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FILOSOFIA POLÍTICA AULA 02: Classificações de Formas de Governo de Platão e Aristóteles Prof. Dr. Rafael Pons Reis CONVERSA INICIAL A segunda aula de Filosofia Política aborda, em primeiro lugar, de entender algumas das principais categorias para se compreender o Estado, partindo inicialmente das origens do termo Estado na Grécia antiga, passando pela análise de filósofos do Renascimento, em especial, Nicolau Maquiavel, dentre outros pensadores que ao longo dos séculos contribuíram para a definição e a cristalização do conceito de Estado e de sua importância para a compreensão do homem em sociedade. Na segunda seção delineamos brevemente o entendimento acerca do conceito de Governo a partir da concepção de dois importantes filósofos gregos, Platão e Aristóteles. Na seção seguinte foi explanada brevemente acerca da classificação das formas de governo dada por Platão a partir de sua importante obra, A República, tais como a Aristocracia, a Timocracia, a Oligarquia, a Democracia e a Tirania. Na quarta seção foi a vez de apresentarmos a classificação das formas de governo por Aristóteles. E, por fim, na quinta seção apresentamos brevemente algumas considerações acerca da importância da contribuição dos gregos para o estabelecimento das sementes democráticas, que por sua vez foram fortificadas ao longo dos séculos, em especial pelos pensadores da Idade Média e que frutificaram na modernidade. TEMA 1 – ALGUMAS CATEGORIAS PARA SE COMPREENDER O ESTADO O termo estado deriva do latim “status”, que significa uma condição pessoal do indivíduo perante os direitos políticos e civis, por exemplo, status familiae, status civitatis. Mas a palavra Estado, com E maiúsculo, significa nos dias atuais uma forma das mais complexas das sociedades civis, ou seja, a sociedade política podendo ser conceituada como a “sociedade civil politicamente soberana e internacionalmente reconhecida, tendo por objetivo o bem comum aos indivíduos e comunidade sob seu império (ACQUAVIDA, 2010, p. 12-13). Ao buscarmos uma definição mais antiga acerca do emprego do termo, verificamos que os gregos designavam a sociedade política de pólis (poleis, no 3 plural), que historicamente consistia no modelo das antigas cidades gregas, conhecidas como o termo ‘cidade-Estado’. Os romanos, por sua vez, denominavam a sociedade política res publica, expressão latina que significa “coisa pública” ou ainda “coisa do povo”, trata-se, de um importante conceito que originou o termo república. A palavra Estado passou a fazer do léxico de pensadores e estudiosos sobre o assunto a partir do Renascimento, especialmente por Nicolau Maquiavel, considerado por muitos o pai da Ciência Política, em seu livro O Príncipe (1513), que diz: “Todos os Estados, todos os domínios que tiveram e têm poder sobre os homens foram ou são repúblicas ou principados” (2004, p. 3). No início do século XVI o referido termo também se fez presente na famosa tragédia de Shakespeare, Hamlet, em que o personagem Marcelo diz: “Há algo de podre no reino1 da Dinamarca”. Neste mesmo período, na França, o termo passou a ser empregado no sentido de sociedade política, apesar de importantes autores como Jean Bodin e Charles Loyscau tenham preferido usar outros termos, respectivamente, como república (République) e senhoria (Seigneureries). Ao longo da literatura especializada sobre o Estado é possível encontrarmos aqueles que o odeiam (anarquistas e comunistas) e aqueles que o amam (nazistas e fascistas). Entre os pensadores que trabalham o Estado como um objeto de estudo encontramos também seus defensores (Thomas Hobbes, e os contratualistas) e seus difamadores (Mikhail Bakunin, Friedrich Elgels e Karl Marx). Em que pese a longo lista de autores que tem o Estado como sua principal agenda de pesquisa, com o crescente intervencionismo estatal nos dias atuais, praticamente é impossível não ser impactado por ele em nossas vidas cotidianas. A arrecadação de impostos, o serviço militar obrigatório, trabalhar como mesário nas eleições, respeitar as leis, não fumar em locais públicos, são apenas alguns exemplos de nossos deveres para com o Estado, fazendo dele uma instituição presente nos mínimos detalhes de nossa dia-a-dia. Conforme a aula 2 do professor Doacir Quadros, ele argumenta que o Estado é caraterizado por possuir o monopólio legítimo da força, fazendo com 1 No original a expressão usada pelo personagem é: “(...) Something is rotten in the state of Denamark”. Importante mencionarmos que como a Dinamarca é uma monarquia constitucional, faz mais sentido traduzir o termo state para reino. 