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Capítulo 3 Padrões de cientificidade nas ciências humanas — Formas de explicação (compreensão) da realidade humano-social No ensaio “Ciências da natureza e ciências do homem”, publicado no Brasil como capítulo do livro A ciência e as ciências', Gilles Gaston Granger lembra com propriedade que “aplicar o qualificativo de ‘ciên cia’ ao conhecimento dos fatos humanos será (...) considerado por alguns um abuso de linguagem”2. Tal idéia, pouco favorável ao conjunto das disciplinas das ciências humanas, está amparada na constatação mais ou menos difundida de que “os saberes sociológicos ou psicológicos, econômicos ou lingüísti cos não podem pretender, em seu estado presente e passado, ter a so lidez e a fecundidade dos saberes físico-químicos, ou até biológicos”?. Daí a pergunta — fundada na ordem dos fatos — formulada por Granger e compartilhada por um número expressivo de historiadores, epistemó- 1. G r a n g e r , G .-G . A ciência e as ciências. São Paulo, EDU SP, 1994. 2. Ibid., 85. 3. Ibid. 85 Formas de racionalidade e estratégias discursivas das ciências hum anas na contemporaneidade logos e estudiosos das ciências: em que sentido seria lícito, de direito, atribuir aos saberes supracitados o nome de ciência?4. O obstáculo fundamental invocado por quase todos que suspei tam, se não impugnam, a condição de cientificidade das ciências hu manas reside, segundo Granger, na própria natureza dos fenômenos - humanos: portando, mais além dos fatos em que se expressam, “uma carga de significações” atinentes ao sujeito, tais fenômenos resistem “à sua transformação simples em objetos, ou seja, em esquemas abstratos lógica e matematicamente manipuláveis”5. Dificuldade nada desprezível, com efeito. De um lado, as ciências humanas vão estar marcadas, desde sua origem, pela natureza refratária de seu objeto, relacionada com “as características cientificamente nega tivas dos fatos humanos, e em especial seus elementos de liberdade e de imprevisibilidade”6. De outro, elas vão dar lugar, em associação íntima com a significação dos fatos, à simbiose jamais inteiramente desfeita, e como tal ausente dos fenômenos naturais, entre o descritivo e o norma tivo, bem como entre o realizado e o desejável (ideal), cujos elementos — numa escala que vai desde os sentimentos, passando pelas ações e pelos valores, até o pensamento e a linguagem — dificilmente, no en tender de Granger, podem reduzir-se a esquemas objetivos e abstratos7. Não bastasse essa dificuldade, propriamente científica, há também outras — acrescente-se —, cujos obstáculos talvez sejam ainda mais po derosos. Entre elas, há as barreiras de cunho religioso e as de cunho filosófico. Quanto às primeiras, temos por exemplo a idéia, que vem da tradição judaico-cristã, da origem pecaminosa do homem, ou ainda, em íntima relação com seu ser decaído, a idéia de que sua natureza íntima é um mistério, e seu fim último, neste mundo ou fora dele, insondável, a depender do desígnio da providência divina — queda, mistério e desíg nio que, em seu conjunto e em sua significação profunda, escapam da razão e das ciências, e só são acessíveis à religião e à fé. Quanto às segun das, presentes na tradição filosófica da Antiguidade clássica aos nossos 4. Ibid. 5. Ibid. 6. Ibid. 7. Ibid., 86. 86 Padrões de cientificidade nas ciências hum anas - Formas de explicação (compreensão). dias, temos o recobrimento, com o véu da ignorância, de inúmeros fenô menos, inclusive os fenômenos humanos, ignorância atribuída aos mis térios do mundo ou à ordem das coisas, a que se soma a própria deficiên cia da razão (logos) ou seu modo de funcionamento. Assim, Sócrates, que, ao indagar da natureza humana, não podendo responder cabal mente à pergunta “que é o homem?”, se contenta em ficar com a busca, convidando-nos a examinar atenta e indefinidamente nossas vidas, sem a preocupação com o estabelecimento de um ponto de partida ou de chegada em que pudesse apoiar-se ou a que pudesse recorrer, localizado no corpo ou na alma. Assim também, entre os antigos, Aristóteles, que, ao se referir à história, depois de constatar que é o domínio do indivi dual, do único e do irrepetível, vai dizer que a história não é uma ciên cia, mas uma arte do discurso (narrativa), ao lado da retórica e da poé tica, e como tal menos filosófica e “científica” do que a poesia tout court. Assim, enfim, em plena modernidade, Goethe, ao afirmar que individuum est ineffabile, e mesmo Kant, que sentencia na Crítica do juízo que ja mais vamos conhecer a natureza íntima dos processos naturais, inclusive dos processos humanos — poder-se-ia acrescentar. Há outras barreiras filosóficas e religiosas, porém não vem ao caso examiná-las. Ficaremos só com as chamadas dificuldades científicas, como as assinaladas por Granger, envolvendo as formas de objetivação da significação dos fatos sociais, os modos de o cientista social operar com