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Transcendente, segunda edição. Uma revista sobre gênero, sexualidade e identidade

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transcendente
Transcendente feita por:
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IDENTIDADE 
DE GENERO?
CONSTRUCAO SOCIAL?DILDO?
Editores: Carolina Andrade; Nathália Pereira; Rafael Polcaro; Rafaella Rodinistzky
Projeto gráfico: Rafaella Rodinistzky
Capa: Thalita Lefèr
Convidados: Eduardo de Jesus; Jordana Andrade; Meryl Dith; Nathália Schiavon; Patrícia da Cruz; Ralf Prince; Sarah Queiroz; Thalita Lefèr
Editorial
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HETERONORMATIVIDADE?
NAO-BINARIO?
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Interrogações, conteúdos e propostas. Transcendente, em 
sua segunda edição, inicia uma reflexão sobre a identidade 
e os fatores que a constituem. 
A Teoria Queer fornece as lentes para encarar o gênero, a 
sexualidade e a identidade como performance, linguagem, 
comunicação. A partir dessa possibilidade interpretativa, 
Transcendente também investiga as interlocuções de as-
pectos queer, LGBTQI e periféricos com a música, a arte, 
o cinema e a cidade. A teoria sai do ambiente acadêmico e 
navega pela cultura, pelo uso de diferentes linguagens para 
a construção da individualidade, seja por meio da poesia, 
do protesto, dos quadrinhos, das letras de música e riffs de 
guitarra, da moda ou do cinema.
De que formas o uso e reconhecimento do segmento de 
roupas genderless (sem gênero) pode favorecer o recon-
hecimento das identidades não-binárias? Como os corpos 
e, consequentemente, a identidade que eles constituem e 
representam podem navegar e interagir com a cidade? O 
curta cearense “Virgindade” (2014) utiliza a estética do cin-
ema com o potencial de representar uma cidade vibrante 
pelo desejo e pela intensidade da experiência?
Os espaços urbanos são únicos a cada quarteirão. A 
vivência queer pode ser fundamentalmente diferente entre 
a Praça da Liberdade e a Praça da Estação. O sarau no 
Baixo Centro de Belo Horizonte pode ser tão político quanto 
o movimento das paradas LGBTs. Os corpos - e individu-
alidades que representam - ocupam, se materializam e se 
fazem vistos, presentes. 
Se fazem, também, ouvidos, entre riffs, rebeldia e muito 
glamour, em que a não-binariedade e as identidades autênti-
cas ultrapassam as barreiras do gênero, seja ele musical ou 
sexual. Sem o som, a imagem, a ilustração e a linguagem, o 
queer não se constitui, não conversa. Entre essas e outras 
pautas, conheça, questione, transcenda.
 
CONSTRUCAO SOCIAL?
mergulhe 
 transcenda
3 8
3 9 
mergulhe 
 transcenda
PATRÍCIA DA CRUZ ILUSTRA O ÍNDICE
behance.net/patricia_cruz
Pisciana de 21 anos, estudante de Design Gráfico. Adoro me aven-
turar na cozinha, fazer ilustrações de qualidade duvidosa, planejar 
viagens que (provavelmente) não vão acontecer e comer. Sonho que 
um dia vou poder unir o Design e a cozinha abrindo uma confeitaria 
hipster em Nova York. Eu já mencionei que sou pisciana?
0 6 
Entre riffs, rebeldia e 
muito, muito glamour
Rafael Polcaro
Ralf Prince
3 0 
Coliseu Queer
Rafaella Rodinistzky
Jordana Andrade
2 0
Sexo na cidade, mas 
não é sex in the city
Eduardo de Jesus
2 4
Genderless: a revolução 
queer no mercado 
da moda
Carolina Andrade
1 6 
Genderless
Nathália Schiavon
3 2 
Sobre corpos, 
espaços e cores
Nathália Pereira
Sarah Queiroz
3 6 
Ru Paul
Rafaella Rodinistzky
3 8
Créditos Finais
3 9 
Amor é aceitação
Maryl Dith
Entre riffs, 
rebeldia e muito, 
muito glamour
Entre riffs, 
rebeldia e muito, 
muito glamour
“Não tem nada a ver com 
opção sexual, mas com viri-
lidade. Não tem nada a ver 
com machismo, mas com 
intensidade. O que seria 
de nós? Sem plumas ou 
paetês? Sem glam rock? 
Sem Ney Matogrosso? Sem 
David Lee Roth? Sem a vi-
adagem, o rock seria o que? 
O que seria do rock? Sem 
Little Richard, o que seria do 
rock? Sem Freddie Mercury, 
o que seria do rock? Sem 
Rob Halford, o que seria do 
rock?” 
O primeiro parágrafo traz 
versos da canção “O Que 
Seria do Rock?”, do álbum 
“Todos os Dias a Cerveja 
Salva Minha Vida” (2014), 
da banda paulista Velhas 
Virgens, uma letra que ape-
sar de apresentar palavras 
pejorativas, mostra como 
os LGBTTQ’s foram e con-
tinuam sendo fundamentais 
para historia do rock e de 
todos os seus subgêneros, 
reafirmando mais uma vez 
que a música é um senti-
mento sem identidade, que 
não precisa de rótulo algum, 
apenas de emoção e atitude. 
Uma evolução de vários rit-
mos, mas principalmente um 
filho da música negra ameri-
cana, o rock infelizmente 
cresceu e se consolidou 
como um estilo excludente, 
constituído em grande parte 
por músicos brancos, ho-
mens e héteros. Por isso, 
resolvi escrever sobre al-
guns importantes nomes do 
rock, que assumiram publi-
camente a sua homossexu-
alidade e desafiaram esse 
cenário machista e precon-
ceituoso. 
COMO TUDO COMEÇOU 
(Tutti frutti, aw rooty)
Para começar a nossa jor-
nada, faço a você leitor, uma 
pergunta: quem é o rei do 
rock? Provavelmente 99% 
das pessoas infelizmente 
dirão que é Elvis Presley. 
Mas, para mim os verda-
deiros pais e eternos reis 
sempre serão: Chuck Berry, 
negro e de origem simples, 
e Little Richard, negro, de 
origem simples e bissexual. 
Pessoas que não tinham 
apoio algum da sociedade 
em que viviam na época 
para chegarem ao estrelato, 
mas mesmo assim, pelo seu 
profundo talento e fé em si 
mesmos, presentearam o 
Por Rafael Polcaro
Transcendente {07}
mundo com belíssimas can-
ções e melodias que inspi-
raram gerações de músicos.
Criado em uma família re-
ligiosa, com dois tios e o avô 
pastores, Richard frequen-
tava muito a igreja e por isso 
conseguiu lapidar bastante 
o seu talento musical ao 
participar de apresentações 
cantando música gospel, 
que acabaram o levando a 
aprender a tocar piano ainda 
jovem, mas seus pais nunca 
o apoiaram.
Aos 13 anos de idade ele 
foi expulso de casa pelo 
pai, que não aceitava a sua 
sexualidade. “Ele me colo-
cou para fora e me disse 
que de sete garotos que ele 
tinha, eu era o que estava 
estragando tudo, porque eu 
era gay”, diz. Assim, Richard 
foi adotado por uma família 
branca, dona do “Tick Tock 
Club”, onde mais tarde, ele 
faria sua primeira apresen-
tação como músico.
O começo foi difícil. Chuck 
Berry, Bo Diddley, Fats Dom-
ino e Little Richard, os prin-
cipais fundadores do estilo, 
eram taxados como “pes-
soas de cor” nos Estados 
Unidos, que ainda vivia em 
uma sociedade com divisão 
racial explícita, e não con-
seguiam ter suas canções 
tocadas nas estações de rá-
dio, que eram presididas por 
homens brancos. 
