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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências Campus de Bauru VIVIANE CINTRA FELICIO O AUTISMO E O PROFESSOR: UM SABER QUE PODE AJUDAR BAURU 2007 1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências Campus de Bauru VIVIANE CINTRA FELICIO O AUTISMO E O PROFESSOR: UM SABER QUE PODE AJUDAR Trabalho apresentado como exigência parcial para a Conclusão do Curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências UNESP – campus de Bauru sob a orientação da Professora Dr(a) Eliana Zanata Marques. BAURU 2 2007 Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise[...] [...]Pedras no caminho?Guardo todas, um dia vou construir um 3 castelo. (Fernando Pessoa) 4 DEDICATÓRIA Este trabalho é dedicado especialmente a todas as crianças autistas que, de forma silenciosa e, até muitas vezes geniais, nos mostram um lado inexplorado do ser humano. 5 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus pela oportunidade da vida. Agradeço à Ele pelo Seu imenso amor, misericórdia, graça e pela Sua fidelidade dispensada à nós a cada dia. Agradeço à minha família que de uma forma muito especial me conduziu até aqui, dando-me as bases necessárias para alcançar felicidade e sucesso durante a vida. A nossa união permanecerá inabalável por toda a vida. Amo muito vocês. Ao meu noivo, um agradecimento todo especial por estar sempre ao meu lado, me proporcionando carinho e amor, irrestritos. Obrigada por ser quem és – meu amigo e fiel companheiro. Que Deus nos abençoe nesta caminhada que juntos trilharemos por toda vida. Te amo muito! Às minhas amigas inseparáveis: Jack, Marina, Ed, Michela e Larissa, que de uma forma muito ativa deram um toque especial aos nossos quatro anos de faculdade. Saudades e lembranças inesquecíveis ficarão de uma amizade verdadeira. Salve as batatas! A minha orientadora, Eliana, que me auxiliou com a realização e finalização desta etapa. Aos professores e a todos, que de forma indireta colaboraram para a conclusão de mais uma etapa de minha vida!Muito obrigada! 6 RESUMO O trabalho com autistas tem sido pouco explorado na sociedade e carece de informações para o auxílio dos professores em âmbito escolar. Os autistas fazem parte do grupo de pessoas portadoras de deficiências, exigindo assim uma educação especial e inclusiva para a promoção de seu desenvolvimento. Sabe-se que atualmente, os autistas não têm recebido a atenção necessária e devida e por isso, o seu desenvolvimento e inserção na sociedade se mostram tão longe do ideal e esperado. Tendo em vista tais aspectos, o enfoque principal deste trabalho é proporcionar informações claras e objetivas acerca do autismo, visando também, por meio da pesquisa investigativa, reconhecer o nível de conhecimento dos professores, vistos como educadores, em relação ao tema e suas capacitações para permearem tal educação. Para isso, foram enviados questionários para professores de 19 escolas, das séries iniciais do ensino fundamental, retornando 38 questionários respondidos. Mediante os resultados, observa-se que a maioria dos professores não possui conhecimento suficiente e adequado para lidar com autistas em sala de aula, não tendo bases para desenvolver um trabalho eficaz com esses alunos. Também nos parece claro que é de competência do professor e dos órgãos responsáveis pela educação a busca e a oferta por cursos de formação continuada em serviço, uma vez que ainda em quantidade pequena, estes alunos já se fazem presentes nas salas de aula. Palavras chave: autismo; distúrbio do desenvolvimento. 7 SUMÁRIO Introdução.......................................................................................................................... 8 1. Definições de Autismo................................................................................................... 11 1.1. Aspectos Clínicos....................................................................................................... 11 1.2. Aspectos Psicossociais................................................................................................ 20 1.3. Aspectos Educacionais............................................................................................... 25 2. Programa de Reabilitação para Autistas - TEACCH..................................................... 29 3. O Professor na Educação Inclusiva e Especial.............................................................. 33 4. Metodologia................................................................................................................... 38 5. Apresentação e Análise dos Resultados......................................................................... 40 7. Considerações Finais..................................................................................................... 47 REFERÊNCIAS ANEXOS 8 INTRODUÇÃO Entende-se por autismo uma inadequação no desenvolvimento que se apresenta de maneira grave durante toda a vida. Costuma aparecer nos três primeiros anos de vida e desde já traz certa incapacidade para o indivíduo que a possui. É um distúrbio que acomete mais homens que mulheres e até hoje não se tem causas específicas para seu aparecimento. Seus sintomas são na maioria dos casos muito graves e se apresentam tal como: gestos repetitivos, autodestruição, e às vezes até comportamentos agressivos, a fala e linguagem podem se apresentar de formas atrasadas ou até ausentes, habilidades físicas reduzidas e um relacionamento anormal frente a objetos, eventos ou pessoas (GAUDERER, 1985). Por estes motivos, criar e educar um autista representa um grande desafio para pais, familiares, educadores e pessoas à sua volta, principalmente porque há uma grande necessidade de uma abordagem adequada e eficiente para que estes possam se desenvolver, mesmo que de forma lenta (MANTOAN, 1997). Assim sendo, a escolha deste tema se caracteriza pela necessidade de uma transmissão de conhecimento e informações a respeito do autismo e suas particularidades, a fim de auxiliar o educador em suas relações com os autistas. Este trabalho terá por objetivos: explicitar as características principais do autismo, em seus aspectos clínico, psicológico e educacional, dando noções sobre o problema a ser enfrentado e trabalhado pelos professores, no que compete à sua atividade no âmbito escolar; promover o conhecimento de métodos de tratamento para autistas, explorando neste trabalho o método TEACCH; abordar a educação inclusiva e a realidade dos cursos de formação de professores no que diz respeito ao desenvolvimento de uma educação especial nos dias atuais e por fim, obter dados a respeito da maneira como os professores têm reagido frente a esse 9 alunado, observando seus conhecimentos prático e teórico em relação aos autistas em sala de aula. Logo, o presente trabalho é válido, pois, embora haja inúmeras propostas de inclusão dos autistas, não há hoje um resultado educacional eficaz e preciso para esse alunado. Os professores, vistos como mediadores da transmissão do conhecimento, necessitam de maiores informações a respeito destes alunos, que, apesar de apresentarem distúrbios severos, podem desenvolver muitas habilidadesse deparados com uma intervenção adequada. É importante enfatizar que há uma forte necessidade de estudos mais aprofundados nesta área e de aprimoramento por parte dos profissionais em se tratar de necessidades especiais como o Autismo, de forma a se preocupar com a possível inclusão das crianças na escola e na sociedade. Sabe-se que a educação de pessoas autistas não tem recebido até então a atenção necessária. Profissionais competentes que se deparam com esses alunos, que parecem não compreender a vida, sentem sua segurança e até mesmo competência abaladas, e acabam desistindo. Diante disso, a necessidade de planejamentos e estruturas adequadas se torna cada dia mais emergente, a fim de que, com isso, possa se proporcionar espaço aos autistas na sociedade e para que eles exerçam seus direitos como cidadãos. Assim, a organização proposta neste trabalho implica que no capítulo 1 foram abordadas as características principais dos autistas, ou seja, seus aspectos clínicos. Neste capítulo buscou-se explicitar o histórico do Autismo, pontuando alguns estudiosos e suas teorias, e os principais sintomas e definições para o tema escolhido. Também neste primeiro capítulo, foram abordados os aspectos psicossociais, visando ao esclarecimento das principais manifestações do autismo nas pessoas com relação aos aspectos psicológicos, a fim de elucidar algumas das deficiências existentes nesse aspecto, dos autistas. Ainda neste capítulo, 10 os aspectos educacionais foram estudados, tendo como finalidade a descrição das principais dificuldades encontradas nesse aspecto, buscando relacionar como deve ser a educação dos autistas nas escolas e como eles se apresentam frente à esta educação. No capítulo 2, nos reportamos ao Programa de Reabilitação TEACCH, a fim de descrever, de forma objetiva, como se dá este método de tratamento e suas particularidades. E por fim, no capítulo 3, buscou-se analisar a Educação Especial e Inclusiva existente em nossa sociedade, procurando estabelecer relações entre a situação dos autistas nas escolas atualmente e a formação dos professores visando tal realidade. As considerações finais do trabalho buscam uma síntese dos achados mediante o desenvolvimento da metodologia qualitativa adotada e de aproximações dos pressupostos teóricos abordados. 