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1 Moreira Alves os status

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x
PESSOA FÍSICA OU NATURAL
(REQUISITOS DE EXISTÊNCIA DO HOMEM)
Sumário: 73. Os sujeitos de direitos subjetivos. 74.Requisitos da existência do ser
humano. 75. Nascimento. 76. Vida extra-uterina. 77. Forma humana. 78. Controvérsia so-
bre a vitalidade. 79. O nascituro.
73. Os sujeitos de direitos subjetivos - Sendo o direito subjetivo afaculdade con-
cedida pelo direito objetivo a alguém de exigir certo comportamento de outrem, não há,
obviamente, direito subjetivo sem titular. 1
O sujeito de direito subjetivo é denominado, tecnicamente, pessoa. Os romanos,
porém, não possuíam termo específico para exprimi-Ia. A palavra latinapersona (que
originariamente quer dizer máscara) é utilizada nos textos, com a significação de homem
em geral, independentemente de sua condição de sujeito de direito, tanto que se aplica
aos escravos, que, em Rorna,jamais foram sujeitos de direito, mas, sim, coisas, isto é, ob-
jetos de direitos. Também caput, embora às vezes empregado em sentido técnico, geral-
mente não o é.
Há duas categorias de pessoas: aspessoas fisicas ou naturais (os homens que não
os escravos) e as pessoas jurídicas ou morais (seres abstratos aos quais a ordem jurídica
considera sujeitos de direitos; assim, as associações e as fundações).
74. Requisitos da existência do ser humano - As pessoas fisicas são os homens.
No entanto, nem todo homem é pessoa fisica (basta atentar para os escravos). Para que o
seja, são necessários dois elementos:
a) que o homem exista para a ordem jurídica; e
Modernamente alguns autores, a partir deWindscheid (vide Lehrbuch des Pandektenrechts, I, 9' ed,
§49, p. 219 e segs.), defendem a existência de direitos sem sujeito, como, por exemplo, ocorreria no
caso de herança jacente (herança que jaz à espera de aceitação pelos herdeiros). Essa tese, em nosso
entender, não procede, pois, nas hipóteses em que se vislumbram direitos subjetivos sem sujeito, o que
hâ, apenas, é a indetenninação, por algum tempo, do titular, continuando a existir a eficácia passiva do
direito, isto é, o estado de sujeição em que se encontra a coisa ou pessoa (vide, a-propósito, Ferrara, ob.
cit., I, p. 453 e segs., e Coviello, Manuale di Diritto Civile Italiano, parte generale, 3"ed., p. 143, Mi-
lano, 1924).
98 JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES
b) que ele tenha personalidade jurídica.
Neste capítulo, trataremos apenas do primeiro elemento (a existência do ser huma-
no); do segundo (personalidade jurídica), ocupar-nos-emos no seguinte.
Reconhece a ordem jurídica a existência de um ser humano quando se preenchem
certos requisitos. Modernamente, basta, em geral, o nascimento com vida para que, juri-
dicamente, se configure um homem. O mesmo, no entanto, não ocorria em Roma, pois,
embora os jurisconsultos não tenham estabelecido, expressamente, quais os requisitos da
existência do ser humano, os romanistas, geralmente, com base nos textos, acordam em
que eram exigidos, pelo menos, três: 1°) o nascimento; 2°) a vida extra-uterina; e 3°) a
forma humana. E discutem sobre a necessidade de outro: a vitalidade (também denomi-
nada viabilidade ou maturidade fetal).
75. Nascimento-O feto, segundo os juristas romanos, é apenas parte das vísceras
da mulher (''partus enim antequam edatur, mulieris portio est uel uiscerum" = o feto an-
tes de vir à luz é porção da mulher, ou de suas vícerasj' e não podia, portanto, ser conside-
rado homem (''partus nondum editus homo non recte fuisse dicitur" = o feto que ainda
não foi dado à luz não se diz que seja um homem). 3
O nascimento ocorre, quer o parto seja natural, quer se tenha verificado mediante
intervenção cirúrgica, a qual, entre os romanos, somente se fazia em cadáver de mulher
que, ao falecer, estivesse grávida.
Demais, não procede a tese de Pacchioni," baseada em duas passagens do Digesto
(XXXV, 2,9,1; e L, 16,161), de que não bastava, para configurar o nascimento, que o
feto fosse expulso do ventre materno; seria necessária, ainda, a ruptura do cordão umbili-
cal, pois até que ela se verificasse não haveria total separação dos dois organismos (o da
genitora e o do filho). Com efeito, os próprios textos invocados pelo romanista italiano
não lhe dão apoio à tese.
76. Vida extra-nterina - Não basta que haja, apenas, o nascimento. Émister, ain-
da, que ocorra a vida extra-uterina; em outras palavras: é necessário que a criança venha
à luz com vida.
Quando a vida se prolonga algum tempo após o nascimento, não há qualquer pro-
blema quanto à apuração de sua existência: ela se demonstra por si mesma. Casos, no en-
tanto, se verificam em que a criança nasce viva, mas, quase instantaneamente, morre.
Com referência a essa hipótese, havia, no direito clássico romano, discussão entre procu-
leianos e sabinianos sobre os sinais que caracterizavam o início da vida extra-uterina, Os
proculeianos entendiam que ela surgia no momento em que a criança vagisse; já os sabi-
nianos eram mais liberais: admitiam que o recém-nascido vivera desde que houvesse
2 D.:XXV, 4, 1, I.
3 D. XXXV, 2, 9, L
4 CorsodiDirittoRomano, vol. li, § 20,p. 51,Torino, 1910.
DIREITO ROMANO 99
apresentado qualquer indício de vida. A controvérsia somente foi dirimida por Justinia-
no,' que acolheu a opinião dos sabinianos.
77. Forma humana" -- Embora vários textos jurídicos" aludam à forma humana,
nenhum deles, no entanto, a define. Por outro lado, sabemos que aquele que não a pos-
suísse era considerado monstrum, prodigium ouportentum (palavras geralmente usadas
como sinônimas).
O problema, quanto à caracterização desse requisito, não é saber o que era para os ro-
manos a forma humana (obviamente a configuração normal do homem), mas determinar os
casos em que ela inexistia. Em síntese: que era o monstrum, prodigium ouportentum?
Desde os glosadores até o século XIX, considerou-se monstrum o ser que, embora
nascido de mulher, apresentasse, no todo ou em parte, conformação de animal, o que de-
monstraria ter sido ele gerado de coitus cum bestia. No século XIX, porém, a medicina
demonstrou que essas relações carnais são absolutamente estéreis, razão por que esses
seres monstruosos não poderiam existir: todo aquele que nasce de ventre humano é ho-
mem. Nesse mesmo século XIX, surgiu a tese de que seriam monstros apenas os que não
apresentassem, na cabeça, conformação humana, e isso se deduziu do fato de que os ro-
manos, quando o cadáver era despedaçado, somente consideravam lugar sagrado aquele
em que fosse enterrada a cabeça," Mas essa conjectura não se baseia em qualquer funda-
mento sólido, pois decorre da aproximação - feita modernamente - de textos que tratam
de assuntos absolutamente diversos (uns se referem à forma humana, e o outro- D. XI, 7,
44 -, ao sepultamento de cadáver desmembrado).
A nosso ver, em duas hipóteses os romanos consideravam monstros seres nascidos
de mulher:
a) quando tivessem, no todo ou em parte, configuração de animal (os romarios acre-
ditavam na possibilidade de nascerem seres híbridos ou inumanos da cópula entre animal
e mulher);" e
b) quando apresentassem deformidades externas excepcionais, como, por exemplo,
o caso de acefalia (ausência aparente de cabeça em criança, que, apesar disso, muitas ve-
zes vive por algum tempo).
C. VI, 29, 3, 1.
A propósito, vide nosso trabalho Aforma humana no direito romano, Rio de Janeiro, 1960; G. Impal-
lomeni, "In tema di vitalità eforma umana come requisiti essenziali alla personalità, inlura" {Rivis-
ta lnternazionale di Diriuo Romano e Antico), XXII - parte prima - (1971), pp. 99 a 120; e Danilo
Dalla, Status e rilevanza deli'í'ostentum", in Ricerche di Diritto delle Persone, pp. 29/46, Torino,
1995.