Dessa maneira, o estilo gan-
hou mais força só quando 
apareceram cantores como 
Gene Vincent, The Everly 
Brothers e Elvis Presley, 
que por não serem negros, 
tinham total apoio da mídia 
americana e por isso ainda 
são mais lembrados hoje em 
dia. 
Segundo Little Richard, os 
pais da época não queriam 
que “seus filhos reverencias-
sem e tivessem como herói 
um cara negro”, pois em 
tempos de segregação racial 
era inaceitável que uma pes-
soa negra fosse mais impor-
tante que uma branca. 
Logo após Richard lançar 
duas de suas maiores can-
ções: “Tutti-Frutti” e “Long 
Tall Sally”, Pat Boone, cantor 
romântico dos anos 50, fez 
covers dessas duas músicas 
e de outras feitas por músi-
cos negros. As suas versões 
Dos ternos coloridos 
às camisas cheias de 
lantejoulas, Richard 
sempre chamou a aten-
ção com seu visual
{08} Transcendente
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onder.net
eram mais tocadas nas rá-
dios, não porque eram mel-
hores que as originais, mas 
porque o intérprete era bran-
co. 
Segundo Richard, os jovenspreferiam a sua versão das 
músicas porque eram puro 
rock and roll, cruas e ras-
gadas ao invés da melosa 
versão de Boone. Por isso, 
enquanto os garotos e garo-
tas colocavam o seu single 
na agulha da vitrola para 
tocar, deixavam a capa do 
disco de Boone a vista, para 
que não levassem bronca 
dos pais, por estarem es-
cutando a música de um 
rapaz que além de negro e 
usar maquiagem, era “afem-
inado”. 
Além disso, a letra original 
de “Tutti-Frutti”, tinha um re-
frão com conotação sexual 
que dizia: “Tutti Frutti, good 
booty! (boa bunda)”, que foi 
alterado para “Tutti frutti, aw 
rooty” (expressão que sig-
nifica “tudo certo”), a par-
tir do conselho de pessoas 
envolvidas na sua carreira, 
que queriam uma letra mais 
“pura”. 
Cheia reviravoltas, da tris-
teza à felicidade, do vício 
à sobriedade e do fracasso 
ao sucesso, a vida de Little 
Richard é uma verdadeira 
confusão. Para você ter uma 
noção, em 1957, em seu 
auge, ele subitamente desis-
tiu de sua carreira após uma 
turnê na Austrália. Ele teria 
tido uma visão em um so-
nho, em que o “apocalipse” 
vinha até ele e que ele tinha 
visto a sua condenação.
Nesse sonho, ele se via em 
um avião que era coberto 
pela escuridão e começava 
a pegar fogo, então ele ora-
va a deus e prometia que 
se a aeronave conseguisse 
aterrissar em segurança, 
ele iria mudar seu compor-
tamento. Alguns dias de-
pois, ao fazer um show ao 
ar livre, ele presenciou no 
céu, o satélite russo “Spu-
tinik” caindo. Relacionando 
esse momento com o sonho 
que havia tido, ele deu fim a 
sua carreira e se tornou um 
pastor, inclusive gravando 
em 1959 um disco gospel, 
chamado “God Is Real”, 
voltando ao rock apenas em 
1964, mas sem sucesso, já 
que o mundo se rendia aos 
Beatles, que representavam 
a renovação do estilo.
Já com mais 80 anos, ainda 
em atividade, mas sem pro-
duzir canções inéditas, o 
músico ainda faz apresen-
tações regulares que relem-
bram sua carreira. O cantor 
se define como um “alien 
bissexual” e afirma que não 
há problema algum em ser 
religioso e homossexual: 
“Eu fui gay a minha vida toda 
e sei que deus é um deus do 
amor, não do ódio”.
Little Richard e sua banda nos anos 50
Transcendente {09}
sknazari1981.wordpress.com
THE ROCKET MAN
No fim da década de 60, 
os movimentos de contra-
cultura ganhavam força e o 
moralismo instaurado nas 
sociedades começava a ser 
contestado de forma mais 
agressiva. Pensamentos lib-
ertários e contra o precon-
ceito já eram significativos 
e foram fundamentais para 
a mudança de pensamento 
principalmente das futuras 
gerações. Entre os princi-
pais coletivos estavam o 
Flower Power, que defendia 
a não-violência e o fim da 
guerra do Vietnã, o movi-
mento dos direitos civis dos 
negros nos Estados Unidos 
que lutava contra a segre-
gação racial e a geração 
beat, inspirada no livro The 
Road de Jack Kerouac, que 
contestava a sociedade de 
consumo vigente.
Em uma década tão impor-
tante para a cultura mundial, 
a música não poderia ficar 
de fora. Além da evolução 
do rock com Beatles e Roll-
ing Stones, surgia no fim 
dos anos 60, Reginald Ken-
neth Dwight, ou apenas, 
Elton John, um dos artistas 
solo mais bem sucedidos da 
história do rock. O músico 
começou a tocar piano aos 
três anos de idade, pas-
sando por várias academias 
de música em sua infância e 
adolescência. Com a ajuda 
de sua mãe e do padrasto, 
aos 15 anos, ele começou a 
se apresentar aos finais de 
semana em um pub próximo 
a sua casa, tocando covers 
de Ray Charles, Jim Reeves 
e já canções autorais. 
Logo, Elton formou a Blues-
logy, que existiu de 1962 a 
1967, tocando blues, soul e 
rythm & blues, mas não ob-
tendo sucesso. Além de ser 
um grande aprendizado para 
o músico, foi dessa banda 
que ele tirou a ideia para o 
seu nome artístico, escolhi-
do por ele a partir do nome 
dos integrantes: Elton Dean 
(saxofonista) e Long John 
Baldry (líder da banda).
A sua estreia foi em 1969 
com o disco Empty Sky, que 
já mostrava o potencial de 
Elton, mas não conseguiu 
conquistar o mercado. Já 
o começo da década de 70 
representou o início da de-
colagem do músico, que 
lançou 12 álbuns de estúdio, 
quase todos alcançando 
bons lugares nas paradas 
mundiais, com grandes hits 
como “Your Song”, “Tiny 
Dancer”, “Rocket Man” e 
“Crocodile Rock”.
Mas foi com o disco “Good-
bye Yellow Brick Road”, sua 
obra prima, que ele entrou na 
história da música como um 
dos maiores gênios quando 
se trata de melodia para as 
canções, já que Elton, quase 
não compõe letras, por isso, 
a sua parceira com o letrista 
Bernie Taupin que escreveu 
praticamente todos os seus 
sucessos, é uma das mais 
interessantes, pois um com-
pleta a necessidade do out-
ro na composição da canção 
como um todo.
Na mesma época, Elton 
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{10} Transcendente
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LIKE A ROCKET MAN
1. Elton John ao vivo em 
sua fase Glam; 2. Elton em 
1970, durante sua primeira 
turnê nos Estados Unidos; 
3. Família completa: Elton, 
David e os dois filhos, 
Zachary e Elijah
começou a transformar seu 
visual, se aproximando do 
movimento Glam Rock, sur-
gido na Inglaterra e liderado 
por bandas como o T.Rex, 
The Sweet, Slade e David 
Bowie, que foi marcado pe-
los trajes e performances 
com muitos cílios postiços, 
purpurinas, saltos altos, ba-
tons, lantejoulas, paetês 
e trajes elétricos dos can-
tores. Ligou-se muito essa 
expressão artística à an-
droginia e ao glamour das 
estrelas que esbanjavam 
energia sexual. 