11 1. DEFINIÇÕES DE AUTISMO 1.1 ASPECTOS CLÍNICOS São muitos os estudiosos que procuram explicações para as causas e conseqüências do Autismo. O autismo é definido pela Organização Mundial de Saúde como um distúrbio do desenvolvimento, sem cura e severamente incapacitante. Sua incidência é de cinco casos em cada 10.000 nascimentos caso se adote um critério de classificação rigoroso, e três vezes maior se considerarmos casos correlatados, isto é, que necessitem do mesmo tipo de atendimento (MANTOAN, 1997, p. 13). Uma das primeiras áreas do desenvolvimento a trazer preocupação nas pessoas que cuidam e observam as crianças diagnosticadas como autistas é a de comunicação e interação social, ainda nos dois primeiros anos de vida da criança (LORD, STOROSCHUK, RUTTER & PICKLES, 1993 apud BOSA, 2001)1. Os estudos a respeito do autismo começaram, com Leo Kanner, um psiquiatra americano que, em 1942, descreveu por meio de um artigo, a condição de 11 crianças consideradas especiais, abordando o autismo sob o nome "distúrbios autísticos do contacto afetivo". Assim, ele parte do pressuposto de que este quadro se caracteriza por um autismo extremo, obsessividade, estereotipias e ecolalia. Kanner também observou que os sintomas surgiram muito precocemente (desde o nascimento), sugerindo até que as crianças autistas poderiam ter um bom potencial cognitivo e até mesmo certas habilidades especiais, como uma memória mecânica (BOSA, 2000). É interessante ressaltar que Kanner (COLL et al, 1995) utilizou o termo “autista” da psiquiatria adulta: 1 LORD, C., STOROSCHUK, S., RUTTER, M. & PICKLES, A. Using the ADI-R to diagnose autism in preschool children. Journal of Infant Mental Health, 1993, 14(3), p. 234-252. 12 [...]havia sido empregado por um psiquiatra, Beutler, para definir a tendência de certos pacientes esquizofrênicos a centrarem, em si mesmos, todo seu mundo imaginativo, encerrando-se em imagens auto-referidas. Kanner sugeria uma relação (que foi questionada) entre o distúrbio profundo do desenvolvimento dos seus casos e a esquizofrenia adulta, estimulando uma tendência perigosa a acreditar que nas crianças autistas, também, existe um rico mundo imaginativo, auto-referido e no qual se fecham. (p. 274). Porém, apesar deste artigo desenvolvido por Kanner ter sido decisivo para a definição do autismo como uma síndrome independente, este não foi o primeiro a descrever crianças com essas características. Já na antiguidade, sabe-se de acontecimentos, não só de crianças, mas também de adultos que apresentavam comportamentos estranhos, podendo tais comportamentos terem relação com o autismo (COLL, 1995). Sendo assim, a tese inicial de Kanner de que crianças autistas sofreriam de uma incapacidade inata de se relacionarem emocionalmente com outras pessoas, foi retomada e estudada também por Hobson (1993a, 1993b apud BOSA, 2000)2. [...]a teoria afetiva sugere que o autismo se origina de uma disfunção primária do sistema afetivo, qual seja, uma inabilidade inata básica para interagir emocionalmente com os outros, o que levaria a uma falha no reconhecimento de estados mentais e a um prejuízo na habilidade para abstrair e simbolizar (p. 6). Dessa forma, o ‘retraimento’ apresentado pelos autistas tem sido explicado em termos de um estado crônico de excitação (HUTT & HUTT, 1968 apud BOSA, 2000)3 ou até oscilações nesse estado que conduzem à evitação do olhar, reações negativas e retraimento da interação social, como mecanismos para controlar o excesso de estimulação. Com o passar do tempo, outros pesquisadores também foram desenvolvendo seus estudos partindo da concepção de Kanner com algumas alterações, como por exemplo, relacionando o autismo a um déficit cognitivo, considerando-o não uma psicose e sim um 2 HOBSON, P. Understanding persons: The role of affect. Em S. Baron-Cohen, H. Tager-Flusberg, & D. J. Cohen (Orgs.), 1993a, Understanding other minds: Perspectives from autism (pp. 205-227). Oxford: Oxford Medical Publications. HOBSON, P. .Autism and the development of mind. UK: Lawrence Erlbaum, 1993b. 3 HUTT, C. & HUTT, S. J. Stereotypy, arousal and autism. Human Development, 11, 277-286, 1968. 13 distúrbio do desenvolvimento. Essa idéia do déficit cognitivo vem sendo reforçada por muitos estudiosos até os dias atuais. Alguns pesquisadores chegaram a fazer um experimento no qual, crianças com autismo, eram comparadas a outras, relacionadas como grupos de controle, enquanto desenvolviam certa atividade e, como resultados, as crianças autistas apresentaram dificuldades e deficiências no aprendizado correto para chegar ao fim desejado, demonstrando assim maior insistência na estratégia incorreta e demonstrando um déficit maior na capacidade de planejamento para atingir uma meta (BOSA, 2000). Com relação às causas do autismo, há uma teoria interessante, denominada “lobo frontal”, que sugere que: [...] muitas das características dessa síndrome, como por exemplo, inflexibilidade (expressa através de atividades ritualizadas e repetitivas), perseveração, foco no detalhe em detrimento de um todo, dificuldade em gerar novos tópicos durante o brinquedo de faz-de-conta e dificuldadesno relacionamento interpessoal, podem ser explicadas por comprometimento no funcionamento do lobo cerebral frontal (DUNCAN, 1986 apud BOSA, 2001, p. 2)4. A explicação dessa teoria se dá, pois foram comprovadas as semelhanças entre os autistas e aquelas com lesão frontal, por meio de resultados do desempenho e desenvolvimento dos autistas analisados, com objetivo principal de obter noções sobre suas funções executivas (HUGHES & RUSSEL, 1993; OZONOFF e cols., 1991 apud BOSA, 2000)5. A partir dos anos sessenta, as investigações sobre o autismo demonstraram uma forte característica na deficiência no desenvolvimento dos mundos simbólico e imaginativo, que em sua maioria é acompanhada de uma deficiência também mental. Neste momento, partindo 4DUNCAN, J. Disorganization of behavior after frontal lobe damage. Cognitive Neuropsychology, 3, 271-290, 1986. 5HUGHES, C. & RUSSELL, J. Autistic children's difficulty with disengagement from an object: Its implications for theories of autism. Developmental Psychology, 29, 498-510, 1993. OZONOFFf, S., Pennington, B. & Rogers, S. Executive function deficits in high-functioning autistic individuals: Relations to the theory of mind. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 32, 1081-1105, 1991. 14 da idéia inicial de Kanner de “um bom potencial cognitivo”, o autismo começou a ser compreendido não como uma psicose semelhante à esquizofrenia adulta, mas sim como um “distúrbio profundo do desenvolvimento” (COLL et al, 1995). Tais considerações são mais úteis, sob o aspecto educacional e refletem o resultado obtido do grande número de investigações acerca do assunto, estabelecendo as relações entre o desenvolvimento normal e o autista. Assim também, caracteriza-se por uma tentativa de estabelecer definições mais precisas e aceitáveis universalmente que as defendidas após Kanner. Entre as várias definições do autismo mais atuais, é interessante ressaltar a do DSM-III (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1980) que define o autismo e seus distúrbios de desenvolvimento tais quais Kanner. No entanto, nesta nova definição admite-se que o quadro pode ocorrer depois de um desenvolvimento normal até os 30 primeiros meses, ou seja, não é necessariamente inato. QUADRO 1 – Sinopse da definição de autismo do DSM-III Fonte: Cool et al. Desenvolvimento Psicológico e educação - Necessidades Educativas especiais e aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artmed, 1995. Incapacidade de estabelecer relações Deterioração da comunicação Respostas estranhas ao meio Falta de resposta e interesse pelas pessoas. Fracasso na vinculação com pessoas. Problemas de contato visual. Respostas faciais expressivas pobres. Indiferença ou aversão ao afeto e contato físico. Fracasso no desenvolvimento de amizades. Possível falta de linguagem. Estrutura lingüística imatura (caso haja linguagem). Inversão de pronomes. Afasia nominal. Falta de termos abstratos. Linguagem metafórica. Ecolalia imediata ou demorada. Entonação anormal. Comunicação não verbal inapropriada. Resistência a pequenas mudanças ambientais. Vinculação excessiva a certos objetos. Comportamentos rituais. Fascinação por objetos giratórios. Interesse anormal por certos objetos. 