4 o Estado se diferencie de outros agentes societais. Neste sentido, o professor questiona: “Como é possível justificar essa força impositiva sobre o indivíduo?”. Veremos nas seções seguintes as formas de se organizar a sociedade no sentido de legitimar o poder político do Estado. TEMA 2 – FORMA DE GOVERNO Neste momento se faz necessário trabalharmos com algumas definições de governo tendo em vista a variedade de significados que este assume. Para Norberto Bobbio, governo significa “um conjunto de pessoas que exercem o poder político e que determinam a orientação política de uma determinada sociedade (1998, p. 555). Importante mencionarmos que nas sociedades modernas, o poder de um Governo, enquanto organização que institucionaliza normas e regras, está usualmente associado à noção de Estado. A compreensão desta noção é importante a fim de distinguirmos as expressões “governantes” de “governados”, enquanto aquele significa o conjunto de pessoas que governam o Estado, este significa o grupo de pessoas que estão sujeitas ao poder de um governo na esfera estatal. Uma segunda definição de Governo entende que o mesmo é formado não apenas a partir do conjunto de pessoas que detêm o poder de governo, mas também os demais órgãos estatais que organizam a política da sociedade e que institucionalmente têm o exercício do poder. A presente acepção se faz mais acertada em face da realidade do Estado moderno, ao entendermos que o Governo perfaz apenas um aspecto do Estado. Ao observarmos os autores clássicos, em especial, Platão e Aristóteles, no que se refere à organização dos Estados, ambos reconheceram e classificaram as formas de governo existentes a partir de suas próprias experiências, isso porque conheceram mais de uma centena de cidades- Estados, permitindo obter uma visualização empírica sobre como os governos eram organizados gregas (QUADROS, 2016). Como veremos nas seções seguintes, a partir da análise de suas obras ambos os autores prescreverem a melhor forma de governo a ser adotada. Importante aqui lembrarmos que a análise das duas tradicionais formas de Governo, quais sejam, a República e a Monarquia, tal como a conhecemos 5 modernamente, não são encontradas de forma clara e detalhada nas obras de Platão e Aristóteles. Entretanto, ambos os autores constroem uma tipologia sobre as possíveis formas de se organizar um Estado. TEMA 3 – A CLASSIFICAÇÃO DE PLATÃO O ponto de partida de nossa jornada para conhecermos um pouco mais sobre as formas de governo a partir dos pensadores clássicos inicia-se com o livro A República, de Platão. Platão, cujo nome verdadeiro era Arístocles, descendia de uma família aristocrática (era parente do famoso legislador Sólon). Quando Atenas é governada por Lisandro, a aristocracia chega ao poder, permitindo a ascensão política de Platão. Teve como mentor a figura de Sócrates, mas após este ter sido condenado como herege (por conta de seus ensinamentos filosóficos), Platão fica profundamente abalado e acaba desiludido com a organização política tradicional de sua pátria (ACQUAVIVA, 2010). Platãopassa a dedicar à filosofia e viaja para várias cidades gregas, depois à Itália e Egito. O fruto de suas viagens permitiu a Platão defender o argumento de que as cidades gregas “eram governadas por formas de governos ‘corrompidas ou imperfeitas’, uma vez que eram guiados pelos vícios passionais e apetitosos de seus governantes” (QUADROS, 2016, p. 25). Em tese, Platão é pessimista em relação às formas de governo ao entender que os Estados são corrompidos e degenerados. Para ele, as formas de se organizar um Estado não são perfeitas em razão da natureza humana. Por essa razão, em seu livro A República, o autor evidencia que a melhor constituição do governo é uma forma ideal, ou seja, para ele não existe uma maneira concreta, prática de se organizar um Estado. O que resta então são as formas más para se governar, cujos critérios usados por ele são: i) quem governa; ii) a paixão dominante; iii) o motivo da corrupção e; iv) a moléstia do Estado. Sendo assim Platão descreve em sua obra um processo dinâmico de rodízio das formas de governo, a saber: a Aristocracia, a Timocracia, a Oligarquia, a Democracia e a Tirania. A Aristocracia é considerada por Platão a melhor forma de se organizar um Estado. Do grego áristoi (os melhores) e krátos (domínio, comando), o 6 termo Aristokratia significa literalmente “governo dos melhores”, dos sábios, ou seja, um governo daqueles que apresentam determinada capacidade não apenas intelectual, mas também moral. Platão defende o argumento de que o termo aristocracia não possui relação com as virtudes