar-se, sob o prisma dos
grupos sociais minorit‡rios, uma verdadeira tirania da maioria,
capaz de ignor‡-los e atŽ reprimi-los, sem viola‹o da lei (o que a
torna opress‹o legal). A vontade da maioria do povo pode estar t‹o
longe dos ideais de justia quanto a vontade de um ditador qualquer,
ainda que, ˆ primeira vista, parea inconceb’vel tal afirma‹o. N‹o
h‡ como corresponder propor›es quantitativas com qualitativas,
pois s‹o propriedades distintas e independentes entre si. Portanto,
o fato de a maioria estar com a raz‹o (no sentido racional e
pragm‡tico do termo) Ž mera casualidade, nunca uma tendncia.
Inœmeros exemplos hist—ricos retratam isso, n‹o apenas em guerras
e revolu›es, nas quais maiorias tomam decis›es que violam atŽ
direitos fundamentais das minorias, mas tambŽm no cotidiano
pol’tico, em que grupos minorit‡rios s‹o obrigados a assimilar sua
vontade, na condi‹o de detentores leg’timos do poder.
Como evitar esse disparate pol’tico? Afinal, a essncia da
democracia moderna est‡ principalmente na preserva‹o da liberdade
individual e n‹o apenas na forma de governo liberal. Se um indiv’duo
da sociedade Ž injustamente oprimido por uma maioria governante,
ent‹o a democracia Ž desvirtuada em sua condi‹o primeira, ou seja:
n‹o somente garantir o governo da maioria, mas tambŽm assegurar a
sobrevivncia, a liberdade e o bem-estar de todos os indiv’duos, quer
estejam, ou n‹o, representados nas diversas categorias de poder. ƒ
preciso encontrar instrumentos que protejam as minorias e promovam
uma convivncia saud‡vel entre as diversas fac›es sociais.1
196
Democracia direta e democracia indireta
Assim como a Cidade-Estado foi desaparecendo do cen‡rio
mundial desde a Antiguidade, a democracia direta tambŽm se tornou
objeto de estudo te—rico, sem aplica‹o pr‡tica. No Estado-Na‹o
contempor‰neo, diante de sua dimens‹o e complexidade, torna-se
realmente imposs’vel ressuscitar a democracia direta experimentada
na polis grega de vinte e cinco sŽculos atr‡s. Hoje em dia, n‹o se pode
conceber que seja poss’vel convocar todos os cidad‹os de uma na‹o
para, em praa pœblica e por voto direto, opinarem sobre todas as
decis›es da vida pœblica.2 Seria operacionalmente imposs’vel, mesmo
com os recursos atuais da tecnologia e da inform‡tica.
A democracia, portanto, foi evoluindo atravŽs dos sŽculos para
uma forma representativa, em que alguns poucos representam outros
muitos na esfera decisional do poder. Segundo Bobbio (1997, p.44), Òa
express‹o democracia representativa significa genericamente que as
delibera›es coletivas, isto Ž, as delibera›es que dizem respeito ˆ
coletividade inteira, s‹o tomadas n‹o diretamente por aqueles que
dela fazem parte, mas por pessoas eleitas para esta finalidadeÓ.
Portanto, o cidad‹o se encontra na dimens‹o menos ostensiva do
poder pœblico, ou seja, seu poder de decis‹o se limita ao voto,3 quando
PRISMA JURêDICO 197
1 Richard Wolheim assim analisa: “A sociedade pode saber o que deseja, expressá-lo
inequivocamente mediante o procedimento eleitoral e, em seguida uma maioria assim
estabelecida pode aplicar sua orientação política com completo desprezo pelos desejos,
interesses ou direitos da minoria. Os temores da ‘tirania da maioria’ foram tema constante no
século XIX, a grande era do pensamento democrático. No século XX, a grande era da prática
democrática, esses temores em grande parte não se realizaram – embora, significativamente,
nos lugares em que se realizaram, o tenham sido numa escala grandemente superior ao pior
que se poderia supor. Pareceria que o problema aqui seja mais sociológico do que político, no
sentido de que o condicionamento social provavelmente fosse um remédio mais eficaz do que
um sistema de freios e contrapesos constitucionais” (In: CRESPIGNY; CRONIN, 1975, p. 103-104). 