15 Porém, até hoje se buscam explicações para o aparecimento e desenvolvimento do Autismo. Alguns autores tentaram relacionar a frieza e o distanciamento das mães e pais com o aparecimento do autismo. Gauderer (1985) também descreve em seus estudos algumas das possíveis causas: Já é comprovado o fato de que o autismo está associado a doenças viróticas, visto que tem sido descrito em pacientes portadores de rubéola congênita, encefalite, sarampo e infecção pelo vírus de inclusão citomegálica (a última envolve estruturas cerebrais profundas, como as dos gânglios de base). Distúrbio cardiorrespiratório perinatal é outra causa possível. A hipoxia pode ocasionar dano a áreas cerebrais específicas (incluindo os gânglios basais), sendo as áreas atingidas diferentes das afetadas em conseqüência de anoxia. É possível que, em certas circunstâncias, o dano seja menos grave que o encontrado na paralisia cerebral. Ele pode afetar estruturas nervosas tanto macro quanto microscópicas, diferentes das envolvidas na paralisia cerebral e, em seu lugar, determinar a síndrome do autismo. A perfusão insuficiente do cérebro também é uma causa a ser considerada (GAUDERER, 1985, p. 88). Mas, muito dos problemas para dar uma definição tecnicamente aceitável e universalmente aceita do autismo devem-se à dificuldade de descrever verbalmente e compreender psicologicamente as profundas alterações apresentadas pelas pessoas que sofrem do mesmo (COOL et al, 1995). Tem sido evidente, no entanto que, embora seja muito importante no desenvolvimento do autismo à dinâmica emocional familiar, esse elemento não é suficiente em si mesmo para justificar o seu aparecimento. Portanto, o autismo não parece ser, em sua essência, um transtorno adquirido e, atualmente, o autismo tem sido definido como uma síndrome comportamental resultante de um quadro orgânico. Sendo assim, apesar de uma dificuldade em se ter essa etiologia específica sobre a síndrome, têm-se hoje propostas recentes da literatura médica a respeito de uma associação com fatores biológicos como sendo um dado marcante e indiscutível. Observa-se também que, enquanto grupo, pessoas autistas apresentam altos níveis periféricos de serotonina em quase um terço dos casos e uma maior freqüência de alterações eletroencefalográficas com quadros convulsivos associados. 16 Existem, portanto, várias teorias que tentam explicar a causa do autismo, porém, nenhuma delas foi realmente comprovada. Por isso, nos parece ser importante descrever seus principais sintomas, a fim de que o professor tenha condições de identificar qualquer alteração ou tendência em seus alunos para este distúrbio no desenvolvimento e então encaminha-los para profissionais que possam dar o diagnóstico. Baron-Cohen (1992 apud BOSA, 2002)6 afirma que a idade média para que se possa detectar o quadro do autismo é em torno dos 3 anos, embora o autor sugira que o diagnóstico já possa ser estabelecido ao redor dos 18 meses de idade. São raros os diagnósticos de autismo em bebês menores de 12 meses. O que se observa em primeiro lugar é que a criança é muito passiva, ou seja, demonstra pouca sensibilidade às pessoas e aos objetos que estão à sua volta, permanecendo isolada e alheia ao meio em que está inserida (COLL et al, 1995). Muitas vezes os pais podem interpretar tal comportamento como uma característica do temperamento da criança, ou até chegam a temer que a criança seja surda. No entanto, várias características que elas apresentam como a falta de criatividade frente aos objetos, a ausência de uma chamada pela mãe como quem pede algo, e até mesmo as ações limitadas destas crianças são vários dos sintomas que devem ser levados em consideração quando comparados à conduta de crianças normais. Assim, a respeito dos sintomas do autismo pode-se dizer que o principal observado é o grave déficit cognitivo, sendo assim caracterizado por uma das maiores desvantagens que os autistas apresentam em relação às outras crianças. Além disso, há a grande dificuldade que os autistas têm em relação à expressão de suas emoções. 6 BARON-COHEN S, Allen J, Gillberg C. Can autism be detected at 18 months? British J Psychiatr;161:839-43, 1992. 17 É importante ressaltar também que, diversas condutasfuncionais para o desenvolvimento, como os modelos de jogos, imitação e uso de gestos e vocabulário, não chegam a ser adquiridos ou mesmo se perdem de forma progressiva. Além disso, quase sempre esses sintomas iniciais trazem consigo também outras deficiências para os autistas, tais como: [...] problemas persistentes de alimentação, falta de sono, excitabilidade inexplicável e difícil de controlar, medo anormal de pessoas e lugares estranhos, condutas de pânico sem causa aparente, tendência progressiva a evitar e ignorar as pessoas, etc. (COLL et al, 1995, p. 278). Com freqüência, a etapa que se apresenta mais alterada na criança autista é a idade do desenvolvimento da linguagem. Algumas crianças autistas têm um desenvolvimento normal em grande parte da primeira infância adquirindo inclusive, uma linguagem funcional. Porém, com o agravamento do quadro de autismo, esta linguagem vai ficando perturbada ou até mesmo é perdida. Diante das falhas no seu desenvolvimento, a criança autista vai se fechando cada vez mais em seu mundo interno, estereotipado e ritualista, mostrando-se cada vez mais isolada e incomunicável. Em muitos casos, esta criança não desenvolve nenhuma linguagem (COOL et al, 1995). Esses problemas na compreensão da linguagem afetam a comunicação verbal e, por conseguinte, o cotidiano dessas crianças quando estas necessitam de interpretação das situações sociais e dos sinais sociais e emoções alheias. Assim, o que se pode observar também na maioria dos autistas, além dos distúrbios na interação social que aparecem desde o início da vida, é que para alguns deles, o contato ‘olho a olho’ não se apresenta normal desde seu primeiro ano de vida. Essa questão do olhar é muito importante, pois, é por meio dele que os autistas demonstram de certa forma, o seu grau de interesse pelos objetos e pessoas ao redor. 18 Outros estudiosos chamaram a atenção para vários fatores que podem afetar esta interação social dos autistas, tais como nível global de desenvolvimento e o tipo de contexto no qual a interação está inserida. Essa observação foi também confirmada por um outro estudo que procurou descobrir e pesquisar por meio de experimentos a influência desses e outros fatores no comportamento social e comunicativo dos autistas pré-escolares (BOSA, 1998). A imagem de uma criança alheia aos estímulos externos pode causar estranhamento ao observador que está acostumado com uma aparência saudável e normal. A criança autista parece estar sempre “só” mesmo que esteja rodeada de pessoas e algumas delas permanecem por horas, balançando-se, ou paralisadas frente a estímulos aparentemente insignificantes. Assim, foram delineadas também algumas características importantes que reforçam o comportamento autista: Incapacidade para vincular-se de maneira ordinária com pessoas e situações; Incapacidade para adotar uma postura antecipatória frente às pessoas; Nenhuma linguagem ou incapacidade de empregar a linguagem de maneira significativa para os demais; Excelente memória mecânica; Repetição de pronomes pessoais do jeito que são ouvidos; Repetição não só das palavras como também a entonação da pessoa com quem fala; Recusa de comida; Reagem com horror a ruídos fortes e objetos em movimento; Atitudes monotonamente repetitivas e necessidade de manter as coisas sempre iguais; Boa reação com objetos que lhe interessam, podendo jogar com eles durante horas; Boas potencialidades cognitivas e fisionomias inteligentes; Fisicamente, essencialmente normais; Provêm de famílias bastante inteligentes. (STEFAN, 1991 apud SÃO PAULO, 2003, p. 1). Além disso, os autistas usam as pessoas como ferramentas, protestam mudanças de rotina, não demonstram medo de situações nem objetos perigosos e algumas vezes são agressivos e até destrutivos. 19 É necessário ressaltar que, o diagnóstico diferencial dos quadros autísticos inclui outros distúrbios invasivos do desenvolvimento, como a síndrome de Asperger, a síndrome de Rett, transtornos desintegrativos e os quadros não especificados, diagnóstico esse que será dado pelo médico responsável auxiliado por uma equipe de especialistas terapêuticos, como psicólogos e fonoaudiólogos. [...]os sintomas de autismo não se manifestam por igual, nem têm o mesmo significado em diferentes fases da vida das pessoas autistas.Ao considerar um distúrbio profundo do desenvolvimento, que além disso tem um caráter crônico, é necessário recorrer a uma descrição cuidadosa desse desenvolvimento.Naturalmente, existem importantes diferenças –relacionadas ao QI, ao nível lingüístico e simbólico, ao temperamento, à gravidade dos sintomas – entre uns autistas e outros, no que diz respeito às características da síndrome e às peculiaridades do desenvolvimento[...](COOL et al, 1995, p. 278). Portanto, para um diagnóstico clínico preciso do Autismo, a criança deve ser muito bem examinada, tanto fisicamente quanto psico-neurolinguisticamente. A avaliação deve incluir entrevistas com os pais e outros parentes interessados, observação, exame psico- mental e linguístico, algumas vezes, de exames complementares para doenças genéticas e ou hereditárias. 