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MANUAL FILOSOFIA POLÍTICA 2014.1

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO
CURSO DE FILOSOFIA
F I L O S O F I A P O L Í T I C A
SUBSÍDIO DIDÁTICO
Prof. Antonio Carlos de Oliveira Santos
Recife, 2014
ÍNDICE
Introdução: Filosofia Política & Ciência Política .......................................................	...........	04
I. A Filosofia Política na Grécia Antiga .....................................................................	...........	05
1.1. A República Platônica.........................................................................................	...........	08
1.2. O Pensamento Político de Aristóteles ................................................................	...........	12
1.3. O Organicismo Grego ....................................................................................................	14
II. Filosofia Política na Idade Média .....................................................................................	18
2.1. A Política na Idade Média .............................................................................................	18
2.2. Santo Agostinho (354-430): “A cidade de Deus” ...............................................	...........	19
2.3. Marsílio de Pádua (1275-1342): “Defensor Menor” .....................................................	23
III. A Aurora da Filosofia Política Moderna ........................................................................	25
3.1. Maquiavel (1469 – 1527): “O Príncipe” ........................................................................	25
3.2. Maquiavel e a Corrupção ..............................................................................................	27
IV. A Filosofia Política Moderna .........................................................................................	29
4.1. Thomas Hobbes (1588-1679): “O Leviatã” ..................................................................	29
4.2. John Locke (1632 – 1704):A Importância do Indivíduo no Pensamento de Locke.....	30
4.3. Hegel (1770-1831: “Filosofia do Direito” ......................................................................	34
4.4. Karl Marx (1818-1883): Marxismo e Democracia: um encontro 
possível e necessário .............................................................................................................	35
V. A Filosofia Política Contemporânea ................................................................................	43
5.1. Norberto Bobbio (1905-2004) .......................................................................................	43
5.2. Bobbio: Democracia e Paz ............................................................................................	45
5.3. Hannah Arendt (1906-1975)...........................................................................................	57
VI. Anexos..............................................................................................................................	58
01. Educação Política .............................................................................................................	58
02. Política e Filosofia ........................................................................................................... 	59
03. Definições ........................................................................................................................	60
04. Planejamento das Aulas...................................................................................................	62
Bibliografia .................................................................................................................	...........	64
Panorama Geral: Pensadores & Obras
I – Filosofia Grega:
01. Platão (427-347 a.C) – “A República”
02. Aristóteles (384-322 a.C) – “A Política”
II – Filosofia Medieval:
03. Santo Agostinho (354-430) – “A Cidade de Deus”
04. Marsílio de Pádua (1275-1342) – “Defensor Menor” 
III – Filosofia Moderna I:
05. Nicolau Maquiavel (1469-1527) – “O Príncipe” 
06. Thomas Hobbes (1588-1679) – “O Leviatã” 
07. John Locke (1632-1704) – “Segundo Tratado Sobre o Governo Civil”
IV – Filosofia Moderna II:
08. Hegel (1770-1831) - “Filosofia do Direito”
09. Karl Marx (1818-1883) - “Manifesto do Partido Comunista”
V – Filosofia Contemporânea:
10. Norberto Bobbio (1905-2004) – “O Futuro da Democracia”. 
11. Hannah Arendt (1906-1975) – “A Origem do Totalitarismo” 
INTRODUÇÃO:
Diferenças entre Filosofia Política X Ciência Política�:
A Ciência Política:
Quais as diferenças fundamentais entre a Filosofia Política e a Ciência Política? A resposta é complexa e exige a explicitação de alguns pressupostos. No tocante à Ciência Política, temos que considerar o seu “caráter científico” e o “status quo” do dito científico (empiricidade, dados observáveis, método descritivo e explicativo).
A Ciência Política pode ser entendida como o estudo “dos fenômenos políticos conduzido com a metodologia das ciências empíricas e utilizando todas as técnicas de pesquisa própria da ciência do comportamento”. Tem ela uma função essencialmente descritiva ou explicativa, procurando eximir-se dos juízos valorativos. Sua preocupação é com a “verdade efetiva”, com o que a política é no seu apresentar-se concretamente (não o seu “dever ser”).
É uma ciência de observação e experimentação, de natureza indutiva, portanto dos fatos políticos, enquanto a Filosofia Política, como filosofia que é, não trabalha com o método descritivo ou explicativo e sim com o método compreensível.
A Filosofia Política:
Busca uma interpretação que se acha atrás e/ou além dos fenômenos políticos: procura os fundamentos e a natureza do político.
No estudo da Filosofia Política podem ser realizadas três tipos de investigações, a saber:
da melhor forma de governo (aspectos valorativos – prescritivos);
da fundamentação racional do Estado (do poder político), com a justificação ou não da obrigatoriedade política (legitimidade do poder);
da essência da política (politicidade).
QUADRO SINÓTICO
(Quatro diferentes significados de Filosofia Política e sua relação com a Ciência Política)
1º. Definição:
 Descrição, projeção, teorização da ótima república (ou do melhor governo);
 Construção de um modelo Ideal de Estado, fundado sobre alguns pressupostos éticos.
Objetivo principal: a busca pela melhor forma de governo
Exemplos de Obras Políticas:
“A República”, de Platão;
“A Utopia” (1516), de Thomas Morus
Relação com a Ciência Política
 De clara oposição: separação e divergência:
 A Ciência Política tem função essencialmente descritiva ou explicativa: 
2º. Definição:
Busca do fundamento último do poder, da natureza e da função do dever de obediência política;
Da Justificação ou da Legitimação do poder político e seu exercício;
Objetivo principal: busca da natureza da Política
Exemplos de Obras Políticas:
“O Leviatã” (1561), de Thomas Hobbes (1588-1679)
“O Segundo Tratado do Governo Civil” (1689), de John Locke (1632-1704).
Relação com a Ciência Política
 Relação mais estreita: de separação, porém convergência:
 O problema filosófico pressupõe a análise dos fenômenos reais do poder; por outro lado o estudo realista do poder não pode deixar de lado o problema dos critérios de legitimidade (das razões últimas para se obedecer).
3º. Definição:
 Determinação do conceito geral de Política como atividade (modalidade) autônoma e distinta, por exemplo, da Economia ou do Direito;
Objetivo principal: Busca do Fundamento específico do Estado.
Exemplo de Obra Política:
 “O Príncipe” (1513), de Maquiavel (1469-1527).
Relação com a Ciência Política
 De Continuidade: a relação é tão estreita que é difícil estabelecer uma nítida linha divisória entre uma (filosofia) eoutra (Ciência Política).
4º. Definição:
 Discurso crítico voltado para os pressupostos e condições de verdade, para a pretensa objetividade ou não valoração na Ciência Política;
 Metaciência: estudo dos discursos produzidos pelos Filósofos da Política.
Relação com a Ciência Política
 De clara oposição, mas de integração recíproca e trabalho mútuo.
 Trata-se de investigações que tem objetos e fins distintos
Observação Importante: É bom ter presente que uma pretensa rivalidade entre Ciência Política e Filosofia Política é reducionista e ideológica, pois “priva o filósofo do contato com o mundo e o sociólogo (cientista político) da interpretação do sentido de sua investigação”. (Marilena Chauí)
Textos Específicos e Complementares:
- “Conceito de Filosofia Social”. In. MACEDO, Sílvio de. Curso de Filosofia Social. p. 28-30.
- “Da Essência Positiva do Político”. In. BERTEN, André. Filosofia Política. p. 15-23.
I. A Filosofia Política na Grécia Antiga:
Introdução
Quando uma sociedade é demasiadamente simples e o grau de racionalidade de seus membros é de pequena complexidade, os indivíduos de tal sociedade buscam as respostas acerca do mundo e da natureza em entidades sobrenaturais e metafísicas. Essas explicações vão se reunindo ao longo do tempo, e dessa maneira vão surgindo os Mitos, segundo os quais o governo da humanidade está ligado à vontade dos deuses.
O discurso do mito se estende a todas as atividades desempenhadas pelo indivíduo, desde o seu nascimento, até a sua morte. Nesse mundo mítico, nada é natural, ao contrário, tudo é sagrado e independe da vontade do ser humano, já que todo o seu destino é previamente traçado pelos deuses e deles depende. Cabe, portanto, a esse estado de sacralização determinar quais ritos, leis e princípios normativos todos os membros da sociedade devem acatar, se quiserem estar em conformidade com a vontade dos deuses.
O mito é, assim, determinista e trágico, absolutamente pessimista, uma vez que os indivíduos não têm controle sobre seu próprio destino: a determinação deste cabe aos deuses.
Foi nessa ordem de idéias que o mito foi o primeiro modelo de construção da realidade, na Antiga Grécia. Ele teve como função precípua, além de explicar a própria realidade, acomodar, tranqüilizar, apaziguar o indivíduo diante de um mundo tão assustador. 
Teoria Grega do Estado�
- “A reflexão política começa com os gregos. Sua originalidade está vinculada ao racionalismo� claro e tranquilo da mente grega. Em vez de projetar na esfera da Religião, como os povos da Índia e da Judéia, em lugar de aceitar o mundo em confiança e de vê-lo sob a luz da fé, os gregos trilharam o caminho do pensamento, e, ousando especular sobre as coisas visíveis, procuraram conceber o universo do ponto de vista da razão.” (p. 13). 
- “... os gregos se aventuraram a se destacar-se da sua própria experiência e a julgar o seu comportamento em contraste com aquela experiência. A capacidade de fazer tal abstração e antítese pode parece pouco, mas a conceituação da antítese do indivíduo e do Estado é a condição necessária para o pensamento político. A tarefa de todo pensador político é conciliar e abolir esta antítese, depois de compreender sua força.” (p. 13).