o normativo (regras/valores) em associação com o descritivo, e as tentativas de lidar com o real (realizado = ser) em sua relação com o ideal (visto como algo virtual almejado pelos agentes sociais = poder ser/vir a ser) e vice-versa. Tão logo essas dificuldades se apresentaram às mentes, os estudiosos dos fatos humanos tomaram consciência delas, de sorte que as mais diferentes disciplinas das ciências humanas procu raram elaborar estratégias para contorná-las, como aliás o próprio Granger o reconhece. As estratégias, quanto aos padrões de explicação e de compreensão dos fatos humano-sociais, podem ser reconduzidas, segundo nosso au tor, a alguns poucos esquemas, cujo conjunto, com vistas às necessida des da nossa pesquisa, vamos reduzir a quatro tipos. Esses esquemas são: 1) o esquema causal, como o que encontramos em Durkheim em sua 87 Formas de racionalidade e estratégias discursivas das ciências hum anas na contemporaneidade análise do suicídio como fenômeno social; 2) o esquema hermenêutico (ou compreensivo), como na análise empreendida por Max Weber a respeito da correlação entre a ética protestante e o espírito do capitalis mo; 3) o esquema dialético, como em Marx, ao analisar o golpe de Es tado de Luís Bonaparte no 18 Brumário; 4) o esquema estrutural, como em Lévi-Strauss, ao analisar na Antropologia estrutural o mito de Édipo8. Com base num trabalho de Berthelot9, Granger patenteia e descre ve os pontos fortes dessas quatro modalidades de explicação. Vejamos o que ele assinala e o que pensamos de seus comentários referentes aos esquemas causal, hermenêutico, dialético e estrutural. 1) Esquema causal - Granger explicita que o esquema causal supõe “uma dependência entre o fenômeno A que explicaria o fenômeno B, tal que suas variações são concomitantes e que não se pode ter B sem A”. E mais: segundo ele, “a explicação dada por Durkheim ao suicídio é essencialmente deste tipo. O sociólogo empenhava-se em afastar as causas aparentes (a hereditariedade, a imitação), para mostrar a correla ção efetiva do suicídio e do relaxamento dos laços sociais do suicida”10. Consideramos tal esquema, em linhas gerais, justo. Porém, sua hi pótese, a saber, o afrouxamento da solidariedade social, dá conta ape nas da metade do esquema explicativo durkheimiano, pois, a par da variável “integração”, responsável por certos tipos de suicídio, há a “re gulação”, responsável por outros. Além disso, a hipótese só poderá ser posta à prova com a ajuda de um conjunto de determinações que vão dar mais carne e substância à ossatura algo esquálida do esquema abs trato proposto pelo autor. Como exemplo desse conjunto de determi nações, poderíamos citar: a informação, oriunda da empiria, a respeito 8. Granger inclui entre seus esquemas o funcional e o actancial. Decidimos não os incorporar, por extrapolarem nosso campo de estudos. Quanto aos esquemas retidos, resolvemosdar-nos ampla liberdade em sua reconstituição. Tal resultou em nosso sig nificativo distanciamento do autor, em razão de uma certa confusão que recobre seus esquemas, como veremos mais à frente no tocante ao estruturalismo, levando à inclusão de Saussure na hermenêutica. Dos exemplos citados nos esquemas supra, o primeiro é de Granger, os restantes são nossos. No fim do capítulo vamos reformular sua termi nologia relativamente ao esquema causal. 9. BERTHELOT, J.-M. Uintelligence du social. Paris, PUF, 1990. 10. G r a n g e r , G .-G , op. cit., 90. Padrões de cientificidade nas ciências hum anas - Formas de explicação (compreensão). dos comportamentos suicidas dos católicos e dos protestantes; ou ainda a distinção entre suicídio anômico, altruísta e egoísta etc. A dificuldade a ser vencida na delimitação do suicídio como fenô meno social, de interesse do sociólogo, é a de compreender a decisão de Durkheim de considerar o suicídio egoísta como integrante das cor rentes sociais do suicídio, e deixar de lado, por sua vez, os suicídios por imitação, como os relacionados com o Werther, de Goethe, cuja publi cação, segundo consta, provocou uma legião de suicídios na Alemanha da época. Por que deixá-los de fora, junto com a psicologia coletiva e os fenômenos psicológicos de massa? E mais: por que computar apenas os suicídios consumados e deixar de lado as tentativas de suicídio? O es tudo e a comparação dos dois casos não teriam relevo científico, a me recer a atenção do sociólogo, além do médico e do psicólogo? Todavia, deixando de lado essas e outras dificuldades, a necessida de de introduzir as explicações causais para a compreensão de fenôme nos como o suicídio deve-se ao fato de a simples descrição (observa ção), conquanto necessária, não ser suficiente na explicação dos fenô menos sociais. Há de se discriminar entre os fatos ou fenômenos descritos, aqueles que ocorrem antes e aqueles que ocorrem depois; como também a coexistência aleatória de uns, como a subida da maré no Rio de Janeiro e a queda da