20 1.2. ASPECTOS PSICOSSOCIAIS Uma das maiores dificuldades para a compreensão psicológica do autismo infantil se caracteriza pelo fato de que a grande maioria das pessoas autistas não é capaz de contar ou descrever suas experiências de vida (COOL et al, 1995). Sabemos que os autistas apresentam um desenvolvimento anormal e não padronizado quando comparados às crianças “normais”. Apresentam também um forte distúrbio no desenvolvimento, principalmente como já dito, nas áreas de comunicação e interação social. Porém, eles também possuem muitas outras habilidades, que podem muito bem superar as suas dificuldades e deficiências, tais como habilidades artísticas, uma “super” memória, raciocínio lógico e complexo, etc. [...] o preto cego Tom tem se apresentado aqui com casa cheia. É sem dúvida um milagre. Parece com qualquer garoto preto de 13 anos e é completamente idiota em tudo, menos no que diz respeito à música, linguagem, imitação e talvez memória. Nunca estudou música ou recebu qualquer tipo de educação. Aprendeu a tocar piano ouvindo os outros, aprende letras e melodias de ouvido e é capaz de tocar qualquer coisa na primeira tentativa tão bem quanto o melhor dos instrumentistas” OBSERVER(1862 apud GALILEU, 2007, p. 78)7. Quando bebê percebe-se que o desenvolvimento psicossocial, em geral, se desenvolve de forma diferente. Os autistas reagem de modo distinto das outras crianças, não respondendo a uma variedade de estímulos internos e nem externos e demonstrando uma passividade e indiferença aos sinais sociais do meio em que vivem. Como vivem em um mundo muito confuso, é compreensível que crianças autistas tentem se apegar às poucas coisas que conseguem entender. Elas gostam de manter as mesmas rotinas, uma leve mudança pode provocar gritos e acessos de raiva. Também se tornam bastante apegadas a objetos, que podem ser brinquedos comuns ou coisas aparentemente sem atrativos [...] (GAUDERER, 1985, p. 119). Além do apego inadequado a determinados objetos e rotinas, percebe-se também que eles apresentam uma grande dificuldade de interpretação das emoções das outras pessoas e na 7 Observer. Fayetteville. EUA, 1862. 21 demonstração de suas próprias; carecem de demonstrar empatia com o outro e manifestar o desejo por algo. A capacidade de ter a mesma experiência emocional, de ter empatia com as emoções de outros, de “colocar-se emocionalmenteem seu lugar, [...] é muito deficiente nas pessoas com autismo que 1) discriminam pior que outras pessoas os sinais emocionais, 2) percebem-nos com um nível menor de pregnância (ou seja, são menos chamativos ou “salientes” para os autistas) e, sobretudo 3) não os revivem em si mesmos com a mesma facilidade que outras pessoas[...] (COOL et al, 1995, p. 283). Outro ponto importante a se ressaltar, é que a inadequação na abordagem e a incapacidade de responder aos interesses, emoções e sentimentos das pessoas com as quais convivem, são grandes entraves no desenvolvimento de amizades e até de relacionamentos amorosos. Apesar de alguns desenvolverem sentimentos sexuais, existe falha na capacidade e habilidade social, o que evita a possibilidade de um relacionamento sexual. É extremamente raro ocorrer relacionamentos amorosos ou até mesmo um casamento, tal a dificuldade enfrentada pelos autistas (GAUDERER, 1985). A falta de habilidade na compreensão das expressões emocionais demonstradas por outras pessoas parece ter relação também com suas limitações, ou até mesmo com a ausência da capacidade de imaginação associada ao uso quase que nulo dos significados em suas memórias e processos de pensamento. A habilidade de imaginar algo que possa acontecer como conseqüência de uma ação a curto ou longo prazo, parece totalmente fora do alcance dos autistas. Com isso também, se torna muito difícil conseguir estabelecer e compreender contingências. Em algum momento, ações impulsivas ou uma forma rígida e imprevisível, mesmo ritualística, de organizar as próprias ações, aparecem (GAUDERER, 1985). Outra conseqüência das deficiências da criança autista é que ela está sujeita a se assustar com coisas totalmente inofensivas, talvez devido a um pequeno incidente anterior. [...] Por outro lado, sua falta de compreensão faz com que ignorem perigos reais. Elas podem atravessar a rua na frente do tráfego, ou se equilibrar perigosamente em bordas estreitas de um muro alto, sem medo algum. Às vezes riem de coisas que lhe dão prazer, como uma luz piscando ou a sensação macia de algo que estejam segurando. Outras vezes, sem razão aparente, choram lágrimas de profunda tristeza – como se o mundo fosse demais para eles – e parecem perdidos, desnorteados e assustados. Podem, porém, ser confortados com o carinho e o contato físico de sua mãe ou alguém que conheçam e confiem (GAUDERER, 1985, p. 120). 22 O desenvolvimento psicossocial dos autistas também é incerto pelos déficits e desvios no desenvolvimento da linguagem, apresentado desde os primeiros balbucios. Não é raro os números destes gestos serem reduzidos ou diferente do normal; alguns autistas nem chegam a desenvolver uma linguagem comunicativa, porém, quando alguns a desenvolvem, é necessário uma atenção maior para que eles a desenvolvam o máximo possível. Algumas crianças autistas apresentam linguagem comunicativa cedo e não sofrem de atraso tão acentuado. Elas são capazes de desenvolver uma personalidade organizada e complexa e uma vida ativa de fantasia. As estruturas psíquicas, nestes casos, podem ser eficientemente trabalhadas por uma abordagem psicoterapêutica. É necessária uma adaptação e modificação da psicoterapia expressiva dinâmica clássica. Essas crianças necessitam de uma grande quantidade de estrutura e limites em uma situação terapêutica, como em sua vida em geral. A eficácia do tratamento depende da clareza e organização oferecidas (GAUDERER, 1985, p. 45). Ainda quanto aos aspectos psicossociais, verifica-se que os autistas têm tendência a isolar-se como conseqüência da pouca percepção e identificação em relação às pessoas do meio em que vivem e se relacionam, ocasionado as deficiências de relacionamento interpessoais e de interação com o meio. Sendo assim, este comportamento de isolar, evitar, é para os autistas uma necessidade como se, dessa forma, eles estivessem contra algo que não conseguem responder. Neste sentido, o gesto de evitar o olhar não deve ser entendido como se os autistas simplesmente não quisessem olhar, mas sim como uma falta de conhecimento do que vem a significar o olhar. É difícil descrever com palavras as profundas alterações que as crianças autistas costumam apresentar entre os dois e cinco/seis anos. A imagem da criança alheia aos estímulos externos, encerrada em ações e rituais sem sentido, indiferente às pessoas, corresponde à que a criança autista, frequentemente, apresenta nesta etapa. Às vezes, surgem auto-agressões: a criança bate nos móveis ou no chão, com as mãos ou os punhos, sobretudo, quando está mais excitada ou frustrada. [...] Algumas crianças autistas permanecem, durante horas, balançando-se ou colocando os dedos das mãos em posições estranhas, ou fascinadas diante de estímulos do meio aparentemente insignificantes. Muitas dão respostas perceptivas paradoxais aos estímulos: parecem surdas, diante de ruídos intensos, mas ficam extasiadas ao ruído de um papel de bala, ou quando ouvem uma certa melodia;ou quando são produzidos sons junto ao seu ouvido. A criança parece estar “só”, mesmo quando cercada de outras pessoas (COOL et al, 1995, p. 279). 23 Na juventude, e depois também na idade adulta, muitos autistas conseguem desenvolver-se em diversas áreas. Os comportamentos ritualistas e estereotipados podem diminuir se submetidos a uma intervenção adequada e rigorosa; os problemas de sono, alimentação e a hiper-atividade também podem diminuir consideravelmente. Porém, as deficiências na interação e comunicação permanecem como um problema que tende a ser definitivo para os autistas (GAUDERER, 1993). Na maioria dos casos, os pais de crianças com autismo, apresentam dificuldades com relação aos cuidados que devem ter com os filhos, com a casa, com o custo de uma intervenção, entre outros, deixando-os com um alto nível de estresse, fazendo até com que, muitas vezes, cheguem a desacreditar numa possibilidade de se relacionarem com seus filhos. “As crianças precisam de cuidados constantes e isso requer considerável paciência e habilidade por parte dos pais para garantir que os irmãos e irmãs normais também recebam a sua parcela da atenção” (GAUDERER, 1985, p. 126). Frente ao exposto, proporcionar o desenvolvimento do autista implica numa atitude da família trabalhando em conjunto com uma equipe profissional especializada. É fato que se faz necessário um trabalho estruturado e organizado por parte dos profissionais, que acima de tudo, devem dar suporte e informações a respeito do autismo e seu desenvolvimento. Com isso, não somente a família terá as bases de como precisará agir frente a esta dificuldade, mas também terá como objetivo melhorar a qualidade da vida do autista, proporcionando a ele o desenvolvimento de suas habilidades. Sem dúvida, criar um filho divergente traz angústia e encargos adicionais para os pais. Contudo, é necessário recordar que criar um bebê normal também pode ser um processo angustiante para muitas mães, não sendo, portanto, um fato exclusivo e inerente à excepcionalidade. De qualquer maneira devemos ter sempre em mente que a família de uma criança excepcional necessita tanto de atendimento e orientação quanto ao próprio indivíduo, não só para sua própria organização e ajustamento, como também para que possa constituir um elemento de apoio e ajuda ao processo de educação e reabilitação do indivíduo que dela necessita. A primeira etapa de orientação familiar consiste em auxiliar os pais a uma aceitação emocional da criança excepcional, que pode ser definida como a concordância entre os fatores internos (sentimento dos pais) e os fatores externos (a realidade da 24 situação). Só então os pais terão condições de propiciar situaçõesque favoreçam o desenvolvimento pleno de seus filhos (AMIRALIAN, 1986, p. 51-52). Sendo assim, o apoio de outros pais que convivem com o mesmo problema, e até mesmo de seu grupo de amigos, é sempre importante, porém o psicólogo tem um papel fundamental e seu trabalho pode, até mesmo, ser estendido para toda a família. É importante lembrar que o profissional foi treinado tecnicamente para lidar com os diversos problemas e variáveis relacionadas ao autismo e por isso ele tem as reais condições de proporcionar à criança autista um desenvolvimento adequado (GAUDERER, 1985). 