- “O sentido do valor do indivíduo, entendido no conceito de livre cidadania, foi, portanto, elemento primordial no desenvolvimento do pensamento político helênico”. No entanto, “eram as leis que davam consistência a cada um dos Estados gregos e não um laço pessoal de sujeição à vontade caprichosa de um governante...” (p. 14).
- “A separação entre o indivíduo e o Estado, que é teoricamente condição necessária para a ciência política, já tinha sido alcançada na prática, na polis, o cidadão grego, embora completamente identificado com sua cidade, tinha suficiente independência e um momento de ação própria na vida comunitária que lhe permitia comparar-se com ela, chegando assim a uma filosofia do seu valor.” (p. 14).
- “O pensamento político começou com a tentativa do homem comum de argumentar contra as exigências do prestígio aristocrático.” (p.15).
- “Devemos lembrá-nos, finalmente, de que a democracia é, em si, o governo pela discussão – governo pela palavra, em que as decisões são tomadas numa arena onde ‘uma idéia hábil devora as outras’” (...). Das contínuas discussões sobre os pormenores da vida política, os cidadãos chegaram naturalmente à polêmica em torno de princípios políticos...” (p. 15).
- “... o Estado ideal servia como PADRÃO pelo qual os Estados existentes poderiam ser compreendidos e classificados. E esta busca de um ideal surgia naturalmente porque os diferentes estados apresentavam não apenas diferenças ‘constitucionais’(...), mas diferenças profundas, fundamentais, de caráter e finalidade moral.” (p. 16).
- “A polis era uma sociedade ética, e a ciência política, enquanto ciência de tal sociedade tornou-se, entre os gregos, predominantemente ética.” (p. 16).
- O pesquisador deve investigar o Estado do ponto de vista ético, a Ciência Política não será vista sob a ótica da jurisprudência, mas com a linguagem da filosofia moral.
- “A Ciência Política deve ser a ética de toda uma sociedade, cuja consistência deriva de um propósito moral comum; ela deve determinar o que é o ‘BEM’ para a sociedade, qual a estrutura que vai assegurar melhor a maneira de alcançá-lo, as ações que melhor contribuirão para esse fim.” (p.17).
- “O bem do indivíduo é idealmente o bem da sociedade; a virtude de um é idealmente a virtude do outro. Na qualidade de ciência de uma sociedade moral em busca de um bem pleno (...) a Ciência Política é, para Aristóteles, a ética suprema” (p. 17).
- “Seguro de seu valor social, não precisam preocupar-se com sua ‘pessoa’ individual. Por isso o pensamento grego sempre postulou uma solidariedade resultante do seu ponto de vista ético e de sua concepção do Estado como associação moral – que é estranha à maior parte do pensamento moderno.” (p.17).
- “... o pensamento político grego está marcado pela expectativa da AÇÃO ESTATAL, e constitui uma tentativa de esboçar as linhas desta ação, em lugar de definir ou limitar o escopo de sua ‘interferência’.” (p.18).
- “A teoria da cidade-estado presume a ação plena do Estado e se dedica a investigar os métodos apropriados para o exercício dessa ação. É uma teoria da legislação, para o legislador.” (p. 19).
- “A teoria política helênica concentra-se especialmente neste aspecto normativo, ou ‘ditatorial’: os gregos escreviam seus tratados políticos de modo imperativo – o que não quer dizer que tenham desprezado o indivíduo...” (p. 20).
- “O verdadeiro perigo presente no mundo helênico não era tanto o de a sociedade ser asfixiada pelo Estado, mas o deste ser corrompido por interesses sinistros, de índole parcial.” (p. 21).
- “É verdade que eram teorias destinadas ao mundo helênico, e que nele exerciam certa influência política (...) mas é também verdade que, em alguns aspectos, eram insuficientes para abranger os fatos do mundo grego; e que em outros pontos, transcendiam os limites da experiência grega.” (p. 24).
- “... contudo, através de todas essas mutações, a teoria política demonstra uma unidade fundamental, ocupando-se sempre com o mesmo problema – o relacionamento entre o homem e o Estado”. (p. 24)
- “A teoria grega da polis é, portanto, uma teoria do homem e do Estado, no que ela tem de essencial – uma teoria que tem valor permanente.” (p. 24).
Bibliografia Específica e Complementar:
JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. Trad. Artur M. Parreira. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
JONES, Peter V. (org.) O Mundo de Atenas. Uma introdução à cultura clássica ateniense. SP: Martins Fontes, 1997.
MOMIGLIANO, Arnoldo. As raízes clássicas da historiografia moderna. Bauru/SP: EDUSC, 2004.
MOSSÉ, Claude. Atenas: A história de uma democracia. Brasília: UNB, 1982.
__________ . As instituições gregas. Lisboa: Edições 70, 1985.
VERNANT, Jean-Pierre.As origens do pensamento grego. RJ: Bertrand do Brasil, 1985.
BARKER, Sir Ernest. “A Teoria Grega do Estado”. In. Teoria Política Grega. p. 13-26.
CHEVALLIER, J.-Jacques. “O Pensamento Político e a Cidade Grega”. In. História do Pensamento Político (Tomo I). p. 21-26.
COULANGES, Fustel. “Forma-se a Cidade” e “A Cidade”. In. A Cidade Antiga. p. 101-105 e p. 106-112.
1.1 - “A República” Platônica:
O grande objetivo da “República” é a explicitação do valor da justiça em si mesma; repudiando as concepções tradicionais (“dar a cada um o que lhe deve” e “o que está no interesse do mais forte”).
Na busca de provar que a justiça é intrinsecamente boa e melhor que a injustiça, o autor propõe analisar os fatos a partir de uma perspectiva mais abrangente: da cidade para o indivíduo. Começa, pois, por definir a origem da cidade: esta se fundamenta na incapacidade do indivíduo bastar-se a si mesmo e a necessidade de prover-se de muitas coisas�. Nesta diversidade de necessidades revela-se também a diversidade de aptidões que a natureza dispõe a cada indivíduo: a natureza não deu a todos as mesmas aptidões daí a diversidade de ofícios e a divisão do trabalho�.
A partir deste pressuposto básico, o autor deduz a hierarquização da sociedade em três classes: dos agricultores e artesões; dos guardiões (guerreiros) e dos filósofos (reis). A cada uma das classes correspondem as respectivas virtudes: a temperança (moderação dos apetites e paixões); a coragem e a força; a razão e a sabedoria.
Esquema Básico:
	Classes
	Parte do Corpo Correspondente
	Tipo de Alma
	Virtude
	Dos governantes (ou magistrados): “é necessário à dedicação de alguns poucos homens que saibam governar adequadamente.”
	
Cabeça
	
Ouro
(racional)
	
Sabedoria
	Dos guardas (ou guerreiros): são necessários os serviços de alguns homens responsáveis pela guarda e segurança da Cidade.
	
Coração
	
Prata
(irascível)
	
Fortaleza ou Coragem
	Dos lavradores, artesãos e comerciantes: “são imprescindíveis os serviços de todos aqueles que provêm às necessidades materiais, desde o alimento até às vestes e à habitação.” (REALE e ANTISERI: p.162).
	
Pernas e Braços
	
Bronze
(concupiscível)
	
Temperança
Da descrição de cada categoria social, com sua correspondente virtude, Platão chega a uma primeira definição de justiça: o respeito à hierarquização e funcional descrita; ou seja, que cada um exerça, na cidade e pela cidade, a função que lhe compete, a que se ajusta às suas aptidões; sem imiscuir-se na competência do outro�.
Cabe a educação, a constatação e das especializações (vocação natural) de cada indivíduo e o aperfeiçoamento das virtudes próprias dos mesmos, ou seja, visa o aperfeiçoamento pessoal e a eficácia social�. A formação do corpo se dá pela ginástica e a da alma pala música. (corpore sano in mens sana). No entanto, esta educação é para os possuidores de “alma de ouro e prata”: guardiões e filósofos. O filósofo (rei) é aquele que se sobressai depois de um processo educativo de 50 anos (daí dizer-se que Platão defende a geriastocracia).
Para Platão, no entanto, não basta as garantias de uma boa educação para se estabelecer o “Estado perfeito”, este Estado é reforçado por outras garantias materiais: os filósofos (administradores) e os guardiões não deverão possuir bens algum que lhes sejam próprios (propriedade privada), evitando assim a união entre o poder político e o poder do dinheiro, e ficando (o administrador) mais “disponível” ao serviço do Estado, promovendo a justiça. Por essa mesma razão, não terão eles mulheres e filhos próprios, pois a comunidade das mulheres e crianças visa eliminar o egoísmo familiar, pois na cidade platônica todos são pais de todos e todos filhos de todos: o Estado e a grande família. 
Platão propõe a eugenia, o aperfeiçoamento da raça. Mesmo que alguns sofram, mas a felicidade do todo (o Estado) deve prescindir da felicidade das partes (Rep. 459d).
Na “República”, Platão não se limita a descrever as linhas mestras do “Estado Ideal”; mostra também a maneira de como realizá-lo: que os filósofos se tornem reis ou os reis filósofos. Em dois capítulos (cap. VI e VII), o autor se detém sobre a formação específica dos filósofos, pois estes contemplando a idéia do bem estarão em melhores condições de conduzir o povo, tirando-o da “caverna” em que estão presos. 
Sobre a Estrutura da Obra: “A República”�
Forma Literária: Dialógica (dialética) = Arte da discussão.
Justificativas: 
Permite (a forma dialógica) uma caracterização mais acentuada das figuras e reconstitui com maior relevo o ambiente em que se movimentam os personagens;
a preocupação em reproduzir e fixar os ensinamentos de Sócrates que, como ele mesmo dizia nada ensinava e se limitava a perguntar, na suposição de que seu interlocutor soubesse o que ele interrogava (ironia);
Não se afirma dogmaticamente esta ou aquela tese, mas pergunta, indaga, procura junto com o outro, por meio da discussão, a essência das coisas. A filosofia como um constante interrogar sobre o mundo;
Método filosófico por excelência, que possibilita descobrir a inconsciente ignorância (ou falso saber) do interlocutor, a opinião (doxa), e encaminhar-se na busca do verdadeiro saber: a ciência (episteme). “Verdade que é possível descobrir pelo discurso lógico e significativo, que se justifica continuamente a si mesmo, que não dá um passo sem apresentar as razões que o legitima.” (Corbisier).