2 “Para que exista democracia direta no sentido próprio da palavra, isto é, no sentido em que
direto quer dizer que o indivíduo participa ele mesmo nas deliberações que lhe dizem respeito,
é preciso que entre os indivíduos deliberantes e a deliberação que lhes diz respeito não exista
nenhum intermediário” (BOBBIO, 1997, p.51). Continua, nas páginas 52 e 53: “que a democracia
direta não seja suficiente torna-se claro quando se considera que os institutos de democracia
direta no sentido próprio da palavra são dois: a assembléia dos cidadãos deliberantes sem
intermediários e o referendum. Nenhum sistema complexo como é o estado moderno pode
funcionar apenas com um ou com outro, e nem mesmo com ambos conjuntamente”.
3 “Num grande Estado moderno, mesmo em se tratando de uma democracia, o cidadão
comum tem pouquíssimo senso de poder político; não é ele quem decide quais devem ser os
problemas numa eleição; estes por sua vez se referem a coisas distantes da sua vida cotidiana
e estão quase inteiramente fora da sua experiência, e o seu voto é uma contribuição tão
pequena para o total que lhe parece insignificante. Na antiga Cidade-Estado esses males eram
muito menores, tais como o são hoje nos governos locais” (RUSSELL, 1979, p. 173).
lhe Ž permitido escolher um representante que, se eleito por
maioria de votos, tomar‡, em princ’pio, decis›es pol’ticas em
conson‰ncia com sua vontade, que passam a obrigar todos os
demais cidad‹os, mesmo aqueles com opini›es divergentes e que
n‹o escolheram o representante eleito.Esse mecanismo indireto,
adaptado da democracia antiga para as modernas, Ž conhecido
como Ôregra da maioriaÕ.
Importante observar que o poder pœblico fica, indiretamente,
nas m‹os de uma maioria de cidad‹os, que escolheram seus
representantes para decidir segundo seus interesses. Ocorre que, no
sistema representativo, uma vez eleito, o representante se
desvincula totalmente de seus eleitores/representados e passa a ter
autonomia para decidir segundo a pr—pria conscincia, sem
qualquer compromisso formal com sua base eleitoral. A espŽcie de
procura‹o que lhe Ž outorgada pelos cidad‹os lhe garante liberdade
decis—ria atŽ o fim do mandato. Assim, a pr—pria maioria n‹o v
concretizadas todas as suas aspira›es com a atua‹o delegada a
seus representantes.4
Agravante Ž o fato de que n‹o existe uma vontade œnica e
homognea da maioria, tal qual a express‹o Ôvontade do povoÕ, usada
indiscriminadamente por pol’ticos e analistas, possa sugerir. A
vontade do povo significa uma cole‹o de vontades individuais que
se aglutinam em um mesmo discurso pol’tico, de conteœdo
contradit—rio e sem referncia na realidade, mas com fora
persuasiva sobre as massas.
O que n‹o dizer, ent‹o, das aspira›es das minorias na
democracia representativa?
Tirania da maioria
A idŽia de que a raz‹o est‡ sempre com a maioria fundamenta-
se em um pressuposto filos—fico transcendental, ao aceitar como
198
4 Bobbio esclarece: “as democracias representativas que conhecemos são democracias nas
quais por representante entende-se uma pessoa que tem duas características bem
estabelecidas: a) na medida em que goza da confiança do corpo eleitoral, uma vez eleito não
é mais responsável perante os próprios eleitores e seu mandato, portanto, não é revogável; b)
não é responsável diretamente perante os seus eleitores exatamente porque convocado a
tutelar os interesses gerais da sociedade civil e não os interesses particulares desta ou
daquela categoria” (BOBBIO, 1997, p. 47).
dogma a existncia de uma conscincia coletiva que se identifica
com o Bem e a Justia. Por mais que se racionalize essa posi‹o, n‹o
h‡ como evitar o elemento metaf’sico que, em outros tempos,
tambŽm anunciava que o monarca tinha sabedoria e poderes
divinos, n‹o pass’veis de contesta‹o por seus sœditos.