25 1.3. ASPECTOS EDUCACIONAIS A Educação tem um papel importantíssimo no desenvolvimento de qualquer criança. Como avaliado por Cool et al (1995), a atividade educativa tem por objetivos gerais proporcionar o desenvolvimento máximo de habilidades e competências; garantir um equilíbrio pessoal; estabelecer relações significativas e até mesmo proporcionar um bem estar emocional. Isso tudo deve ser objetivo para a educação de todas as crianças, sejam elas normais ou autistas, como proposto neste trabalho. Apesar de estes objetivos educacionais serem para todos, os autistas necessitam de modelos especiais, já que eles apresentam fortes deficiências de comunicação, interação, linguagem e atenção. A incapacidade de desenvolver um relacionamento interpessoal se mostra na falta de resposta ao contato humano e no interesse pelas pessoas, associada a uma falha no desenvolvimento do comportamento normal, de ligação ou contato. Na infância, estas deficiências se manifestam por uma inadequação no modo de se aproximar, falta de contato visual e de resposta facial, indiferença ou aversão a afeto e contato físico (GAUDERER, 1985, p. 14). É importante salientar que, para se educar um autista é preciso também promover sua integração social e, neste ponto, a escola é, sem dúvidas, o primeiro passo para que aconteça esta integração, sendo possível por meio dela a aquisição de conceitos importantes para o curso da vida. É a escola que deve conduzir o desenvolvimento intelectual e também afetivo dessas crianças autistas por meio de uma interação entre os ambientes que ela faz parte, fazendo-as conhecer a realidade existente na sociedade e proporcionando um saber da humanidade e das relações que a cercam. Sendo assim, os autistas requerem ambientes educacionais estruturados e adequados às suas necessidades. Cool et al (1995) faz menção de como deve ser esta estrutura tão importante para educação do autista: 26 [...] 1) em primeiro lugar, refere-se à necessidade de que o ambiente não seja, excessivamente, complexo, senão, pelo contrário, relativamente simples. As crianças autistas têm um maior aproveitamento, quando são educadas em grupos pequenos [...], que possibilitem um planejamento bastante personalizado dos objetivos e procedimentos educacionais em um contexto de relações simples e, em grande parte, bilaterais; 2) em segundo lugar, o ambiente deve facilitar a percepção e compreensão, por parte da criança, de relações contingentes entre suas próprias condutas e as contingências do meio[...]; 3) além disso, o educador deve manter uma conduta educadora[...] estabelecendo, de forma clara e explícita, seus objetivos, procedimentos, métodos de registro, etc. (COOL et al , 1995, p. 286). Nesse enfoque, a estruturação da atividade educacional envolve a determinação de um programa especial que estabeleça uma seqüência lógica de conteúdos e de procedimentos a serem estabelecidos para se alcançar os objetivos. Existem, atualmente, vários enfoques discutidos a respeito dos conteúdos mais adequados e também dos procedimentos a serem desenvolvidos para a educação dos autistas, levando-se em conta a conduta, o nível evolutivo em relação a uma pessoa normal, uma análise ambientalista, ou seja, análise da capacidade do autista se adaptar ao ambiente em que vive, o nível de interação, etc. Porém, apesar dos vários enfoques existentes, a educação se torna eficaz com a junção de todos esses pontos (COOL et al, 1995). É importante ter uma educação que envolva o autista com seu contexto de vida, de acordo com suas particularidades, para que assim ele possa interagir de forma a se tornar “familiarizado” com aquela situação, ambiente, proporcionando o desenvolvimento real do autista e de suas ações. Uma grande dificuldade na educação dos autistas, porém essencial, é a de reduzir a rigidez de sua cognição e sua maneira de agir, diminuindo aqueles rituais próprios e gestos e ações esteriotipadas, a fim de que eles consigam desenvolver-se de maneira próxima às crianças normais. Sabemos que, por não desenvolverem adequadamente sua linguagem e aquisição de símbolos, os autistas acabam não conseguindo se inserir no mundo das outras pessoas, tornando seus próprios mundos sem significados, sendo desse modo: “A função do professor é ajudá-las a aproximarem-se desse mundo de significados e proporcionar os 27 instrumentos funcionais que estão dentro da possibilidade da criança” (COOL et al, 1995, p. 285). Na verdade, o trabalho educacional deve ser feito de maneira minuciosa por parte do professor, pois os autistas não aprendem se não estiverem submetidos à condições especiais: Para promover uma verdadeira aprendizagem, o professor deve ser muito cuidadoso com: 1) a organização e condições estimuladoras do ambiente, 2) as instruções e sinais que a criança apresenta, 3) os auxílios que lhe são proporcionados, 4) as motivações e reforços utilizados para fomentarem sua aprendizagem (COOL et al, 1995, p.288). Assim, baseando-se no contexto educacional apresentado e na preocupação com uma verdadeira inclusão de crianças com autismo em instituições de ensino regular, é latente a necessidade de se trabalhar com essas crianças dentro da escola, observando, no entanto, que: [...] a escola pública não pode dar conta de todas as deficiências e suas necessidades, sendo este talvez o papel das associações de deficientes ou de pais de deficientes – responsabilizar-se pela organização e supervisão da metodologia (MANTOAN, 1997, p. 14-15). A intervenção social junto das famílias e instituições implica construir uma rede (CAMPANINI & LUPI, 1991 apud RONCON, 2003)8 que reúna num mesmo espaço e à volta de uma mesa, os pais, as equipes terapêutica e pedagógica assim como pessoas influentes que fazem parte do contexto familiar. [...] É na creche, jardim de infância, público ou privado ou ainda na escola que a criança freqüenta que damos início a este processo em que interactuam os vários parceiros sociais e comunitários nele envolvidos. Os saberes e os esforços desenvolvidos pelos distintos técnicos e outros parceiros sociais, até aí dispersos e descoordenados, passam a convergir num único processo de apoio, mais centrado na família do que na criança com esta perturbação (RONCON, 2003, p.56). É fato que, colocar o autista numa instituição pode trazer muitos conflitos internos e até mesmo problemas emocionais para os pais. Muitos deles costumam ter a sensação de que estão deixando seus filhos de lado, como se houvesse um sentimento de culpa; isso porque já existe em nosso mundo um sentimento ligado à rejeição do filho deficiente. O autista, como já dito, apresenta-se distante das outras pessoas, e isso já traz para os pais uma sensação de 8 CAMPANINI, A., & LUPPI, F. (1991). Servício social y modelo sistémico. Barcelona: Paidós. 28 rejeição e até abandono. Assim, com a culpa já latente em seus sentimentos, os pais buscam reter seus filhos, sendo esta atitude uma necessidade para não se sentirempior. Com tudo, os profissionais necessitam desenvolver um trabalho com os pais a fim de que eles possam ter oportunidade de tirarem suas dúvidas e resistências para que o afastamento de seus filhos traga benefícios não só a eles, mas à família também. A educação, portanto, precisa estar intimamente ligada à socialização e integração dos autistas, pois o contato com os professores e com as crianças da escola será fundamental (GAUDERER, 1985). Sabe-se que não há cura para o autismo, mas o que se observa é que é possível desenvolver habilidades sociais para que o indivíduo autista possa interagir, de forma aceitável, nesta sociedade. Educar uma criança, por mais difícil que seja, aumenta o sentimento de amor na maioria das pessoas. Os pais sentem que a criança é parte deles e da família, não querendo que ela vá embora. Além disso, a criança autista pode ser bastante cativante e sua própria impotência e confusão faz brotar emoções profundas nos que lidam com ela. Então, quando começam a fazer progresso, a alegria que cada pequeno passo avante traz, parece muitas vezes maior do que o que é dado por uma criança normal (GAUDERER, 1985, p. 127). A escola, e em especial, o professor pode assumir um papel importante na vida de alunos autistas se informados corretamente. O currículo das escolas deve ser adaptado às necessidades das crianças e não o contrário. E para isso, é preciso proporcionar oportunidades curriculares que sejam apropriadas à criança com habilidades e interesses diferentes. 