Desse disco, que está em 
praticamente em todas as 
listas dos maiores álbuns de 
todos os tempos, as faixas 
mais lembradas são “Good-
bye Yellow Brick Road”, 
“Saturday’s Alright For Fight-
ing” (que segundo o próprio 
Elton é um dos maiores riffs 
da história, feito por Davey 
Johnstone, guitarrista de sua 
banda até hoje) e “Candle In 
The Wind” que foi feita em 
homenagem a Marylin Mon-
roe e que ganhou uma cu-
riosa versão para o funeral 
da princesa Diana, em que 
Elton interpretou a música 
em homenagem a ela, que 
era sua amiga pessoal.
O terceiro artista que mais 
vendeu álbuns nos Estados 
Unidos, ficando atrás ape-
nas de Elvis e dos Beatles, 
não dedicou sua carreira ap-
enas à música. Fã fanático 
do Watford Football Club, 
realizou seu sonho de infân-
cia nos anos 70 ao comprar 
o time de futebol, investindo 
grandes quantias no clube, 
ajudando-o a subir três di-
visões do campeonato in-
glês, até alcançar o pelotão 
de elite do país. Em 1987, 
Elton vendeu o clube conti 
nuando presidente, com-
prando-o novamente em 
1997. Hoje, o artista contin-
ua tendo uma parte do time, 
mas sem ter a mesma im-
portância na diretoria.
Em 1976, o astro se decla-
rou bissexual em entrevista 
à Rolling Stone, tendo se 
casado em 1984 com a en-
genheira de som, Renate 
Blauel, mas o casamento 
durou apenas quatro anos. 
Desde o início dos anos 
90, Elton tem um relaciona-
mento com o diretor de cin-
ema David Furnish, que foi 
celebrado em 2005, quando 
os dois se casaram no civil 
e em 2014 quando oficial-
izaram a união, celebrada 
com os dois filhos nascidos 
de uma barriga de aluguel: 
Zachary e Elijah.
Em 2012, Elton explicou 
porque a legalização do 
casamento entre pessoas 
do mesmo sexo é tão impor-
tante: “Há uma grande difer-
ença entre chamar alguém 
de “parceiro” e de “marido”. 
Parceiro é uma palavra 
reservada por exemplo, 
a uma pessoa com quem 
você joga tênis. Não chega 
nem perto de descrever o 
amor que sinto por David”. 
Além de grandes ativistas 
da causa LGBTTQ, o casal 
mantém a Elton John AIDS 
Foundation, criadaem 1992 
para ajudar na conscienti-
zação e combate à doença.
 2
 3
Transcendente {11}
THE METAL GOD!
Se o Black Sabbath foi a 
banda responsável por criar 
o heavy metal e tudo o que 
veio depois do seu nasci-
mento, foi o Judas Priest 
quem definiu o que seria o 
gênero visualmente e musi-
calmente para as próximas 
décadas, permanecendo até 
hoje como uma das princi-
pais bandas do estilo. 
O metal nada mais é do que 
a evolução do rock and roll 
para algo mais agressivo e 
pesado, que assim como o 
rock também serve como 
elemento de contestação 
e rebeldia, porém a níveis 
mais elevados, servindo de 
oposição principalmente 
à religião, discutindo a im-
posição da moralidade religi-
osa e a sua prática do medo, 
para angariar mais fiéis. Por 
isso, sempre ouvimos que o 
tal do “rock paulera”, é coisa 
do diabo. 
Não é possível falar de Ju-
das, sem falar de Rob Hal-
ford, sem dúvida um dos 
maiores cantores de metal 
de todos os tempos, que po-
tencializou o talento de seus 
companheiros de banda, 
com a sua absurda capaci-
dade de alcançar facilmente 
notas agudas. 
Ele se juntou á banda em 
1973, após ser indicado 
pela namorada do baixista 
Ian Hill, que disse conhecer 
um irmão de sua amiga que 
cantava “divinamente bem”. 
Assim que a banda o con-
heceu e ouviu a diversidade 
de timbres que Halford con-
seguia alcançar, ele foi ime-
diatamente aceito.
Após um ano com o vocal-
ista, a banda lança “Rocka 
Rolla”, seu álbum de estreia, 
que trazia uma pegada mais 
leve, que se aproximava 
do blues rock, mas que já 
mostrava o grande talento 
do grupo, que além de um 
grande vocal, contava com 
dois geniais guitarristas: K.K 
Downing e Glenn Tipton, 
METAL HEAD
1. Judas Priest na primeira metade dos anos 70;
2. “Eu sou um metaleiro e o fim do abandono de 
jovens LGBT’s depende de mim”
{12} Transcendente
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acompanhados também pe-
los talentosos Ian Hill e John 
Hinch (baterista).
Após o primeiro disco, a 
banda ainda lançou os óti-
mos “Sad Wings of Des-
tiny” (1976), “Sin After Sin” 
(1977), “Stained Class” 
(1978). Mas foi em “Kill-
ing Machine” (1978), lan-
çado nos EUA e em outros 
mercados menores como 
“Hell Bent For Leather” (Em 
tradução literal: “O Inferno 
se curva ao couro”) para 
ter um nome menos agres-
sivo e mais comercial. A 
banda não só deixou o som 
mais pesado como também 
transformou seu visual, bem 
condizente com o título do 
álbum, influenciado por Rob 
Halford, passando a usar 
roupas de couro, com cor-
rentes e spikes de metal.
Dessa forma, a banda ini-
ciaria uma grande trans-
formação em todo o heavy 
metal, introduzindo um vis-
ual a princípio interpretado 
pelo grande público como 
de motociclistas, mas que 
na verdade era fruto da 
cena gay sadomasoquista, 
frequentada por Halford, 
que após algumas compras 
em sex shops, trouxe o novo 
visual para a banda. Além 
disso, os músicos também 
introduziram o conceito das 
“guitarras gêmeas”, em que 
Downing e Tipton tocavam 
em sincronia o mesmo riff 
e faziam solos alternados 
e conjuntos, contrariando 
as bandas da época, que 
também tinham dois guitar-
ristas, mas um responsável 
pelos solos e outro apenas 
pela base. 
Apesar disso, a banda ap-
enas se consagrou mundial-
mente com o álbum “Brit-
ish Steel” (1980), que tem 
todas as faixas tidas como 
clássicos para fãs como eu, 
mas em especial “Break-
ing The Law” e “Living After 
Midnight”, além de “Metal 
Gods”, que inspirou o ape-
lido “Metal God” de Rob Hal-
ford, carinhosamente dado 
pelos fãs.
Já consagrado, o grupo foi 
uma das principais influên-
cias para o início da New 
Wave Of The British Heavy 
Metal (A nova onda do metal 
britânico), movimento que 
chegava como uma resposta 
do metal ao punk que havia 
derrubado o estilo na época. 
Entre as principais bandas 
estavam o Iron Maiden, 
Saxon, Angel Witch, Tygers 
Of Pan Tang, Venom, Motör-
head e Def Leppard.
Com o sucesso mundial da 
banda, potencializado com 
o crescimento desse movi-
mento, o Priest foi atacado 
constantemente nos anos 
80 por grupos conserva-
dores e religiosos, chegando 
METAL HEAD
1. Judas Priest na primeira metade dos anos 70;
2. “Eu sou um metaleiro e o fim do abandono de 
jovens LGBT’s depende de mim”
 1 2
Transcendente {13}
até a enfrentar uma extensa 
batalha judicial nos tribu-
nais americanos que quase 
levou a banda à falência, 
onde eram acusados pelos 
pais de dois adolescentes 
pela tentativa de suicídio 
dos jovens, por terem su-
postamente inserido mensa-
gens subliminares no disco 
Stained Class, que teriam 
levado os dois fãs da banda 
a se suicidarem.
Mesmo que os jovens Ray-
mond Belknap, 18 anos, e 
James Vence, 20 anos, ten-
ham cometido suicídio após 
uma noite de muita bebedei-
ra e uso de drogas, ignoran-
do esses fatos e outros pos-
síveis fatores psicológicos, 
os envolvidos na acusação 
e a mídia americana prefer-
iram valorizar o detalhe de 
que os garotos eram fãs da 
banda e a ouviam no fatídico 
dia. Como resolução o juiz 
do caso alegou que não es-
tava comprovado que eles 
teriam inserido tais mensa-
gens e que não era possível 
que algo do tipo poderia ter 
levado os garotos a se ma-
tarem.