Bolsa em São Paulo, e o nexo de necessidade de outros (tipo o calor e a dilatação dos corpos); há de se discriminar, enfim, as formas de variação e os esquemas de repetição dos fenômenos, segun do suas proporções e suas correlações. Foi, em suma, o que fez Durkheim em seu estudo famoso, ao evi denciar o liame do suicídio com as variáveis integração e regulação, vistas como aspectos (forças) da solidariedade social. Integração: o afrou xamento do laço social leva ao aumento da taxa de suicídio egoísta, ao passo que a força excessiva do laço, a ponto de sacrificar o indivíduo (que simplesmente não emerge e desaparece no social), conduz ao aumento do suicídio altruísta. Regulação: variando segundo a maior ou menor força coercitiva da norma (lei) que vincula o indivíduo à sociedade, sua ausência ou seu enfraquecimento leva ao suicídio anô mico, enquanto seu aumento ou peso excessivo conduz ao suicídio fatalista. Esses pontos serão retomados no capítulo V e desenvolvidos em diferentes aspectos na segunda parte de nosso estudo, onde questio naremos a pertinência das duas variáveis, bem como as modalidades de suicídio que as acompanham. 2) Esquema hermenêutico — Segundo Granger, com base em Berthelot, integram tal esquema a lingüística saussuriana, a psicanálise freudiana e certos aspectos da abordagem econômico-social do marxis mo; entretanto, não esclarece em que consiste o esquema; apenas in dica que está associado à idéia de interpretação, e como tal — pode-se dizer — atrelado à noção de sentido ou de significação. Consideramos um equívoco tanto a aproximação das três aborda gens como sua inclusão no esquema hermenêutico. Primeiro, porque a lingüística saussuriana, como aliás Granger o reconhece ao falar do esquema estrutural, é de índole estrutural e sistêmi ca. Trata-se portanto de um erro histórico e doutrinal, uma vez que Saus- sure é tido, se não como o pai, ao menos como o avô do estruturalismo. Segundo, porque, embora dê indícios em sua obra de ter aprendi do bastante com a arte de ler e interpretar os textos sagrados e profanos, Freud busca suas ferramentas analíticas menos na hermenêutica (exe gese) do que na ciência propriamente dita (a lembrar que o vienense nunca cansou de buscar apoio, para seus vaticínios em psicanálise, na biologia e na própria física, a exemplo da termodinâmica, ao trabalhar a idéia de energia). Terceiro, porque Marx, ao interpretar os fatos econômico-sociais, simplesmente ignora a tradição hermenêutica, seja ela bíblica, filológica ou jurídica. Por isso, consideramos injustas histórica e doutrinariamente as aproximações de Berthelot e Granger, ainda que haja mais de uma semelhança entre as abordagens de Freud, Saussure e Marx, especial mente no tocante às idéias de sentido e de interpretação, reconduzidos todavia ao objeto. Entretanto, nem o sentido nem a interpretação são idéias cativas da hermenêutica, mas noções compartilhadas por outras correntes do pensamento. Mais pertinente seria aproximar a herme nêutica das obras de Dilthey, Simmel, Rickert e Max Weber, que prefe rem falar de “compreensão” e referem o sentido ao sujeito. Formas de racionalidade e estratégias discursivas das ciências hum anas na contemporaneidade 9 0 i Padrões de cientificidade nas ciências hum anas - Formas de explicação (com preensão). No caso de Dilthey, que se coloca explicitamente no terreno da hermenêutica, ele simplesmente opõe o dado (fato) ao sentido (signi ficação), contrapõe invariavelmente à explicação a compreensão, afas ta-se da via descrição dos fatos/explicação causal das coisas e fica com a via da decifração do sentido/compreensão intersubjetiva dos proces sos e das obras dos homens. No caso de Weber, que nos interessa mais de perto, embora não fale explicitamente de uma sociologia hermenêutica, mas de uma “so ciologia compreensiva”, podemos dizer que é bem o vocabulário her menêutico que ele emprega, como o termo “sentido”, que percorre toda a sua obra. E ainda a própria categoria de “compreensão”, distinta desta feita da comprehensio da lógica, em que não era senão a operação de inclusão, de integração ou de subsunção dos casos ao universo de uma asserção, e como tal distinta da figura da extensão: maior a exten são, menor a compreensão. Weber, ao falar da compreensão, retém as idéias de apreensão e de inclusão; porém, em vez de capturar e subsumir objetos (fatos), procura apreender e incluir o sujeito (agente), ao esta belecer o laço entre a compreensão e o sentido. Podemos dizer, tam bém, que Weber compartilha mais de uma afinidade com Dilthey, Simmel e Rickert no que se refere à tradição hermenêutica, pensada agora não como arte, mas como ciência. Em especial, e tal é a índole da sociologia compreensiva weberiana, a necessidade de voltar-se não tão-só para “fora” (observar os fatos), como o fazem Durkheim, Comte e Spencer, mas também para “dentro”, objetivando investigar as inten ções, os motivos, os valores e os