Sentenças de Paulo IV, 9,3 e4;D. I, 5, 14;D. L, 16, 38;D.L, 16, 135; C. VI, 29, 3, l;eoescólio àsBa-
silicas XLVI, 1, 11 (correspondente ao D. I, 5,14).
Vide Miih1enbruch, Doctrina Pandectarum, § 177, p. l70, nota 10, Bruxellis, 1838.
Plínio, o Velho, informa (Naturalis Historia, VII, 2, 23) que,segundo Duris, alguns indianos copula-
vam com animais, nascendo, dessas relações, mixtosque et semiferos partus.
5
6
7
100 JOSÉ CARLOS MORElRA AL VES
A primeira hipótese é geralmente aceita pelos romanistas. A segunda não, pois há
textos jurídicos'? que acentuam que certas deformidades (como a multiplicidade de
membros) não tiram da criança a configuração humana. Parece-nos, entretanto, que é
preciso distinguir. Esses textos aludem, apenas, a casos de deformidades relativamente
pequenas, e não àquelas formas teratológicas que se afastam, em muito, da conformação
de um homem normal,'! Há, em favor dessa tese, dois argumentos de relevo:
a) se a medicina provou, modernamernte, a esterilidade do coitus cum bestia (don-
de a inexistência de tais seres híbridos ou inumanos), por que os jurisconsultos romanos,
cujo apego à realidade é uma de suas características principais.F iríam ocupar-se, em vá-
rios textos, de hipótese que, pela sua inexistência real, seria despicienda na prática?
b) se apenas eram casos de monstruosidade ou de crianças com forma de animal,
por que os textos jurídicos romanos esclarecem que a multiplicidade de membros não re-
tirava ao recém-nascido a configuração humana? Tal observação, evidentemente, seria
inepta.
Os textos jurídicos de que dispomos tratam da forma humana com relação à agnatio
postumi, ao senatusconsulto Tertuliano, à lex Iulia et Papia Poppaea e à agnatio postumi.
Paulo.nas Sentenças (IV, 9, 3 e 4), referindo-se ao senatusconsulto Tertuliano, esclarece que,
com relação ao ius liberorum, não beneficia à mãe o ter dado à luz um ser monstruoso, pois
não são filhos os que não têm forma humana. Já Ulpiano, quanto à lex Iulia et Papia Poppa-
ea, não exige (D. L, 16,38) a forma humana para os efeitos dela, o que 'Vários autores expli-
cam como interpretação benévola, pela qual apenas se impedia sofresse a mulher, que desse à
luz um ser montruoso, a pena cominada por aquela lei à que não tivesse descendência. No
tempo de Justiniano, o referido texto de Paulo foi incluído no Digesto (1, 5, 14), com alguma
alteração de forma e com sentido diverso, pois está ele desvinculado do senatusconsulto Ter-
tuliano e se apresenta como princípio geral. E Justiniano, no C. VI, 29, 3, 1, resumindo as
condições que deve preencher o póstumo para que rompa o testamento de seu pai, exige
que não seja ele monstrum uel prodigium.
78. Controvérsia sobre a vitalidade - No direito moderno, o vocábulo vitalidade
é empregado em dois sentidos: um, vitalidade própria (aptidão do recém-nascido para a
vida, por ser de tempo); outro, vitalidade imprópria (a mesma aptidão, decorrente, no en-
tanto, de ausência de vícios orgânicos incompatíveis com a vida).13
10
II
Paulo (&ntentiae IV, 9, 4); D. I, 5, 14 e D. L, 16, 38.
Nesse sentido, há dois textos de Santo Agostinho (De ciuitate Dei, XXII, 12; e Enchiridion, capítulo
LXXXVII), conforme o demonstramos em A forma humana no direito romano, p. 63 e segs, Vide
também Lucano (Bellum Ciuile, I, 562/563) c Festo (Pauli Excerpta, verbete monstra, p. 147 da edi-
ção de Lindsay).
Leiam-se, a respeito, as belas páginas de Biondi, Obbietto e metodi della scienza giuridica romana. in
ScritJi di Diritto Romano in onore di Contardo Ferrini, p. 203 e segs., Milano, 1946.
A propósito, vide Isoardi, Principio e Termine de/la Personalita dell'Individuo il codice civile, p. 87 e
segs., Torino, 1896. ;
12
13
DIREITO ROMANO 101
No direito romano, porém, vitalidade (expressão moderna; os romanos diziam:
partus maturus ou perfectus) somente pode ser entendida como vitalidade própria, pois
todos os textos que têm sido invocados em favor de que a vitalidade era requisito da exis-
tência do homem se referem, inequivocamente, à madureza do feto." Mas, mesmo no
sentido de' vitalidade própria, discutem os romanistas se era ela requisito para que a
criança fosse tida como ser humano.
Os autores" que propugnam a afirmativa dizem que, em Roma, apenas era reputa-
do ser humano recém-nascido que, além de preencher os três requisitos já estudados
(nascimento, vida extra-uterina e forma humana), fosse vital, isto é, nascesse depois de
período, no mínimo, de seis meses de gestação, porquanto, segundo Hipócrates (e antes
dele Pitágoras já o acentuara), era esse o menor tempo de gestação indispensável, nor-
malmente, a que a criança, depois de nascida, pudesse continuar a viver. Mas ressalvam
esse autores que a vitalidade só era levada em consideração como requisito para a exis-
tência do homem quando a criança, gerada menos de seis meses no ventre materno, nas-
cia, vivia e falecia imediatamente após; se, porém, ela continuasse a viver, caía,
obviamente, a presunção - que justificava o requisito vitalidade - de que ela não possuía
condições para a vida.
A nosso ver, no entanto, têm razão os romanistas" que seguem a corrente oposta,
pela qual a vitalidade não era requisito para a existência do ser humano, mas requerida, às
vezes, para que a mãe, em virtude do nascimento do filho, adquirisse certos direitos.
Assim, por exemplo, o senatusconsulto Tertuliano exigia, para que a mãe herdasse dos
14 Contra, G. Impallomeni (ln tema di vitalità eforma umana come requisiti essenziali alia personalità,
in Iura - Rivista lnternazionale di Diritto Romano eAntico - XXII, parte prima (1971), p. 101 e segs.),
que interpreta o C. VI, 29, 3 como dizendo respeito à hipótese de uma criança nascida com gestação
suficiente morrer em seguida ao nascimeuto, quando, para alguns juristas romanos, o vagido seria o
indício objetivo da vitalidade dessa criança, ao passo que os sabinianos se contentavam com esse nas-
cimento com vida demonstrável por qualquer sinal, sem exigirem, portanto, o requisito da vitalidade
(que seria vitalidade imprópria).
15 Entre outros, Waechter (De partu vivo non vitali, I-V, 1863-1868, que SÓ pudemos consultar no re-
sumo feito por Fitting, e publicado noArchiv flrdie civilistische Praxis, vol. 50, p. 1e segs, sob o tí-
tulo: Ist das zwar lebendig geborene, aber nichtlebensfãhige Kind rechtsjãhig?), Demburg
,(Pandekten, r,1,6" ed., § 50, p. 109, Berlin, 1900), Serafini (lstituzioni di Diritto Romano Compara-
toalDiritto Civile Patrio, I, lOa ed., § 4°,pp. 107/109, Roma, 1920) e Volterra (lstituzioni di Diritto
Privato Romano, pp. 46/47).
16 Por exemplo: Vangerow (Lehrbuch der Pandektem, r, § 32, pp. 66 e 67, nota, Marburg und Leipzig,
1876); Brinz (Lehrbuch der Pandekien, 1,3' 00., § 50, pp. 199 e 200, Erlangen, 1884); e Crescenzio
(Sistema dei Diritto Civile Romano, I, 2" 00., § 14, annotazione, pp. 45 e 46, Napoli, 1869). Vide, tam-
bém, nosso trabalho Afonna humana no direito romano, n" 4, p, 15 e segs., Rio de Janeiro, 1960.