A opini‹o da maioria, em todos os n’veis de decis‹o, e n‹o
somente na esfera pœblica, pode ser prudente ou imprudente, justa
ou injusta,5 de acordo com ju’zos de valor subjetivos. Estat’sticas
hist—ricas e argumentos l—gicos n‹o podem dar um fundamento de
verdade ˆ suposta infalibilidade moral da maioria.
Se na democracia representativa, o poder delegado pela maioria
obriga a todos, inclusive as minorias exclu’das do polo decisional,
ent‹o a vontade da maioria prevalece sobre a das minorias,
independentemente de ser justa ou injusta, boa ou m‡. Pode-se ir
mais a fundo: se o desejo da maioria for exterminar uma minoria
qualquer da comunidade social, ter‡ poderes leg’timos para
executar essa a‹o, sem violar a lei positiva, porque Ž a pr—pria
maioria, na democracia indireta, por meio de seus representantes
eleitos, que elabora e altera essas leis e a pr—pria Constitui‹o.6
Na pr‡tica, no entanto, Ž raro (mas n‹o imposs’vel) ocorrerem
tais radicalismos,7 mas, como j‡ foi dito, se observarmos em um n’vel
mais sutil, no qual o disparate n‹o seja t‹o flagrante, n‹o h‡ dœvida
de que as minorias s‹o ÔdemocraticamenteÕ desprezadas nas decis›es
que envolvem interesses em confito e, se simplesmente n‹o
existissem, isso n‹o faria diferena alguma, pois seu papel pol’tico
se resume em legitimar o poder exercido pelos Ôrepresentantes do
PRISMA JURêDICO 199
5 É claro que o próprio conceito de Justiça, como entidade, também é metafísico, mas
podemos falar de justiça pragmática, isto é, um conceito mutante e evolutivo através dos
tempos e que se aproxima do senso comum (o que não deixa de ser uma espécie de
consciência transcendental).
6 Fatos como o extermínio dos judeus pelo regime nazista podem ser concebidos também na
democracia representativa, desde que amparados por leis elaboradas pela maioria. Estudos
recentes demonstram que a maioria do povo alemão na época apoiava a guerra e a
perseguição contra os judeus.
7 Bertrand Russell (1979, p.172) exemplifica: “É possível, numa democracia, que a maioria
exerça uma tirania brutal e inteiramente desnecessária sobre uma minoria. Entre 1885 e 1922,
o governo do Reino Unido era democrático (exceto quanto à exclusão do voto feminino), mas
isso não impediu a opressão da Irlanda. Não só uma minoria nacional, mas também uma
minoria religiosa ou política pode ser perseguida. A salvaguarda das minorias, na medida em
que compatível com o governo organizado, é parte essencial da domesticação do poder”.
povoÕ (o povo significando aqui sin™nimo de maioria da popula‹o,
como se as minorias n‹o fizessem parte dele).
Podemos concluir, ent‹o, que a democracia representativa
assemelha-se, na sua essncia, a uma Ôditadura da maioriaÕ?8
Princípios da democracia
A trilogia libertŽ, ŽgalitŽ, fraternitŽ, propagada na Revolu‹o
Francesa, mantŽm-se atual e abriga todos os demais elementos da
democracia.
O liberalismo Ž, por muitos, atŽ confundido com a pr—pria
democracia, apesar de uma an‡lise menos apaixonada demonstrar
que as liberdades pœblicas s‹o, sim, as principais garantias para
exercitar uma democracia, em que os direitos individuais se
sobrep›em aos do Estado, portanto, condi‹o sine qua non para o
regime democr‡tico9 Ð necess‡ria, porŽm n‹o suficiente. O
liberalismo, nesse ponto, Ž especificamente pol’tico e assegura as
liberdades fundamentais consagradas pela Declara‹o dos Direitos
do Homem e do Cidad‹o.10 Para Bobbio (1997, p. 20): 
estado liberal e estado democr‡tico s‹o interdependentes em
dois modos: na dire‹o que vai do liberalismo ˆ democracia,
no sentido de que s‹o necess‡rias certas liberdades para o
exerc’cio correto do poder democr‡tico, e na dire‹o oposta
que vai da democracia ao liberalismo, no sentido de que Ž
necess‡rio o poder democr‡tico para garantir a existncia e a
persistncia das liberdades fundamentais.