29 2. PROGRAMA DE REABILITAÇÃO PARA AUTISTAS - TEACCH Como já pontuado, a maioria dos autistas não aprende naturalmente em ambientes normais, no entanto, sob orientações e instruções apropriadas, muitos deles podem aprender uma grande variedade de conteúdos. Assim, faz-se necessário uma intervenção para que o quadro do autista apresente um amplo progresso e para que eles possam ter uma inclusão escolar de sucesso. Por se tratar de um dos métodos bastante usados para o tratamento dos autistas atualmente e também por existir vários relatos sobre a aplicação deste método, optou-se por explicitar as características particulares do TEACCH. Criado em 1964, o TEACCH foi o programa desenvolvido para atender os autistas e outros casos que possam existir de distúrbio no desenvolvimento. Ele é um método baseado em mais de vinte anos de experiência no Programa Estadual para Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com Deficiências relacionadas à Comunicação (Trearment and Education of Autistic and related Communication Handcapped Children –TEACCH). Este método visa basicamente atender às necessidades diárias dos autistas a fim de proporcionar a eles uma melhor qualidade de vida (MOREIRA, 2005), além de desenvolver um programa que se baseia nas habilidades, interesses e necessidades individuais de cada autista, observando e analisando seus comportamentos frente aos estímulos recebidos. Eric Schopler e os outros organizadores do TEACCH começaram a acreditar que o autismo teria suas bases no aspecto orgânico, isentando, portanto, os pais de serem culpados pelo seu aparecimento e reforçando por outro lado a importância da intervenção deles no desenvolvimento e tratamento dos filhos autistas. As intervenções terapêuticas não-estruturadas com orientação psicodinâmica não pareciam ajudar as crianças, pelo contrário resultavam em um aumento tanto em freqüência quanto em intensidade dos comportamentos mal adaptativos. Por outro lado o tratamento em ambientes estruturados eram benéficos na promoção do 30 desenvolvimento e adaptação positiva destas crianças (SCHOPLER, BHEHM, KINSBOURNE e REICHLER, 1971, apud VATAVUK, 2005, p. 2)9. Para isso, surge então o TEACCH, a fim de trazer e dar respostas às necessidades dos autistas de todas as idades e níveis de funcionamento e também para auxílio dos pais e familiares (GIARDINETTO, 2005). Este método, portanto, tem por objetivos principais: promover adaptação dos autistas de se desenvolverem ativamente no meio em que vivem; proporcionar atendimento adequado não só ao autista, mas também à família do autista e aqueles que vivem com eles; além de fornecer informações para que o maior número de pessoas conheça o autismo e suas manifestações. Além disso: Tem como objetivo apoiar o portador de autismo a chegar à idade adulta com o máximo de autonomia possível. Ajudando-o a adquirir habilidades de comunicação para que possam se relacionar com outras pessoas e, dentro do possível dar condições de escolha para a criança (ASSUMPÇÃO, 1995, apud MOREIRA, 2005, p. 3)10. Assim, de acordo com o Leon e Lewis (1997 apud MOREIRA, 2005)11, os pontos de apoio do TEACCH se baseiam em: * uma estrutura física bem delimitada, com cada espaço para uma função; * atividades com seqüência e que as crianças saibam o que se exige delas, * uso direto de apoio visual, como cartões, murais. Conforme for reavaliando-se cada criança consegue-se ir mudando suas rotinas para que ela vá se desenvolvendo (p. 3). Neste método, o apoio visual é muito usado. Isto porque os autistas possuem uma habilidade muito grande nesta área e de memória também, bem mais desenvolvida que nas outras pessoas. Com isso, pretende-se não somente valorizar os pontos positivos dos autistas, mas também ajudá-los a desenvolver mais as habilidades de comunicação, interação social e competências. 9 SCHOPLER, E.; BHEHM,S.;KINSBOURNE, M.; REICHLER,R.J. Effect of treatment structure on development of autistic children. Archives of General Psychiatry,24,415-421,1971. 10 ASSUMPÇÃO, Francisco Baptista Júnior, SCHWARTZMAN, José Salomão. Autismo Infantil. São Paulo: Memnon, 1995. 11 LEON, Viviane & LEWIS, Soni. Grupos com autista. In: ZIMERMAN, David & OSORIO, Luis Carlos (orgs.). Como Trabalhamos com Grupos. Porto Alegre: Artmed, 1997. 31 É importante salientar que os profissionais que atuam neste programa são instruídos a avaliarem formal e informalmente os autistas. As avaliações formais são feitas por meio de testes já padronizados, tais como: Chilldhood Autism Rating Scale (CARS), Psychoeducational Profile-Revised (PEP-R) e o Adolescent and Adult Psychoeducational Profile (AAPEP). O PEP-R, por exemplo, visa principalmente avaliar a idade de desenvolvimento em que está o autista ou a criança com algum outro transtorno do desenvolvimento. Já as avaliações informais são permeadas pela observação do relacionamento comunicativo dos pais com os filhos e da comunicação com os próprios autistas. Com isso, o TEACCH consegue distinguir entre o potencial que o autista tem para se desenvolver e os déficits que precisam ser trabalhados (GIARDINETTO, 2005). O Programa de atendimento é muito abrangente, sendo composto de inúmeras abordagens. É um método de ensino estruturado de forma a organizar o meio e criar disciplina de horários e de trabalho. Segundo Schopler (1997 apud GIARDINETTO, 2005)12 esta filosofia do TEACCH foi desenvolvida especialmente para apoiar os seguintes valores: - Características do autismo: compartilhando a crença na importância de evidências empíricas que fornecem a base para o crescimento de estudos que mostram que o autismo se baseia em vários processos neurobiológicos; - Colaboração entre pais e profissionais: a colaboração de pais e profissionais tem sido à base do programa, onde ambos observam e participam do processo diagnóstico das crianças e planejam estratégias de ensino voltadas para cada uma delas melhorando desta forma a interação entre eles e melhorando a adaptação das crianças por meio do ensino de novas habilidades e da acomodação do ambiente ao déficit; - Desenvolvimentoadaptativo: melhorar as habilidades utilizando duas estratégias: a) a educação; b) a acomodação do ambiente ao déficit; - Avaliação individualizada: os profissionais do programa TEACCH são ensinados a realizar avaliações formais e informais da criança autista [...]; - Ensino estruturado; o ensino estruturado de acordo com a Divisão TEACCH ajuda indivíduos com autismo de todas as idades e níveis de funcionamento organizarem seus ambientes, pois fornecem informações claras, precisas, concretas e significativas. [...].As crianças trabalham sozinhas em suas estações de trabalho, frequentemente separadas das outras crianças da sala, e desempenham as tarefas selecionadas pelo professor, que são individualizadas para cada uma delas e 12 SCHOPLER, E. (1997). Implementation of TEACCH philosofy. In: D. J. Cohen & F. R. Volkmar (Eds.). Handbook of autism e pervasive developmental disorders. Ed.2, p. 767-795. New York: John Wiley & Sons. 32 incluem atividades viso motoras como classificação de objetos por cor ou atividades de dobrar cartas e colocá-las dentro de envelopes .[...]. - Melhoria das habilidades: por meio da avaliação das habilidades emergentes são identificadas e então a intervenção é realizada enfocando estas habilidades; - Teoria comportamental e Cognitiva[...] (p. 18). - Orientação holística: o programa TEAACH adota o princípio de técnicos generalistas, com profissionais sendo capacitados para intervir com as crianças e os pais [...] (p. 31). O TEACCH costuma ser bem mais eficiente quando aplicado em crianças de basicamente mesma idade. É importante manter a continuidade do tratamento, sem que ele seja interrompido ou suspenso ao longo do tempo e que, as mudanças que venham a ser introduzidas sejam feitas de forma lenta e adaptativa. O TEACCH também considera como parte importante a possibilidade de os pais atuarem como co-terapeutas, organizando o espaço do autista em casa, a fim de prover melhor qualidade de vida e minimizar os sintomas (VATAVUK, 2005). Este método nos revela que todos têm suas diferenças, atividades, necessidades e rotinas e estas devem ser analisadas de acordo com a especificidade de cada um. Apesar de ser apresentado aqui apenas o TEACCH, há outros programas desenvolvidos para atender às necessidades dos autistas que também visam à inclusão destes no ensino regular e na sociedade, de forma a proporcionar uma interação com pessoas não autistas. Como já dito, cada criança deve ser analisada individualmente, para que seu programa de tratamento também seja feito de maneira individual. Não é porque as crianças têm o mesmo diagnóstico que apresentam as mesmas dificuldades. 33 3. O PROFESSOR NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA E ESPECIAL O objetivo da educação é, em primeira instância, proporcionar condições para que todos os alunos, sem qualquer exceção, desenvolvam suas capacidades, salvo suas diferenças, a fim de que esses exerçam sua cidadania de forma ampla. As escolas são vistas como pequenos sistemas da sociedade os quais são capazes de transmitir valores e práticas culturais, que podendo ser positivos ou negativos, serão usados durante a vida toda. Daí toda a sua importância na vida dos alunos. Todas as organizações caracterizam-se por ter certas finalidades estabelecidas, certos meios pessoais e recursos materiais relativos a tais finalidades. Um centro educacional é uma organização que tem por finalidade a educação dos cidadãos e, para isso, conta com certos meios e recursos materiais, cuja harmonização, diante de seu objetivo, exige uma gestão eficaz. (COOL et al, 1995, p. 296). Sabemos, no entanto, que uma educação para todos depende de uma política educacional que os inclua de forma efetiva e real no sistema de ensino, independentemente das diferenças, tomando como base uma sociedade democrática. Assim sendo, um dos maiores desafios para se garantir uma qualidade de ensino e também aprendizagem é o de existir essa política educacional forte na formação dos professores e de um bom projeto político pedagógico. A educação especial também entra nesta abordagem, considerando que ela deve integrar todas as modalidades e níveis da educação, tal qual a educação regular. A formação de todos os professores atuantes na escola necessita de uma coerência com a política educacional que busca a integração e inclusão dos alunos com necessidades especiais no ensino regular. Projeções da Organização Mundial da Saúde mostram que no Brasil vivem cerca de 30 milhões de pessoas portadoras de deficiência, com diversos graus de comprometimento físico e mental. Menos de 10% dessas pessoas recebem atendimento médico e educacional adequado, por falta de uma política voltada para a deficiência. Isso apesar da lei n 7.853 de outubro de 1989, que dispõe sobre o apoio aos portadores de deficiência e sua integração social (MANTOAN, 1997, p.104). 