Ambrosino ("R requisito della vitalità per l'acquisto della capacità giuridica in diritto romano", in
Rivista Italiana per le Scienze Giuridiche, N.S., ano XIV - 1939 -, p. 3 e segs.) combate essa segunda
corrente, sustentando que os textos que, para ela, tratariam de exceções, em verdade, se examinados
em conjunto, abarcam todas as hipóteses possíveis, traduzindo, assim, o princípio geral da necessida-
de do requisito da vitalidade.
filhos, que ela tivesse o ius liberorum, para cuja aquisição era necessário, entre outras
condições, ter dado à luz, no mínimo, três ou quatro crianças (três, se se tratasse de ingê-
nua; quatro, se de liberta) que fossem vitais. A exigência da vitalidade, no caso, se expli-
ca, porque esse senatusconsulto estabeleceu o ius libero rum a fim de incentivar as
mulheres romanas a darem mais filhos à pátria para que, com o aumento da natalidade,
crescesse o poderio romano. E para isso só interessavam, sem dúvida, as crianças que
nascessem aptas à vida prolongada.
79. O nascituro - O nascituro é o que irá nascer; em outras palavras: o feto durante
a gestação. Não é ele ser humano - não preenche ainda o primeiro dos requisitos necessá-
rios à existência do homem: o nascimento - mas, desdea concepção, já é protegido. No
terreno patrimonial, a ordem jurídica, embora não reconheça no nascituro um sujeito de
direitos, leva em consideração o fato de que, futuramente, o será, e, por isso, protege, an-
tecipadamente, direitos que ele virá a ter quando for pessoa fisica. Em vista disso, o nas-
cituro pode, por exemplo, ser instituído herdeiro num testamento. E, para resguardar o
interesse do nascituro, a mulher que o está gerando pode requerer ao magistrado compe-
tente a nomeação de um curador: o curator uentris.
Com base nesses princípios que foram enunciados pelos jurísconsultos clássicos,
surgiu, no direito justinianeu, a regra geral de que o nascituro, quando se trata de vanta-
gem em seu favor, se considera como se estivesse vivo (in rerum natura esse).l7
XI
102 JOSÉ CARLOS MORElRA ALVES
, PESSOA FÍSICA OU NATURAL (PERSONALIDADE E
CAPACIDADE JURÍDICAS)
Sumário: 80. Conceito de personalidade e capacidade jurídicas. 81. Capacidade de
fato. 82. Requisitos para a aquisição, pelo ser humano, da personalidade jurídica. 83. Status
libertatis. 84. Status ciuitatis. 85. Status familiae. 85-A. Domicílio.
80. Conceito de personalidade e capacidade jurídicas - A ordem jurídica roma-
na não reconhecia a todo e qualquer homem a qualidade de sujeito de direitos. Assim, o
escravo não a possuía, uma vez que era considerado coisa (res), isto é, objeto de direitos.
Para que o homem fosse titular de direitos (pessoa fisica ou natural), era necessário que
se lhe atribuísse personalidade jurídica.
Personalidade jurídica é a aptidão de adquirir direitos e de contrair obrigações. Em
geral, os autores consideram sinônimas as expressões personalidade jurídica e capaci-
dade jurídica. Parece-nos, entretanto, que é mister distingui-Ias.' Com efeito, enquanto
personalidade jurídica é conceito absoluto (ela existe, ou não existe), capacidade jurídi-
ca é conceito relativo (pode ter-se mais capacidade jurídica, ou menos). A personalidade
jurídica é a potencialidade de adquirir direitos ou de contrair obrigações; a capacidade ju-
rídica é o limite dessa potencialidade. No direito romano, há exemplos esclarecedores
dessa distinção. Basta citar umr' no tempo de Justiniano, os heréticos (que eram pessoas
fisicas; logo, possuíam personalidade jurídica) não podiam receber herança ou legado
(por conseguinte, sua capacidade jurídica era menor do que a de alguém que não fosse
herético).
81. Capacidade de fato - A personalidade jurídica (aptidão de adquirir direitos e
de contrair obrigações) e a capacidade jurídica (o limite dessa aptidão) não se confundem
com a capacidade de fato, que é a aptidão para praticar, por si só, atos que produzam efei-
tos jurídicos.
17 A propósito, vide Albertario, Conceptus pro iam nato habetur (Linee di una ricerca stori-
co-dommatica), in Studi di Diritto Romano, I, p. 3 e segs., Palermo, 1957. 2
Nesse sentido, Barbero, Sistema Istituzionale del Diritto Privato Italiano, voL 1, 3a 00., p. 139, n" 69,
li, Torino, 1950.
Para outros exemplos, vide o Capitulo XII.
104 JOSÉ CARLOS MORElRA AL VES
Por outro lado, se o titular de direitos subjetivos tem necessariamente personalida-
de e capacidade jurídica, nem sempre, porém, possui capacidade de fato.3 O louco, por
exemplo, podia ser pessoa fisica (bastava que não fosse escravo), mas não tinha capaci-
dade de fato, por não dispor de vontade."
Da capacidade de fato nos ocuparemos no Capítulo XIII.
82. Requisitos para a aquisição, pelo ser humano, da personalidade jurídica-
No direito romano, a princípio, eram necessários, para que o ser humano adquirisse per-
sonalidade jurídica, dois requisitos:
a) ser livre; e
b) ser cidadão romano.
Demais, para que tivesse capacidade jurídica plena, fazia-se mister que fosse pater
famílias (chefe de uma família).
Essas posições, em que se encontravam as pessoas com relação ao ·Estado (como
homens livres e cidadãos romanos) ou à família (como pater familias ou filius familias),
denominavam-se status (estados), que eram três: status libertatis, status ciuitatis e status
familiae.
A pouco e pouco, no entanto, tendo em vista que se atribuiram certos direitos aos
estrangeiros, a qualidade de cidadão romano deixou de ser requisito para a aquisição de
personalidade jurídica, passando a ter influência apenas na maior ou menor amplitude da
capacidade jurídica (assim, o estrangeiro, desde que se lhe reconheceram direitos em
Roma, tinha personalidade jurídica, embora sua capacidade jurídica fosse mais restrita
do que a do cidadão romano).
Passemos ao estudo dos três status (status libertatis, status ciuitatis e statusfamiliae).
83. Status liberúllis - No direito romano, os homens ou são livres, ou escravos. A li-
berdade é a regra; a escravidão é a exceção. Iniciaremos por esta,5 tratando:
3 Os romanos não tiriham termos específicos para exprimir essas três idéias: personalidade jurídica, ca-
pacidade jurídica e capacidade de fato.
4 Alguns autores (principalmente os italianos, como, por exemplo, Perozzi, Istituzioni di Diritto Roma-
no, I, 2" ed., § 16, p.175) entendem que, no direito romano, era possível alguém ter capacidade de fato,
sem possuir personalidade e capacidade jurídica. Citam, por exemplo, o escravo, que não era pessoa
fisica (e, portanto, não tinha personalidade nem capacidade jurídica), mas que, não obstante, podia, re-
alizando atos jurídicos, adquirir direitos e contrair obrigações para seu proprietário. A nosso ver, no
entanto, o escravo pode praticar tais atos, não porque tenha capacidade de fato, mas porque serve de
instrumento de açãojuridica do seu dono (procede - no dizer de Kaser, Der Begrif. der Stellvertretung,
in Romanitas, I (1958), p. 162 - como instrumento animado do seu proprietário, como seu braço pro-
longado). Tanto assim que, se o escravo não tiver dono (em proveito de quem revertem seus atos), não
pode praticá-los (D.XLV, 3, 36). Note-se, finalmente, que Sohm i Institutionen, 143 ed., § 32, p. 193)
justifica esses casos anômalos com a observação de que o escravo era detentor de uma personalidade
natural (natiirlichePersõnlichkeit).
5 Sobre a escravidão em face do direito romano, vide Bucldand: The Romam Law of Slavery, Cambrid-
ge, 1908; e RDbleda,B Diritto degli Schiavi nell'Antica Roma, Roma, 1976.
DIREITO ROMANO 105
a) das causas de escravidão;
b) da condição jurídica do escravo;
c) das categorias de escravo; e
d) dos modos de libertação.
