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UM OUTRO OLHAR PARA HISTÓRIA: A VISÃO DOS OPRIMIDOS

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UM OUTRO OLHAR PARA HISTÓRIA: A VISÃO DOS OPRIMIDOS
OS EXCLUÍDOS DA HISTÓRIA
PERROT, Michelle 
Rio de Janeiro: Ed. 2/Paz e Terra, 1988.
A autora é doutora em história e professora da Universidade de Paris VII, com vários trabalhos (livros e artigos), publicados sobre os itens referentes à obra. O movimento operário francês, o sistema penitenciário francês e as mulheres.
O livro é apresentado em 332 páginas, divididas em 3 partes: a primeira parte dividida em cinco capítulos, apresenta a situação do operariado francês desde o século XIX até o início do século XX. A segunda parte retrata a mulher, no mesmo período. Não só a mulher dona-de-casa, ou a mulher operária ou ainda a mulher mãe, mas a mulher em todas as suas atividades. A terceira parte do livro retrata a condição dos prisioneiros franceses no mesmo período e também, de forma rápida, o sistema prisional e suas qualidades e defeitos, o terceiro capítulo desta parte, fala sobre os grupos de jovens delinqüentes, das cidades francesas no final do século XIX (conhecidos como “Apaches”) e início do século XX, como surgiram, como se comportavam, como foram combatidos e como acabaram. Em todas as partes do livro a autora apresenta a vida da mulher, em todos os aspectos e como, dentro dos grupos dos excluídos, acontece uma “exclusão velada”, das mulheres.
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Primeira Parte: Os operários
Nesta parte, a autora retrata a evolução da vida dos operários franceses, com o início da industrialização na França. Longe de ser uma obra síntese sobre o tema, esta parte do livro mostra como ocorreu a evolução da produção de artesanato para a produção com ou por máquinas e as lutas entre operários e patrões para a introdução das máquinas, normalmente importadas, que eram um símbolo de baixos salários e de desemprego para os artesãos.
Com a chegada das máquinas, nas indústrias francesas, os operários principalmente os mais especializados, vem todo seu poder de troca com o patrão acabar, a partir de agora, não são os operários com anos de prática e com grande senso de grupo, que recorriam as greves quando não eram atendidos, que irão discutir com os patrões os salários e a jornada de trabalho, mas sim os operadores de máquinas, com pouca especialização e de fácil reposição, frente a demissões.
Além deste problema, uma máquina representa o fechamento de mais de um posto de trabalho, regula os horários e tira o trabalhador do ambiente doméstico, para levá-lo para as dependências da fábrica. Mais do que um concorrente com o trabalho do trabalhador, a máquina é um disciplinador dos operários, que agora não trabalham com ritmo próprio, mas trabalham no ritmo da máquina.
Esta nova forma de dominação dos patrões, as máquinas, não foi aceita de forma pacífica, pelo contrário, os trabalhadores fizeram greves, muitas e prolongadas greves, que por vezes, se espalhavam por toda França. 
As greves, mais do que por maiores salários ou jornadas de trabalhos menores, eram greves pela forma de vida e de trabalho que os operários estavam vendo acabar.
Em toda esta trajetória, Michelle Perrot, mostra de forma clara a dupla discriminação que a mulher operária e esposa sofre. Se não bastasse perder o emprego para as novas máquinas, a mulher vê o seu marido também perder o emprego e desta forma ela sofre duplamente, pois perde como operária e como esposa/mãe.
Porém é durante as greves que as mulheres sofrem a maior segregação, a segregação dos seus pares, os homens, que deixam para segundo plano as reivindicações das mulheres: o desejo de maior respeito por parte dos seus superiores, que às vezes se aproveitam da situação para abusá-las sexualmente, o direito de trabalhar em casa (não ter de ir para a fábrica), salários iguais aos dos homens etc.. Porém isto fica para depois, temos primeiro que lutar pelos nossos empregos, lhe dizem os homens.
Se não bastasse isso, a sociedade vê nas mulheres um elemento de perturbação da ordem. Quando das greves, as mulheres que muitas vezes vão à frente das manifestações e são elas quem mais gritam, mais xingam e provocam estragos aos bens públicos e privados. Também são acusadas de luddismo�, ou de incentivar se maridos e filhos a praticá-los.