200
8 Alain Touraine (1996, p. 119) cita esta reflexão de Tocqueville: “como impedir que, após a
destruição das hierarquias tradicionais, a tirania da maioria venha a criar uma ordem social
em contradição com a razão?” Tocqueville teria concluído: “A própria maioria não é
onipotente. Acima dela, no mundo moral, encontram-se a humanidade, a justiça e a razão; no
mundo político, os direitos adquiridos”.
9 Sartori (1994, p. 64) explica que a liberdade política é, tipicamente, liberdade em relação a,
não liberdade para. Conclui: “Hoje em dia costumamos chamá-la de liberdade negativa”. Na
página seguinte, continua: “O que esperamos da liberdade política é proteção contra um
poder arbitrário e ilimitado (absoluto)”.
10 José Eduardo Faria (1989, p. 24) afirma que o princípio da legalidade é o elemento básico
do Estado liberal, mas alerta: “Graças a ele, a liberdade formal tem um caráter negativo e
defensivo, na medida em que é transformada pelo Estado de Direito em certeza jurídica e
garantia individual – dois instrumentos retóricos cuja finalidade prática é garantir as condições
de reprodução do padrão de dominação vigente e, ao mesmo tempo, ocultar esse papel
mediante a pretensa autonomia e exterioridade do direito”.
Por outro lado, podemos identificar democracias nas quais a
igualdade est‡ em segundo plano, mas trata-se de um erro de
concep‹o.11 A igualdade envolve, obviamente, o fator econ™mico e
social e n‹o apenas o pol’tico, como a liberdade citada.12 As na›es
contempor‰neas s‹o compostas de uma enorme diversidade de
camadas sociais, econ™micas, raciais, religiosas e outras tantas. N‹o
se pode conceber o direito de liberdade sem que haja um m’nimo de
condi›es b‡sicas que atenuem as desigualdades presentes, sejam
elas naturais ou socioecon™micas,pois, para poder exercer
plenamente o direito de voto, garantido pelo liberalismo, Ž
necess‡rio, antes, que o cidad‹o seja provido pelo Estado de certas
condi›es: 1. meios de sobrevivncia digna (incluindo todas as
necessidades b‡sicas do ser humano, tais como alimenta‹o, saœde,
abrigo e transporte); 2. educa‹o e cultura; e 3. acesso ˆs informa›es
e meios de comunica‹o. Portanto, o Estado-Providncia ainda se faz
necess‡rio para compensar as desigualdades sociais e propiciar um
n’vel de igualdade compat’vel com o regime democr‡tico, na falta do
que as massas ficam vulner‡veis ˆ condi‹o de objeto de
manipula‹o, e a democracia torna-se um conceito vazio.
O conceito de democracia deve evoluir da no‹o singela de
regime pol’tico para a no‹o mais abrangente de um Estado social
liberal. Tratar desigualmente os desiguais indica um caminho para
o ideal igualit‡rio.13
A fraternidade, por sua vez, representa, alŽm do fator
humanista, o respeito pelo pr—ximo, o que, na teoria da democracia,
traduz-se como o princ’pio da toler‰ncia e da abertura. ƒ aqui que
se pode antever Ôa luz do fim do tœnelÕ para as fac›es minorit‡rias
da sociedade. Na medida em que a maioria aceita a existncia das
minorias, diverge, mas respeita suas vontades e propicia uma
abertura pol’tica para elas se manifestarem e participarem do poder
PRISMA JURêDICO 201
11 Para Sartori (op. cit., p. 112), a igualdade é um ideal moral.
12 Sartori (op. cit., p. 117) analisa a progressão histórica do conceito de igualdade em quatro
classes: a) igualdade jurídico-política; b) igualdade social; c) igualdade de oportunidade; d)
igualdade econômica.
13 Para Bobbio (op. cit., p. 112), “a passagem do estado liberal para o estado social é
assinalada pela passagem de um direito com função predominantemente protetora-
repressiva para um direito cada vez sempre mais promocional”. Conclui a seguir: “para que
uma sociedade qualquer permaneça reunida é preciso que se introduza também algum
critério de justiça distributiva”.
decisional. Essas minorias saem do ostracismo e passam a
influenciar os rumos da na‹o e a ter defendidos seus interesses.