Em declaração recente, 
Halford diz como o sensa-
cionalismo feito pela mídia 
na época apoiado por gru-
pos conservadores radicais 
só levou sofrimento a todos 
os envolvidos. “Havia essa 
tensão e tristeza na corte, 
porque bem no centro desse 
assunto, tinham dois ra-
pazes que tinham perdido 
a vida de forma trágica. A 
parte mais profunda dessa 
história foi que a acusação 
estava em uma teia muito 
emaranhada. Nós ouvimos 
que exista infiltração de gru-
pos cristãos extremos, que 
estavam pressionando para 
que fossem atrás desse 
caso, dizendo que éramos 
responsáveis.”
Com toda a publicidade em 
cima do caso, a banda tam-
bém acabou sendo vítima 
de mais um movimento con-
servador, o Parents Music 
Resource Center, comitê cri-
ado por esposas de políticos 
do alto escalão do governo 
americano, que propuseram 
a criação de uma etiqueta 
que seria colocada nos dis-
cos que teriam músicas con-
tendo conteúdo impróprio 
para crianças. O PMRC de-
fendeu também que o rock 
e o metal eram os principais 
responsáveis pela deterio-
ração dos valores familiares 
nos Estados Unidos, já que 
as bandas atuais traziam 
muitas letras com cono-
tações sexuais, violentas e 
ocultistas. 
Sendo vítima de tantas 
acusações moralistas na dé-
cada de 80, Halford preferiu 
não assumir publicamente 
sua homossexualidade para 
não inflamar mais ainda os 
ataques feitos principal-
mente pela mídia americana 
contra a banda. Segundo 
ele, desde que descobriu a 
sexualidade, sempre soube 
que era gay e não tinha prob-
{14} Transcendente
lema algum com isso e que 
apenas teria a assumido em 
1998 em entrevista a MTV, 
aos 46 anos de idade, pois 
a sociedade e o meio musi-
cal no século XX ainda eram 
muito homofóbicos, o que 
levou ele a se privar de mui-
tas coisas na sua primeira 
passagem no Judas Priest 
de 1973 a 1991. 
Na época da declaração de 
Halford, a MTV saiu às ruas 
questionando os fãs sobre o 
fato do cantor ter assumido 
ser gay. A maioria reagiu 
normalmente, dizendo que 
já desconfiavam disso e que 
não tinham problema algum, 
pois o importante é a música 
e não a opção sexual do 
músico. Mas infelizmente, 
algumas pessoas expuser-
am a sua ignorância, dizen-
do que “ele nunca deveria 
ter saído do armário, já que 
os fãs do Judas Priest não 
são homossexuais”.
Em entrevista concedida 
ao The Guardian, o can-
tor disse se arrepender por 
nãoter se declarado gay 
publicamente antes. “Foi 
a melhor coisa que eu po-
deria ter feito por mim, me 
pergunto porque não o fiz 
antes. Acho que eu criei um 
medo ilusório de que eu iria 
me destruir, que ninguém 
iria me olhar mais como um 
cantor de metal e por minha 
conexão com o Judas, eu 
iria acabar destruindo tam-
bém a carreira da banda, foi 
tudo uma paranoia criada 
por mim mesmo. Isso não 
afetou o Priest, as vendas 
de discos não caíram, o 
comparecimento aos shows 
não caiu. O amor incondi-
cional aceitará você do jeito 
que você é, e eu acho que 
isso foi uma benção que eu 
tive dos fãs”. Após seguir 
carreira solo e montar duas 
bandas nos anos 90, Hal-
ford retornou ao Priest e 
segue até hoje na liderança 
de uma das maiores bandas 
do gênero.
Transcendente {15}
RALF PRINCE ILUSTRA FREDDY MERCURY
ralfpart.tumblr.com
Artista que usa da intimidade como principal fonte de 
criação para seus trabalhos e poesias. Em busca de 
manifestar o homoerotismo e suas adversidades, 
provoca reflexões acerca de tabus sociais e liberdade 
de expressão. Formado em Artes Visuais, possui linha de 
pesquisa voltada para questões de gênero e sexualidade.
RAFAEL ESCREVE ENTRE RIFFS, 
REBELDIA E MUITO, MUITO GLAMOUR
cinemafilia.tumblr.com + rocknrollgarage.tumblr.com
Um filho do interior de Minas Gerais que não perde o 
sotaque. Jornalista, apaixonado por rock e heavy metal, 
cinema, batata frita e por tudo que acalme a alma e 
contribua para o descobrimento de novos pontos de vista 
sobre a vida.
{16} Transcendente
Genderless
Por Nathália Schiavon
Transcendente {17}
NATHÁLIA SCHIAVON ILUSTRA GENDERLESS 
nataliaschi.tumblr.com + facebook.com/nataliaschiii
Natália Schiavon, 20 anos, estudante de design gráfico em Bauru 
(SP). Ama ilustração, quadrinho e desenho animado. Tem mania de 
olhar pra uma câmera imaginária como se estivesse no The Office.
{18} Transcendente
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Longe de inventar outra 
cidade ou de apontar out-
ras formas de experiência, 
muitas vezes, o cinema e a 
produção audiovisual cel-
ebram a produção do es-
paço ligada exclusivamente 
ao consumo e ao entreteni-
mento. Formas muito con-
troladas e planejadas de 
se engajar no devir da ex-
periência estética que o ur-
bano pode nos permitir. 
Nesse sentido, estratégias 
e formulações do marketing 
como local branding e na-
tion branding resultam em 
cidades imaginadas na força 
do planejamento estratégico 
para se orientarem a públi-
cos bem configurados e a 
determinados tipos de ex-
periência. 
3,0 – o retorno a cidade 
subjetiva
O curta de Chico Lacerda na 
aparentemente simplicidade 
e leveza de seus longos 
planos fixos e abertos da 
cidade, embalados por uma 
narração de tom pessoal, 
aciona uma visão potente do 
espaço urbano. 
No filme, a cidade torna-se 
uma espécie de confluên-
cia de tempos e espaços 
atravessados pelo passado, 
trazidos pela memória, mas 
na visualidade do presente. 
É no atravessamento entre 
o que a cidade foi e o que 
ela é que descobrimos – 
acionando o fora de campo 
e as tensões da diferença 
entre o que vemos e o que é 
narrado – que pouco a pou-
co a cidade em sua dinâmi-
ca surge diante de nós. A 
descoberta da sexualidade 
é tramada em sintonia com 
as mudanças da cidade. 
Corpo, cidade e desejo em 
processos de descoberta. 
Uma cidade que ao contrário 
de monumentos ou atrativos 
turísticos revela-se no filme 
em imagens ordinárias de 
espaços comuns, que gan-
ham um melancólico rel-
evo pela experiência e pela 
memória. Territórios que pas-
sam a fazer sentido porque 
integram-se fortemente às 
narrativas da vida, por isso 
significam e nos convocam 
a fabular as mudanças da 
cidade. Os elementos invi-
síveis da cidade – memória, 
história, afeto, experiência 
– que parecem recobrir os 
espaços físicos, se mostram 
a nós pelo confronto entre a 
locução e o que vemos na 
imagem. As dinâmicas da ci-
dade atravessam, junto com 
a memória pessoal, a narra-
tiva do filme. 
Entre o que é narrado e o que 
vemos nas imagens emerge 
um potente fora de campo 
que nos fala da cidade e de 
suas dinâmicas. Onde era 
cinema, hoje supermercado 
ou loja de eletrodoméstico; a 
casa de Henrique, uma das 
paixões, que vivia perto da 
casa da avó, tornou-se um 
inóspito edifício. 
