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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 
ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AUDREY DANIELLE BESERRA DE BRITO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Os contos de fadas contemporâneos na versão fílmica e a 
construção psicológica de valores : um estudo exploratório na 
perspectiva dos Modelos Organizadores do Pensamento 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Paulo 
2011 
 
 
2 
 
AUDREY DANIELLE BESERRA DE BRITO 
 
 
 
 
 
 
Os contos de fadas contemporâneos na versão fílmica e a 
construção psicológica de valores : um estudo exploratório na 
perspectiva dos Modelos Organizadores do Pensamento 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso 
apresentado a Escola de Artes, 
Ciências e Humanidades da 
Universidade de São Paulo para a 
obtenção do título de especialista 
em Ética, Valores e Saúde na 
Escola. 
 
Área de Concentração: 
Educação e Construção de 
Valores 
 
Orientador(a): Profª Ângela 
Esteves Modesto 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Paulo 
2011 
 
 
3 
 
RESUMO 
 
 
BRITO, A. D. B. et al (Ed). Os contos de fadas contemporâneos na versão fílmica e 
a construção psicológica de valores : um estudo exploratório na perspectiva dos 
Modelos Organizadores do Pensamento. 2011. 116 f. TCC - Escola de Artes, Ciências e 
Humanidades, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. 
 
 
A sociedade contemporânea passou a priorizar os valores hedonistas, principalmente, 
por influencia da mídia. Além disso, é fato que os meios de comunicação passaram a 
utilizar-se da linguagem sincrética para comunicar, seduzir, persuadir, distrair, informar 
e também para manipular. Mas, será que o sincretismo das versões fílmicas 
contemporâneas tanto dos contos de fadas tradicionais, como dos contos de fadas 
atuais, buscam construir nas crianças ensinamentos éticos e morais? Ou será que 
estas versões, por serem produtos midiáticos, constroem valores hedonistas? Estes 
questionamentos convergiram em uma grande inquietação, que nos levou a buscar 
descobrir como ocorre a representação da moralidade nos contos de fadas midiáticos 
voltados para crianças. Assim, o objetivo desta pesquisa foi investigar, por meio de 
modelos organizadores do pensamento, o aparecimento ou não dos valores morais 
generosidade e compaixão e do valor não-moral egoísmo, em crianças de 10 a 12 
anos, a partir de conflitos de natureza moral presentes em cenas recortadas dos contos 
de fadas contemporâneos, na versão fílmica. Esta pesquisa justifica-se pelo fato de se 
fazer necessário analisar a essência dos contos de fadas contemporâneos, na versão 
fílmica, a fim de descobrir se eles ainda buscam construir valores morais ou se foram 
“contaminados” pelos valores hedonistas presentes na sociedade contemporânea. 
 
 
Palavras-chave: Valores morais e não-morais. Generosidade. Compaixão. Egoísmo. 
Modelos Organizadores do Pensamento. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ao propor que se leve em conta a generosidade, para 
compreender a moralidade, estaremos concebendo o ser 
humano como um ‘saco de virtudes’? De modo algum. Uma 
teoria do ‘saco de virtudes’ pressupões justaposição entre 
diversas virtudes. Quanto a nós, propomos uma integração 
entre elas” 
 
 
Yves de La Taille (2004) 
 
 
5 
 
LISTA DE QUADROS 
 
 
Quadro 1 Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho 53 
Quadro 2 Deu a louca na Cinderela 62 
Quadro 3 Deu a louca na Branca de Neve 71 
Quadro 4 Enrolados 79 
Quadro 5 Shrek I 88 
Quadro 6 Shrek II 89 
Quadro 7 Shrek III 90 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6 
 