Touraine (1996, p. 191) considera apropriadamente que a defini‹o
da democracia passa pela compreens‹o do outro, pelo reconhecimento
institucional da maior diversidade e da maior criatividade poss’vel,
demonstrando como unidade e diversidade s‹o interdependentes.
Na democracia indireta representativa, dos trs princ’pios
democr‡ticos citados, apenas o da liberdade permanece sempre
evidente, o que torna esse regime imperfeito e distante do ideal
democr‡tico.
Democracia participativa 
As democracias representativas, seguindo a tendncia
humanista deste sŽculo, buscam adaptar-se ˆs sociedades
pluralistas, aprendendo a conviver com os contr‡rios e a admitir a
inevitabilidade da dissens‹o,14 por meio do suporte da opini‹o
pœblica. No entanto, ainda que seja um avano, o respeito aos
direitos das minorias n‹o implica sua participa‹o efetiva em
todos os n’veis do poder, ainda que de forma proporcional.
Sistemas de freios e contrapesos constitucionais tm amenizado o
problema, mas a solu‹o parece ser mais cultural do que pol’tica,
porque se todas as decis›es, por princ’pio, s‹o tomadas por maioria
de votos, de nada adianta o voto das minorias, de nada adianta o
direito de oposi‹o, pois ser‹o sempre votos vencidos. Sua
oportunidade de triunfo somente se realizar‡ quando acompanhar
a vontade da maioria, ou das maiorias, j‡ que nem sempre h‡ uma
maioria monol’tica,15 abdicando de suas aspira›es para coligar-se,
em troca de algumas reivindica›es.16 Qual a sa’da para esse
202
14 Robert Dahl (1997, p. 46) afirma que “em qualquer país, quanto maiores as oportunidades
de expressar, organizar, e representar preferências políticas, maior a variedade de
preferências e interesses passíveis de representação na política”. 
15 O sistema político majoritário tende a ignorar as minorias, que no seu todo,
freqüentemente, formam uma maioria. Dessa forma, os governantes são, na verdade,
representantes de uma minoria da sociedade.
16 Diz Burdeau (1970, p. 109): “Incapaz de se congregar num consenso sólido, a opinião já não
se manifesta senão pelo seu fraccionamento entre as tendências partidárias. Cada partido,
valendo-se da sua força eleitoral, pode então perfeitamente reivindicar uma parcela do Poder.
Mas este Poder é aferente a um programa que esbarra no programa dos outros partidos. Para
superar o impasse, é indispensável recorrer ao Poder de Estado, por hipótese global”.
impasse, uma vez que n‹o Ž poss’vel atender ao mesmo tempo a
aspira›es divergentes?
John Randolph Lucas (1975, p. 113) afirma que a participa‹o
Ž a melhor garantia contra a tirania.17 A participa‹o pol’tica n‹o
deve limitar-se a uma atua‹o passiva de controle sobre o poder,
mas a uma a‹o ativa de ingerncia direta no poder. Quanto mais
elementos da democracia direta forem incorporados ˆ democracia
indireta, maiores ser‹o os canais de participa‹o dispon’veis para a
manifesta‹o de todas as camadas da comunidade. Surge, assim,
uma democracia semidireta, ou participativa. Ent‹o o plebiscito, o
referendum, instrumentos jur’dicos como a A‹o Popular, a A‹o
Civil Pœblica e o Mandado de Injun‹o, assim como o livre acesso ˆ
tutela jurisdicional, propiciam uma participa‹o direta do cidad‹o e
das minorias exclu’das na gerncia do poder pœblico, se n‹o na
tomada de decis›es, pelo menos no seu controle.
Por outro lado, no procedimento parlamentar democr‡tico
existem v‡rias etapas decis—rias que v‹o compondo o exerc’cio do
poder, funcionando, ao mesmo tempo, como filtros dos excessos e
absorventes dos anseios da sociedade, abrindo-se um canal para
express‹o das minorias exclu’das, e fechando-se, paralelamente, o
canal para os abusos da maioria detentora do poder.