Nesta nova forma de trabalhar e viver, os operários e operárias, vão sendo disciplinados pela máquina, que tem seu próprio ritmo. Começa uma regulamentação dos procedimentos dentro das fábricas, normas de comportamento, punições, sanções e a fábrica começa a ser vista como uma prisão, onde os pais levam seus filhos como aprendizes e destas formas as normas de disciplinas ficam ainda mais rígidas. 
Novamente é a mulher a mais atingida, se não lhe bastassem as rígidas normas de comportamento impostas pela sociedade, tem ainda que se submeter as normas das fábricas.
O símbolo desta luta operária é sem dúvida a criação de um Dia Internacional do Trabalho, a proposta inicial é que em vários países os operários reivindicassem uma jornada de trabalho de oito horas. Embora não tenha havido uma coordenação única do movimento, em toda a França e em vários outros países da Europa e também nos Estados Unidos da América, não com uma luta única, mas com suas próprias lutas e lutando contra os problemas locais, além da jornada de trabalho de oito horas. Com tudo isso o dia 1º de maio de 1890, foi um dia de luta.
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Segunda Parte: As mulheres
Nesta parte do livro Michelle Perrot apresenta a visão que a sociedade francesa dos séculos XVIII e XIX, tem da mulher. Dona de poderes malignos, fonte do mau, que manipulam os homens como marionetes, as mulheres desta época são cada vez mais levadas a uma situação de coadjuvantes na sociedade. O casamento burguês, a monogamia e outras normas sociais são vistas por Engels como “a derrota histórica do sexo feminino�”. Augusto Comte fala da “inaptidão do sexo feminino para o governo, mesmo da simples família�”.
Contudo, é nesta época que as mulheres assumem definitivamente as finanças da casa e desaparece aos poucos a figura do dono-de-casa, termo comum na Idade Média e nasce a dona-de-casa. Com ainda mais responsabilidades, agora ela não é “só” a operária, esposa e mãe, ela é também a responsável pelos problemas financeiros da família. Como gestoras da economia doméstica, elas são responsabilizadas pelas misérias domésticas, e de serem fúteis, embora normalmente gastem mais com comida e roupas para os maridos e filhos do que para si mesmas.
A luta pela moradia da família operária é na verdade a luta pelo aluguel, e novamente é a mulher a mais penalizada. È a mulher como responsável pelo orçamento doméstico, que tem de pagar o aluguel e na falta do dinheiro, as manifestações públicas de “recibo ou morte”, onde as mulheres exigem dos seus senhorios, a assinatura do recibo de pagamento, mesmo sem a efetivação do mesmo, é para a sociedade burguesa mais uma prova do perigo que as mulheres representam para a sociedade. As mulheres também eram responsabilizadas pelas mudanças clandestinas, em épocas de pagamento dos alugues. Mudanças essas, favorecidas pelos poucos bens da família, normalmente algumas roupas, poucas panelas e algumas vezes, um ou dois móveis. Nesta empreitada, as mulheres tinham um aliado forte, os Anarquistas, que viam nestas fugas, uma forma de lutar contras as normas da sociedade.
A nova mulher do século XIX, presa cada vez mais no espaço doméstico, tem algumas poucas oportunidades de ajudar a aumentar as finanças da casa, lavar roupas, venda de produtos nas ruas, entrega do pão, costura para fora, são as formas da mulher aumentar a renda familiar, ou de criar uma poupança doméstica, para os tempos difíceis.
Aos poucos, as mulheres vão sendo expulsas dos locais públicos, nas tavernas, nos sindicatos e na política, as vozes das mulheres vão se calando e vão cada vez mais para a sombra.
Não é só a mulher das classes menos favorecidas que sofrem esta exclusão da vida pública, a mulher burguesa também sai de cena aos poucos. A fábrica sai da casa do patrão e vai para o subúrbio ou para o interior, amulher burguesa vai perdendo sendo aprisionada em casa, com normas de comportamento cada vez mais rígidas, lhe sobra somente as obras de caridade como forma de atividade pública.
Até mesmo nos sindicatos, a presença das mulheres, muito comum no início de sua história, é cada vez mais mal vista. O movimento sindical vê no movimento feminino algo desordenado e que não incorpora a luta de classe, acha que a presença das mulheres nas greves é perigosa, porque desorganiza o movimento que perde sua força.
Enfim, para a mulher sobram três imagens:
Mulher fogo: Herdeira das feitiçarias, dona das paixões, a filha do diabo;
Mulher água: A musa do poeta, frescor para o guerreiro;
Mulher terra: Mãe, guardiã da memória coletiva, guardiã dos mortos�.