Figuras, Personagens: As personagens são geralmente pessoas históricas: “de certo modo são expressões ideais de certos princípios, de outro trazem consigo muito de um caráter real”. São eles:
- Sócrates: personagem central da obra;
- Polemarco e seus irmãos Lísias (“uma das figuras maiores da eloqüência antiga, que haveria de ser modelo (...) dos aprendizes da arte do bem falar”.) e Eutidemo que, no desenvolvimento do diálogo, são figuras mudas e seu pai Céfalo.
- Trasímaco: o célebre sofista, que partilhava com Górgias a honra de ter sido o criador da prosa artística no atiço.
- Gláucon e Adimanto: os dois irmãos mais velhos de Platão. O primeiro é o principal interlocutor de Sócrates.
Datas: Há bastante polêmica em torno da existência de uma data precisa. Existe uma distinção entre a data dramática e a data real de sua composição. Parece difícil estabelecer uma data única para uma obra de tamanha extensão e profundidade, logo há a tese de que a mesma é produto de uma demorada elaboração, feita ao longo de vários anos. No entanto, todos os especialistas são concordes em afirmar que a “República”, juntamente com “O Banquete”, “O Fédon” e “O Fedro”, são obras pertencentes ao período de maturidade de Platão (após os 40 anos).
Estrutura da Obra:
Livro I: Um problema inicial: “seria o Livro I independente, a princípio, e só mais tarde retocado para servir de proêmio a República?”
* É o melhor exemplo dos chamados diálogos aporéticos: “propõe-se uma definição de uma virtude, que vai sendo substituída por outra, à medida que Sócrates demonstra sua insuficiência: de modo que, quando termina a discussão, a conclusão é negativa”.
* Parte da obra que tem a finalidade de apresentar as figuras/personagens, situar a discussão e fornecer o tema principal da mesma (o que é a justiça?) e refutar as definições inicialmente propostas, a saber: a de Céfalo (“dizer a verdade e restituir o que se tomou – 331b); a de Polemarco (“dar a cada um o que lhe é deve” – 331c), e a de Trasímaco (“O que está no interesse do mais forte” – 338e).
Livros II, III e IV: Busca saber a natureza da justiça e da injustiça, assim como demonstrar que a justiça é intrinsecamente boa. Sócrates propõe analisar os fatos a partir de uma perspectiva mais abrangente: sair do indivíduo e olhar a cidade (369 a). No Livro II, especificamente, é discutida toda a evolução da cidade: de primitiva à estágios mais complexos, e a necessidade de uma maior especialização das tarefas. Nele é exposta a teoria das trêsclasses: 1. os agricultores e artesãos, 2. os guardiões guerreiros e 3. os guardiões administradores (filósofos); e sua correspondente analogia com a alma do indivíduo, nos seus três elementos: apetitivo, espiritual e racional. Também encontramos o “tratado de pedagogia platônica”: a importância da educação como fator de constatação das especializações e de aperfeiçoamento das virtudes próprias de cada individuo (por meio da música e da ginástica).
Livro V: Os interlocutores de Sócrates fazem com que o mesmo detalhe melhor a “comunidade de mulheres e filhos”, por ele mencionada no capítulo anterior (423e-424a). Nele Sócrates realiza as seguintes colocações:
1. “as mulheres, podendo ter a mesma capacidade dos homens, devem tomar parte nos encargos diretivos da cidade”. (453bc, 454c, 455d).
2. “o complicado sistema pelo qual se realizam os casamentos e a procriação na classe dos guardiões” em vista da eugenia.
3. As condições para que o Estado idealizado se torne realizável: “que seja governado por filósofos”; seguindo de uma definição do que seja a filosofia e a distinção entre o saber e a opinião, entre o “amigo do saber” e o “amigo da opinião”.
Livro VI: Se ocupa da formação do filósofo, enumerando as qualidades que precisa para ocupar os cargos de chefia (486-487): “principia a esboçar a maneira de formar os guardiões (502cd), a fim de que eles procurem alcançar o saber mais elevado (...), cujo objeto é a idéia do bem a idéia suprema que torna inteligível o mundo”. 
Livro VII: Encontramos o conhecido “Mito da Caverna” (ou “Alegoria da Caverna”), que é interpretado sobre vários aspectos: do epistemológico ao metafísico, passando pelo psicológico ao pedagógico; mas, segundo o próprio Platão “tratava de dar a conhecer o comportamento da natureza humana conforme ela é ou não submetida à educação”. (514a).
Livros VIII e IX: Sócrates recapitula a legislação estabelecida para a cidade ideal (543-544). Retoma e aprofunda a discussão sobre as quatro formas de governo: timocracia (que preza as honrarias), oligarquia, democracia e tirania, sua origem e degeneração, assim como o tipo de homem que corresponde a cada uma dessas formas.
No final do Livro IX, Cláucon afirma que a cidade idealizada por Platão (Sócrates) é simplesmente utópica. A afirmação é contestada pelo mesmo: “fica o paradigma no céu, para quem quiser contemplá-lo e estabelecer por ele o seu teor de vida. Quer a cidade exista ou não, é só a esse modelo que o filósofo seguirá”. (592b).
Livro X: Tem aparecido, para a maioria dos comentadores, como um suplemento ou apêndice. Sócrates retoma o tema sobre a condenação da poesia “que consiste na imitação” (595-596). Trata-se de uma justificativa de sua posição, defendendo-se dos ataques sofridos, visto que “era a poesia, oralmente transmitida (...), o principal meio de educação e veículo de conhecimento” da cultura grega. (607b). 
Também, com o intuito de ressaltar a virtude da justiça e mostrar que essa “também proporciona altos prêmios e recompensas”, é que Sócrates passa a narrar o mito de Er, introduzindo, assim, a doutrina da imortalidade da alma e dando uma forma mais escatológica ao diálogo.
Bibliografia Específica e Complementar
PLATÃO. A República. Trad. e notas Maria Helena da Rocha 7ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.
_______ . Apologia de Sócrates. 3 ed. Trad. Pinharanda Gomes. Lisboa: Guimarães Editores, 1993.
TEIXEIRA, Evilázio F. Borges. A Educação do Homem segundo Platão. São Paulo: Paulus, 1999.
CHEVALLIER, J.-Jacques. “Platão (...): da República às Leis”. In. História do Pensamento Político (Tomo I). p. 47–63.
1.2 - O Pensamento Político de Aristóteles (384-322 a.C.)
Enquanto seu mestre Platão inclinou-se preferencialmente por fazer desenhos de construções sociais imaginárias, utópicas, por projeções sobre qual o melhor futuro da humanidade, Aristóteles, seu discípulo mais famoso, procurou tratar das coisas reais, dos sistemas políticos existentes na sua época. Atentou por classificá-los, definindo suas características mais proeminentes, separando-os em puros ou pervertidos. Desta forma, enquanto Platão inspirou revolucionários e doutrinários da sociedade perfeita, Aristóteles foi o mentor dos grandes juristas e dos pensadores políticos mais inclinados à ciência e ao realismo político. 
Aristóteles em Atenas
Aristóteles chegou a Atenas com 18 anos para estudar na Academia platônica. Era natural da pequena cidade de Estagira, no norte da Grécia, onde nasceu em 384 a.C., filho de um médico da corte macedônica. Mais tarde, o rei Felipe II, provavelmente por indicação do seu doutor, solicitou-lhe que assumisse a função de preceptor do jovem príncipe, o seu filho Alexandre. Aquele que se tornaria o conquistador do Império persa e um dos maiores generais da história. Regressando a Atenas, após ter cumprido a tarefa, decepcionou-se por Platão, seu mentor intelectual, não tê-lo indicado como seu sucessor na Academia. Em vista disso, resolveu fundar uma escola anexa ao templo de Apolo Liceo, conhecida como escola peripatética ou Liceo. Com a repentina morte de Alexandre o Grande nas terras do Oriente em 323 a.C., Aristóteles viu-se ameaçado por uma agitação antimacedônica, visto que os atenienses o tinham não só como um estrangeiro, um meteco, mas também como um provável agente dos interesses do conquistador. Ameaçado, o filósofo refugiou-se em Cálcis, evitando, como, ele mesmo disse que Atenas atentasse novamente contra a filosofia, tal como ocorrera antes dele com Anaxágoras, Diágoras, Protágoras e também com Sócrates. No exílio, faleceu em 322 a.C., com pouco mais de sessenta anos. 
A Política
Cérebro prodigioso e de saber enciclopédico, Aristóteles compôs dois grandes trabalhos sobre a ciência política: "Política" (Politéia) que provavelmente eram lições dadas no Liceo e registradas por seus alunos, e a "Constituição de Atenas", obra que só se tornou mais conhecida, ainda que em fragmentos, no final do século XIX, mais precisamente em 1880/1, quando foi encontrada no Egito; registra as várias formas e alterações constitucionais que ela passou por obra dos seus grandes legisladores, tais como Drácon, Sólon, Pisístrato, Clístenes e Péricles e que também pode ser lida como uma história política da cidade. 
A Estrutura da Obra
A "Política" (Politéia) divide-se em oito livros, que tratam: da composição da cidade, da escravidão, da família, das riquezas, bem como de uma crítica às teorias de Platão. Analisa também as constituições de outras cidades, num notável exercício comparativo, descrevendo-lhes os regimes políticos. Aristóteles, por sua vez, não foge da tentação de também idealizar qual o modo de vida mais desejável para as cidades e os indivíduos, mas dedica a isso bem menos tempo do que seu mestre. Finaliza a obra com os objetivos da educação e a importância das matérias a serem ensinadas. 