LISTA DE TABELAS 
 
 
Tabela 1 Quantidade de recortes por filme 48 
Tabela 2 Configuração dos Modelos Organizadores de 
Pensamento e sub-modelos referente ao filme 
“Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho” 
55 
Tabela 3 Disposição afetiva em relação aos valores 
expressos no filme “Deu a louca na Chapeuzinho 
Vermelho” 
58 
Tabela 4 Configuração dos Modelos Organizadores de 
Pensamento e sub-modelos referente ao filme 
“Deu a louca na Cinderela” 
63 
Tabela 5 Disposição afetiva em relação aos valores 
expressos no filme “Deu a louca na Cinderela” 
66 
Tabela 6 Configuração dos modelos organizadores de 
pensamento e sub-modelos referente ao filme 
“Deu a louca na Branca de Neve” 
72 
Tabela 7 Disposição afetiva em relação aos valores 
expressos no filme “Deu a louca na Branca de 
Neve” 
75 
Tabela 8 Configuração dos modelos organizadores de 
pensamento e sub-modelos referente ao filme 
“Enrolados” 
83 
Tabela 9 Disposição afetiva em relação aos valores 
expressos no filme “Enrolados” 
85 
Tabela 10 Configuração dos modelos organizadores de 
pensamento e sub-modelos referente ao filme 
“Shrek I, II e III” 
91 
Tabela 11 Disposição afetiva em relação aos valores 
expressos no filme “Shrek I, II e III” 
94 
Tabela 12 Exemplos de respostas que ilustram o modelo 2 97 
Tabela 13 Exemplos de respostas que ilustram o modelo 1 101 
Tabela 14 Sentimentos morais e não-morais expressos a 
partir da análise dos recortes dos contos de fadas 
na versão fílmica 
105 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
7 
 
LISTA DE GRÁFICOS 
 
 
Gráfico 1 Construção de valores, em porcentagem, a partir 
do filme “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho” 
57 
Gráfico 2 Posição dos valores no filme “Deu a louca na 
Chapeuzinho Vermelho” 
57 
Gráfico 3 Presença dos valores nos protocolos de respostas 
do filme “Deu a louca na Cinderela” 
64 
Gráfico 4 Posição dos valores no filme “Deu a louca na 
Cinderela” 
66 
Gráfico 5 Presença dos valores nos protocolos de respostas 
do filme “Deu a louca na Branca de Neve” 
74 
Gráfico 6 Posição dos valores no filme “Deu a louca na 
Branca de Neve” 
75 
Gráfico 7 Presença dos valores nos protocolos de respostas 
do filme “Enrolados” 
83 
Gráfico 8 Posição dos valores no filme “Enrolados” 84 
Gráfico 9 Presença dos valores nos protocolos de respostas 
do filme “Shrek” 
92 
Gráfico 10 Posição dos valores no filme “Shrek” 93 
Gráfico 11 Agrupamento de sujeitos pelos valores construídos 
ou não construídos 
96 
Gráfico 12 Presença do Egoísmo em cada Filme 99 
Gráfico 13 Egoísmo como valor central e periférico 100 
Gráfico 14 Valor moral e valor não-moral como valor central e 
periférico. 
101 
Gráfico 15 Presença da Generosidade em cada Filme 104 
Gráfico 16 Generosidade como valor central e periférico 105 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
LISTA DE FIGURAS 
 
 
Figura 1 Sujeito Psicológico 21 
Figura 2 Comparação entre a Jornada do Escritor e a 
Jornada do Herói 
33 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
9 
 
SUMÁRIO 
 
 
 
1 APRESENTAÇÃO ................................................................................ 11 
1.1 A pergunta de pesquisa .......................................................... 12 
1.2 Hipóteses................................................................................. 12 
1.3 Objetivo geral.......................................................................... 12 
1.4 Objetivos específicos...............................................................13 
1.5 Justificativa.............................................................................. 13 
1.6 Método e metodologia............................................................. 13 
 
2 QUADRO TEÓRICO ............................................................................ 14 
2.1 O sujeito contemporâneo: identidade e valores.......................... 14 
 2.1.1 Valores: conceito e processo de internalização................ 17 
 2.1.2 O sujeito psicológico e a construção de valores................ 21 
 2.1.3 A criança e o processo de internalização dos valores....... 27 
 2.1.4 Valores morais e não-morais............................................. 29 
2.2 Os contos de fadas...................................................................... 30 
 2.2.1 A estrutura das narrativas maravilhosas........................... 31 
 2.2.2 Os contos e fadas e os valores morais e éticos................ 35 
 2.2.3 O longa-metragem animado.............................................. 39 
 
3 METODOLOGIA DE PESQUISA......................................................... 43 
3.1 Método......................................................................................... 43 
3.2 A investigação da moralidade a partir dos modelos 
organizadores do pensamento.................................................... 
45 
3.3 Procedimentos metodológicos.................................................... 47 
3.4 Procedimentos para a coleta de informações............................. 49 
3.5 Procedimentos para a análise das informações.......................... 50 
 