A) Causas de escravidão
Várias eram as causas de escravidão. Podemos dividi-Ias em dois grupos: as do ius
gentium e as do ius ciuile. As primeiras perduraram durante toda a evolução do direito ro-
mano; as outras não: sofreram modificações.
1- Causas do ius gentium.
Eram duas: a captura pelo inimigo e o nascimento.
Quanto à captura, podia ela ocorrer em tempo de paz ou de guerra. Na paz, quando
entre Roma e outro Estado não havia tratado de amizade; na guerra, o vencedor escravi-
zava o vencido." Se o capturado era estrangeiro, tomava-se escravo do romano; se roma-
no, do estrangeiro. Demais, não tendo personalidade jurídica, se um cidadão romano
fosse reduzido à escravidão, por captura, seus direitos em Roma ficavam em suspenso; se
ele conseguisse fugir e voltar ao território romano, readquiria-os em decorrência da fic-
ção dopostliminium, pela qual era ele considerado como se jamais tivesse sido escravo: 7
se, porém, morresse escravo, a Lei Come/ia, de 81 a.C. - e isso para evitar graves conse-
qüências em matéria de sucessão hereditárias -criou outra ficção: considerava-se o cida-
dão romano como tendo morrido no instante da captura, ou seja, quando ainda era livre.
Quanto ao nascimento, era a condição da mãe que determinava a do filho: quem
nascia de escrava, ainda que o pai fosse livre, seria escravo. Mas a genitora, entre a con-
cepção e o parto, podia mudar de condição (assim, por exemplo, quando da concepção,
era livre, mas ao dar à luz se tomara escrava). Qual, então,o momento que se levava em
conta para determinar-se a condição do filho? No direito clássico, era o instante do nasci-
mento; se a mãe, livre durante quase toda a gestação, pouco antes do parto se tomasse es-
crava, o filho nasceria escravo. No direito pós-clássico, mudou-se a orientação com base
no princípio de que o nascituro se tem por nascido quando se trate de seu interesse: se a
mãe tivesse sido livre em qualquer momento da gestação, o filho nasceria livre.
2 - Causas do ius ciui/e.
No direito pré-clássico, tomavam-se escravos:
a) o que não prestava declarações ao censo;
6 Note-se, porém, que a captura por piratas ou em guerra civil não tornava o prisioneiro escravo.
7 Mas nem todos os romanos aprisionados que conseguiam regressar a Roma gozavam do beneficio de-
corrente do postliminium; assim, por exemplo, não se aplicava o postiliminium aos que se tinham ren-
dido ao inimigo, nem aos que, podendo, não haviam tentado escapar.
8 Não fora essa lei, e o testamento feito antes da captura seria invalidado, pois, para -sua validade, era
preciso - o que não ocorria com o prisioneiro que morresse cativo - que o testador tivesse capacidade
para fazê-lo (testamentifactio ativa) no momento em que o redigira e no instante de sua morte.
106 JOSÉ CARLOS MORElRA ALVES
b) O que, convocado, não se apresentava ao exército;
c) o desertor; . .
d) aquele que os romanos entregavam ao inimigo ou à nação estrangeira que ele tl-
vesse ofendido;
e) o ladrão preso em flagrante;
j) o devedor insolvente; e
g) o [ilius familias vendido pelo paterfamilias. .
Em todos esses casos, os neles incursos, para se tomarem escravos, tinham de ser
vendidos no estrangeiro, pois nesse período vigorava o princípio de que o cidadão roma-
no não podia ser reduzido à escravidão em Roma.
No direito clássico, quase todas essas causas ou j á não existem, ou caem em desuso.
Em compensação, surgem outras. Assim, nesse período, tomam-se escravos:
a) o condenado à morte ou a trabalhos forçados nas minas;
b) a mulher livre que, notificada três vezes pelo dono do escravo a não continuar
mantendo relações carnais com este, não atendesse às notificações;
c) o maior de 20 anos que, fmgindo-se escravo, se deixasse vender como se o fosse,
para dividir o preço com o comparsa que o alienara; a princípio, aquele podia re~vindicar
sua condição de homem livre, mas, no direito clássico, não mais o pode fazer, pois, com a
prática do ato, se torna realmente escravo; e
d) o liberto que fosse ingrato ao seu antigo dono."
No direito pós-clássico, persistem essas quatro causas. Justiniano, porém, revogou
d
., !O
as uas pnmeiras.
B) Condição jurídica do escravo
O escravo, emRoma, era, assim como um animal, coisa (res), objeto de direito sub-
jetivo. Daí estas conseqüências: não podia casar-se legitimamente (sua união com escra-
va ou mulher livre não era matrimonium, mas contubernium); não tinha patrimônio; não
podia ser parte (autor ou réu) em juízo; seu proprietário podia transferi-lo, onerosa ou
gratuitamente, a outro homem livre, e até matá-lo.
Sua condição jurídica (res) perdura por toda a evolução do direito romano, mas
com atenuações gradativas, pois não era possível negar-se que ele era um homem. I I Já no
direito pré-clássico, °escravo podia participar de cultos domésticos e públicos; ser mem-
bro - e até ocupar cargos de direção - de corporações religiosas, desde que tivesse o con-
sentimento do dono. No direito clássico, entre outras atenuações, o escravo, em certos
9 A propósito, vide De Francisci, La revocatio in servitutem dei liberto ingrato, in Mélanges de Droit
Romain Dediés à Georges Cornil, I, p. 297 e segs., Gand-Paris, 1926.
10 Nov. XXII, 8; e Inst., m, 12, 1.
11 Vide; a propósito, Robleda (li Diritto degli Schiavi nell 'Antica Roma, p. 70 e segs., Roma, 1976), que
acentua (p. 72) que os escravos são chamados personae por Gaio porque tinham uma atividade jurídi-
ca a cumprir na cidade, ou a eles eram atribuídas funções com direitos e deveres jurídicos.
;-
DIREITO ROMANO 107
casos, podia ser utilizado pelo proprietário para, em nome deste, contrair obrigações ou
adquirir direitos; dos contratos que celebrasse, em seu próprio nome, resultavam obriga-
ções naturais; e, no processo extraordinário, que surge no início do principado, admite-se
a capacidade processual do escravo. No direito pós-clássico, finalmente, intensificam-se
as disposições, emanadas dos imperadores, de proteção ao escravo contra o rigor das pu-
nições de seus donos.
Mas essas atenuações não chegaram a modificar-lhe a condição juridica: também
no direito pós-clássico, continuou ele a ser considerado coisa (res).
C) Categoria de escravos
Juridicamente, não havia categorias de escravos; de fato, porém, e tendo em vista
suas aptidões e a qualidade do dono, elas existiam.
Havia escravos que tinham proprietário (serui alicuius) e outros que não tinham
(serui nullius). Os serui nullius eram os que tinham sido abandonados pelo dono, pois o
abandono não lhes atribuía a liberdade, mas os tomava serui nullius, até que outro ho-
mem livre deles se apoderasse. Os serui alicuius ou pertenciam ao Estado (serui publici)
ou a particulares, sendo que a condição daqueles era melhor do que a destes. Por outro
lado, entre os escravos de particulares, e em face de suas aptidões, uns ocupavam posição
de superioridade com relação aos outros, dirigindo, até, o trabalho destes.
D)Modos de libertação
O escravo pode ser libertado por manumissão (manumissio) ou por disposição de lei.
A manumissão é o ato de libertação do escravo pelo seu senhor. O escravo alforria-
do diz-se liberto; o dono, que o manumite, patrono.
A manumissão pode fazer-se por diversos modos, que foram surgindo no curso da evo-
lução do direito romano. Por outro lado, a princípio, o senhor tinha absoluta liberdade para
manumitir os escravos que quisesse e em número que bem entendesse; posteriormente, sur-
giram restrições a isso; e, afinal, no direito justianeu, várias destas foram abolidas.
Examinaremos, a seguir, os modos de manumissão e as restrições a ela, nos direitos
pré-clássico, clássico e pós-clássico.
1- No direito pré-clássico
Nesse período, só se conheciam três modos de manumissão, admitidos pelo ius ciuile.