“A Política” e a “Moral” em Aristóteles (II)
A política aristotélica é essencialmente unida à moral, porque o fim último do Estado é a virtude, isto é, a formação moral dos cidadãos e o conjunto dos meios necessários para isso. O estado é um organismo moral, condição e complemento da atividade moral individual, e fundamento primeiro da suprema atividade contemplativa. A política, contudo, é distinta da moral, porquanto esta tem como objetivo o indivíduo, aquela a coletividade. A ética é a doutrina moral individual, a política é a doutrina moral social. Desta ciência trata Aristóteles precisamente na Política.
O Estado, então, é superior ao indivíduo, porquanto a coletividade é superior ao indivíduo, o bem comum superior ao bem particular. Unicamente no Estado efetua-se a satisfação de todas as necessidades, pois o homem, sendo naturalmente animal social, político, não pode realizar a sua perfeição sem a sociedade do Estado.
Visto que o Estado se compõe de uma comunidade de famílias, assim como estas se compõem de muitos indivíduos, antes de tratar propriamentedo Estado será mister falar da família, que precede cronologicamente o estado, como as partes precedem o todo. Segundo Aristóteles, a família compõe-se de quatro elementos: os filhos, a mulher, os bens, os escravos; além, naturalmente, do chefe a quem pertence a direção da família. Deve ele guiar os filhos e as mulheres, em razão da imperfeição destes. Deve fazer frutificar seus bens, porquanto a família, além de um fim educativo, tem também um fim econômico. E, como ao Estado, é-lhe essencial a propriedade, pois os homens têm necessidades materiais. No entanto, para que a propriedade seja produtora, são necessários instrumentos inanimados e animados; estes últimos seriam os escravos.
Aristóteles não nega a natureza humana ao escravo; mas constata que na sociedade são necessários também os trabalhos materiais, que exigem indivíduos particulares, a quem fica assim tirada fatalmente a possibilidade de providenciar a cultura da alma, visto ser necessário, para tanto, tempo e liberdade, bem como aptas qualidades espirituais, excluídas pelas próprias características de tais indivíduos. Daí a escravidão.
O Estado surge, pelo fato de ser o homem um animal naturalmente social, político. O Estado provê, inicialmente, a satisfação daquelas necessidades materiais, negativas e positivas, defesa e segurança, conservação e engrandecimento, de outro modo irrealizáveis. Mas o seu fim essencial é espiritual, isto é, deve promover a virtude e, conseqüentemente, a felicidade dos súditos mediante a ciência.
Compreende-se, então, como seja tarefa essencial do Estado a educação, que deve desenvolver harmônica e hierarquicamente todas as faculdades: antes de tudo as espirituais, intelectuais e, subordinadamente, as materiais, físicas. O fim da educação é formar homens mediante as artes liberais, importantíssimas a poesia e a música, e não máquinas, mediante um treinamento profissional. Eis porque Aristóteles, como Platão, condena o Estado que, ao invés de se preocupar com uma pacífica educação científica e moral, visa à conquista e a guerra. E critica, dessa forma, a educação militar de Esparta, que faz da guerra a tarefa precípua do Estado, e põe a conquista acima da virtude, enquanto a guerra, como o trabalho, são apenas meios para a paz e o lazer sapiente.
Não obstante a sua concepção ética do Estado, Aristóteles, diversamente de Platão, salva o direito privado, a propriedade particular e a família. O comunismo (dos bens e mulheres – Platão) como resolução total dos indivíduos e dos valores no Estado é fantástico e irrealizável. Reconhece Aristóteles a divisão platônica das castas, e, precisamente, duas classes: a dos homens livres, possuidores, isto é, a dos cidadãos e a dos escravos, dos trabalhadores, sem direitos políticos.
Quanto à forma exterior do Estado, Aristóteles distingue três principais: a monarquia, que é o governo de um só, cujo caráter e valor estão na unidade, e cuja degeneração é a tirania; a aristocracia, que é o governo de poucos, cujo caráter e valor estão na qualidade, e cuja degeneração é a oligarquia; a democracia, que é o governo de muitos, cujo caráter e valor estão na liberdade, e cuja degeneração é a demagogia. 
As preferências de Aristóteles vão para uma forma de república democrática-intelectual, a forma de governo clássica da Grécia, particularmente de Atenas. No entanto, com o seu profundo realismo, reconhece Aristóteles que a melhor forma de governo não é abstrata, e sim concreta: deve ser relativa, acomodada às situações históricas, às circunstâncias de um determinado povo. De qualquer maneira a condição indispensável para uma boa constituição, é que o fim da atividade estatal deve ser o bem comum e não a vantagem de quem governa despoticamente.
Bibliografia Específica e Complementar:
ARISTÓTELES. A Política. (Mario da Gama Kury) 2ª ed. Brasília: Ed. UnB, 1988.
CORBISIER, Roland. Introdução à Filosofia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988. (Tomo II, Parte Primeira).
HOBUSS, João F. N. Ética e Política em Aristóteles. Pelotas, 2002.
VERNIÈRES, Solange. Ética e Política em Aristóteles. 2 ed. Trad. Constança Marcondes Cesar. São Paulo: Paulus, 2003. 
CHEVALLIER, J.-Jacques. “Aristóteles (...): e a Política”. In. História do Pensamento Político (Tomo I). p. 90–114.
1.3 - Organicismo grego ou “modelo Aristotélico”� (Concluindo o 1° Momento):
Foram os Sofistas os primeiros a se afastarem da physis e a colocarem a especulação filosófica na rota do antropológico. E foi Protágoras de Abdera (481-411 a.C.) o primeiro a colocar o homem no centro de suas investigações: “O homem é a medida de todas as coisas; das que são, na medida em que são; das que não são, por isso mesmo que o não são”. Desta forma o homem era colocado no centro das preocupações filosóficas e se tornava fundamento do cosmo. 
Ao afastar-se da idéia de natureza (physis), Protágoras propunha a noção de nomos (ou normas) que evidenciava o caráter de convenção� e relatividade dos valores e condutas: os valores são criados pelos homens, são eles os determinadores das convenções e normas sociais. Desta forma Protagóras institui o “individualismo”, o subjetivismo e o relativismo, liquidando com a possibilidade de se estabelecer princípios gerais, ou seja, com a ciência (episteme) e também com "a possibilidade de se estabelecer parâmetros ou princípios para a justiça"� e para o comportamento moral como um todo. Estas idéias demoliam uma outra concepção, talvez mais antiga e arraigada na tradição cultural grega, que é a convicção de que o homem insere-se numa ordem totalizadora que lhe é anterior e transcendente.
Em defesa da tradição supracitada encontraremos Sócrates (399-269 a.C.) com sua afirmação do valor universal do conceito. Este é geral, abstrato e necessário, enquanto que as coisas são particulares, sensíveis e contingentes. Através da razão o homem capta os dados particulares e os transformam em conceitos: “Há uma correspondência adequada entre aquilo que o homem elabora com sua capacidade mental e aquilo que a natureza apresenta fenomenologicamente.”� Desta forma, ao relativismo científico e moral dos sofistas, Sócrates se contrapõe defendendo a possibilidade afirmativa do conhecimento essencial (verdadeiro) e da certeza; porém será Platão (427-347 a.C.), que melhor sistematizará e explicitará uma posição mais crítica e radical aos supostos relativistas e subjetivistas dos Sofistas. 
Para melhor entender as argumentações de Platão é preciso compreender que ele concebeu “um mundo de Essências, as quais projetavam suas sombras sobre este mundo. A razão humana, que reconhece aquele mundo, reconhece as sombras daquelas essências, idéias, e como tal pode conhecer as leis morais e fazer ciência.”� Em outras palavras, é imprescindível ter presente sua concepção dualista de explicação do real: as idéias, realidade positiva e plenitude do ser, de um lado, e de outro lado algo que seria o pólo negativo ou receptividade absoluta, que se aproximaria da concepção de matéria aristotélica. E é “sobre a tendência esgarçada e pálida da matéria (...) que se projetam e se moldam, por obra do Demiurgo, as idéias, dando origem ao mundo empírico, participação ou imitação do mundo ideal”.�
É dentro desse dualismo ideia verso matéria que se deve circunscrever a compreensão platônica da estrutura interna do homem e a estrutura da sociedade, onde vive o homem:
Aliás, segundo a mentalidade grega de então, o homem só pode ser definido em termos relativos à cidade, o que implica dizer que o homem é o cidadão. É no âmbito da cidade que a pessoa se experimenta, se percebe e se pensa. É em relação a ela que se definem todos os valores.�
Também em Aristóteles (384-322 a.C.), embora com uma perspectiva mais “realista”, encontramos outra defesa, talvez mais radical�, da tradição já citada. Para ele “a realidade circundante, na natureza, expressava a tendência de todo natural em busca do ato. O desenvolvimento da potência encaminhava os seres para a sua forma e finalidade. Os seres emsi continham em germe a sua própria perfeição. Os instintos primários são potências para algo superior, ou seja, o homem político. O homem, por isso, ao desenvolver sua natureza está a caminho da Pólis.”� 
Há, também, em Aristóteles indícios de uma “teoria do indivíduo”, embora essa noção de indivíduo esteja em função do todo que é a polis. Para Aristóteles, somos capazes de escolher entre alternativas que podem significar algum valor moral e transformar esse ato em fundamento ético, relacionando-o com a justiça ou a felicidade da Polis, instância onde a vontade adquire um conceito de ação. Em síntese: a vontade individual está diretamente ligada à ação e esta se dá na Polis.