fins que acompanham os fenômenos sociais e os deflagram ou os provocam. A necessidade de introduzir os esquemas hermenêuticos (compreen sivos) radica na própria insuficiência da descrição como instrumento de análise (coisa que Durkheim viu), bem como nas deficiências dos esquemas causais em sua versão fisicalista (coisa que Durkheim não viu), que apenas detectam o que se passa no exterior, enquanto dado objetivo, ignorando o que se passa no interior dos agentes, enquanto aspecto subjetivo. Consideração que leva Weber não só a restabelecer o laço entre causalidade e motivo, permitindo compreender a ação por 91 seus móveis, como também a incluir na análise causal o exame das relações entre condutas, valores, fins e meios. A semelhança de Dilthey, é difícil apreender o que Weber entende porcompreensão. Mais difícil ainda é achar um bom exemplo. Dispo mos, todavia, de uma ilustração fecunda, citada por Weber em Econo mia e sociedade, sem no entanto tirar do exemplo as conseqüências. O exemplo é o ato de cortar lenha. Ante tal ato ou ação — o acréscimo é nosso —, o fisiólogo reteria (e trataria de descrever) as operações de pegar o machado, os golpes de força e o movimento de baixar e levan tar o braço. Poderia, além do mais, descrever o suor e até mesmo medir o dispêndio de energia (trabalho). E é só. O economista, por sua vez, reteria do ato o valor de uso obtido (o feixe de lenha, para alimentar o fogo) e eventualmente o valor de troca, ao se destinar ao mercado, seja ao cambiar-se diretamente com outros produtos do trabalho, seja em troca de uma determinada soma de dinheiro. Já o sociólogo, à diferen ça do fisiólogo e do economista, perguntaria pelo sentido social da ação. Para tanto, na impossibilidade de nos fornecer uma descrição direta das intenções, dos valores e dos fins que acompanham a ação (o ato) de cortar lenha, deverá limitar-se a imputar-lhe um sentido e a operá-lo indiretamente a fim de capturá-lo, voltando-se para fora, mediante a análise de suas formas de objetivação no mundo das coisas e nas insti tuições sociais. Deverá também esforçar-se em reconduzir essas formas para dentro, visando ao que se passa na mente dos indivíduos, aos mo tivos que os impulsionam e aos fins que eles perseguem. Entretanto, essa dupla operação só é possível se uma condição é satisfeita, dois operadores são introduzidos e uma decisão é tomada: 1) a condição é que o sentido, independentemente da via ou da finalida de da ação11, seja socialmente compartilhado: se não, referido apenas ao indivíduo, é coisa não da sociologia, mas da psicologia; 2) os operado res metodológicos (hermenêuticos) do sentido são, de um lado, os esque mas causais, que não podem ser monocausais, mas abertos a uma rede 11. Com o o intuito de ficar rico, ao cortar com sua família mais e mais lenha ou ao contratar uma legião de lenhadores; dar sustento aos filhos, ao se ocupar o próprio lenhador do corte de lenha em sua propriedade ou ao roubar o feixe na mata vizinha; pagar uma dívida ou cumprir uma obrigação (corvéia). Formas de racionalidade e estratégias discursivas das ciências hum anas na contemporaneidade 92 Padrões de cientificidade nas ciências humanas - Formas de explicação (compreensão). ou a uma pluralidade de causas12; de outro, os tipos ideais (a economia agrária ou camponesa, por exemplo), cuja função consiste em afastar as perturbações da empiria e guiar a análise dos fenômenos, recondu zindo-os aos esquemas causais e explicativos; 3) a decisão reside em escolher se o sentido, ao ser imputado à ação, é o sociólogo que o encontrou lá, tal qual, no mundo dos fenômenos e na mente dos agen tes sociais, ou se está na mente do próprio sociólogo ao imputá-lo ou postulá-lo (coisa que a obra weberiana nem sempre deixa clara). Diremos então, para concluir, que o esforço de apreensão e deci fração do sentido é o objetivo de Weber na Ética protestante e o espírito do capitalismo, obra cujo esquema interpretativo é o que ele chama de “processo de racionalização do Ocidente”, e na qual ele mostra que a ética protestante é o espírito do capitalismo, se não é um de seus veto res ou com ele se coaduna — daí nossa decisão de mantê-lo no campo da hermenêutica (voltaremos a este ponto mais à frente). 3) Esquema dialético — Segundo Granger, o intuito deste esque ma seria o de propor formas de “resolução efetiva de contradições in ternas descobertas na realidade humana individual ou coletiva”. Toda via, nosso autor apresenta para a dialética (a de Marx, no caso; não a de Hegel, que não é examinada) a seguinte ressalva: seu esquema no mais das vezes reduz-se “a constatar depois do fato consumado o resul tado de certos conflitos, sem de modo algum fornecer os meios de prever seus desenlaces”13. Consideramos um tanto restrita e parcialmente equivocada a des crição de Granger. Um tanto restrita, porque não nos mostra onde reside a novidade da explicação dialética ensejada por Marx, ao falar das contradições das coisas e ao constatar que as ações dos homens, especialmente a ação política, não obedecem ao princípio da (não) contradição estabelecido pela lógica formal ou clássica. 