Como conseqüência, para mulher sobrou: dar a luz, criar e educar os filhos e cuidar da casa.
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Terceira Parte: Os Prisioneiros
Ao chegar a terceira parte do livros, a autora muda um pouca a forma de abordagem deixando um pouco a análise do ser homem e mulher e passando a explicar a conjuntura do sistema prisional francês do século XIX e sua evolução, com as novas teorias sobre os direitos e deveres do cidadão e os deveres do Estado. 
Surgem as novas prisões e várias são as tendências, entre elas as mais fortes eram: o isolamento total do prisioneiro ou o isolamento parcial, a separação por faixa etária e sexo, além de por tipo de crime . Várias prisões são construídas prevendo um ou outro regime.
Com toda esta discussão, o sistema prisional dá sinais de sua ineficiência e mais da metade dos libertos acabam presos novamente, é esta reincidência leva a França a adotar o desterro dos condenados, como forma de coibir e punir a delinqüência, pois é mais barato e menos complicado de executar.
Para demonstrar as minúcias da organização penal francesa, a autora recorre ao “Cômputo Geral da Administração da Justiça Penal ”, um relatório oficial, anual e geral sobre o sistema francês. Nele estão relacionados e organizados os crimes cometidos, as penas, a faixa etária dos condenados, a reincidência etc..
A autora faz uma análise interessante dos problemas ocorridos nas prisões durante a Revolução de 1848, quais seus reflexos dentro das prisões, acima de tudo ela demonstra a falta de informações para confirmar os boatos dos acontecimentos, como saber, se oficialmente os fatos foram desmentidos?
Há ainda, a apresentação da corrupção dentro do administração desta prisões. Comida estragada, roupas esfarrapadas, doenças mal curadas por médicos que participam da corrupção e mortes causadas pelo frio, pela fome, são denunciadas em vários locais e quando chegam a público são tratadas como se ninguém soubesse.
Outro problema do sistema prisional é a utilização dos presos como operários em obras públicas, este tipo de trabalho, rende ao preso uma pequena quantia e aos administradores, muito lucro, já que seu custo é baixo. Se não fosse só o problema da exploração dos detentos, há ainda as concorrências com os trabalhadores livres, que são preteridos nas obras por custarem mais caro do que os outros, presos.
Este tipo de problema causou várias manifestações de protesto na França, muitas destas manifestações bastante violentas.
O último capítulo do livro é reservado aos grupos de delinqüentes juvenis das grandes cidades francesas a partir de meados do século XIX, os “Apaches”.
Estes grupos de jovens, em sua maioria entre 15 e 20 anos de idade, que se auto proclamam “bandos”, são um grande problema social para a França da “Belle Époque”.
Formado por jovens, normalmente do mesmo bairro, que estudaram juntos ou então passaram pelo mesmo reformatório, não trabalham e vivem de pequenos furtos. As mulheres, o fumo, a bebida e o jogo são seus vícios e o bem vestir sua característica.
É interessante é a forma de convivência das mulheres dentro do grupo, descriminadas como delinqüentes pela sociedade, são vista internamente com bens de alguns membros masculinos, que normalmente recorrem ao espancamento como forma de afirmar sua virilidade.
Os Apaches se identificavam com os criminosos, usam tatuagens, códigos e giras em clara revolta contra a sociedade. Em 1893, são 37.000�, esta explosão de delinqüência causa polêmica na sociedade, e já são discutidas as causas desta delinqüência, assim como forma de combatê-la, o açoite e os serviço militar são discutidas como forma de punir este jovens e em 1912 é criado o Código da Infância, que juntamente com o controle psicológico e o serviço militar, são utilizados como alternativas de controle dos Apaches.
E vem a guerra: “Assim acabaram os Apaches�”
O livro é excelente, de leitura fácil e rápida, apresenta uma França diferente, com suas mazelas, suas lutas internas e seus problemas mais internos, além de apresentar uma visão clara do início da industrialização do país, pouco visto na literatura corrente.
Alexandre Luiz Miranda
Graduando em História - UFSC
� Luddismo: Termo inglês que se refere ao ato de destruir as máquinas como forma dos operários protestarem.
� p. 175.
� p. 178.
� Devido a longevidade da mulher ser maior do que a dos homens.
� p. 329.
� p. 332.

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