Podemos dizer que a visão clássica platônico-aristotélica revela-nos o homem como sendo essencialmente racional e político (social), parte integrante de uma totalidade que o antecede e o realiza em plenitude. Esta concepção tem como pressuposto básico a idéia de uma sociedade ontologicamente hierarquizada, na qual a verdade, por mais complexa que seja sua configuração, ocorre na precisão das idéias como unidade (platonismo) no seio do qual o Ser e o Bem se confundem. Nos dois filósofos não encontramos uma preocupação maior de estabelecer limites ao Estado, pois partem do pressuposto de que o Estado sempre faria leis moralmente justas. O Estado tem a finalidade de transformar os indivíduos em cidadãos felizes, facilitando-lhes a prática das virtudes: sabedoria, coragem, temperança e justiça, a virtude por excelência para Platão e que faz com que cada um exerça uma só função na sociedade; aquela para a qual for mais dotado por natureza. A esse respeito pronuncia-se Platão (por meio do personagem Sócrates) em diálogo com Adimanto:
- Por Zeus, que nada me admira! - disse eu (Sócrates) - Ao ouvir-te falar, penso também eu, em primeiro lugar, cada um de nós nasceu igual a outro, mas com naturezas diferentes, cada um para a execução de sua tarefa. Ou não te parece?
- Parece-me.
- Como assim? Uma pessoa faria melhor um trabalho sozinho em muitos ofícios, ou quando for só um a executar um?
- Quando for um só a executar um�.
Também na obra de Aristóteles, especialmente em A Política, encontramos passagens célebres que nos mostram o primado do todo (holismo/organicismo) sobre o particular (individualismo); assim como a inerente natureza sócio-política do homem:
Toda Cidade, portanto, existe naturalmente, da mesma forma que as primeiras comunidades; aquela é o estágio final destas, pois a natureza de uma coisa é o seu estágio final, porquanto o que cada coisa é quando o seu crescimento se completa nós chamamos de natureza de cada coisa, quer falemos de um homem, de um cavalo ou de uma família.
........................................................................................
Na ordem natural a cidade tem precedência sobre a família e sobre cada um de nós individualmente, pois o todo deve necessariamente ter precedência sobre as partes...� 
Na questão referente à origem (histórica) do Estado, encontramos de forma modelar em Aristóteles a melhor manifestação da concepção “naturalista” de formação do Estado; ou seja, o Estado é o resultado do progresso natural da família, seu desenvolvimento, sua associação a outras famílias, etc. Assim se expressa o próprio Aristóteles:
As primeiras uniões entre pessoas, oriunda de uma necessidade natural, são aquelas entre seres incapazes de existir um sem o outro, ou seja a união da mulher e do homem para a perpetuação da espécie (...), e a união de um comandante e um comandado naturais para a sua preservação recíproca (...). Destas duas uniões, então compõe-se inicialmente a família (...). A primeira comunidade de várias famílias para a satisfação de algo mais que as simples necessidades diárias constitui um povoado.
A comunidade constituída a partir de vários povoados é a cidade definitiva, após atingir o ponto de uma autossuficiência praticamente completa; assim, no mesmo tempo que já tem condições de assegurar a vida de seus membros, ela passa a existir também para lhe proporcionar uma vida melhor.�
Trata-se de uma reconstrução histórica dos momentos pelos quais a humanidade teria passado até chegar a uma sociedade perfeita que é o Estado. Repetimos que não se trata de uma “hipótese racional” (como o será na Teoria Jusnaturalista), mas de uma reconstrução histórica. Todavia, o próprio Locke (representante legítimo do Jusnaturalismo com sua Teoria Consensualista da formação do Estado e do governo) não nega esse aspecto historial do surgimento do Estado.
Como testemunha Bobbio�, esse "modelo aristotélico" (naturalista) de conceber a origem, a natureza e a função do Estado perpassou toda a História da Teoria Político até o início da Modernidade. Foi Maquiavel (1469-1527), o precursor do realismo político, o primeiro a emancipar as reflexões políticas do modelo ontológico/normativo grego bem como da fé e moral cristãs, empreendendo uma análise da política como uma ciência prática que tem como princípios básicos a “razão do Estado” e a “lógica da força”.
Bibliografia Específica e Complementar:
BOBBIO, N. Sociedade e Estado na Filosofia Política Moderna. 2 ed. Trad. Carlos N. Coutinho. São Paulo: Brasiliense, 1987.
_______ . Locke e o Direito Natural. Trad. Sérgio Bath. Brasília: Universidade de Brasília, 1997.
_______ . Thomas Hobbes. Trad. Carlos N. Coutinho. Rio de Janeiro: Campos, 1991. 
HERB, Karl-Friedrich. Estado e Cidadania no Contratualismo Moderno. Recife: UFPE, 1995. (Texto distribuído por ocasião de um seminário sobre o mesmo tema).
LARA, T. Caminhos da Razão no Ocidente: a Filosofia nas suas origens grega. Petrópolis: Vozes, 1989.
LOCKE, J. Dois Tratados sobre o Governo Civil. Trad. Júlio Fischer. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
- ______ . Segundo Tratado sobre o Governo Civil e outros escritos. (B). Trad. Magda Lopes e Maria L. da Costa. Petrópolis: Vozes, 1994. (Coleção Clássicos do Pensamento Político).
MALFATTI, S. Antonio. Consenso e convenção nos antigos. Revista Reflexão. Campinas, n. 06, Set.-Dez. 1996. p.127-149.
OLIVEIRA, Manfredo. Ética e Sociabilidade. São Paulo: Loyola, 1993.
QUIRINO, C. e SOUZA, Maria T. S. O Pensamento Político Clássico: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau. São Paulo: T.A. Queiroz, 1992.
II. FILOSOFIA POLÍTICA NA IDADE MÉDIA:
2.1 - A Política na Idade Média�
 O Cristianismo introduziu nos últimos séculos do Império Romano, a ideia de igualdade entre todos os homens, filhos do mesmo Deus, uma noção que contestava implicitamente a escravidão, fundamento social econômico do mundo antigo. Ao tornar-se religião oficial, o Cristianismo aliou-se ao poder temporal e admitiu a organização social existente, inclusive à escravidão.
Uma das características das sociedades medievais é o que poderia se chamar de personalização do poder (grifo nosso). O detentor eventual do poder - o rei cristão medieval, por exemplo - confundia-se com o próprio poder, exercendo-o durante toda a sua vida, como se dele fosse proprietário. Identificando-se com a pessoa de seu depositário, em virtude de qualidades ou privilégios de que estavam excluídos os demais membros da sociedade, o poder personalizado era exercido como se fosse exclusividade (propriedade) dos seus detentores, que dele dispunham sem se submeterem a normas ou instâncias superiores.
Personalizado, identificado com a pessoa que o exercia, em virtude de suas qualidades e privilégios, o poder estava sempre posto em questão, disputado por todos aqueles que julgavam possuir as mesmas credenciais, tornando-se objeto de constante competição. O poder pessoal caracteriza-se pela instabilidade e pela descontinuidade, pois, não tendo outro fundamento além das credenciais e dos títulos daqueles que circunstancialmente o detêm, passa de mão em mão, sendo garantido apenas pela força e pelo prestígio pessoal de seus titulares.
Essa é uma das razões pelas quais a história política daIdade Média é a crônica das guerras de rapina e das pilhagens, que acresciam as terras e as riquezas, das expedições militares que exigiam as terras e as riquezas, e do terror, que, amedrontando os súditos, assegurava a permanência no poder. Identificado ou confundido com a pessoa, o poder personalizado era considerado um poder de fato e não de direito, pois sua justificação, ou legitimação, não resultava do consenso da maioria, mas das condições de prestígio e de força dos seus detentores.
Ao contrário das concepções da Antiguidade, em que a função do Estado é assegurar a vida boa, na Idade Média predominava a concepção negativa do Estado (grifo nosso). Isto porque o homem teria uma natureza sujeita ao pecado e ao descontrole das paixões, o que exige vigilância constante, cabendo ao Estado intimidar os homens para que ajam retamente.
Na Idade Média caracterizam-se duas figuras detentoras do poder: o Estado e a Igreja. Aquele é de natureza secular, temporal, voltado para as necessidades mundanas e caracteriza-se pelo exercício da força física. A Igreja é de natureza espiritual, voltada para os interesses da salvação da alma e deve encaminhar o rebanho para a verdadeira religião por meio da força, da educação e da persuasão.
Estrutura Política:
Prevaleceram na Idade Média as relações de vassalagem e suserania. O suserano era quem dava um lote de terra ao vassalo, sendo que este último deveria prestar fidelidade e ajuda ao seu suserano. O vassalo oferecia ao senhor, ou suserano, fidelidade e trabalho, em troca de proteção e um lugar no sistema de produção. As redes de vassalagem se estendiam por várias regiões, sendo o rei o suserano mais poderoso. Todos os poderes jurídico, econômico e político concentravam-se nas mãos dos senhores feudais, donos de lotes de terras (feudos).
O Sistema Feudal: É o sistema de organização econômica, política e social da Europa Ocidental característico da Idade Média, que vigora entre os séculos IX e XVI. Com as invasões bárbaras e a desagregação do Império Romano do Ocidente, a Europa inicia profunda reestruturação, marcada pela descentralização do poder, pela ruralização e pelo emprego de mão-de-obra servil. A estrutura social é estamental, com pouca mobilidade social, e baseada em relações de dependência servil e vassalagem. O feudo constitui a unidade territorial da economia, que se caracteriza pela autossuficiência e pela ausência quase total do comércio e de intercâmbios monetários. A produção é predominantemente agropastoril, voltada para a subsistência. A Igreja Católica transforma-se em grande proprietária feudal, detendo poder político e econômico e exercendo forte controle sobre a produção científica e cultural da época.
Bibliografia Específica e Complementar
RUBY, Christian. “A Igreja e a Política na Teologia Medieval”. In. Introdução à Filosofia Política. Trad. Maria Leonor F. R. Loureiro. São Paulo: UNESP, 1998. p. 37-61.