Assim em seu rigoroso con-
junto de planos estáticos, 
sempre acompanhado da 
locução e de ruídos do am-
biente, o filme passa a ex-
plorar paisagens urbanas 
absolutamente comuns, 
que se constroem em uma 
narrativa que une suas es-
pacialidades relacionais 
cheias de formas subjetivas 
e sexuais. Em certo mo-
mento, esse rigor passa da 
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cidade aos corpos. É nítida 
a marca dessa passagem 
pela entrada da trilha sono-
ra, que revela um outro fora 
de campo, desta vez tendo 
os corpos como formas de 
paisagem. Embalados pela 
suave e romântica canção 
de Gorky´s Zygot Mynci 
surgem muitos homens nus 
em diversas poses e en-
quadramentos, espaços ur-
banos e paisagens naturais. 
(I need your sweet, sweet 
love
I need it in my heart
I know I’ve taken
And to give to you I can find 
so hard)
Detalhes de uma nuca, 
um peito cabeludo ou uma 
bunda formam a multiplici-
dade desses corpos, obje-
tos de desejo que remetem 
ao tempo presente daque-
las memórias ditas anteri-
ormente. A sequência fun-
ciona como uma espécie 
de videoclipe que no meio 
do filme – entre as paixões 
adolescentes e as diversas 
formas de buscar imagens e 
textos que pudessem ativar 
fantasias sexuais e trazer 
muita excitação – faz o tem-
po presente do desejo emer-
gir. Passado e presente se 
encontram no desejo e na 
cidade. 
Movimentos entre os tempos 
já que a cidade se mostra 
outra diante da memória que 
a locução aciona e o desejo 
ganha forma, sem maiores 
preocupações ou pudores. 
Relacionando o clipe no 
tempo presente com toda 
a força memorialista da 
locução e as imagens atuais 
da cidade o filme parece 
enfatizar que a experiência, 
o desejo e a memória são 
vetores centrais para perce-
ber as potências relacionais 
do espaço urbano.
Todo esse trânsito tanto 
entre o tempo passado e 
o presente, quanto entre 
as formas da fabulação da 
memória (na locução) e a 
eminência do presente (nas 
imagens) fazem da cidade 
do filme uma reterritoriali-
zação da imagem da cidade. 
Percebida agora não mais 
na força do espetáculo ou 
da midiatização, tampouco 
na forma absoluta de seu 
espaço construído, a cidade 
atravessa e é atravessada 
pelo desejo entre os corpos 
e os espaços fazendo ecoar 
na imagem a intensidade da 
experiência.
Referências
GUATTARI, Félix. Restau-
ração da cidade subjetiva. 
In: Caosmose – um novo 
paradigma estético. São 
Paulo: Ed. 34, 1992.
GROYS, Boris. A cidade na 
era da reprodução turística. 
In: Arte poder. Belo Horizon-
te: Editora UFMG, 2015.
EDUARDO DE JESUS ESCREVE CIDADE-SEXO, MAS NÃO É 
SEX IN THE CITY
É graduado em comunicação social pela PUC Minas, mestre em 
comunicação pela UFMG e doutor em artes pela ECA/USP. É pro-
fessor do programa de pós-graduação em Comunicação da Fa-
culdade de Comunicação e Artes da PUC Minas. Atuou em diver-
sas edições do Festival Videobrasil e em projetos da Associação 
Cultural Videobrasil. Entre suas curadorias estão FIF – Festival In-
ternacional de Fotografia (Belo Horizonte, 2013 e 2015), esses es-
paços (Belo Horizonte, 2010), Densidade Local, em parceria com 
Gunalan Nadarajan, para o Festival Transitio-MX (Cidade do Mé-
xico, 2008) e Mostra Fiat Brasil (2006). Tem publicado textos, en-
saios e resenhas em torno da produção artística contemporânea.
Transcendente {23}
Genderless: a revolução 
queer no mercado da moda
Envolta em avanços, polêmicas e questionamentos, tendência 
de vestuário sem gênero parece “profetizar” o futuro da moda
{24} Transcendente
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Genderless: a revolução 
queer no mercado da moda
Envolta em avanços, polêmicas e questionamentos, tendência 
de vestuário sem gênero parece “profetizar” o futuro da moda
Por Carolina Andrade
“Para ser insubstituível, 
deve-se sempre ser difer-
ente”, foi com esta premissa 
que Coco Channel criou, na 
década de 20, roupas para 
mulheres baseadas no ves-
tuário masculino. Mal imagi-
nava a estilista que tal frase 
seria tão atual um século 
após ser dita, e que princi-
palmente tal ideal de moda 
seria tão debatido e polemi-
zado em pleno século XXI.
 
O conceito de uma moda 
fluida e sem gêneros tomou 
conta do imaginário cole-
tivo do mercado mundial de 
moda nos últimos anos. E 
ao contrário de muitas out-
ras tendências efêmeras, as 
peças sem gênero parecem 
ter chegado para ficar. Este 
fenômeno tem chamado 
muita atenção da mídia e dos 
sociólogos, afinal a moda 
sempre foi um excelente ter-
mômetro social. Por meio 
dela é possível recontar 
histórias, transitar entre difer-
entes culturas e tempos e 
entender o desenvolvimento 
político, econômico e cultur-
al de diferentes civilizações. 
Não entenda mal, entrar em 
uma loja e procurar a seção 
feminina ou masculina de 
acordo com o sexo do con-
sumidor ainda é a principal 
realidade no mundo contem-
porâneo. Apesar das roupas 
unissex existirem a um longo 
tempo, as poucas e especí-
ficas peças para ambos os 
sexos criadas com este ró-
tulo são em sua maioria fei-
tas com padronagens monó-
tonas e neutras. Realidade 
que não acrescenta nem 
modifica em nada em um 
mundo dual de vestidos e 
saias cor de rosa para meni-
nas e peças conservadora-
mente azuis para meninos. 
Trabalhar o conceito de 
fundir as duas realidades 
em prol de um vestuário 
sem etiquetas é uma grande 
evolução que diz muito sobre 
a sociedade em que vive-
mos hoje. Sociedade esta 
de maior consciência cole-
tiva, que começa a desper-
tar para as causas LGBTTQ 
com pautas que até então 
não haviam sido tão explora-
das, como o questionamen-
to da imposição social de 
ter que se vestir de acordo 
com a forma que a socie-
dade julga mais adequada.
Claramente, a moda é cí-
clica e passível de difer-
entes interpretações, o que 
torna todo o burburinho em 
torno da tendência gender-
less algo questionável. Mas 
mesmo com todas as dúvi-
das e polemicas uma coisa 
é claramente definitiva, o 
simples ato de repensar o 
guarda-roupa tradicional-
mente aceito fomenta na 
produção de moda brasileira 
Transcendente {25}
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e mundial um debate im-
portantíssimo sobre liber-
dade de expressão, quebra 
de tabus, evolução social e 
fim das barreiras de gênero.
MODA GENDERLESS 
Chamada de Agender ou 
Genderless a tendência de 
roupas sem gênero vai além 
dos rótulos, propondo uma 
produção de moda não-
binária com peças livres 
de distinção de identidade 
de gênero. Diferente das 
produções padronizada-
mente neutras que até então 
eram chamadas de unissex, 
a moda Genderlees propõe 
quase o caminho inverso. 
Nela não importa os rótu-
los sociais ou as cores, pois 
saias, camisas, sapatos de 
salto alto, vestidos, acessóri-
os, calças, são vestimen-
tas para seres humanos, 
não peças destinadas es-
pecificamente ao corpo dos 
homens ou das mulheres. 
