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Antropologia Jurídica: Conceito e Abrangência

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Conceito de Antropologia Jurídica
1- Introdução
O objetivo deste trabalho é demonstrar o conceito da Antropologia Jurídica,bem como sua abrangência, e falar sobre o papel importante que a mesma exerce no Direito como um todo, trazendo exemplos de sociedades simples, isto é, sem escrita, e de sociedades contemporâneas.
Os autores.
2- O papel da Antropologia Jurídica
A Antropologia não é nada mais nada a menos do que a ciência que estuda o homem. Com o passar do tempo, o ser humano foi evoluindo, e as sociedades existentes receberam influências externas, que alteraram seus costumes, crenças, cultura e a própria forma de convivência.
Civilizações primitivas, que tinham mitos e ritos milenares, criam em divindades diversas e possuíam meios de vida como a caça e a pesca receberam forte influência dos europeus, que destruíram muitos de seus costumes no processo de colonização. Podemos citar como exemplo os países do continente americano, que eram habitados por civilizações indígenas, que tinham modo de agir, vestir e viver bem diferentes dos europeus. Mas a colonização conseguiu mudar totalmente seus hábitos, crenças, e modificou até mesmo a linguagem de seus habitantes.
Mas, antes da colonização, estas comunidades não tinham uma legislação vigente? Será que as comunidades primitivas que ainda restaram sobreviventes do “bombardeio de costumes europeus” não possuem um conjunto de regras a serem seguidas? Podemos afirmar que sim, e a missão da Antropologia Jurídica é estudar as regras de convívio social destas civilizações, comparando-as com as presentes nas civilizações contemporâneas.
Sabemos que, nos dias de hoje, temos um ordenamento jurídico, uma hierarquia de normas jurídicas, onde a Constituição da República está no topo, sendo superior a todas as leis, visto que todos os deveres e garantias do cidadão estão presentes na Constituição. A seguir, vemos as leis ordinárias e as leis complementares, com o papel de auxiliar a Constituição com regras gerais e específicas e, por fim, os decretos e atos normativos, sendo o primeiro fruto do Poder executivo e o segundo do Poder Constituinte. Mas as civilizações primitivas possuíram um ordenamento jurídico? Não necessariamente, mas haviam regras de convívio social. Mas como são estudadas estas “sociedades simples”? É possível comparar estas sociedades com as existentes nos dias de hoje?
Este é o papel da Antropologia Jurídica, segundo Thais Luzia Colaço (2008, pág.29): Estudar o conjunto de normas existente nas sociedades primitivas e as instituições de Direito da sociedade contemporânea, do Direito Comparado e do pluralismo jurídico.
3- A ramificação do estudo da Antropologia Jurídica e suas áreas de abrangência
Segundo Thais Luzia Colaço (2008, pg.29), o estudo de Antropologia Jurídica divide-se em três tipos:
a) Antropologia Legal: estudo da ordem social, das regras e deveres presentes nas sociedades contemporâneas e primitivas. É o oficio clássico do antropólogo legal;
b) Antropologia Jurídica: emprego de métodos antropológicos de pesquisa, sendo que existe a observação participante e a comparação com modernas instituições de Direito. Trabalhos como estes são, geralmente, realizados na polícia, na magistratura e até em prisões.
c) Direito Comparado: estudo e comparação de sistemas jurídicos distintos, independente de suas complexidades, onde o antropólogo tem a ação indispensável, frente ao conhecimento multicultural e o conhecimento da existência de vários tipos de instituições jurídicas.
Vale a pena ressaltar que, para compreendermos melhor a antropologia jurídica, devemos desvincular o Direito do Estado e da escrita, isto é, desfazer de uma vez por todas o mito existente que reza existir um monismo jurídico (unidade) instituído pelo Direito Ocidental por volta dos séculos XVII e XVIII, disseminando a idéia de existência de só uma forma de Direito sob a forte influência do absolutismo monárquico.
E compreender que os seres humanos agem de acordo com as sociedades a que pertencem, sendo seus princípios e valores éticos e morais são cobrados independentemente da interferência do Direito oficial( ROULAND, 2003, P.83-88). Afinal, o ser humano passa por três fases: anomia (ausência total de conhecimento de norma), heteronomia (conceito de norma recebido pelos pais ou por terceiros) e, por fim, a autonomia (princípios éticos e morais próprios). Da infância a fase adulta, qualquer indivíduo recebe uma formação cultural, moral e religiosa, a fim de que possa integrar a sociedade que vive em conformidade com seus costumes e com a legislação vigente.
Normas jurídicas e morais traçam o caminho que o homem deve seguir, sinalizando-o como uma rodovia. Qualquer desrespeito à sinalização de trânsito pode causar danos irreparáveis, bem como são aplicadas sanções aos infratores. E a Antropologia Jurídica estuda não somente a norma jurídica que está presente em um Estado, mas o conjunto de regras que normatizam a convivência dos indivíduos em sociedade.
4- Estudando o Direito nas sociedades sem escrita
O objeto de estudo da Antropologia Jurídica é a sociedade sem escrita, distante do Estado. Embora muitos autores relacionem o Direito apenas com o Estado, a Antropologia moderna provou que existe Direito em sociedades sem Estado.