CHEVALLIER, Jean-Jacques. “O Império Romano e o Cristianismo”. In. História do Pensamento Político. Trad. Roberto C. De Lacerda. Rio de Janeiro: Koogan, 1982. p.165-172. (Tomo I).
2.2 - Santo Agostinho (354-430): “A Cidade de Deus”
Santo Agostinho e a Política�
No decurso deste capítulo, será apresentado o conceito agostiniano de política. Na visão do pastor hiponense, a atividade política é algo fundamental para que haja na sociedade a tranquilidade e a ordem. Através do exercício correto do poder, os governantes poderão prestar a todos um excelente serviço voltado para o bem comum. Contudo, a função política para Santo Agostinho não deve se limitar a resolver apenas problemas de cunho material. Como o ser humano é um todo, ela deve se esforçar para proporcionar aos cidadãos da pátria terrena condições para a prática do culto ao Deus verdadeiro. Do contrário nunca atingirá com autenticidade a concórdia social.
O Conceito Agostiniano de Política
1. O Fundamento da Política Agostiniana
A Cidade de Deus não é um tratado especificamente voltado para a função da política. Contudo, nela o santo doutor de Hipona lança algumas luzes sobre a origem e a finalidade da política no seio da sociedade humana. O pensamento político de Santo Agostinho foi forjado num tempo de crises tendo como referência duas tradições: a da cultura greco-romana e das Escrituras Judaico-Cristãs�. Como se sabe Agostinho bebeu nas fontes de Platão de onde certamente contemplou, depois tirou a imagem de uma Cidade Ideal. Mas Santo Agostinho era profundo conhecedor e admirador da história da Urbs como ele demonstra nos livros III e V da Cidade de Deus, quando relata com uma minúcia impressionante a fundação, a sucessão dos regimes, as crises internas, as guerras, os adversários e os heróis da Roma Antiga.
O pensamento Agostiniano acerca da política está permeado e fundamentado na transcendência do ser humano. Ele se articula com a Teologia sobre a qual deposita suas esperanças, pois a política, como função especificada da Cidade Terrestre, é importante enquanto atividade que promove a pax romana temporalis e ao mesmo tempo prepara ou remete para a Cidade Celeste�. O exercício do poder político em Agostinho, embora tenha um valor relativo, como, aliás, todo o mundo criado, desempenha um papel importante na sociedade terrestre como meio que garante o bem comum e a segurança dos cidadãos da Civitas Terrestre. Estes cidadãos devem trabalhar para viver numa tranquillitas ordinis�. Evidentemente que esta tranquilidade da ordem à qual se refere Santo Agostinho na De Civitate Dei só será uma realidade quando o exercício da função política for fundado no verdadeiro Amor na Caritas, como denomina o próprio Santo Agostinho. Sendo, porém, uma instituição exercida por homens marcados pelo pecado, a política para ser vivida com autenticidade e justiça, necessita da graça de Cristo. Santo Agostinho enfatiza que só haverá convivência justa nas organizações sociais quando Cristo for o alicerce e o centro, inspirando e ao mesmo tempo dirigindo as ações humanas�.
Santo Agostinho em nenhum momento deixa de lembrar a soberania que Deus tem sobre o mundo e o homem. Quando este último reconhece e passa viver sob o Senhorio do seu Criador, as iniciativas humanas, dentre estas a política, atingirão seu fim nesta Cidade Terrestre e contribuirão para a felicidade dos cidadãos aqui e agora, preparando-os para a felicidade completa na Cidade Celeste.
Para Santo Agostinho, a política constitui uma atividade fundamental para que no seio da sociedade humana haja o bem e a paz. A função política só será corretamente vivenciada se for pautada pelo interesse dos governantes em servir e prestar culto ao verdadeiro Deus:
Se, por conseguinte, se rende culto ao Deus verdadeiro, servindo com sacrifícios sinceros e bons costumes, é útil que os bons reinem por muito tempo e onde quer que seja. E não o é tanto para os governados como para os governantes. Quanto a eles, a piedade e a bondade, grandes dons de Deus, lhes bastam para felicidade verdadeira, que, se merecida, permite à gente viver bem nesta vida e conseguir depois a vida eterna.�
Sem esta preocupação, é impossível que se concretize o bem comum, pois os objetivos particulares dos dirigentes políticos prevalecem sempre sobre os interesses da coletividade, ocasionando as injustiças sociais, a violência, as revoltas populares etc. A esse respeito convêm citar as próprias palavras do santo hiponense:
Desterrada a justiça, que é todo reino, senão grande pirataria? E a pirataria que é, senão pequeno reino? Também é punhado de homens, rege-se pelo poderio de príncipe, liga-se por meio de pacto de sociedade... Se esse mal cresce, porque se lhe acrescentam homens perdidos, que se assenhoreiam de lugares, estabelecem esconderijos, ocupam cidades, subjugam povos, toma o nome mais autêntico de reino. Esse nome dá-lhe abertamente, não a perdida cobiça, mas a impunidade acrescentada.�
O santo pastor de Hipona reconhece que o exercício do poder temporal só encontrará sua verdadeirarealização quando governantes e súditos se deixarem conduzir pela Bondade Divina. Para ele esse é o caminho para se tornarem participantes e irradiadores da Bondade de Deus, procurando a paz temporal ou felicidade temporal vivendo em comunhão com o Bem Supremo que é Deus. Somente nestes habitará a Verdadeira Felicidade.
2 - A Finalidade da Política:
Parece oportuno mencionar e citar as palavras que o Santo bispo de Hipona dirigiu ao governador da Calama, Nectário. Elas resumem tudo quanto Santo Agostinho diz sobre a arte de governar a Cidade Terrestre:
Também serviços prestados à pátria terrena, se fizeres com amor vero e religioso ganharás a pátria celeste [...] deste modo, proverás, de verdade, ao bem de teus concidadãos a fim de fazê-los usufruir não da falsidade dos prazeres temporais, nem da funestíssima impunidade da culpa, mas da graça da felicidade eterna. Suprimam-se todos os ídolos e todas as loucuras, convertamse as pessoas ao culto do verdadeiro Deus e a pios e castos costumes, e então verás a tua pátria florir não segundo a falsa opinião dos estultos, mas segundo a verdade professada pelos sábios, quando esta pátria, em que nasceste para a vida mortal, será uma porção daquela pátria para a qual se nasce não com o corpo, mas pela fé, onde [...], após o inverno cheio de sofrimentos desta vida, florescerão na eternidade que não conhece ocaso [...] pois, o amor mais ordenado e mais útil pelos cidadãos consiste em levá-los ao culto do Sumo Deus e à religião. Este é o amor verdadeiro da pátria terrestre, que te fará merecer a pátria celeste.�
Destas palavras depreende-se o pensamento político de Santo Agostinho. Para ele, a função da política não se restringe apenas em proporcionar um bem-estar somente de cunho material, terreno, mas salvaguardar valores inerentes à dignidade do ser humano, pois este é transcendente e em meio às preocupações deste mundo na aquisição dos valores relativos não pode prescindir do valor absoluto: Deus único; Ele pode responder ao apelo do infinito que pulsa nos cidadãos da Cidade Terrestre que anseiam chegar onde se encontram aqueles que se tornaram cidadãos da pátria celeste.
O exercício da função política em Santo Agostinho abrange a pessoa humana inteira com seu corpo e sua alma. O pastor de Hipona delineia um caminho teológico para aqueles que se sentem chamados para exercer cargos de governo. Fá-los ver que se o fim relativo da política é garantir a ordem, a tranquilidade e o bem comum de todos os cidadãos, que são bens necessários, mas não absolutos, ela deve estar ancorada em Deus, a fim de que não se descuide de promover aquela paz por excelência que só experimentam aqueles que usufruírem de Deus como indica o salmista: O meu bem é estar unido a Deus (S1 72, 28). Esta é para o doutor de Hipona a condição essencial para que a função política atinja sua meta ultrapassando o limiar terreno e já experimentando um pouco o refrigério da pátria celeste. Esta realidade, o doutor da graça também deixa entrever quando diz na sua epístola ao governador macedônio da África:
A piedade, pois, a saber, o culto do verdadeiro Deus, é útil para tudo: ela de fato, nos ajuda a afastar ou avaliar as moléstias desta vida e nos conduz àquela vida de salvação em que não devemos mais sofrer nenhum mal, mas somente gozar do Sumo e eterno Bem.�
O exercício do poder no pensamento agostiniano estará ameaçado ou mesmo fadado a destruir-se se não for sustentado pelos princípios divinos. Os que foram chamados para governar devem fazê-lo com a mente e o coração voltados para a eternidade, ou pátria celeste, pois no dizer de Santo Agostinho eles foram criados e constituídos por Deus.� Contudo, poderão voltar-se contra Deus, o Bem Supremo, quando se deixam vencer pelas paixões desordenadas, passam a buscar sua própria glória e não a do Criador�. Aqui está precisamente a origem do desvirtuamento da função política, por conseguinte da arte de governar ocasionando daí a idolatria do poder (grifo nosso), a sede de dominar e de massacrar seus semelhantes, o perigo de governar a sociedade não buscando o bem comum dos cidadãos, mas o proveito pessoal. Quando Santo Agostinho dissertou sobre esses assuntos, ele tinha diante dos olhos em primeiro lugar o Império Romano que caíra devido ao obscurecimento do coração, a corrupção dos costumes e o culto aos deuses pagãos, como ele indica com minúcia no primeiro livro da Cidade de Deus.