Eram os seguintes atos solenes:
a) manumissio uindicta - era ela realizada por meio de simulacro de processo judi-
cial de reivindicação de liberdade (uindicatio in libertatem): o senhor, o escravo e um ter-
ceiro (o adsertor libertatis) compareciam à presença do magistrado (em Roma, o pretor
urbano), e, então, o adsertor libertatis, tocando no escravo com uma varinha (em latim,
uindicta; daí a denominação manumissio uindicta), afirmava que este era homem livre; o
senhor não contestava a assertiva, e,diante disso, o magistrado, confirmando a declara-
ção do adsertor libertatis, declarava livre o escravo (addictio libertatis);
b) manumissio censu - processava-se com a inscrição do escravo nas listas do re-
censeamento por declaração dele mesmo, devidamente autorizado para isso pelo seu
dono; e
108 JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES DIREITO ROMANO 109
12 Y'ule, a respeito, a monografia de Donatuti, Lo Statulibero,Milano, 1940.
13 Y'uJeG. Funaioli,Ancora sull'età di Petronio. Aproposito della manumissio per mensam, in Bulletti-
110 dell'IstitutodiDiriuoRomano,vol. illN.S. (1936-1937),p. 385 e segs.
14 A Lei Iunia Norbana, provavelmente de 19 d.e., regulou-lhes a situação jurídica, atribuindo-lhes a
condição de latinos (em decorrência da Lei Iunia Norbana eram denominados latini Iunianõ, e esta-
belecendo que viveriam como homens livres, mas morreriam como se fossem escravos (quando de
sua morte,' seus bens se transritiam ao antigo dono). A condição de latinos Iuniani só desapareceu
00IIl Justiniano.
Por outro lado, é no direito clássico que vão surgir restrições à liberdade de manu-
mitir. Duas leis, do tempo do imperador Augusto,as impõem. São elas:
a) a Lei Fufia Caninia (de 2 a.C.) -limitou, dentro de proporções relacionadas com
total de escravos possuídos, as manumissões que o testador poderia fazer, as quais, em
hipótese alguma, excederiam 100; e
b) a Lei Aelia Sentia (de 4 a.C.) - estabeleceu as quatro seguintes restrições:
Ia - O senhor de menos de 20 anos, sob pena de nulidade da alforria, somente podia
libertar seus escravos pela manumissio uindicta e com iusta causa reconhecida por um
Conselho, que, em Roma, era constituído de um magistrado - cônsul ou pretor -, cinco
senadores e cinco cavaleiros;
2a - o escravo de menos de 30 anos somente podia ser libertado mediante manumis-
sio uindicta e com a aprovação do citado Conselho;
38 - era nula a manumissão do escravo concedida por devedor insolvente ou por
quem cuja insolvência decorresse dela, casos em que a alforria se considerava feita em
fraude aos credores do senhor; e
48 - era proibida a manumissão de escravo que tivesse sofrido castigo infamante
(grilhões, por exemplo); se, porém, fosse desrespeitado esse preceito, a alforria não seria
nula, mas o escravo se tomaria peregrino deditício (vide n" 84, C).
3 - No direito pós-clássico
No direito pós-clássico, Constantino acrescentou aos modos de manumissão do ius
ciuile então existentes (manumissio uindicta e testamento) um outro: amanumissão ecle-
siástica, que se fazia por meio de declaração do senhor do escravo, na Igreja, diante do
bispo e dos fiéis.
No tempo de Justiniano, os modos de manumissão do ius ciuile, do ius honorarium
e do ius extraordinarium passam a produzir, com a fusão dessas três ordens jurídicas, os
mesmos efeitos, sem qualquer distinção. Demais, Justiniano revogou a Lei Fufia Cani-
nia, bem como as restrições de números 2 e4 (da seqüência que observamos atrás) da Lei
Aelia Sentia.
Além de o escravo poder ser libertado pela manumissão, podia sê-lo, também, por
disposição de lei, quando preenchesse os requisitos nela estabelecidos. Em face disso - e
a título exemplificativo -, tornava-se livre:
a) o escravo cristão que fosse adquirido por pagão, judeu, ou qualquer pessoa não-
ortodoxa; 15· .
b) o escravo - e isso no tempo de Justíníano" - que fosse abandonado pelo dono;
c) o escravo que, de boa-fé e com justo título, permanecesse 20 anos consecutivos
na posse do estado de homem livre. 17
c) manumissio testamento - realizava-se mediante a inserção pelo senhor, no seu
testamento, de disposição dando liberdade ao escravo; este se tomava livre quando, de-
pois da morte do testador, o herdeiro aceitava a herança; às vezes, o testador estipulava
que o escravo somente adquiriria a liberdade se ocorresse um acontecimento futuro e in-
certo (manumissão condicionah, ou futuro e certo (manumissão a termo), e, enquanto a
condição pendia ou o termo não se verificava, o manumitido permanecia na situação es-
pecial de statuliber."
No direito pré-clássico não havia qualquer restrição à faculdade de manumitir es-
cravos.
2 - No direito clássico
No direito clássico, dos três modos de manumissão existentes no período anterior,
dois (amanumissio uindicta e a manumissio testamento) continuam a ser utilizados, e um
(a manumissio censu) cai em desuso. Mas, a par disso, surgem outros modos de manu-
missão admitidos pelo ius honorarium, e, no principado, pelo ius extraordinarium.
Segundo o ius honorarium, o senhor podia libertar o escravo sem observar um dos
modos de manumissão do ius ciuile, mas por inequívoca declaração de vontade sem
maiores formalidades (assim, por exemplo, per epistolam - mediante carta assinada por
cinco testemunhas, na qual declarava livre o escravo; ou inter amicos - por manifestação
oral no mesmo sentido, na presença de cinco amigos; ou ad mensam=»- com a admissão
do escravo à mesa de refeições). Nessas manumissões reconhecidas pelo ius honora-
rium, o dono do escravo não obedecia, portanto, às formas e aos pressupostos exigidos
pelo ius ciuile. Por isso, em face do ius ciuile o escravo não adquiria a liberdade, podendo
seu proprietário, a qualquer momento, pretender reduzi-lo novamente à escravidão. O
pretor, porém, nessa hipótese, negava a ação pleiteada pelo dono, permitindo ao escravo
que permanecesse em liberdade de fato."
No principado, surgiu novo modo de libertação, introduzido pelo ius extraordina-
rium: a manumissão fideicomissâria, em que o proprietário, em testamento, em vez de
declarar diretamente que, depois de sua morte, o escravo se tomaria livre, recomendava
ao herdeiro que o libertasse (rogo te ut Stichum manumittas = peço-te que manumitas o
escravo Stico), o que fazia com que o escravo somente se tomasse livre quando o herdei-
ro, pela manumissio uindicta ou censu, lhe concedesse a alforria.
15 c.t, 10,2.
16 Nov. xxn, 12.
17 C. vn, 22,1 e 2.
110 JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES
d) O escravo que, tendo sido vendido com cláusula de ser manumitido dentro de cer-
to tempo, não o fosse no prazo estabelecido.i''
* * *
Analisada a escravidão, passemos ao exame do reverso: a liberdade.
No direito romano, havia duas espécies de pessoas livres;
a) o ingênuo; e
b) o liberto.
O ingênuo era aquele que não tinha sido escravo, ou, se o fora, havia readquirido a
liberdade retroativamente, por causa da ficção dopostiliminium.
O liberto ou nascera escravo e obtivera a alforria, ou nascera livre, tornara-se escra-
vo, e reconquistara a liberdade. Denominava-se libertinus em contraposição ao ingenu-
us; em frente ao patronus (seu antigo proprietário), libertus.
Ao contrário do que ocorria com o ingênuo, o liberto, em virtude da mácula de ter
sido escravo, sofria restrições de duas espécies:
a) quanto à capacidade jurídica (era menor do que a do ingênuo);
b) quanto à pessoa do patronus, e, por morte deste, à dos seus descendentes agnatí-
cios.
A primeira dessas duas espécies, porque implica diminuição de capacidade jurídi-
ca, será estudada no capítulo seguinte.