As linhas que delineiam o 
formato desta tendência, 
assim como o mundo, ain-
da são muito fluidas e mu-
táveis. Mas o conceito sim-
ples de gênero dado pelas 
sociólogas Raewyn Connel 
e Rebecca Pearse ajuda a 
entender este fenômeno. 
Segundo elas, “De maneira 
geral, gênero diz respeito 
ao jeito com que as socie-
dades humanas lidam com 
os corpos humanos e sua 
continuidade e com as con-
sequências desse “lidar” 
para nossas vidas pessoais 
e nosso destino coletivo”.
Ter em vista este conceito 
ajuda a entender que, ao 
contrário de padronizar, a 
moda Genderless ques-
tiona a imposição de for-
mas, modelagens e cores 
para os sexos, afinal, não 
há nenhuma característica 
específica na constituição 
do corpo masculino que o 
impeça de usar vestidos, 
assim como não há nada 
na estrutura física feminina 
que a iniba de usar ternos. 
Há apenas o preconceito, a 
intolerância ao diferente e a 
perpetuação de julgamen-
tos sociais retrógados.
Vale lembrar ainda, que o 
conceito da tendência gen-
derless não está necessari-
amente ligado à orientação 
sexual de nenhum individuo. 
Apesar da demanda por 
roupas sem gênero ainda 
ser significativamente maior 
pelo público LGBTTQ, as 
peças genderless são uma 
forma de expressão que 
diz mais sobre a forma com 
que as pessoas se colocam 
no mundo e vivencia suas 
experiências, do que sobre 
suas preferências sexuais. 
A ODISSEIA DAS MARCAS 
DE MODA
 
Homens e mulheres corren-
do livres e nus na natureza, 
pegando peças de roupas 
ao longo do caminho sem 
se importarem com suas 
estampas ou modelagens. 
Casais de namorados de 
diferentes orientações se-
{26} Transcendente
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xuais trocando de roupa um 
com o outro por diversão e 
demostrando contentamen-
to por poder se vestir de for-
ma livre e inusitada. Entre-
cortando as cenas, as frases 
de efeito, “Misture, ouse, 
divirta-se”, “Girls can be 
boys and boys can be girls”, 
“Tudo lindo & Misturado”. 
É difícil pensar tais cenas 
sendo transmitidas em emis-
soras abertas e em horários 
nobres no Brasil. Principal-
mente se levarmos em conta 
o destaque que as correntes 
políticas de extrema direita 
e as religiões conservador-
as têm ganhado nos últimos 
anos. Mas por mais espan-
toso que seja, estas são as 
premissas dos comerciais 
da C&A, uma das maiores, 
mais populares e rentáveis 
lojas de fast fashion (lojas 
populares de grande porte 
que tem uma política de 
mercado onde os produ-
tos são fabricados, consu-
midos e descartados rapi-
damente) atuantes no país.
Parece um pouco distante 
da realidade da maior parte 
da população quando ap-
enas os poderosos nomes 
da moda como Saint Lau-
rent, Louis Vuitton, Hermès, 
Commes des Garçons e 
Gucci começam a trabalhar 
o conceito de moda sem 
gênero em suas coleções. 
As peças de alta costura 
destas grifes são de difícil 
acesso e altos valores, por 
isso não parecem afetar 
tanto o vestuário popular. 
Porém engana-se quem 
acredita neste cenário. 
Mesmo não sendo consu-
midas pela maior parte da 
população, as peças feitas 
pelas grandes grifes são in-
dicadores de tendência do 
mercado. As lojas populares 
fazem todos os anos suas 
coleções inspiradas nos 
conceitos mostrados nos 
desfiles das grandes grifes 
nacionais e internacionais.
Conhecendo este panora-
ma, os ávidos por moda não 
tiveram nenhuma surpresa 
quando as araras das mul-
timilionárias empresas de 
fast fashion C&A, Zara, Ria-
chuelo, Topshop e Forever 
21 foram discretamente sen-
do preenchidas com peças 
genderless. Ironicamente, o 
fenômeno que começou tími-
do acabou ganhando muita 
repercussão no Brasil justa-
mente pela contra campan-
ha feita por personalidades 
conservadoras do país. 
O debate acalorado que 
mobilizou as redes soci-
ais foi intenso mas rápido, 
e ao contrário do que que-
riam os conservadores só 
serviu para fomentar ainda 
mais a visibilidade queer no 
Brasil. Mesmo com toda a 
hostilidade dos avessos a 
tendência, o debate foi um 
grande passo para a so-
ciedade brasileira, pois se 
é difícil debatermos este 
panorama hoje, é inimag-
inável pensar tal cenário 
se quer sendo problemati-
zado há poucos anos atrás.
AVANÇO SOCIAL 
OU APROPRIAÇÃO 
CULTURAL?
 
Fomentar o debate sobre 
questões de gênero e sexu-
alidade é vital para que haja 
desenvolvimento social in-
clusivo. Mas quando se trata 
da tendência de moda gen-
derless tal debatetem sido 
extremamente problema-
tizado, e até mesmo criti-
cado nas redes sociais pela 
própria comunidade queer. 
Transcendente {27}
blog.renauxview
.com
Diferente dos questiona-
mentos dos grupos conser-
vadores que se incomodam 
com a tendência pelo sim-
ples fato dela não perpetuar 
um padrão social conhecido 
e tradicional, para ativistas 
queer a pergunta é: a moda 
genderless é um avanço 
para o movimento social 
LGBTTQ ou uma apropri-
ação cultural desrespeitosa 
e efêmera do assunto feita 
pelo mercado capitalista?
Tal questão que tem pertur-
bado os ativistas é legitima, 
pois praticamente nada no 
mundo da moda é feito sem 
interesse comercial. Tal afir-
mação pode ser facilmente 
comprovada pela multiplici-
dade de etiquetas exploran-
do exaustivamente o tema.
Analisando apenas o último 
ano, por exemplo, é fácil 
encontrar nas peças pub-
licitarias das grandes lojas, 
banners, outdoors, selos e 
etiquetas enfeitados com 
os termos plurissex, gen-
derless, gender-bender, 
agender e unissex. Teorica-
mente todos deveriam ter 
o mesmo significado e rep-
resentar a mesma causa. 
Mas no competitivo mer-
cado da moda cada marca 
se sente compelida a deix-
ar sua “cara”, seu próprio 
conceito e principalmente 
seu nome nas tendências.
Outros grandes problemas 
da tendência são a pouca 
variedade de estampas e 
{28} Transcendente
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tamanhos, e principalmente 
a modelagem. Teoricamente 
a modelagem das peças 
deveriam servir tanto para 
mulheres, quanto para ho-
mens. O problema é que 
várias marcas ainda não 
compreenderam que temos 
corpos com proporções 
diferentes e que as roupas 
genderless deveriam con-
templar toda esta diversidade.
Quando marcas utilizam das 
demandas da comunidade 
queer como forma de fazer 
dinheiro e promover uma im-
agem politicamente correta 
para o mundo, o incomodo 
parece ser bem fundamen-
tado. O principal temor está 
fortemente ligado ao con-
ceito de uma apropriação 
cultural imoral, em que mais 
uma vez um grande nome 
mercadológico se sobrepõe 
a uma causa legitima.
Em um cenário perfeito, o 
ideal seria que os grandes 
nomes do mercado incorpo-
rassem causas sociais com 
o simples proposito de dar 
voz aos que não possuem o 
privilégio de tê-las. Contudo 
é ingenuidade acreditar que 
de apenas boas intenções 
vive o mundo. Assim sendo, 
entre vários possíveis males 
é fácil enxergar o lado posi-
tivo e notar que o simples 
fato de haver um debate 
sobre o tema já abre portas 
para quebra de paradigmas.
O otimismo não é infunda-
do, pois parece que após 
um longo tempo de estag-
nação no vestuário popular 
e excentricidades apenas 
performáticas nas passare-
las, a moda de fato deu o 
primeiro passo significativo 
rumo a um mundo sem bar-
reiras de gênero na forma 
de se vestir e comportar. 