34 Sendo assim, é essencial salientar que: Mais precisamente no contexto educacional brasileiro, torna-se imprescindível construir um modelo de inclusão que respeite as grandes diferenças e carências regionais desse nosso país de dimensões continentais. Outrossim, é inegável que a condição de pertencermos a um país em vias de desenvolvimento acentua a complexidade do processo, pois 2,5 milhões de brasileiros apresentam algum tipo de incapacidade (limitação para determinada atividade). Isso significa que 14,5% da população brasileira são possíveis beneficiários das leis e programas que prevêem a inclusão e acessibilidade (RODRIGUES, KREBS, FREITAS, 2005, p. 14-15). Entretanto, como apontado pelas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001), esta política que apresenta a necessidade da inclusão de alunos especiais no ensino regular não prevê apenas a inserção desses alunos na escola, mas busca acima de tudo, a valorização desses alunos em seus paradigmas e dificuldades, além do desenvolvimento real de suas vidas, respeitando acima de tudo, suas diferenças. É claro que a educação especial deve abranger as escolas públicas e privadas também. Além disso, as escolas devem assegurar uma resposta educativa adequada às necessidades dos alunos em todos os processos pedagógicos, a fim de prestarem os serviços especializados necessários a estas atividades. Diante do exposto, sabe-se que uma educação inclusiva é ponto crucial para que os alunos especiais se desenvolvam na sociedade. Porém, o que se observa no atual modelo de currículo para a formação dos professores que irão atuar nessas situações não é satisfatório para que estes sejam capazes de atuar com alunos que apresentam necessidades especiais em classe comum. [...] o currículo [...] pode ser identificado como um dos obstáculos à Inclusão. [...] A diferenciação curricular que se procura na Inclusão é a que tem lugar num meio em que não se separam os alunos com base em determinadas categorias, mas em que se educam os alunos em conjunto, procurando aproveitar o potencial educativo das suas diferenças, em suma, uma diferenciação na classe assumida como um grupo heterogêneo (RODRIGUES, KREBS, FREITAS, 2005, p. 49). É certo que os currículos devem ser funcionais de modo a permear, de forma útil e prática, as relações de desenvolvimento dos alunos, das dificuldades apresentadas, do acesso 35 ao conhecimento e da inclusão dos alunos como um cidadão da sociedade. Existem, por exemplo, inúmeras dificuldades de aprendizagem na escola e estas requerem resoluções educativas e currículos adaptados que sejam adequados aos alunos e suas particularidades, como também observado nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial naEducação Básica (BRASIL, 2001). É importante ressaltar que a Educação Inclusiva não deve se basear apenas aos alunos com necessidades especiais, mas deve primar pela inclusão efetiva de todos os alunos. Em se tratando da formação inicial, percebemos que apesar da grande necessidade, muitos cursos de formação de professores não promovem o desenvolvimento na área das necessidades especiais, ou até, por várias vezes, não divulgam este conhecimento. Além disso, nos casos em que se divulgada algo a respeito, são encontrados alguns programas que se concentram basicamente em desenvolver os diversos casos de deficiências dentre as mais severas, ocasionando muitas vezes, o contrário do que se pretende com a inclusão. Em se tratando da formação contínua, o que se apresenta aos professores raramente está inserido na realidade em que se identificam os problemas das necessidades especiais. Isso sem contar que a disponibilização de recursos materiais oferecidos é crítica, insuficiente e inadequada. (RODRIGUES, KREBS, FREITAS, 2005). Segundo Aincow (2000 apud RODRIGUES, KREBS, FREITAS, 2005)13, as escolas que buscam proporcionar através de seus modelos educativos uma maior inclusão, devem levar á sério algumas mudanças: 1. Assumir como ponto de partida as práticas e conhecimentos existentes; 2. Ver as diferenças como oportunidades para a aprendizagem; 3. Inventariar as barreiras à participação; 4. Usar os recursos disponíveis para apoiar a aprendizagem; 5. Desenvolver uma linguagem ligada à prática; 6. Criar condições que incentivem aceitar riscos (p. 56). 13 AINCOW, M. The next step for Special Education: supporting the development os inclusive practices, British Journal of Special Education, 27, (2), p. 76-80, 2000. 36 A educação de pessoas autistas também está inserida neste contexto e não têm recebido até então a atenção necessária. Sabe-se que a educação especial não tem dado conta desses alunos, cujo comportamento é de alguém que não vive neste mundo, provocando até mesmo sentimentos de incapacidade e incompetência nos profissionais. Para toda educação especial, é preciso ter forte determinação profissional, sendo esta fundamental para que se possa desenvolver uma prática educacional adequada e eficaz. Assim também, deve-se considerar os autistas e suas necessidades, levando para a prática a atenção de seus direitos. É fundamental um profissional com ampla formação geral, com capacidades educativas e interdisciplinares, a fim de lidar com os seus alunos de forma plena. Isso porque, a formação superior não garante uma prática com qualidade melhor ou pior, e sim uma qualificação na área profissional. Para se lidar com as inúmeras diversidades existentes no âmbito escolar, é preciso muito mais que a graduação. É necessário ter competência profissional. De qualquer forma, o preparo nessas e outras técnicas é necessário não somente para o controle e eliminação de condutas alteradas, mas também para atingir o objetivo de desenvolver a comunicação, a inteligência, a independência e o equilíbrio pessoal das crianças autistas. Trata-se de objetivos difíceis e que exigem, além de uma formação especializada e de bom nível, certas características pessoais de tenacidade, clareza expressiva e resistência à frustração. Naturalmente, nem todos os professores possuem as mesmas competências naturais para trabalhar com crianças autistas, mas, talvez, fosse positivo que muitos vivessem a experiência apaixonante de uma relação educacional que abala profundamente as idéias vigentes sobre a educação e o desenvolvimento humanos (COOL et al, 1995, p. 291). É essencial salientar que a inclusão não pode e nem deve ser pensada somente no âmbito escolar. Ela é: [...]a construção de um movimento social que envolve o comprometimento e a participação social e coletiva, a partir, por exemplo, da: vontade política governamental nas suas esferas administrativas (municipal, estadual e federal); da emancipação dos direitos humanos, expressos através da redução das desigualdades sociais; da oportunidade a todos os cidadãos de participarem do processo produtivo da sociedade; e do rompimento com os preconceitos, estereótipos e estigmas construídos historicamente e arraigados no imaginário social (RODRIGUES, KREBS, FREITAS, 2005, p. 14). 37 Pode-se concluir que a educação para todos ainda não é realidade nas escolas e estas, sem dúvida, não estão preparadas para lidar com as diversidades existentes. Porém, sabemos que esta mudança só se dará a partir do momento que houver um esforço de toda a sociedade, unida, lutando por condições educacionais respeitáveis e agindo conjuntamente com as autoridades que auxiliarão no processo. É preciso estar aberto a novas metodologias, novos horizontes pedagógicos e curriculares, um mínimo aceitável de recursos e um povo forte vencido pela esperança. 