Na esfera informal, encontramos tambŽm os grupos de
interesse (ONGs), associa›es de classe (sindicatos), lobbies e a
m’dia que, de forma indireta, suprem a falta de representatividade
dos partidos, influenciando parlamentares e exercendo press‹o
sobre a opini‹o pœblica, como meio de manifestar suas aspira›es
pol’ticas, econ™micas, sociais e outros interesses institucionais e
difusos, o que constitui um canal eficiente de participa‹o para as
minorias.18 Assim, o fluxo do poder se torna cada vez mais
ascendente, isto Ž, vai de baixo para cima, e menos descendente (de
cima para baixo). Como œltimo recurso, a participa‹o minorit‡ria
se manifesta por vias violentas, por intermŽdio de grupos
PRISMA JURêDICO 203
17 Na mesma obra, às páginas 131 e 134, Lucas considera que o voto constitui uma forma de
participação mínima e tem um valor simbólico, embora com conseqüências práticas
relevantes.
18 Robert Dahl (op. cit., p. 43) conclui que, “na medida em que um sistema torna-se mais
competitivo ou mais inclusivo, os políticos buscam o apoio dos grupos que agora podem
participar mais facilmente da vida política”.
guerrilheiros ou associa›es il’citas, que atuam ˆ margem do Estado
e das institui›es democr‡ticas.
A participa‹o institucional, por sua vez, pressup›e custos para
o Estado e para o cidad‹o, tanto na sua operacionalidade quanto em
sua fase anterior de conscientiza‹o da comunidade.19 Essas
condi›es materiais e psicol—gicas n‹o ocorrem por um simples
decreto, mas necessitam de tempo e vontade pol’tica, portanto
dependem da evolu‹o econ™mica e cultural da sociedade.
Quando Robert Dahl (op.cit., p. 29) fala em poliarquia, admite
a impossibilidade de atingir-se a democracia plena, idealizada,20 mas
escalona as democracias poss’veis segundo um grau de
aperfeioamento em Òpelo menos duas dimens›es: contesta‹o
pœblica e direito de participa‹oÓ.21 Ademais, deve haver uma
cont’nua correspondncia entre a atua‹o dos governantes e as
aspira›es dos governados.
A utopia da democracia, portanto, est‡ longe de ser alcanada
quandose pensa o direito das minorias. A diminui‹o das
desigualdades e a toler‰ncia da dissens‹o, neste caso, s‹o t‹o
importantes quanto as garantias das liberdades fundamentais. O
caminho passa pelo aperfeioamento das institui›es democr‡ticas e
pela domestica‹o do poder. Da democratiza‹o do Estado, deve-se
passar ˆ democratiza‹o da sociedade (1997, p. 55).
N‹o obstante, talvez seja pertinente parafrasearmos Churchill:
a regra da maioria Ž a pior das regras da democracia, exceto por
todas as outras.
204
19 Vide John Randolph Lucas, op. cit., capítulo XI.
20 Bobbio (op. cit., p. 41) reafirma que Rousseau também estava convencido de que uma
verdadeira democracia jamais existiu nem existirá, porque requer muitas condições difíceis de
ser reunidas. Isto significa que até mesmo a antiga democracia grega não preenche todas as
condições.
21 É ainda Dahl (op.cit., p. 28) que afirma: “Tanto histórica como contemporaneamente, os
regimes variam também na proporção da população habilitada a participar, num plano mais
ou menos igual, do controle e da contestação à conduta do governo. Uma escala refletindo a
amplitude do direito de participação na contestação pública nos permitiria comparar
diferentes regimes segundo sua inclusividade”.
Referências
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia Ð uma defesa das regras
do jogo. S‹o Paulo: Paz e Terra, 1997.
BURDEAU, Georges. O Estado. Buenos Aires: Publica›es Europa-
AmŽrica , 1970.
CRESPIGNY Anthony de; CRONIN Jeremy (Orgs.). Ideologias
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LUCAS, John Randolph. Democracia e participa‹o. Bras’lia:
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SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. S‹o Paulo:
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RUSSELL, Bertand. O poder Ð uma nova an‡lise social. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1979.
TOURAINE, Alain. O que Ž a democracia? S‹o Paulo: Vozes, 1996.
PRISMA JURêDICO 205

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