12. U m a necessidade im periosa — fom e, pobreza ou greve — pode levar alguém a roubar lenha, em vez de com prá-la; um a proibição governam ental pode levar a um a revolta popular, conduzindo um a m ultidão de indivíduos a abater as m atas; a própria base tecnológica incipiente ou rudim entar de um a com unidade pode estar por trás da ação: predom inância de fogão a lenha/ausência de fogão a gás ou elétrico. 13. G r a n g e r , G . G ., op. cit., 92. 93 Formas de racionalidade e estratégias discursivas das ciências hum anas na contemporaneidade Parcialmente equivocada, porque sugere que seria possível esque matizar os eventos históricos de uma maneira puramente a priori, coisa que Kant, antes de Marx, já tinha mostrado ser absolutamente impos sível — a menos que aquele que fizesse as predições a priori se encar regasse ele próprio de realizar as predições e de gerar as ações condi zentes: quer dizer, só seria possível se a história fosse uma teodicéia (lugar da manifestação de Deus) e se os homens se convertessem em Deus ou em deuses, controlando totalmente as coisas e sabendo tudo de antemão, antes mesmo de as coisas ocorrerem. A necessidade de introduzir os esquemas dialéticos, tanto na eco nomia como na sociedade ou na história, é experienciada por Marx (além das insuficiências das explicações causais usuais, que clivam os fenômenos em um antes e um depois, deixando de lado as interações e os conflitos que os acompanham) à luz da própria natureza do real, e em especial da sociedade dos homens, repleta de tensões, contradi ções e conflitos a reclamarem formas próprias de resolução. Essas for mas, por sua vez, estão longe de ser fixas ou unívocas e passam ao largo das modalidades conhecidas e operadas pela lógica formal. Integram essas modalidades: 1) a lei do terceiro excluído (Sócrates não pode estar sentado e levantado ao mesmo tempo: ou está sentado ou levantado; uma terceira alternativa está excluída); 2) o expediente, para evitar o choque dos contraditórios e restabelecer a unidade (identidade) do sis tema, de introduzir a distinção de aspectos, planos e níveis (plano tem poral, por exemplo: Sócrates num momento está sentado; noutro le vantado). Sem negar essas vias, Marx procura, com Hegel, erigir uma outra canônica que, tendo reconhecido a existência de contradições reais (mais do que contradições nas ilações do pensamento ou nas re lações entre as proposições), trata seja de introduzir mediações entre as polaridades, seja de fundir e articular as diferenças e as oposições, seja de tipificar a complementaridade dos opostos, seja de patentear os conflitos (com a vitória de um dos pólos) e as próprias crises (com ou sem solução de continuidade) como meios de resolver as contradições das coisas. No 18 Brumário, obra escrita paralelamente aos acontecimentos, a tese forte que Marx busca demonstrar, com o objetivo de explicar o 94 Padrões de cientificidade nas ciências hum anas - Formas de explicação (com preensão). golpe de Estado de Luís Bonaparte (“um raio no céu azul”), é a idéia segundo a qual a necessidade e o papel histórico de Napoleão III só podem ser compreendidos à luz das contradições reais da sociedade francesa de então, envolvendo os embates de classes e frações de classe. E mais: Marx procura mostrar que o golpe contou com o apoio dos camponeses franceses, em cujo imaginário — como viu Paul-Laurent Assoun — sua figura imperial lhes aparecia ao modo de um pai primevo oude um deus que os protege e do alto lhes manda sol e chuva. Os esquemas explicativos empregados por nosso autor foram traba lhados e revistos posteriormente na obra Lutas de classe na França, na qual, mais distanciado dos acontecimentos, corrige algo da perspectiva do 18 Brumário, que rebaixara muito o significado de Luís Napoleão (conhecido como Napoleão o falso ou o pequeno) e previra um curto tempo de governo, quando este de fato foi longo, tendo durado vinte anos. Tais esquemas são simplesmente refutados por um conjunto de estudiosos que sustentam a tese de que foram na realidade não os pe quenos camponeses, mas os grandes comerciantes e os proprietários fundiários que apoiaram Luís Bonaparte no golpe de 1848, pondo em xeque, portanto, tanto a base factual como o esquema interpretativo trabalhados por Marx14. 4) Esquema estrutural — Desfeito o equívoco de incluir Saussure no esquema hermenêutico e tendo reconhecido, com Granger, o cará ter sistêmico do esquema estrutural, incluiríamos neste: a) Saussure, que em sua obra prefere o vocábulo sistema e emprega o termo estru tura apenas duas vezes; b) Marx, que visa à economia e à história como uma totalidade, que em muitos aspectos é correlata da estrutura, bem como distingue nesta última a infra e a superestrutura; c) Freud, que toma o psiquismo humano como uma estrutura e em sua tópica orga niza a estrutura em instâncias ou camadas, como as instâncias do id- ego-superego; 4) Lévi-Strauss, que no mito de Edipo, conforme vimos no capítulo precedente, não só aplica o esquema estrutural à sua aná lise, como também reduz o mito famoso a um conjunto de quatro 14. Cf. STINCHCOMBE, A. La comtrucción de teorias sociales. Buenos Aires, Nueva Vision, 1979, 65. 