“Existe, de fato, um multiplicidade de práticas jurídicas dentro de uma sociedade, que podem ser interagidas por conflitos ou consensos, podendo não ser materiais e culturais.” (Wolkmer, 2006, p. 639, adaptado)
A grande verdade é que as sociedades sofrem a influência de princípios morais presentes nos indivíduos que as compõem, dos costumes dos membros desta sociedade, dos princípios éticos que regulamentam o homem em sua forma de conduta dentro de sua autonomia e até mesmo de princípios religiosos, que contribuem para o discernimento entre o bem e o mal, o certo e o errado.
Por exemplo, se uma mulher aparecer no Paquistão, vestida como se veste para ir a uma praia do Rio de Janeiro, o que pode acontecer? Ela certamente seria executada por agressão aos princípios morais e religiosos presentes neste país. E se um homem fosse até a Escócia vestido como se veste aqui no Brasil, e deparasse com outros homens vestidos de saia? Primeiramente, o brasileiro se depararia com a inversão dos valores que recebeu desde sua meninice, quando na mais completa anomia já era vestido com calças,bermudas e começou a receber a orientação que homem não pode vestir saia, pois isto é roupa de mulher. Por outro lado, poderia ser penalizado com a exclusão social por parte dos escoceses, que têm a tradição antiga de se vestir desta maneira.
Nos dois exemplos, não encontramos a norma jurídica sendo executada, mas apenas valores morais, tradicionais e religiosos em prática, que não precisam necessariamente de uma norma escrita, mas de um conceito moral formado dentro de uma sociedade.
Coisa semelhante acontece com as crenças. As crenças ortodoxas tem uma visão, criando limitações aos seus seguidores com uma legislação escrita,;criando um conceito de transgressão (pecado) e penalizando os que transgredirem as normas que estão presentes na lei escrita com a exclusão da sociedade que fazem parte. Porém, por mais que estas crenças hajam com base em uma lei escrita, em alguns casos imperam o princípio de interpretação, o conhecimento empírico e os princípios que estão dentro de seus líderes, o que não depende necessariamente da lei escrita.
A Constituição não define apenas o Estado como uma sociedade. Desde a família, a qualquer grupo que vive em comunidade são definidos como sociedades. Porém, nem todas dependem de uma lei escrita. Observe-se que os pais na criação de seus filhos não se utilizam, necessariamente, de uma lei escrita para ensinar-lhes as boas maneiras. E que uma família é constituída de pessoas que podem possuir costumes e religiões diferentes, porém conseguem conviver com as diferenças de valores, embora existam conflitos de idéias.
Mas a intenção da Antropologia Jurídica é o estudo das civilizações sem escrita. Nosexemplos anteriormente citados, vimos casos da civilização contemporânea que não dependem de uma regra escrita, mas nos chama muito a atenção a maneira que as “sociedades simples” conseguem, mesmo sem o conhecimento de uma norma escrita, conviver em comunidade.
Salomão cita em um de seus provérbios a inteligência de seres irracionais, que vivem na mais completa anomia, porém possuem uma organização. “Os gafanhotos não tem rei; e, contudo todos saem, e em bandos se repartem.” (Provérbios, cap.31, vers. 27, Almeida Corrigida, 1965). Note que estes seres possuem um ordenamento que não é jurídico, mas conseguem seguir pelo simples instinto o conceito de comunidade. O mesmo acontece com um bando de pássaros, com uma alcatéia ou com qualquer grupo de animais que viva em comunidade.
O mais interessante é que o mesmo ocorre em uma civilização primitiva, onde são divididos os deveres entre seus habitantes, ou seja, um fica responsável pela pesca, outro pela caça, outro pelos rituais, e por fim, um fica responsável pela liderança. Independente da cultura existente nesta comunidade, vemos que existe um ordenamento, baseado nos costumes, crenças, hábitos, mitos e ritos, que não depende necessariamente de uma lei escrita. Dos tempos antigos aos tempos atuais, falando das “sociedades simples” remanescentes, vemos traços que correspondem a organização estatal, pois assim como existe um meio de governo nos dias de hoje, naquele tempo também existia. Porém, como estes indivíduos, sem a existência de uma constituição, sem a existência de leis e normas, conseguem viver em grupo? Seria um instinto semelhante ao dos animais citados anteriormente? Não. A grande questão é que o ser humano, na condição de ser vivo, tem o poder de raciocinar, e discernir o certo e o errado e, mesmo na ausência de normas escritas, ele pode viver em grupo observando os valores morais e éticos que existem dentro de si mesmo e respeitando os valores que estão presentes em seu semelhante.
Então, podemos concluir, a luz da Antropologia Jurídica, que os homens destas sociedades obedecem as normas de convívio social, visto serem homogêneas (possuírem indivíduos com os mesmos costumes e crenças) as sociedades que eles convivem, e que todas estas regras são vitais para a sobrevivência de seus habitantes, sendo que qualquer contrariedade aos costumes, crenças e a estas normas de convívio social pode acarretar conseqüências catastróficas ao infrator e a comunidade de um modo geral, expondo o grupo a um risco muito grande.
5- Conclusão
Concluímos que a Antropologia Jurídica contribui com o Direito trazendo o conhecimento de normas de convívio social que estão por trás de comunidades primitivas, e demonstrando que existe Direito mesmo sem a existência de um Estado. É a disciplina que nos auxilia na compreensão do regimento interno das “sociedades simples” e a aplicação de conceitos de convívio social nas sociedades contemporâneas.

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