Com relação à segunda, as restrições são estas:
a) obsequium: era o respeito (semelhante ao do filho para com o pai) que o liberto
devia ao patrono; donde conseqüências como as seguintes: estava o liberto, com relação
ao patrono, sujeito, a princípio, ao ius uitae et necis (direito de vida e de morte), e, poste-
riormente, à moderata castigatio (punição moderada); e não podia intentar ação infa-
mante contra ele;
b) operae: podiam ser de duas espécies - operae officiaIes (obséquios que o liberto,
moralmente, estava obrigado a prestar ao patrono, mas que este não podia exigir judicial-
mente) e operaefabriles (prestações de conteúdo econômico que o escravo, antes da li-
bertação, jurava realizar, depois dela, em favor do patrono, que, por isso, podia exigi-Ia
mediante ação judicial); 19 e
c) bona: o liberto estava obrigado a alimentar o patrono necessitado, e a assumir, se
lhe fosse deferida, a tutela de seus filhos; demais, o patrono tinha direito de, quando da
morte do liberto, suceder-lhe em todos os bens, ou, ao menos, em parte deles.
18 D.XL,8, l.
19 Apartir do século II a.C., o pretor, tendo em vista o abuso dos patronos, reduzia esses serviços ao que
lhe parecia justo.
DIREITO ROMANO 111
Essas restrições que o liberto sofria com relação ao patrono eram, em geral, vitalí-
cias, mas não se transmitiam a seus filhos, que nasciam ingênuos.é'' Podiam, entretanto,
cessar em vida do liberto, em três hipóteses:
a) quando o patrono perdesse os direitos do patronato (no caso, por exemplo, de ter
negado alimentos ao liberto), o que já se admitia durante a república;
b) quando - e isso a partir do principado - o liberto, com a aquiescência do patrono,
obtivesse do imperador a natalium restitutio (favor imperial que lhe concedia a condição
de ingênuo); e
c) quando o patrono renunciasse aos direitos do patronato, o que foi estabelecido
por Justiniano, que, além disso, determinou também que, em qualquer hipótese, o liberto
continuaria a dever respeito aopatrono, sob pena de retomar, por ingratidão, à condição
de escravo.
84. Status ciuitatis - Os romanos denominavam status ciuitatis a dependência de
um indivíduo a uma comunidade juridicamente organizada.
A princípio, o Estado se identificava com a cidade de Roma: eram cidadãos seus ha-
bitantes livres.
E, também quando Roma se vai expandindo, não abandona ela a concepção primiti-
va da cidade-Estado. Por isso, embora acrescente novos territórios ao seu, não estende a
cidadania às populações que vai reduzindo à sujeição. Daí haver, no Império Romano, ao
lado dos ciues (cidadãos), súditos livres tperegrini = peregrinos) que não o eram.
Por outro lado, ocupando posição intermediária entre os ciues e os peregrini, en-
contravam-se os latini (latinos), representados, em geral, pelos habitantes das cidades do
Latium (Lácio) e das colônias latinas da Itália.
Finalmente, havia os barbari (bárbaros), povos que, não sendo súditos de Roma..
nem mantendo com ela qualquer espécie de relações, eram considerados inimigos. Po;
isso, se um bárbaro, ainda que não houvesse, naquele momento, guerra entre Roma e seu
povo, ingressasse em território romano, poderia ser capturado e reduzido â.escravídão."
Desde os fins da república, a tendência de Roma é no sentido de estender, paulati-
namente, a cidadania romana a todos os súditos do Império. Assim, em 90 a.C., a Iex Iulia
a concedeu aos habitantes do Latium; um ano depois, a Iex Plautia Papiria a atribuiu aos
aliados de Roma; e, em 49 a.C., a Iex Roscia fez o mesmo com relação aos habitantes da
Gália Transpadana,
i
f
20 Vide, a propósito, Sohm, Institutionen, 14" ed., § 32, p. 198.
21 D.XLIX,15,5,2.
112 JOSÉ CARLOS MORElRA ALVES
Em 212 d.e., Caracalla, na célebre Constitutio Antoniniana, concedeu a cidadania
a quase todos os habitantes do Império.22 As exceções que subsistiram desapareceram
com Justiniano."
Feitas essas considerações, examinemos, separadamente, a condição dos ciues (ci-
dadãos), dos latini (latinos) e dos peregrini (peregrinos).
A) Cives
A cidadania romana se adquire ou pelo nascimento ou por fato a ele posterior.
Quanto ao nascimento, é cidadão romano o filho cujo pai, no momento da concep-
-ção, é romano e casado legitimamente (justas núpcias); se não é legítimo o matrimônio
dos pais, a criança, a princípio, seguia a nacionalidade da mãe no instante do parto, mas,
nos fins da república, se estabeleceu que seria peregrina a criança nascida de mãe romana
e pai peregrino, e, finalmente, com o imperador Adriano, distinguiu-se a hipótese de o pai
ser latino e a mãe, romana, caso em que a criança seria cidadã romana.
Com relação aos fatos posteriores ao nascimento que acarretam a aquisição da cida-
dania romana, são eles os seguintes: a manumissão, o beneficio da lei, a naturalização e a
erroris causae probatio. Tomava-se romano o escravo cujo dono fosse cidadão romano e
o manumitisse por um dos modos do ius ciuile. Algumas leis estabeleciam que, quando
ocorressem certas circunstâncias, determinadas pessoas adquiririam a cidadania romana:
assim, por exemplo, a Lei Seruilia de repetundis, segundo a qual se tomava cidadão ro-
mano o latino que acusasse e visse condenado um magistrado romano por crime de con-
cussão. Por outro lado, latinos e peregrinos podiam naturalizar-se (em virtude de lei, ou
por ato de general vitorioso ou do imperador) cidadãos romanos. Já a aquisição da cida-
dania romana se verificava pela erro ris causae probatio, quando, equivocado com a pró-
pria nacionalidade ou com a de seu cônjuge, o romano ou a romana se casava com
peregrino ou latino; nascido dessa união um filho,J> romano ou a romana - desde que
provasse que, de boa-fé, se enganara quanto à sua nacionalidade ou à de seu cônjuge -
transformava tal união em justas núpcias, e o cônjuge peregrino ou latino, bem como o fi-
lho, se tornavam cidadãos romanos.f"
22 Há grande controWaia sobre a verdadeira extensão da Constitutia Antoniniana, cujo texto grego -
embora mutilado -ooohecemos pelo papiro de Giessen, n" 40. Como salienta Arias Ramos (Derecho
Romano, I, 8"ed.,p. 73, nota 92, Madrid, 1960), os três pontos fundamentais que os romanistas discu-
tem são estes: a) se.concessão da cidadania romana abrangeu os deditícios, ou não; b) se, além dos
deditícios (o queéc:ootrovertido), houve outras exclusões; e c) que se deve-entender, nessa constitui-
ção imperial, por dditicios? Amplo estudo desse papiro se encontra em Segré, "L 'editto di Caracalla
sulla cxmcessioneddJa cittadinanza romana e il papiro, Giessen, 40, 1", in Studi in Onore di Silvio
PerDZZi, pp. 139.219, Palermo, 1925.
23 - Vide, a propósito,Biandi, Istituzioni di Diritto R071Ulno,3' ed., § 29, p. 123.
24 Sobre a erroris aaaae probatio, vide Gaetano Sciascia, A Prova da Causa do Erro- no Matrimônio
Romano e o Ca_to Putativo, in Variem Giuridiche, pp. 53 a 74, Milano, 1956 ..
1
I
I
DIREITO ROMANO 113
Somente o cidadão romano possuía, com relação ao ius ciuile, capacidade jurídica
integral, dispondo, no terreno político do ius honorum (faculdade de eleger-se magistra-
do) e do ius suffragii (faculdade de votar); e, no campo civil, do ius conubii (faculdade de
contrair casamento legítimo), do ius commercii (faculdade de concluir atos jurídicos pa-
trimoniais inter uiuos), da testamenti factio (faculdade de testar, ou de ser contemplado
em testamento, ou de servir de testemunha para a feitura dele) e do ius actionis (faculda-
de de agir em juízo).