As organizações políticas só terão êxito quando seus membros se conscientizarem que o bem da coletividade deve sempre prevalecer sobre interesses de grupos particulares que monopolizam a função política colocando-a apenas em vistas do bem particular. O bispo de Hipona diz claramente que não haverá concórdia de fato na sociedade humana, enquanto não houver reto exercício da arte de governar e administrar e isto só será possível quando governantes e governados adorarem, aceitarem e prestarem culto ao verdadeiro Deus. Do contrário, como declara o hiponense, o bom senso desaparecerá e virá com toda força uma torrente de vícios que comprometerá o exercício do governo.�
O governante, dirigente político, deve agir de tal modo que o povo veja e perceba nele alguém que se preocupa pela sua sorte temporal e que não mede esforços por construir uma sociedade justa e fraterna. Os cidadãos devem se sentir amparados por leis e sistemas de governo que garantam uma vida social digna, com melhores condições de crescimento humano e espiritual, visando pleno desenvolvimento de todas as dimensões do ser humano. Para que isso possa acontecer, faz-se necessário que Deus esteja no centro de qualquer empreendimento, no caso específico na base dos interesses políticos, como indica Santo Agostinho:
Escolhe desde já o teu caminho, a fim de poderes ter glória verdadeira, não em ti, mas em Deus [...]. Nós te convidamos, nós te exortamos a vir a esta pátria, para que constes no número de seus cidadãos, cujo asilo é, de certo modo, a verdadeira remissão dos pecados. Não prestes ouvido aos que degeneram de ti ... É que nos tempos não buscam o repouso da vida, mas a segurança do vício. [...] Volte-te, agora, para a pátria celeste. Por ela trabalharás pouco e nela terás eterno e verdadeiro reino. Não encontrarás o fogo de veste, nem a pedra do Capitólio, mas Deus, uno e verdadeiro, que não te porá limites ao poder, nem duração a império [...]. Nela, a vitória é a verdade, a honra é a santidade, a paz é a felicidade e a vida é a eternidade. [...] Evita, por conseguinte, comunhão com os demônios, se queres chegar à cidade bem-aventurada.�
Pela passagem citada, percebe-se o valor relativo da atividade política na Cidade de Deus. Porém, não quer dizer que ela não seja necessária e nem deva ser exercida com seriedade. Pelo contrário, ela torna-se ainda mais importante quando Santo Agostinho apresenta seu sentido social e teológico ao descrevê-la como função que deve ser exercida visando não somente o presente, mas também a eternidade. No pensamento Agostiniano sobre a política, não está evidentemente expresso um desejo de que o agir humano em matéria de governo venha tornar a Cidade Terrestre uma cópia da Cidade de Deus. Isso seria um sonho utópico, não passaria de uma ficção, mesmo tendo em vista o elogio que Santo Agostinho faz aos imperadores cristãos Constantino e Teodósio.� Ele sabe que o homem é um peregrino sobre a terra, a pátria terrena não suprime o desejo de felicidade plena que só será verdadeiramente preenchido na pátria celeste. Esse relativismo político não desvaloriza as leis e iniciativas que possam surgir na tentativa de resolver os problemas sociais da comunidade. Ao contrário, o pensamento do fim último do homem, que é a Cidade Celeste, deve imprimir seu sinal nas atividades políticas, evitando o amor próprio que constitui um obstáculo na realização do bem comum. A Cidade Terrestre contempla e tem como meta alcançar a divina caelestisque respublica, onde, como diz Agostinho predomina o amor caritas: “Não reina o amor à vontade própria e particular, mas gozodo bem comum e imutável e a obediência da caridade, que de muitos faz um só coração, ou seja, perfeita concórdia.”�
A política conseguirá executar seu papel no seio da sociedade, ainda que não consiga e nem seja sua função tornar este mundo um paraíso se ancorar seus projetos sobre Deus Bem Absoluto. Para o bispo de Hipona, o exercício de dominar que significa servir na linguagem cristã só triunfará quando tiver por origem e fundamento o amor desinteressado.
Bibliografia Específica e Complementar:
AGOSTINHO, S. A Cidade de Deus (Contra os Pagãos) 4 ed. Trad. Oscar Paes Leme. Petrópolis: Vozes, 2001 (Parte II).
COSTA, Marcos R. Nunes. Santo Agostinho: um gênio intelectual a serviço da fé. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999.
_______ . Maniqueísmo: Hitória, Filosofia e Religião. Petrópolis: Vozes, 2003.
CHEVALLIER, J.-Jacques. “As Duas Cidades (Santo Agostinho e sua influência)”. In. História do Pensamento Político (Tomo I). p. 173–191.
2.3 - Marsílio de Pádua (1275-1342) – “Defensor Menor”�
Reitor da Universidade de Paris e autor da Obra ‘Defensor Pacis’, foi excomungado pelo Papa João XXII.
Pensador medieval e político italiano nascido na Cidade de Pádua no ano de 1275. 
Viveu num ambiente culto e favorável aos estudos.
Teve formação em Direito, Filosofia e Medicina. 
Ensinou na Universidade de Paris (1312-1314), na qual foi Reitor.
“Sustentou a tese da soberania popular (o poder deriva imediatamente do povo, também em relação ao papado) e do Estado de Direito (governo das leis e não das pessoas). Não percebeu que os princípios democráticos aplicáveis às sociedades políticas não se adéquam perfeitamente à Igreja, cuja constituição é hierárquica e carismática, de instituição divina e não humana (pretendeu que caberia à autoridade civil designar os candidatos ao sacerdócio e controlar a atividade espiritual).”�
Contexto Histórico:
Nesse período a Ordem Franciscana havia se dividida em duas orientações (“espirituais” e “comunitários”). João XXII mandou queimar todos os hereges (os “espirituais”).
O filósofo em suas obras buscou acabar com a disputa entre o Sacerdotium e o Imperium representados por João XXII e Luis IV.
P l e n i t u d o P o t e s t a t i s: A QUEM PERTENÇE A PLENITUDE DO PODER?
Marsílio de Pádua é um dos mais controvertidos pensadores do Séc. XIV.
Suas idéias destoam-se dos padrões comuns à época em que viveu
“... todo o calor intelectual desse notável pensador foi dirigido no sentido de combater a teoria curalista da ‘Pleitudo Potestatis’ ...”
“Contra as teses de Bonifácio VIII (expostas na Bulla “Unam Sanctan” (...), segundo as quais ao papa compete toda a autoridade, também a civil, porque o poder temporal é necessariamente subordinado ao espiritual e, consequentemente, o Estado faz parte da Igreja, e o imperador está sujeito ao pontífice romano)... 
“... Marsílio defende exatamente a posição oposta: há sim, subordinação direta entre Estado e Igreja, mas o papel de cabeça e guia compete ao Estado, não à Igreja.
Tanto o papa como a Igreja são dependentes, funcionários, instrumentos nas mãos e a serviço do Estado, do Imperador.”
(Mondin, 1981, 211)
Compreensão Social: Hierocrática. 
“O termo compreende um conjunto de diretrizes, cuja base de sustentação é a autoridade sacerdotal. As pessoas consagradas a Deus pelo sacramento da Ordem exerceriam uma liderança ímpar sobre os demais membros da ‘Societas Christiana’, visto desfrutarem de uma superioridade no plano ético-religioso em virtude de sua própria missão salvífica”.
Posições que desarticulam o tradicional sistema político-eclesiástico da Idade Média:
1. Separação da hierarquia eclesial da comunidade dos fiéis;
2. Identifica a comunidade dos crentes como a verdadeira sociedade civil
3. confiar a um “democrático legislator fidelis (legislador fiel) a administração dos assuntos religiosos”;
4. redução do sacerdócio “ao nível de uma simples função técnica a serviço do Estado.”
(Mondin, 1981, 211) 
Propôs uma concepção de Estado e de Governo que se distanciava do lugar comum da reflexão política medieval ao insistir a necessidade do consentimento dos súditos como critério de legitimidade política. 
Defendia que a única unidade política é o Estado e que o clero teria de se subordinar às leis e normas ditadas pelo Estado (os leigos). 
Declarado herético (1326), foi excomungado pelo PP. João XXII em virtude das teses defendidas no “Defensor da Paz”. 
“DEFENSOR MENOR”:
A obra nasceu num contexto de guerra civil entre Igreja e Estado.
É necessário está atento que o homem medieval (século XIV) concebia a religião como um fator de unidade político-social.
Em meio a guerra civil, a Igreja buscou utilizar-se de princípios religiosos (marcados por mais política que fé) para nortear e fazer exigências à sociedade.
Em Marsílio de Pádua, PAZ é sinônimo de tranqüilidade.
Para que o governo conserve o poder, mantenha a paz social, deverá sempre agir de acordo com as leis de forma que possa punir ou premiar quando for necessário.
Marsílio propunha um estado laico em plena época medieval.
“Não é necessário muito esforço para se ver que essas teses se opõem diretamente aos princípios fundamentais sobre os quais se assentam a Respublica Christiana (república cristã). A aceitação de pontos substanciais desta doutrina por parte de numerosos soberanos europeus determinará o desmoronamento da estrutura política medieval e, com ela, de toda a civilização medieval.” (Mondin, 1981, 212).
Bibliografia Específica e Complementar:
PÁDUA, M. de. Defensor Menor. Intr. e Trad. José A. Camargo Rodrigues. Petrópolis: Vozes, 1991.
CHEVALLIER, J.-Jacques. “Marsílio de Pádua: o ‘Defensor Pacis’”. In. História do Pensamento Político (Tomo I). p. 239–247.
MONDIN, B. Curso de Filosofia. 6 ed. São Paulo: Paulinas, 1981. p. 211-212.
III. A AURORA DA FILOSOFIA POLÍTICA MODERNA:
3.1. - MAQUIAVEL (1469–1527)�: “O Príncipe”
a) “As desventuras de um florentino”: A República de Florença, presidida pelos Medicis que em 1512, voltando ao poder, instauram um novo regime (o Principado).
- Era um ambiente de instabilidade política, Maquiavel passa sua infância e adolescência.
- Aos 29 anos, inicia-se na Vida Pública.