38 4. METODOLOGIA Para obtermos os resultados deste trabalho, foi utilizada uma metodologia amparada à uma pesquisa qualitativa. Esta pesquisa costuma ser direcionada e com foco de interesse amplo, partindo de uma perspectiva diferente da pesquisa quantitativa, que depende fortemente de análise estatística para suas inferências ou de métodos quantitativos para a coleta de dados. Este tipo de pesquisa é aplicado principalmente quando se requer uma abordagem mais flexível para a solução de problemas relacionados à pesquisa. As principais características dos métodos qualitativos são: a inclusão do pesquisador no contexto e a perspectiva interpretativa de condução da pesquisa; neste método, o pesquisador é um interpretador da realidade colhida por meio dos estudos das ações exercidas na sociedade por parte de um indivíduo ou de um grupo. Assim sendo, esse tipo de pesquisa visa descrever e decodificar os componentes de um estudo complexo, de natureza social, não ligado à quantificação. Normalmente, são usados quando o entendimento do contexto social e cultural é um elemento importante para a pesquisa, na qual se buscará explicações e descrições sobre o assunto e a população envolvida nos estudos. Além disso, esta é uma pesquisa qualitativa do tipo survey, pois a coleta dos dados se deu por meio de um questionário investigativo. O Survey traz em seu caráter principal informações explicativas e descritivas sobre o tema e/ou população estudada, a fim de fornecer os resultados explorados por meio do questionário. Desta forma, foram coletados dados por meio de um questionário (Anexo 1) aplicado aos professores das primeiras séries do Ensino Fundamental, sendo esta pesquisa realizada em dezenove escolas de Ensino Fundamental Ciclo I, da rede pública estadual localizadas no 39 município de Bauru, SP. Tal questionário teve por objetivo verificar o conhecimento dos professores acerca do tema trabalhado – Crianças autistas, a fim de que se tomasse conhecimento também das possibilidades de se identificar crianças autistas no âmbito escolar. Em caráter principal, esta pesquisa destinou-se à uma investigação por meio de questões que abordam o desenvolvimento e as principais características de uma pessoa com o autismo. Juntamente com o questionário, foi enviado um termo de consentimento para todos os diretores e responsáveis pelas escolas a serem pesquisadas, professores e também à Diretoria de Ensino da Região de Bauru, de forma a conscientizá-los dos objetivos e da importância desta pesquisa. Foram sujeitos 38 professores das séries iniciais das escolas públicas selecionadas, atuantes no processo de alfabetização e séries iniciaiscom nível médio e/ou superior completo. Para a realização da pesquisa, noventa e cinco questionários foram entregues à dezenove escolas públicas, escolhidas aleatoriamente, sendo que, em cada uma, cinco professores seriam responsáveis por apresentarem o preenchimento do questionário.O prazo de devolução dos mesmos foi marcado para o dia 30/10/06, data em que um total de trinta e oito questionários foram devolvidos, apresentando assim, 40 % dos entregues às escolas. Desta forma, com base na literatura e nos questionários, foram elaborados para análise da pesquisa gráficos e tabelas que elucidam os resultados obtidos. 40 5. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS Os dados coletados foram então organizados de forma a permitir uma análise mais ampla à luz da literatura. A pergunta número 1, constante do questionário investigativo, solicitava dos professores a definição que eles tinham sobre o autismo. Defina o que significa, em sua concepção, o autismo. Foi observado que, na grande maioria das respostas, os professores entendem o autismo como um problema que isola o sujeito dos demais, ficando este centrado em um mundo particular sem interatividade. Como exemplo, segue abaixo a resposta de uma das professoras questionadas: É um transtorno que mantêm a criança em um “mundo” isolado, prejudicando seu relacionamento social (P10). Esta definição mencionada acima, vai ao encontro do que preconiza Cool et al (1995) quando propõe que o que se observa em primeiro lugar é que a criança é muito passiva, ou seja, demonstra pouca sensibilidade às pessoas e aos objetos que estão à sua volta, permanecendo isolada e alheia ao meio em que está inserida. A característica do isolamento social é a mais visível e perceptível. Por conta disto, tal característica, acaba por configurar-se como definição do autismo no âmbito mais amplo. Na seqüência, a pergunta número 2 versava sobre as características atribuídas a criança autista. Quais características você atribui a uma criança autista? Nesta questão, a maioria dos professores permaneceu na característica que julgaram mais forte no autista, o isolamento, reafirmando suas respostas da pergunta anterior e 41 demonstrando talvez a falta de um conhecimento mais aprofundado das características dos autistas. É fato que esta característica do isolamento é uma das mais perceptíveis acerca do autismo, como proposto por Hobson (1993a, 1993b apud BOSA, 2000)14 em que afirma que os autistas sofrem de uma disfunção primária do sistema afetivo, ou seja, uma inabilidade de interação com as outras pessoas. Brinca sempre sozinho, não conversa e não interage com outra criança e nem deixa ninguém pegar nada do que é seu (P16). Ainda com relação às características, alguns professores foram capazes de mencionar outras características dos autistas, tais como: dificuldade na aprendizagem, dificuldade com uma alteração na rotina, falta de contato visual, movimentos repetitivos, repetição na fala (balbucios). Em continuação à apresentação dos resultados, segue a pergunta número 3: Você conhece ou já conviveu com uma criança autista? Em caso positivo, descreva como foi essa experiência. Esta pergunta apresenta-se como forma de análise do número de professores que possam ter convivido com possíveis autistas e obter conhecimento do que estas experiências proporcionaram a eles. Nesse aspecto é preciso ressaltar que nem sempre os professores têm condições de afirmar em absoluto se estão lidando com crianças autistas, pois tal informação é devida aos profissionais da área. Em suma, 31,57% dos professores responderam que sim, ou seja, já conviveram ou tiveram experiências com autistas. Em contrapartida, 68,43% responderam que nunca conheceram ou conviveram com uma criança autista. 14 HOBSON, P. (1993a). Understanding persons: The role of affect. Em S. Baron-Cohen, H. Tager-Flusberg, & D. J. Cohen (Orgs.), Understanding other minds: Perspectives from autism (pp. 205-227). Oxford: Oxford Medical Publications. HOBSON, P. (1993b). Autism and the development of mind. UK: Lawrence Erlbaum. 42 CONVIVÊNCIA COM OS AUTISTAS 31,57% 68,42% SIM NÃO FIG 1 – Experiências dos professores com autistas A pergunta número 4 é a que segue abaixo: Você já teve algum contato com crianças autistas por meio de mídias como o vídeo, a TV, filmes, documentários, etc.? Esta pergunta tinha por objetivo principal conhecer o nível de informações que os professores têm acerca do assunto. Sendo assim, em resposta a esta pergunta, 25 dos 38 professores responderam que sim – já tiveram algum contato com crianças autistas por meio da mídia. O restante, 13 professores, deram resposta negativa à indagação. Os professores que responderam positivamente ainda puderam optar o meio pelo qual obtiveram informações a respeito dos autistas. Cinco professores dentre estes, responderam que obtiveram contato com autistas por meio da TV. Treze tiveram seus contatos por meio de filmes e dentre os outros dois, um deles respondeu que seu contato veio por vídeo e o outro por meio de documentários. Diante deste quadro, percebemos que apesar da maioria dos professores entrevistados já ter tido algum contato, mesmo que pequeno, com autistas, a propagação das informações acerca deste distúrbio do desenvolvimento é muito escassa. Pode-ser pensar que esta falta de informações se justifique pela dificuldade encontrada em diagnosticar com exatidão o 43 autismo, seu aparecimento, suas causas, e as transformações que ocorrem no ser humano, como aponta Cool et al (1995). A pergunta número 5 tem objetivo de abordar mais profundamente o papel da educação desses alunos nas escolas. Você tem algum conhecimento prático e/ou teórico sobre como trabalhar com crianças autistas em sala de aula? Como esperado, a maioria dos professores, mais precisamente 86,84%, responderam que não têm conhecimento, tanto prático quanto teórico, de como se trabalhar com autistas em sala de aula. Os demais, 13,16% responderam que sim – possuem algum conhecimento para o trabalho com os autistas. CONHECIMENTO TEÓRICO-PRÁTICO 13,16% 86,84% SIM NÃO FIG 2 – Conhecimento teórico-prático apontados pelos professores Na verdade, o resultado desse levantamento só vem a confirmar os dados que temos a respeito da formação dos professores para a educação inclusiva e, de maneira enfática, a educação especial. Rodrigues, Krebs, Freitas (2005) afirmaram isto ao dizer que: [...] o currículo [...] pode ser identificado como um dos obstáculos à Inclusão. [...] A diferenciação curricular que se procura na Inclusão é a que tem lugar num meio em que não se separam os alunos com base em determinadas categorias, mas em que se educam os alunos em conjunto, procurando aproveitar o potencial educativo das suas diferenças, em suma, uma diferenciação na classe assumida como um grupo heterogêneo (p. 49). 44 Em continuação à pergunta anterior, a de número 6 buscou captar a incidência de alunos autistas nas escolas e também a sensibilidade na percepção do professor acerca do tema estudado. Em sua sala de aula, você identifica alguma criança com características semelhantes às apresentadas por autistas? Cerca de apenas 11% dos professores responderam que identificam algum aluno com características semelhantes às de um autista em sala de aula, sendo que a maioria, portanto, não identifica nenhuma criança assim em sua turma. IDENTIFICAÇÃO DOS AUTISTAS 10,53% 89,47% SIM
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