Perdia a cidadania romana o cidadão que:
a) fosse feito escravo (ressalvadas as hipóteses em que era admitido o postlimi-
nium);
b) se naturalizasse cidadão de outro Estado;
c) se tomasse membro de uma colônia latina; ou
d) fosse condenado a certas penas perpétuas (como, por exemplo, a deportação). 25
B) Latini
Os latinos eram, em geral, os cidadãos das cidades latinas (situadas no Latium), ou
das colônias latinas fundadas na Itália
Eles se dividiam em:
a) latini prisci (latinos velhos) --os pertencentes a cidades ou colônias latinas fun-
dadas antes de 268 a.C.; e
b) /atini coloniarii (latinos coloniários) - os pertencentes a colônias latinas funda-
das depois de 268 a.C.
Os latinos, pelas suas origens afins às dos romanos, sempre foram, em face do direi-
to romano, os mais favorecidos dos estrangeiros. Segundo parece, os latini prisci pos-
suíam capacidade jurídica mais ampla do que a dos latini coloniarii. Ambos dispunham
do ius sujJragii, do ius commercii, do ius actionis e da testamenti factio; mas apenas os
latini prisci tinham o ius conubii.
Por outro lado, certas leis romanas atribuíram a pessoas que não pertenciam a cida-
de do Laiium, nem eram membros de colônia latina, condição jurídica semelhante à dos
latini coloniarii. Assim, os libertos que se enquadravam numa das hipótese a que aludia a
Lei Iunia Norbana (por exemplo, os manumitidos sem a observância das formas solenes
do ius ciuile), e que eram denominados latini Iuniani, Assim, também, os latini Aeliani,
isto é, os alforriados com infringência de algumas das diposições da Lei Aelia Sentia.
,c)Peregrini
Eram peregrinos (peregrini) os estrangeiros que pertenciam a Estado submetido e
anexado ao Império Romano, ou a Estado que tivesse tratado de paz com Roma.
Quando pertenciam a Estado submetido e anexado ao Império Romano, eles se di-
vidiam em duas categorias:
25 - -Sobre o status ciuitatis.ivide Sherwin-White, The Roman Citizenship, Oxford, 1939.
114 JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES
a) peregrinos ordinários (peregrini alicuius ciuitatis) - os pe.rtence~t~s a Estados
cuja organização política os romanos tinham respeitado, e que, por ISSO, vrvram sob suas
próprias leis; e
b) peregrinos deditícios (peregrini nullius ciuitatis) - os pertencent~s a ~s~ado.e,:n
que se dissolvera sua organização jurídica, pelo fato de se haverem rendido a discrição
dos romanos somente após absoluta carência de meios de combate.
Ambos, nas suascomunidades, eram regidos pelas suas leis (e isso ocorria, de fato.
até com relação aos peregrinos deditícios). Mas, nas relações com cidadãos romanos, não
possuíam - a menos que lhes fossem concedidas excepcionalmente e a títul~ pess~al -:
quaisquer das faculdades reconhecidas pelo ius ciuile; podiam apenas concluir atos jun-
dicos reconhecidos pelo ius gentium.
Por outro lado, emvirtude da Lei Aelia Sentia, eram considerados como peregrinos
deditícios os libertos que, durante a escravidão, haviam sofrido castigos infamantes.
85. Status famüiae - A posição de uma pessoa dentro da família romana é muito
importante para determinar-se a amplitude de sua capacidade jurídica, no campo do di-
reito privado.f
Na acepção de conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo do parentesco.I' os jurístas
romanos empregavam o termo família em dois sentidos:
10 _ em sentido amplo (familia communi iure), para traduzir o conjunto de pessoas
que descendiam de um parente comum e sob cuja potestas (poder) estariam se ele fosse
vivo; e
2° - em sentido restrito (familia proprio iure), para designar o complexo de pessoas
que se encontravam sob a potestas de um pater famílias. . .
O status familiae diz respeito, apenas, àfamilia proprio iure. Nela, distinguem-se
duas categorias de pessoas: .
a) de um lado, opater famílias (que não está subordinado a nenhum ascendente
masculino vivo); e
b) de outro, osJiliifamilias (isto é, todas as pes~oas livres que estão sob apotestas
do pater familias: assim, por exemplo, sua mulher in manu; seus filhos e filhas; suas no-
ras in manu; seus netos e netas, e respectivas mulheres in manu).
O pater familias é pessoa sui iuris; os filii famílias, pessoas alieni iuris.
Note-se que, para ser pater familias, é preciso apenas que se trate de homem que
não esteja subordinado a ascendente masculino, não sendo necessário que tenha mulher e
descendência. O recém-nascido (assim, por exemplo, opater famílias falece, e sua espo-
26 O mesmo não ocom:,ao menos na época histórica, no terreno do direito público, pois tanto ofilius fa-
miliae quanto o patoJamilias tinham o ius honorum e o ius suffragii.
27 A palavrafamilia, _ textos, é empregada também em outras acepções, como herança, patrimônio,
conjunto de escraees, (vide, a respeito, Matos Peixoto, ob. cit., I, n° 184, p. 337 e segs.; e Heu-
mann-Seckel, HamlJerilcon zu den Quellen des Rõmischen Rechts, 9" ed., vb.familia, pp. 208 e 209).
DIREITO ROMANO 115
sa, posteriormente, dá à luz um menino) pode serpater familias, pois pater, nessa expres-
são, quer dizer chefe, e não genitor. Mas, se somente o homem podia ser pater famílias,
qual a situação da mulher que não estivesse sob a potestas de ascendente? Ela era, tam-
bém, pessoa sui iuris, embora não fossepater familias.
Com referência ao direito privado, a princípio somente as pessoas sui iuris tinham
plena capacidade jurídica. A pouco e pouco, no entanto, e a partir do direito clássico, se
vai alargando a capacidade jurídica das pessoas alieni iuris. No direito justinianeu, em-
bora não se tenha chegado à situação de igualdade, aproximam-se bastante, em extensão
de poderes, a capacidade jurídica das pessoas alieni iuris e a das pessoas sui iuris.
Por outro lado, as pessoas que constituem a família proprio iure estão unidas por
vínculo que se denomina parentesco.
No direito romano havia duas espécies de parentesco: o agnatício (agnatio = agna-
ção) e o cognatício (cognatio = cognação). O parentesco agnatício é o que se transmite
apenas pelos homens.'" o cognatício é oque se propaga pelo sangue, e, em conseqüência,
tanto por via masculina quanto por via feminina.f Um exemplo para esclarecer essa dife-
rença. Públio Comélio Scipião e Comélia eram irmãos, filhos de Scipião, o Africano;
ambos se casaram e tiveram descendência (os de Comélia foram os célebres Tibério e
Caio Graco); ora, o filho de Públio Comélio Scipião era agnado do avô, Scipião, o Afri-
cano; já os filhos de Comélia eram apenas cognados dele, pois entre Tibério e Caio Gra-
co, de um lado, e Scipião, o Africano, de outro, havia uma mulher - Comélia - que não
transmitia o parentesco agnatício.
A princípio, vigorou em Roma o parentesco agnatício (o cognatício só era levado
em consideração para proibição de casamento); no direito clássico, o parentesco cognatí-
cio começou a produzir vários efeitos jurídicos; finalmente, no direito justinianeu, ele su-
plantou o agnatício, tendo Justiniano, na Novela 118, de 543 d.C., abolido a agnatio.
***
Em direito, é importante estabelecer-se, exatamente, a maior ou menor proximida-
de de parentesco entre as pessoas que integram uma família. Para isso, é necessário que
se conte o parentesco, o que se faz por linhas e por graus.
Linha é a série de pessoas que descendem umas das outras (nesse caso se diz linha
reta), ou que, embora não descendam umas das outras, derivam de um antepassado co-
28 Entre os aguados se incluem, também, as pessoas que ingressam na familia proprio iure pelo casa-
mento com a aquisição da manus (poder marital sobre a mulher), ou pela adoção, ou pela ad-rogação.
Assim, a mulher in manu é agnada dos aguados de seu marido, embora continue cognada com relação
aos membros de sua família de origem.
29 Note-se que, normalmente, há coincidência eutre a agnação e a cognação, Com efeito, o filho que se
encontra sob apotestas do pai é agnado e cognado deste. Mas isso nem sempre 0C0Ire: o filho emanci-
pado continua cognado de seu pai, mas não agnado; já o filho adotivo é apenas agnado do adotante.