CAROL ESCREVE 
GENDERLESS: A 
REVOLUÇÃO QUEER 
NO MUNDO DA MODA
carolbandrade.wordpress.com
Carolina Andrade é jorna-
lista graduada pela PUC 
Minas. Viciada em música, 
moda, séries e livros desco-
briu no jornalismo um nicho 
de mercado abrangente que 
a permite se reinventar con-
stantemente e interagir com 
o mundo das artes por meio 
da escrita.
Transcendente {29}
Anfiteatro. Termo que deriva 
do grego antigo, amphi “em 
ambos os lados” ou “em tor-
no” e theatron “lugar para a 
visão”. Coliseu, o maior an-
fiteatro e mais conhecido 
de todos, era utilizado para 
combates entre gladiadores, 
simulações de batalhas marí-
timas, execuções, caça a ani-
mais selvagens e encenações 
dramáticas. As arquibanca-
das da edificação eram dividi-
das em três partes de acordo 
com a estratificação social: o 
pódio para as classes mais 
abastadas, a maeniana para 
a média e os pórticos para as 
mulheres e a plebe. 
O Baixo Centro de Belo Hori-
zonte formou seu próprio Co-
liseu com aqueles que com-
põem os pórticos. A plebe da 
capital mineira é composta 
por poetas vagabundos, mu-
lheres negras, travestis, “sa-
patonas”, “viados”, hippies, 
favelados: os marginais. Mas 
não se engane, aqueles que 
vivem à margem não querem 
se adaptar ao padrão social 
imposto, mas desfrutar as 
diferenças de cada indivíduo 
ali presente, sem manual ou 
código de postura. A regra 
é uma só: tenha orgulho de 
quem você é.
E às margens deste espaço 
que oferece um “lugar para 
a visão de ambos os lados”, 
o pórtico vai ao centro com a 
arma que tem: a voz. A mes-
ma que não é ouvida quando 
seus representantes lidam 
com o preconceito e com a 
truculência militar – ah, às 
margens do teatro de are-
na contemporâneo, guardas 
municipais e policiais acom-
panham a movimentação, só 
que com outro tipo de arma.
Porém, aqueles que portam 
a voz e que estão ao centro 
não se intimidam e atacam 
rima após rima os homens 
fardados que estão sempre à 
espreita e sem direito de res-
posta. A resposta vem depois, 
em números, 77% dos jovens 
assassinados no Brasil são 
COliseu queer
Por Rafaella Rodinistzky
negros. Para uns dados, para 
outros mais um membro da 
família que é derrotado no 
teatro de arena da vida. Uma 
mulher negra, de dreads com-
pridos e saia transparente 
pede respeito para “as mina, 
as mona, as mana, as gay, as 
trans”.
O objetivo final do Coliseu 
da Antiguidade era matar o 
oponente. No coliseu queer 
de Belo Horizonte, o esforço 
é maior. Além de se manter 
vivo só com a fala, é preciso 
transportá-la além das arqui-
bancadas, onde o lugar de 
discurso é dominado pela 
heteronormatividade. “Ma-
chistas não passarão” é o 
grito daquela moça que pedia 
respeito e que agora se digla-
dia contra a rima de um dos 
participantes que colocava as 
mulheres como objeto de seu 
prazer. “Não leve para o lado 
pessoal”, ela avisa.
Aqui não há divisão social tri-
pla, a diversidade do pórtico 
se mistura. Cabelos coloridos, 
penteados e cortes que cha-
mam a atenção de quem não 
faz parte do meio, homens de 
vestidos e acessórios que são 
atribuídos às mulheres pelas 
normas da sociedade, roupas 
de comprimentos e cortes 
que do lado de fora seriam ta-
chados como ousados, assim 
como demonstrações de afe-
to entre pessoas do mesmo 
sexo, quase uma aberração 
para os seres humanos mais 
ortodoxos.
“De nariz arrebitado, eu sou 
veado. De bunda empinada, 
eu sou veado. De barba gros-
sa e unha feita, eu sou veado. 
De cintura fina e peito cabelu-
do, eu sou veado”. Distribuin-
do bananas às pessoas aco-
modadas nas arquibancadas, 
duas figuras que confrontam 
a rigidez da binariedade, de-
safiam a masculinidade dos 
homens cis que chegam ao 
centro. Uma folha com o con-
teúdo das aspas acima, e 
muito mais, é entregue a eles, 
que interpretam da maneira 
que lhes convém os versos 
de reafirmação. 
Enquanto o público come as 
bananas, as performers fa-
zem delas alimento de olha-
res: chupam, lambem, andam 
por todo o círculo observando 
as reações, até que dividem 
a fruta com alguém. Aconte-
ce ali um ritual antropofágico. 
Após vários homens interpre-
tarem o texto - uns lendo ra-
pidamente, outros em tom de 
deboche, de maneira séria, 
olhando nos olhos, desvian-
do o olhar, parados, andando, 
tensos, relaxados - a autora, 
dona de cabelos verdes cur-
tos e vestido vermelho, vem 
afirmar que é “viado” sim, de 
peito cabeludo, de unhas fei-
tas, de veias aparentes, so-
brancelhas finas, ombros lar-
gos. “EU SOU VIADO”. 
Às 22h o sarau termina e 
o teatro de arena deve ser 
entregue às autoridades. Sob 
protesto, participantes e es-
pectadores se levantam e se 
encaminham para a rua, onde 
realmente devem sobreviver 
com a única arma que têm: 
a voz. Porém, é melhor ser 
gladiador de teatro de arena 
do que escravo daquilo que é 
visto como padrão do lado de 
fora.RAFAELLA ESCREVE COLISEU QUEER 
jornalidades.tumblr.com + rafaellarodinistzky@gmail.com
Jornalista com um pé na área criativa. Perseguidora de ocu-
pações urbanas, amante do universo gráfico e, principalmente, 
das histórias em quadrinhos independentes. Você tem um minuto 
para ouvir a palavra dos fanzines?
Transcendente {31}
facebook.com/jordanaandrade
Ilustradora, designer, tatuadora, fotógrafa, figurinista e bota 
na conta aí qualquer outra profissão “hype” mas que não dá 
dinheiro nenhum. Consegue ser acumuladora e maníaca de 
limpeza ao mesmo tempo, não perguntem como. Concilia sua 
agenda (e talvez até a sua vida) conforme as séries que tem 
de assistir. Muito feminista, tem até tatuagem sobre o assunto.
JORDANA ANDRADE ILUSTRA VIADUTO DE SANTA TEREZA
O cenário se compõe, a cidade cresce e se agiganta, lan-
çando sombras sobre os corpos. Em uma fotografia, o indi-
víduo é figurante, no seu dia-a-dia, é transeunte, perante os 
outros, é julgado.
Ando por Belo Horizonte e observo suas paisagens, de ci-
mento, carne e osso. Se a cidade pulsa com o frio bater do 
coração semafórico, cada identidade que circula por essas 
paisagens navega em um espaço de diálogo e coexistência.
À primeira vista, inúmeras vidas se trombam, existências 
periféricas, sexualidades diversas e não binarismos surgem 
no horizonte. Na Praça da Liberdade, coração verde da 
capital, o preconceito fica à espreita. Liberdade, liberdade, 
um grito homofóbico à esquerda. Morte do espírito, luto em 
roxo, identidades expostas.
A arte é resistência, pulsante e presente na cidade. Do vi-
aduto às galerias, a expressividade questiona a heteronor-
matividade. Publicações feministas e LGBTs ocupam feiras 
independentes, o jogo lúdico desafia o preconceito que 
surge na infância e ocupa o Parque Municipal, se transfor-
ma em dança e música. Querem existir, querem dizer. Mas 
novamente, ouço. Ouço que a pintura de duas mulheres se 
beijando é suja, imoral. Tentam calar a arte, luto em azul.