95 1 mitemas, emparelhando-os em pares dicotômicos e analisando-os se gundo suas oposições binárias, ao combinar a álgebra das relações e a taxinomia dos símbolos. Ao trabalhar o esquema estrutural, introduziremos a distinção en tre estrutura e estruturalismo, com o objetivo de mostrar que a estrutu ra não é cativa dos estruturalistas, bem como de incluir outros parâme tros na categoria de estrutura, de modo a torná-la compatível com a abordagem estrutural tal como é levada a cabo pelo estruturalismo, especialmente por Lévi-Strauss. Tal distinção é tanto oportuna quanto necessária, uma vez que, como é sabido, entre aqueles que comumen- te são situados dentro daquela corrente não faltam pensadores que não escondem seu desconforto e preferem distanciar-se. Tal é o caso de Gueroult, em quem muitos vêem o grande representante do estrutura lismo dentro da filosofia, e que no entanto em mais de uma ocasião repudiou sua inclusão, de medo de ver seu nome identificado a uma moda, preferindo dizer que em suas exegeses fazia análise estrutural tão-somente. Outro autor que num primeiro momento não via maiores problemas de ser assimilado e que depois, mais desconfortado, resol veu tomar distância, foi Michel Foucault, ao dizer que não fazia nem mesmo análise estrutural, mas análise genealógica ou genealogia. Há ainda Marx e Freud, já mencionados, que se referem à estrutura sem, todavia, integrarem-se à corrente do estruturalismo. Quanto aos parâ metros a serem incorporados para transformar a estrutura em suas múltiplas acepções na estrutura dos estruturalistas, devemos incluir sem dúvida o binarismo ou a idéia de que os termos da estrutura devem ser dispostos dois a dois; a primazia da estrutura sobre os elementos ou a idéia de que a estrutura é um conjunto fechado e finito, sendo maior do que a soma das partes ou de seus elementos; a exaustividade da análise, mediante a inclusão do exame de protótipos bem como de variantes, com a ajuda de modelos topológicos. E nessa última via, junto com os parâmetros acima elencados, que vamos encontrar Lévi-Strauss. Ambicioso, integra ao programa estrutu- ralista em antropologia a determinação da estrutura da sociedade, das relações de parentesco e do sistema dos mitos. Em suas análises na Antropologia estrutural e nas Mitológicas, tendo encontrado a estrutu Formas de racionalidade e estratégias discursivas das ciências humanas na contemporaneidade 96 i Padrões de cientificidade nas ciências hum anas - Formas de explicação (com preensão). ra, não hesitou autorizar membros de sua equipe, ou ele próprio a partir, na busca da fórmula canônica do mito. Nessa empreitada, será tomado como modelo, na Antropologia, o mito de Edipo, enquanto nas Mito lógicas o mito de referência, sem todavia dar-lhe o status de protótipo, será o mito bororó do ninho das araras, tomado como uma das tantas variantes do mito do “dénicheur d ’oiseaux”. Donde a impressão de um programa não só ambicioso, mas consistente e dotado de um enorme poder irradiador, a tal ponto que foi capaz de criar uma corrente de pensamento, o estruturalismo, do qual Lévi-Strauss é considerado o pai e até hoje mantém-se fiel ao programa. Donde nossa decisão de corri gir Granger e destacar o nome do antropólogo. Apresentados os quatro esquemas, na seqüência chamaremos a atenção do leitor para dois problemas ligados às formas de explicação dos fenômenos humano-sociais no âmbito das ciências humanas: 1) o emprego das matemáticas, visando conferir maior objetividade, além de rigor ou exatidão, à análise dos fenômenos humano-sociais, exami nados por Granger; 2) a necessidade de articulação dos níveis descriti vo, explicativo e interpretativo (compreensivo) na análise dos ditos fe nômenos, associada ou não ao emprego das matemáticas. O emprego das matemáticas, corriqueiro nas ciências exatas, se deu de modo um tanto rarefeito quando do surgimento das ciências humanas, e ainda assim algo restrito à economia, a ponto de muitos estudiosos de outras áreas julgarem ser dispensável ou até mesmo inde sejável sua extensão aos objetos e negócios humanos. Todavia, o em prego das ferramentas daquelas ciências ganhou livre curso depois que elas se consolidaram, como o ilustra a obra As estruturas elementares do parentesco de Lévi-Strauss, ao utilizar os esquemas da álgebra e as téc nicas dos grafos, conforme assinala Granger15. Outro exemplo emble mático, além dos grafos, foi o emprego da análise infinitesimal, intro duzida na economia marginalista por St. Jevons (1871), Walras (1873) e explorada, com maestria, segundo Granger, por Pareto (1896), A. Marshall (1890) e uma plêiade de sucessores. Outro exemplo, mais recente, foi o emprego da teoria dos jogos, introduzida por um mate- 15. G r a n g e r , G . G . , op. cit., 95-96. 