- Maquiavel é afastado de seu cargo público. Refugia-se numa humilde casa onde passa a estudar com maior empenho os CLÁSSICOS e a elaborar seu “opúsculo”, onde pretende mostrar toda a sua experiência como político e assim conquistar “favores dos Medicis”.
- Suas obras políticas: “são textos que resultam de uma experiência prática e do convívio com os Clássicos”. (p.17). 
- Depois da publicação de "O Príncipe", a vida de Maquiavel é marcada por uma contínua alternância de esperanças e decepções. 
b) A verdade Efetiva das Coisas: “Minha função é falar sobre o Estado (...). Não o melhor Estado, aquele que nunca ‘existiu’, mas o Estado real, capaz de impor a ordem”. Rejeita a tradição idealista (Platão, Aristóteles, Santo Agostinho...) e segue a trilha dos historiadores (Tácito, Políbio, Trucídides, Tito Lívio...). Seu ponto de partida e de chegada é a “verità effetuale dela realità”: a substituição do reino do dever ser pelo que é.
- A Sua Preocupação: Como fazer reinar a ordem, como restaurar um Estado estável.
- Maquiavel rompe com a Tradição: uma nova orientação sobre o PENSAR e FAZER política, essa “resulta de feixes de forças, provenientes das ações concreta dos homens em sociedade, embora que nem todas as suas facetas venham do reino da racionalidade e sejam, de imediato, reconhecíveis”. (p.18)
c) Natureza Humana e História: “... por toda parte e em todos os tempos, pode-se observar a presença de traços humanos imutáveis (...). Aquele que estuda cuidadosamente o passado pode prever os acontecimentos que se produzirão em cada Estado e utilizar os mesmos meios, que os empregados pelos antigos”. (Discursi): A História é Cíclica.
- O Poder Político tem, pois, uma origem mundana. Nasce da própria “malignidade”que é intrínseca à natureza humana. E o poder aparece como uma possibilidade de enfrentar o conflito.
d) Anarquia X Principado e República: As causas das instabilidades: à desordem proveniente da imutável natureza humana e a presença de duas forças opostas: “O povo não deseja ser dominado pelos grandes e estes querem dominar o povo”. O Problema Político é então encontrar mecanismos que imponha a estabilidade nas relações (condição de forças). Em face de Itália de seu tempo, Maquiavel opta pelo PRINCIPADO.
e) Virtù e Fortuna: A prática da política exige virtù (força, energia, valor) e domínio sobre a fortuna (circunstância, acaso, destino). 
B) “O PRÍNCIPE” (1515)� - As idéias:
- Na obra O Príncipe, Maquiavel não que se perder em “vãs especulações”; vai “diretamente ao assunto”. Não está preocupado em descrever como deveria ser o melhor Estado, mas como efetivamente ele é!”- (verità effetuale della realità).
- Os Principados: Maquiavel se propõe a investigar “qual a essência dos principados, de quantas espécies podem ser, como conquistados, conservados e por que se perdem”. 
- O Campo das reflexões de Maquiavel não foi o das cidades gregas, mas o da República Romana.�
- Sua grande preocupação é com os principados novos. Seu julgamento não é de ordem moral: o critério para distinguir a boa ou má administração é o êxito.� A crueldade é boa quando utilizada para a conservação do Estado.
- Qual o fim de um príncipe? Manter o poder, logo “o fim justifica os meios”.
- “Minha função é falar sobre o Estado (...). Não o melhor Estado, aquele que nunca ‘existiu’, mas o Estado real, capaz de impor a ordem”. Rejeita a tradição idealista (Platão, Aristóteles, Santo Agostinho...) e segue a trilha dos historiadores (Tácito, Políbio, Trucídides, Tito Lívio...). Seu ponto de partida e de chegada é a verità effetuale dela realità – A substituição do reino do dever ser pelo ser.
- A Sua Preocupação: Como fazer reinar a ordem? como restaurar um Estado estável?
- Os pressupostos filosóficos: “Para Maquiavel também essa sucessão [o tempo] é preestabelecida, permitindo anunciar uma autêntica Lei Natural: ‘a Lei dos Ciclos Históricos’”.� Lei pela qual as forma políticas se transformam, decaem e retornam ao ponto de partida. No entanto, para Maquiavel – como um bom realista – essa repetição não é igual ‘ao ponto de partida’.
- Maquiavel tem uma concepção naturalista da história: “o objetivo do historiador seria e de extrair do estudo da História as grandes leis que regulam os acontecimentos”.� O pressuposto da formulação da Lei da História é a admissão da constância de certas características da NATUREZA HUMANA: “nos mesmos desejos e nas mesmas paixões”.
- Ele se move apenas no domínio estrito do fato, isto é, da força: “O triunfo domais forte é o fato essencial da História Humana”.
- Como são conquistados os principados:
1. “Os que se tornam príncipes pela própria virtù (energia, vigor, resolução, talento) e pelas próprias armas – conhecem muitas dificuldades para se instalar (...) mas depois muita facilidade para conservá-lo [o poder]”�. “Todos os profetas armados venceram, desarmados arruinaram-se”.
2. Quanto aos principados novos conquistados com armas alheias, isto é, pela Fortuna: felicidade para conquistar, dificuldade para conservar. Estados subitamente formados carecem de raízes profundas e correm o risco desmantelamento à primeira tempestade.�
3. Tornar-se príncipe por meio de perversidades: Maquiavel distingue o bom e mau emprego da crueldade: há crueldades bem praticadas e mal praticadas (31). As bem praticadas: todas ao mesmo tempo, no início do reinado, a fim de prover a segurança do novo príncipe. As mal aplicadas: “são as que se arrastam, se renovam e pouco numerosas no princípio, se multiplicam com o tempo, em vez de cessarem”. (32). “Tratando-se de ofender um homem, deve fazê-lo de tal maneira que não se possa temer sua vingança”.
4. A conquista de um principado pelo favor dos concidadãos (Do Principado Civil, Cap. IX): Exige alguma Fortuna e alguma Virtù: “O povo não quer ser governado nem oprimido pelos grandes, enquanto estes desejam governar e oprimir o povo”. “O príncipe alçado ao poder pelos grandes (...) encontra mais dificuldade em manter-se no poder do que os príncipes alçados pelo povo”.
5. Os Principados Eclesiásticos: “Esse principado é conquistado também por Fortuna e Virtù, no entanto não precisa nem de um nem de outro: basta o poder das antigas instituições religiosas”.
3.2 - “MAQUIAVEL E A CORRUPÇÃO” (José Antônio Martins)�
O pensador italiano demonstra que essa prática gera a decadência e a ruína dos Estados
Há tempos acompanhamos assustados e surpresos as denúncias sobre os desvios de conduta dos representantes da vontade popular. Assistimos a uma enxurrada de suspeitas de corrupção por parte da classe política. Em meio a tudo isso, tentamos entender os fatos, estabelecer ligações, descobrir quando isso começou e onde todas essas denúncias vão desembocar.
Em tais ocasiões convém retomar os ensinamentos dos pensadores que explicaram esses mecanismos que parecem ser da natureza do mundo político. Um desses homens foi Nicolau Maquiavel. Ele elaborou uma ampla reflexão política, consagrando também um lugar para pensar a corrupção das instituições políticas, dos regimes e dos Estados.
Nos vários escritos políticos de Maquiavel há especial atenção voltada para um evento que sempre pode ocorrer a qualquer organismo político: sua ruína, decadência ou corrupção. Esses três termos refletem um mesmo processo de dissolução das estruturas das instituições políticas, o que provavelmente ocorrerá se nada for feito.
 
Decifrando Roma antiga
O tema da corrupção está presente em vários textos maquiavelianos, mas, particularmente nos Discursos Sobre a Primeira Década de Tito Lívio, no qual essa exposição apresenta sua forma mais desenvolvida. Constituídos por três livros, os Discursos comentam os fatos narrados pelo historiador romano Tito Lívio (59 a.C. - 17 d.C). Os comentários se concentram na tentativa de “decifrar” o modo de funcionamento da vida política romana, buscando os elementos que sustentaram o esplendor e a grandeza de Roma durante tantos séculos.
Os Discursos não são, porém, obra dedicada apenas à explicação
da história romana. Trata-se de um texto de análise política em que os meandros da vida de um Estado são explicitados em sua lógica própria.
No início de cada livro, Maquiavel dedica um capítulo ou uma introdução (também chamada de “proêmio”) para indicar seus objetivos. Pela análise dessas partes, observa-se que o Livro I aborda o estudo das coisas internas ao Estado romano; o Livro II, os fatos externos a Roma, suas conquistas, suas guerras vitoriosas etc. O Livro III volta-se novamente para os aspectos internos da vida política romana, no intuito de reconhecer os feitos ocorridos na cidade que colaboraram para a sua grandiosidade.É evidente, pois, que a pretensão do projeto maquiaveliano nos Discursos é abarcar todos os fatores que concorrem para a sustentação de uma república.
Doença que se espalha
Assim como há vários termos para explicar o processo de dissolução das coisas políticas, o mesmo ocorre para designar aquilo que é passível de corrupção no mundo político.
Termos como “repúblicas”, “principados”, “Estados”, “cidades”, “instituições”, “regimes” e até “corpos mistos” são utilizados como sinônimos dos lugares que podem sofrer corrupção. Isso mostra como a degeneração das coisas ligadas à esfera política é aplicável a todas as partes, a todos os componentes desse universo, e não há nada que seja imune por natureza.
No Livro III, capítulo I dos Discursos, Maquiavel compara a cidade a um corpo político composto de várias partes, que são as instituições, os órgãos executivos, as leis, o Poder Legislativo, as magistraturas, enfim, todas as organizações que cumprem alguma função para a manutenção do Estado.
A corrupção é identificada a uma doença que recai, primeiramente, sobre alguma parte, mas que

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