SOBRE CORPOS ESPAcOS E CORES
O asfalto.
 O semáforo.
 A rua.
{32} Transcendente
SOBRE CORPOS ESPAcOS E CORES
Por Nathália Pereira
O preconceito exige silêncio, censura. Cria 
uma encenação odiosa e inventa uma agen-
da, uma ideologia para culpar aqueles a quem 
quer sufocar. Nas escolas, as identidades têm 
de ser moldadas, assim desejam os censores. 
Autoritariamente acusam o debate aberto - 
dizem que as crianças não podem conhecer 
a existência LGBT, dizem que professor não 
é educador. As identidades queer nascem e 
crescem desamparadas, caladas, são torna-
das diferentes, ostracizadas desde a escola. 
Calam sua própria natureza, luto em verde.
E sobre os corpos periféricos? Negros, 
LGBTs, mulheres das favelas, têm seus gri-
tos de existência ainda mais sufocados, aba-
fados por uma convergência de injustiças 
históricas e ainda tão presentes. Chego ao 
baixo centro de BH, vejo e ouço a resistência. 
A periferia tem tanto a dizer, se desloca até o 
viaduto para ser reconhecida, faz rap, poesia, 
convive. Contra a norma vigente, a periferia 
tenta não ser obscurecida, e por vezes é su-
focada dentro de sua própria comunidade. 
Carece de visibilidade, roubam-lhe o sol, luto 
em amarelo.
Dia 17 de maio de 1990. 
Somente nesse dia a ho-
mossexualidade deixou de 
ser tratada como patologia 
médica, por determinação 
da Organização Mundial 
da Saúde. Há menos de 
30 anos, milhões de identi-
dades eram marcadas, eti-
quetadas como doentias. A 
gravidade desse discurso 
reverbera, há quem ainda 
pregue sobre curas e doen-
ças. A saúde gay e lésbica 
é tabu. Os conhecimentos 
sobre saúde trans são gra-
vemente precários. Saúde 
e vida, direitos básicos, luto 
em laranja. 
Vida. Há dois anos, um jovem 
era torturado em Betim, em 
nome da “purificação”. Ao 
ser socorrido, sobreviveu. 
Em BH, faltam estatísticas 
de mortes e espancamen-
tos, ainda ofuscadas pelo 
preconceito que se escorre 
até mesmo nos números. 
Em 2015, segundo estatísti-
cas do GGB (Grupo Gay da 
Bahia), 318 lésbicas, bissex-
uais, transexuais, travestis e 
bissexuais morreram por ho-
mofobia no Brasil. Estima-
se que a cada 28 horas, um 
LGBT morre de forma vio-
lenta no Brasil. Morte, luto 
em vermelho.
Ainda assim, o movimento 
vive, supera o luto. Resistên-
cia. Conquista. Reafirmação. 
Mobilização. Em roxo, azul, 
verde, amarelo, laranja e 
vermelho. O movimento 
LGBT é difuso, pode ter Q, 
I, TT e +. Identidades úni-
cas se mobilizam sob uma 
mesma bandeira de arco-íris 
para lutarem por reconheci-
mento, visibilidade e direitos. 
Em um dia comum na Praça 
da Estação, o vai e vem de 
pessoas é acinzentado. No 
dia 17 de julho de 2016, 
milhares se reúnem para 
reivindicar equidade. As seis 
cores são estendidas, lado a 
lado, em uma única marcha. 
O tema da 19a parada foi 
{34} Transcendente
“Democracia é respeitar a 
identidade de gênero”, req-
uerendo, especialmente, as 
pautas transexuais. 
As paradas LBGTs se con-
solidaram na década de 
1970, e até hoje são um dos 
movimentos da comunidade 
que mais recebem atenção e 
exposição midiática. A para-
da belo horizontina foi criada 
por representantes de um 
coletivo lésbico, ainda nos 
A bandeira do arco-íris tem seus primeiros registros no 
século XVI. Já foi sinal de esperança, já foi símbolo de cul-
turas e tribos andinas, é bandeira de uma divisão federal da 
Rússia. No movimento LGBTTQ, foi repaginada em 1978 
pelo artista Gilbert Baker, e começou a ser amplamente u-
sada nas paradas e movimentos. Existem no mínimo outros 
20 símbolos e bandeiras para representar as mais diversas 
identidades, entre lésbicas, bissexuais, gays, transgêneros, 
travestis, intersexuais, genderqueer e não-binários, asse-
xuais, pansexuais e outros. Ainda assim, como símbolo 
mais reconhecido do movimento, cada cor da bandeira do 
arco-íris tem um significado específico:
ROXO – ESPÍRITO;
AZUL – ARTES e o amor 
pelo artístico;
VERDE – NATUREZA;
AMARELO – SOL, a luz e a 
claridade da vida;
LARANJA – SAÚDE e cura;
VERMELHO – VIDA, vivaci-
dade.
anos 1990. A festa na Praça 
da Estação reacende o es-
pírito, celebra a arte, músi-
ca e dança, naturaliza as 
identidades contra a norma 
opressora, torna visível uma 
minoria, clama por direitos à 
saúde LGBTTQ e celebra a 
vida de cada identidade.
Ainda há muito a ser feito. 
Enquanto a marcha segue 
para a praça Raul Soares, 
os contrastes são evidenci-
ados. Cada pessoa ali pre-
sente navega pela cidade 
de uma outra forma no seu 
dia-a-dia. Espaço e corpo. 
Espaço e identidade. O 
próprio corpo é um espaço, 
que está sempre em diálogo 
com o lugar que ocupa. A 
Raul Soares do fim de tarde 
daquele 17 de julho não é 
a mesma de um outro dia 
qualquer. A marcha segue, o 
movimento luta.
Transcendente {35}
NATHÁLIA ESCREVE SOBRE CORPOS, ESPAÇOS E CORES 
nathaliacomunic@gmail.com
Jornalista que acredita na palavra como meio para a mudança. Pes-
quisadora de causas, se interessa por uma nova dialética do gênero 
e da sexualidade. Se aventurou pela pesquisa em sustentabilidade, 
e (des)enquadra perspectivas transversais entre a ciência e o fazer 
político.
SARAH QUEIROZ ILUSTRA SOBRE CORPOS, ESPAÇOS E CORES 
facebook.com/noventeiseis
Estudante de artes plásticas da UEMG, participa, observa e questiona 
as interações: dos sujeitos na cidade, das perspectivas em si mesmas, 
da aquarela ao nanquim. Com proposta de trabalhos originais e manu-
ais, ilustra a cidade, a Transcendente, e quem sabe, ilustra VOCê.
{36} Transcendente
“We all 
came into 
this world 
naked. The 
rest is all 
drag”
RuPaul
creditos finais
THALITA LEFÈR ILUSTRA A CAPA DA TRANSCENDENTEamarelocriativo.com.br
Thalita Lefèr é designer, ilustradora e a mente empreendedora por trás 
dos projetos de comunicação Amarelo Criativo, Diário dum Designer e 
The Creative Thinker. 
MERYL DITH ILUSTRA AMOR É ACEITAÇÃO (p. 39) 
pagina-1.tumblr.com
Meryl Dith, 20 anos, ilustradora , fotografa e etc diz: “nunca se limite.”
RAFAELLA RODINISTZKY ILUSTRA RU PAUL (p. 36)
jornalidades.tumblr.com + rafaellarodinistzky@gmail.com
Jornalista com um pé na área criativa. Perseguidora de ocupações 
urbanas, amante do universo gráfico e, principalmente, das histórias 
em quadrinhos independentes. Você tem um minuto para ouvir a 
palavra dos fanzines?
{38} Transcendente

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