97 1 mático (J. von Neumann) e por um economista (O. Morgenstern). Se gundo nosso autor, o economista e o matemático propuseram, no campo da matemática das probabilidades, porém distintas dos métodos esta tísticos, que são mais estáticos, um conjunto mais dinâmico, que de pois se mostrará extremamente fértil na análise dos fenômenos huma nos. O que caracteriza seu método é a presença, como mostra o epis- temólogo, de “modelos abstratos de comportamento de jogo ou de conflito nos quais cada um dos protagonistas tem várias táticas conhe cidas, sendo os ganhadores de cada um resultantes da conjunção das táticas dos adversários, também conhecidos por todos, apesar de cada jogador ignorar, evidentemente, a cada lance, a tática que vai ser ado tada por seu adversário”16. Entre as disciplinas das ciências humanas beneficiadas pela teoria dos jogos, podem ser citadas as ciências polí ticas e a própria economia, desmentindo mais uma vez a idéia de que as ciências humanas são alheias às matemáticas ou de que para elas mais valem a erudição histórica e a imaginação criadora do estudioso de suas matérias (qual o poeta) do que os teoremas da geometria ou as operações da álgebra. Por fim, quanto aos quatro heróis-fundadores das ciências huma nas (Marx, Lévi-Strauss,Weber e Durkheim) que integram, sem ne nhum direito de exclusividade (há Saussure, Freud e outros pensado res ilustres), o campo de nossas investigações, não citados por Granger a este título ou não reconhecidos por ele como tais, cabe mencionar: 1) no tocante a Durkheim, o emprego da estatística na análise do sui cídio, sugerido pelos trabalhos de Quételet (teoria do homem médio), os quais estão na origem da criação da chamada estatística social, tam bém conhecida no século XIX como estatística moral, de uso corrente por criminalistas e sociólogos de diferentes linhagens, até mesmo pelos marxistas; 2) com respeito a Marx, o emprego da matemática nos três livros de O capital, emprego ali abundante e de fundo, e não simples mente tópico e de superfície, porém de todo ausente no 18 Brumário; 3) da parte de Lévi-Strauss, como já salientado, um grande apreço pela análise matemática em toda a extensão de sua obra, em contraste com Formas de racionalidade e estratégias discursivas das ciências humanas na contemporaneidade 16. Ibid., 96. 98 Padrões de cientificidade nas ciências hum anas - Formas de explicação (compreensão). uma certa reserva em relação à análise estatística, a qual nunca chegou realmente a praticar, reserva que vai junto com o reconhecimento da importância do modelo estatístico para a compreensão dos fenômenos humano-sociais, sem todavia precisar — vimo-lo — em que consiste tal modelo; 4) quanto a Weber, sua indiferença relativamente aos métodos matemáticos e estatísticos, seja na Ética (em que as tabelas estatísticas aparecem no início, para ser abandonadas depois), seja em outras obras, ainda que reconheça nas matemáticas um poderoso ins trumento de objetivação, além de potente meio de racionalização no Ocidente moderno. A articulação entre a descrição, a explicação e a interpretação (com preensão), associada ou não à prescrição, dissociada ou não das mate máticas, vai ser trabalhada por nós no próximo capítulo. Ao nos ocupar desses tópicos, a par da atenção usual concedida à descrição e à expli cação, procuraremos mostrar a compatibilidade, com os métodos ditos científicos, de abordagens que introduzem em seus esquemas interpre- tativos um conjunto de elementos prescritivos, e conseqüentemente ideativos, em vista de pensar o social. Assim, as normas morais e jurí dicas, bem como as utopias, cujo caráter “u-tópico” (fora do espaço) e “u-crônico” (fora do tempo) não impede que elas sirvam de métron para avaliar os fenômenos histórico-sociais, e enquanto tais, em sua condição de fenômenos empíricos, situados no espaço e no tempo. O fundamento da introdução desses elementos reside nos próprios fenô menos sociais, em que os fatos vão junto com os valores e as significa ções, o real vai pari passu com o ideal, o consumado com o desejável (ou não-desejável) e o necessário e o impossível (por já ter ocorrido e não poder ser cancelado) com o contingente e o possível (ainda por se fazer ou podendo ser de outra maneira). Indo além de Granger, diremos que a incorporação das matemáti cas nos esquemas das ciências humanas se justifica tanto por seus im portantes serviços, como ferramenta analítica, na montagem e no tra tamento da base empírica (nível descritivo) quanto por seu papel de poderoso meio de objetivação das conexões causais e funcionais dos fenômenos (nível explicativo e, por extensão, interpretativo). E