militares (como era antigamente com a nobreza grega), mas sim na sabedoria e na virtude. Neste sentido, enfim, caberia aos melhores, aos sábios, o papel de administrar o Estado no prumo do verdadeiro bem (PLATÃO, 2000, p. 95). Em resumo, ele via a aristocracia como melhor forma de governo, ao considerar que cidadãos intelectualmente qualificados teriam mais capacidade de exercer o poder de forma justa e equitativa, procurando satisfazer as necessidades e o melhor para todos. O termo Timocracia deriva de timos (honra) e kratos (poder) cuja forma de governo se baseia no desejo e na importância revestida que a honra (timé) assume no exercício do poder, definida por Platão como uma “constituição ambiciosa de honrarias” (Platão, 2000, p. 545), em que prevalecem os ambiciosos de afirmação pessoal e de honrarias (BOBBIO,1998, p. 1245). A Oligarquia, por sua vez, significa “governo de poucos”, ou seja, é uma forma de governo em que o poder político encontra-se pertencente a uma mesma família (vínculos de sangue), a um mesmo grupo econômico, partido político. Para Platão, uma oligarquia significa uma forma de governo dominada pelos grupos mais ricos, e não compartilham com os pobres os privilégios do governo e do poder. O autor menciona ainda que os detentores do poder oligárquico usam de todos os meios possíveis para se manterem no poder, impondo sua arrogância a toda a sociedade, sendo o dinheiro (por meio da corrupção) o único elemento-chave para a ascensão social e política (ACQUAVIVA, 2010). A oligarquia passa a se tornar insustentável quando irrompe a corrupção generalizada e, logo, a desordem se faz presente. A oligarquia deixa de existir quando se instaura a democracia, momento quando os ricos são expulsos do poder, em face da ascensão das massas. O termo democracia assenta suas bases do grego antigo demos (povo) e kratos (poder), criando assim o termo dẽmokratía, ou “governo do povo”, aproximadamente por volta do século V a.C. De uma forma geral, a democracia consiste em uma forma de governo em que todos os cidadãos elegíveis participam – tanto de modo direto como por meio de representantes – na elaboração de propostas, na criação e 7 desenvolvimento de leis, exercendo o seu direito por meio do sufrágio universal. A despeito destas considerações, Platão classifica a democracia como corrompida, uma vez que a julga na visão do governante, isto é, ele entende que a democracia propicia uma maior margem de manobra aos governados, momento em que o povo ocupa o poder e dispõe de uma liberdade desmedida, sem limites e, portanto, sem responsabilidade na prestação de contas à sociedade (QUADROS, 2016). E por fim, a tirania, cujo termo pode ter sido originário da Lídia (região da Ásia consiste em uma forma autocrática de exercício de poder político cujo chefe de governo tem poder ilimitado. A despeito dos variados exemplos de cidades da Grécia antiga terem sido comandadas por tiranos que foram responsáveis pelo esplendor, pela emergência e desenvolvimento econômico de suas cidades (Pitágoras, em Éfeso; Trasíbulo, em Mileto; Polícrates, na ilha de Samos), atualmente o termo designa o que entendemos por ditadura moderna (ACQUAVIVA, 2010). TEMA 4 – A CLASSIFICAÇÃO DE ARISTÓTELES Aristóteles (384-322 a.C.) foi discípulo de Platão, e nasceu em uma família aristocrata (era filho de um médico rico) na Macedônia. Foi professor de Alexandre, o Grande, e graças às conquistas militares deste, Aristóteles acompanhou seu discípulo por variadas regiões da Ásia Menor e Ásia Central, permitindo-lhe visitar e estudar cerca de 150 Constituições de diferentes povos. O resultado prático de suas expedições traduziu-se na elaboração de uma valiosa obra, intitulada Política. De forma resumida, Aristóteles apresenta em sua obra dois critérios para a classificação dos diferentes tipos de governo e para as formas de governo, a saber, quem governa e como governa (ACQUAVIVA, 2010; DOACIR, 2016). O primeiro critério ressalta uma perspectiva numérica, ou seja, sobre o número de indivíduos a exercer o poder, por exemplo, em uma monarquia (de monos, um, e arche, governo) temos o governo de um apenas, na oligarquia temos o governo de poucos, ao passo que em uma democracia temos o governo de muitos. 