116 JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES
mum (diz-se, então, linha colatera/). Assim, por exemplo, o avô e o neto são parentes na
linha reta, pois o neto descende do avô. O gráfico é esc1arecedor:
DIREITO ROMANO 117
comum), B e C (seus filhos), D e E (seus netos, e primos co-irmãos entre si); qual o grau
de parentesco entre D e E?
X avô
I
A
2 graus 3 graus
X pai B C
I grau 4 graus
D E
X neto
Já os irmãos são parentes na linha colateral, pois não descendem uns dos outros,
mas de um antepassado comum, o pai:
X pai
irmão - X X - irmão
Grau é a distância que vai de uma geração à outra. O pai é parente em primeiro ~au
do filho; o avô éparente em segundo grau do neto (pois, do avô ao pai, um grau; do par ao
neto, outro; donde o total: dois graus). ,
Com esses dois elementos (linha e grau), está-se apto a contar o parentesco cognatí-
cio ou agnatício. Essa contagem se faz de modo diverso conforme se trate de parentes em
linha reta ou em linha colateral.
Quando se deseja saber qual o grau de parentesco que existe entre dois parentes na
linha reta, basta descer (ou subir) de um deles ao outro, contando-se os graus que há entre
ambos. Por exemplo, o avô é, com relação ao neto, seu parente, na linha reta, em segundo
grau:
Quando se quer determinar o grau de parentesco que existe entre dois parentes na li-
nha colateral, contam-se os graus partindo-se de um deles, subindo-se até o antepassado
comum, e descendo-se ao outro. Assim, no gráfico seguinte, temos A (como antepassado
Como existem quatro graus entre D e E, são eles parentes, na linha colateral, em
quarto grau.
* * *
Ao lado do parentesco agnatício e cognatício, há a afinidade (adfinitas), que é o
vínculo, decorrente do casamento, que existe entre um dos cônjuges e os parentes cogna-
dos dos outros." Mas os adfines (afins) de um dos cônjuges não são, também, afins dos
afins do outro cônjuge (por exemplo, os maridos de duas irmãs não são afins entre si). A
afinidade se extingue quando se dissolve o matrimônio, embora persista para efeito de
proibição de casamento (assim, o ex-genro não pode contrair casamento com a ex -sogra).
85-A. Domicílio31- Domicílio é o lugar onde a pessoa tem a sede de suas relações
civis (ou seja, o centro habitual de negócios, e onde desenvolve suas atividades sociais ).32
O domicílio sempre teve importância, no direito romano, no que diziarespeito a:
1 - impostos municipais (a eles estão sujeitas as pessoas domiciliadas no municí-
pio); e
30
X avô
I grau I
X pai
2 graus I
31
X neto
32
D. xxxvrn, 10,4,3. Salienta, porém, Volterra (Istituzioni di Diritto Privato Romano, p. 684, nota I)
que há dúvida sobre se a afinidade se estabelecia entre o cônjuge e todos os cognados do outro cônju-
'ge, ou se apenas entre aquele e os ascendentes e os descendentes imediatos deste. Por outro lado, Gua-
rino (Adfinitas, p. 7 e segs., Milano, 1939) pretende - no que não é seguido pela maioria dos autores-
que, no direito clássico, há afinidade entre marido e mulher, e entre pais e filhos de um cônjuge e o ou-
tro cônjuge; no direito pós-clássico, é ela o vinculo existente entre cada um dos noivos ou dos cônju-
ges e os parentes cognados do outro noivo ou cônjuge, não sendo, no entanto, afins os noivos ou os
cônjuges entre si.
Sobre domicílio no direito romano, vide Tedeschi, Contributo allo studio dei domicilio in diritto ro-
mano, in Rivista Italiana perle Scienze Giuridiehe, 1932, p. 213 e segs.
Cí C. X, 40 (39), 7, I (é o texto principal para o conceito de domicílio); D. L, 16,203 e 239, 2; Cícero,
Pro Archia, 4. Alguns autores - assim, Pernice e Leonhard - pretenderam, com base nas fontes, traçar
a evolução do conceito de domicílio no direito romano, o que, todavia - como o demonstrou Tedeschi
(cuja fundamentação sinteticamente se acha exposta em DeZ Domicílio, n° 2, p. 2 e segs., Padova,
1936) -, não conseguiram.
118 JOSÉ CARLOS MORElRA ALVES
2 - competência judiciária (vide n" 120).
Com o domicílio não se confunde a residência, pois esta, ao contrário daquele, e
ainda que se prolongue no tempo, não implica a intenção de permanência. Daí a~guns t~x-
tos33 acentuarem que os estudantes não possuíam domicílio nas cidades aonde tinham Ido
realizar seus estudos. 34
Tanto para o estabelecimento quanto para a mudança de domicílio, não é suficier:~e a
simples declaração da pessoa, mas mister se faz sua real fixação, ou sua efetiva mudança."
O domicílio pode ser voluntário ou necessário. Voluntário é o escolhido pela pes-
soa; necessário, o que lhe é atribuído pela lei, independentemente de sua vontade. Assim,
no direito romano, e a título de exemplo, o domicílio necessário do soldado é o lugar
onde ele server" o do liberto, o de seu antigo proprietário; o da mulher casada, o de seu
marido (e continua a sê-lo quando ela enviúva, até que se tome a casar)."
Segundo textos sobre os quais há suspeita de interpolação, discutiam os juristas ro-
manos Clássicos se era admissível a pluralidade de domicílios, sendo afirmativa a opinião
dominante.38
Demais, admitia-se que uma pessoa não tivesse domicílio algum. 39
33 C. X, 40 (39), 2; e C. X, 39 (38), 4.
34 Tambémnão se confunde com domicílio a origo (origem), embora esta produza, em certos casos, efei-
tos quanto a impostos e a competência judiciária. Origo é a vinculação da pessoa à cidade onde nas-
ceu, decorrendo-lhe daí direitos e deveres.
35 D. L, 1,20.
36 Ressalvada, porém, a hipótese de o soldado possuir bens em sua pátria (D. L, 1,23, 1).
37 D. L, 1,22, 1; D. L, 1,32; C. X, 40 (39), 9, pr. e I.
38 D. L, 1,5; D. L, 1,6,2; D. L, 1,27,2.
39 D. L, 1,27,2.
XII
PESSOA FÍSICA OU NATURAL (CAUSAS QUE RESTRINGEM
OU EXTINGUEM A CAPACIDADE JURÍDICA)
Sumário: 86. Causas restritivas da capacidade jurídica. 87. Causas que extinguem a
capacidade juridica. 88. Capitis deminutiones. 89. Capitis deminutio maxima. 90. Capitis
deminutio media. 91. Capitis deminutio mínima. 92. A morte da pessoa fisica ou natural.
86. Causas restritivas da capacidade jurídica - Como salientamos anteriormen-
te, enquanto a personalidade jurídica é um conceito absoluto que não permite gradação
(existe, ou não), a capacidade jurídica a admite: pode ser mais ampla, ou menos.
No direito romano, existem diversas causas que restringem a capacidade jurídica da
pessoa física. Entre outras, I há as seguintes:
a) a condição de liberto;
b) a quase-servidão;
c) a intestabilidade;
d) a infâmia;
e) a turpitudo;
f) a religião;
g) o desempenho de função 011 cargo público; e
h) a condição de eunuco ou castrado.
Estudemo-Ias separadamente.
A) A condição de liberto
Os libertos têm capacidade jurídica mais restritas do que a dos ingênuos.
No campo do direito público, sofrem os libertos várias restrições: não podem ser se-
nadores, nem pertencer à classe dos cavaleiros, nem exercer, nas províncias, o decurionato.
No capítulo anterior, vimos que o status ciuitatis e o status familiae têm influência na maior ou menor
amplitude da capacidade jurídica, pois a dos estrangeiros (latini eperegrini) e a dos filii familias é me-
nor do que, respectivamente, a dos cidadãos romanos e a dos patres famílias. Em razão disso, a capitis
deminutio media e a capitis deminutio minima (vide nOs90 e 91) são, também, causas restritivas da ca-
pacidade jurídica.

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