o que nos ensina Durkheim, que, sem a estatística, ficaria privado, em sua 99 Formas de racionalidade e estratégias discursivas das ciências hum anas na contemporaneidade obra famosa, do meio para agregar os indivíduos e, conseqüentemente, não teria como mostrar ou acessar o suicídio como fenômeno social. E mais: um instrumento tão mais importante e poderoso que uma sim ples fórmula matemática — como bem viu Merton — vale para nosso assentimento e nossa convicção mais do que uma torrente de palavras e quilômetros de discurso (veja-se a famosa fórmula E = mc2). Porém, como certos expedientes de retórica, a própria matemática pode ser vir de peça de retórica e de uma verdadeira maquinaria de guerra, ao modo de um argumento ad hominem, e como tal destinada em seu emprego mais a esconder nossas fraquezas e aquilo que pensamos mal e obscuramente do que a expor a força de nosso raciocínio e a potência do pensamento. Tal seria o caso das correlações estatísticas (chamadas algumas delas de espúrias) entre certas doenças e certos hábitos ali mentares, tão ao gosto dos americanos, e também o caso de muitos economistas ao se referirem à relação entre o chuchu (que ficou caro) e a taxa de inflação (que aumentou — logo o chuchu é o vilão), como no Brasil em passado recente. Todavia, tanto em sua fraqueza como em sua força, a fertilidade e a esterilidade da matemática, como de resto ocorre com todo instru mento, vão depender da capacidade ou do engenho do artífice, além do fim visado em seu uso ou de seu escopo. A condição requerida para tal é, por um lado, sua pertinência ao objeto; por outro, o emprego de técnicas condizentes com o material empírico a nosso dispor. E o que têm em mente os quatro pensadores estudados ao invoca rem mais ou menos tacitamente o argumento do criador, a partir do qual eles pensam a articulação entre a descrição, a explicação e a inter pretação dos fenômenos sociais, conferindo à matemática a condição de ferramenta do conhecimento. Além de sua função cognitiva, houve quem reconhecesse nas matemáticas, junto com seu papel extraordiná rio no processo de racionalização do Ocidente, o status de poderoso instrumento para a elaboração de tecnologias sociais. Foi o que mos trou Weber em sua análise da burocracia, ao ressaltar sua fusão com a ratio econômica e o direito. Na seqüência, tendo corrigido as deficiências das propostas de Ber- thelot e Granger, procuraremos desenvolver os esquemas explicativos 100 Padrões de cientificidade nas ciências hum anas - Formas de explicação (compreensão). acima elencados, reformulando parcialmente a terminologia e incor porando novos aspectos. A reformulação da terminologia aparecerá no tocante ao esquema causal, reservado por Granger a Durkheim: na nossa investigação ele será substituído, ao retermos Durkheim e a cau salidade durkheimiana, que associa causa e lei, pela expressão “esque ma positivista”, que abriga em seu esquema explicativo os esquemas causais e funcionais (outro argumento em favor da mudança de termi nologia é o fato bastante conhecido de que a causalidade aparece em Weber, Marx e Lévi-Strauss: por que então restringi-la a Durkheim ou dela se servir exclusivamente para nomear a via do sociólogo?). Entre os novos aspectos incorporados, entram no esquema explicativo, além da causalidade, as explicações funcional, genética, histórica e teleoló- gica. Como novos aspectos entram ainda, além das diferentes formas de explicação, as diversas formas de descrição e interpretação dos fe nômenos humano-sociais, resultando no tripé metodológico da des crição, da explicação e da interpretação, cujo conjunto será analisado no próximo capítulo. Por fim, entra a chamada tipologia das formas de pensamento ou dos esquemas mentais, presentes na descrição, na explicação e na interpretação dos fenômenos humano-sociais. Tal ti pologia nos conduzirá, em diferentes momentos da investigação, a privilegiar 1) no esquema do positivismo funcionalista, as dicotomias e dualidades, 2) no esquema da hermenêutica weberiana, seja o ten- sionamento das díades, seja suas cisões ou conjunções, seja a inclusão de elos partidos ou mesmo a reversão pura e simples dos elementos, resultando o conjunto num emaranhado, 3) no esquema da dialética, as oposições e contradições, associadas tanto ao conflito dos opostos como à sua reconciliação por meio da inclusão dos elos intermediá rios, 4) no esquema estrutural,o mapeamento das diferenças e das oposições, organizadas em pares diversos e associadas a relações de conjunção e disjunção. A tais esquemas, recobrindo esse conjunto de aspectos, chamamos justamente de padrões de cientificidade das ciências humanas, cujo exa me mais detido será efetuado nas páginas que seguem, ao nos ocupar mos das obras de Durkheim, Weber, Marx e Lévi-Strauss — Durkheim e Weber, no primeiro tomo do livro; Marx e Lévi-Strauss, no segundo. 101
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