8 Conforme a aula 2 do Professor Doacir Quadros, o mesmo chama especial atenção para o segundo critério (como governa), que traz em seu bojo o aspecto moral, pelo qual Aristóteles classificou em formas puras e impuras, em que pese o interesse do governante ou governantes na forma de administrar (em) o aparelho estatal visando atender ao interesse geral ou em prol de seus interesses particulares. Na passagem abaixo, Aristóteles define e procura explicar quais são as boas e as más formas de governo, a saber, a partir de como o governante comanda: a favor de seus próprios interesses ou dos interesses coletivos: Os desvios das constituições mencionadas são a tirania, correspondente à monarquia, a oligarquia à aristocracia, e a democracia ao governo constitucional; de fato, a tirania é a monarquia governando no interesse do monarca, a oligarquia é o governo no interesse dos ricos, e a democracia é o governo no interesse dos pobres, e nenhuma destas formas governa para o bem de toda a comunidade (ARISTÓTELES, 1985, p. 97). Em resumo, para o filósofo, as más formas de governo consistem na tirania, na oligarquia e na democracia, na medida de como seus governantes (seja um, sejam poucos ou muitos) conduzem os assuntos do Estado em favor de seus interesses pessoais ou da coletividade. TEMA 5 – DEMOCRACIA Conforme mencionado na terceira seção, Platão classifica a democracia como corrompida uma vez que sua análise se baseia na visão do governante, ou seja, ele entende que a cessão de maior liberdade aos governados pode comprometer a ordem social, no sentido que o povo pode dispor de uma liberdade desenfreada e, portanto, irresponsável do ponto de vista de prestação de contas à sociedade em geral. Importante mencionarmos que essa percepção era bastante comum no tempo em que Platão viveu. No entanto, no decorrer dos séculos, o conceito de democracia sobre profundas alterações, sobretudo a partir da Idade Média (entre os séculos XII e XV). A democraciapassou a ser entendida como o 9 poder supremo que emana do povo, desta forma, cabendo aos cidadãos o direito de escolher seus representantes. Por meio do sufrágio universal caberia ao povo assentar um governo representativo eleito de forma a defender o conjunto de interesses mais amplos da sociedade. Mas voltemos à época de Platão, em especial, para entender o contexto mais amplo da vida de um ateniense, que via na participação da vida pública um bem precioso a ser almejado por um cidadão. O objetivo primordial de vida do ateniense consistia no exercício de sua cidadania, pois além de gozar de sua participação na vida pública, lhe dava condições de defender e obter seus direitos perante a sociedade. Importante mencionarmos que a maioria dos ideais e valores políticos que conhecemos hoje – liberdade, justiça, governo constitucional – assenta suas bases na Grécia antiga. Sendo assim, foram os gregos os principais responsáveis por alicerçar a pedra angular do ideário democrático, que fora fortificada pelos pensadores e filósofos da Idade Média atingindo maturidade na modernidade. NA PRÁTICA Na prática, recomendamos fortemente a leitura acerca das classificações das formas de Estado desenvolvidas por Platão e Aristóteles. E mister frisar a importância da leitura dos dois primeiros capítulos do nosso livro- base, a saber, “O Estado na Teoria Política Clássica”, escrito pelo Professor Dr. Doacir Quadros, bem como das vídeo-aulas e dos slides das aulas. Além disso, recomendamos as seguintes leituras: Teoria Geral do Estado, escrito por Marcus C. Aquaviva, em especial o capítulo seis (Formas de Governo), mais precisamente as subseções 1.1 (Platão) e 1.2 (Aristóteles); bem como a leitura (também do capítulo seis) da seção 2 (Formas de governo clássicas), seção 3 (Tirania) e seção 4 (Oligarquia). FINALIZANDO Ao longo do presente material foi possível verificar a importância dos pensadores gregos para o desenvolvimento da filosofia política a partir da 10 classificação das formas de governo por parte de consagrados autores como Platão e Aristóteles. O arcabouço filosófico desenvolvido por ambos os autores acerca das variadas formas que o Estado pode ser estudado contribuiu sobremaneira para a emergência e a evolução do Estado como objeto de estudo pela ciência política, em que pese as contribuições de outros importantes pensadores da Idade Média, passando pelo Renascimento até chegar aos nossos dias. REFERÊNCIAS ACQUAVIVA, Marcus C. Teoria Geral do Estado. Barueri, São Paulo: Manole, 2010. ARISTÓTELES. Política. Brasília: Editora da UnB, 1985. BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1 ed, 1998. MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução de Maria J. G. São Paulo: Martins Fontes, 2004. PLATÃO. A República. Tradução de Carlos Alberto Nunes, 3ª. Edição. Belém: EDUFPA, 2000. QUADROS, Doacir G. de. O Estado na teoria política clássica: Platão, Aristóteles, Maquiavel e os contratualistas. Curitiba: Editora Intersaberes, 2016.
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