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS ........................ 51 
4.1 Chapeuzinho Vermelho 51 
 4.1.1 Versão tradicional X versão contemporânea..................... 51 
 4.1.2 Apresentação dos modelos organizadores de 
pensamento relativos ao filme “Deu a louca na Chapeuzinho 
Vermelho” 
53 
4.2 Cinderela 59 
 4.2.1 Versão tradicional X versão contemporânea..................... 59 
 4.2.2 Apresentação dos modelos organizadores de 
pensamento relativos ao filme “Deu a louca na Cinderela”......... 
62 
4.3 Branca de Neve........................................................................... 68 
 4.3.1 Versão tradicional X versão contemporânea..................... 68 
 4.3.2 Apresentação dos modelos organizadores de 
pensamento relativos ao filme “Deu a louca na Branca de 
Neve”........................................................................................... 
70 
 
 
10 
 
4.4 Rapunzel..................................................................................... 76 
 4.4.1 Versão tradicional X versão contemporânea..................... 76 
 4.4.2 Apresentação dos modelos organizadores de 
pensamento relativos ao filme “Enrolados”................................. 
79 
4.5 Shrek........................................................................................... 86 
 4.5.1 O filme................................................................................ 86 
 4.5.2 Apresentação dos modelos organizadores de 
pensamento relativos aos filmes “Shrek I, II e III” 
88 
4.6 Considerações sobre a análise dos resultados........................... 94 
 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 107 
 
 
 
REFERÊNCIAS ........................................................................................ 112 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
11 
 
1. APRESENTAÇÃO 
 
 
É fato que a sociedade contemporânea passou a priorizar os valores 
hedonistas1, principalmente, por influencia da mídia (VALDES, 2009, p. 33) e que os 
contos de fadas buscam transmitir valores e ensinamentos éticos e morais (COELHO, 
2000, p. 154). 
Por outro lado, conforme declara Pierre Lévy (1998, p. 15) “vivemos em uma 
civilização da imagem e do audiovisual” e ainda, de acordo com Brito (2011, p. 21) “a 
preponderância visual é maciça e determinada pelos meios de comunicação que 
utilizam a imagem para comunicar, seduzir, persuadir, distrair, informar e também 
manipular”. 
As imagens são denominadas de linguagem não-verbal2 e, de acordo com Pais 
(2003, p. 1), quando a linguagem verbal se funde com a linguagem não-verbal numa 
mesma tecnologia, temos a presença da linguagem sincrética. Pais (2003, p. 12) cita o 
cinema, o teatro e a televisão como exemplos marcantes da linguagem sincrética. 
Mas, será que o sincretismo das versões fílmicas contemporâneas tanto dos 
contos de fadas tradicionais, como dos contos de fadas atuais buscam construir nas 
crianças ensinamentos éticos e morais? Ou será que estas versões, por serem 
produtos midiáticos, constroem valores hedonistas? 
Melo (2010, p. 4) destaca que os contos de fadas contemporâneos, na versão 
fílmica, colocam em primeiro plano a animação, o que leva o enredo a tornar-se 
secundário, pois, segunda ela, a tela do cinema conquistou rapidamente os jovens pela 
entrega da imagem pronta e perfeita, tirando-lhes o trabalho de “imaginar” as cenas. 
Segundo esta pesquisadora (2009, p. 4): 
 
[...] a trilha sonora, as cores vibrantes, os efeitos visuais e auditivos, a emoção 
concentrada na expectativa de uma sala de cinema e o conforto exercem um 
domínio em todos os sentidos do receptor [...] Entretanto, a sedução sensível 
do receptor pelo cinema constitui uma arma de manipulação deste suporte, o 
que sinaliza para o perigo junto aos jovens dessa visão aparentemente 
desvinculada da sociedade e dos valores expostos em um filme. 
 
1
 O hedonismo é uma doutrina que considera como bem possível o prazer imediato e individual, sendo 
este o princípio e o fim de uma vida moral (VALDES, 2009, p. 35). 
2
 Para a Lingüística, as imagens são denominadas de linguagem não-verbal. 
 
 
12 
 
Todas essas informações convergiram para uma grande inquietação, que nos 
levou a buscar descobrir como ocorre a representação da moralidade nos contos de 
fadas midiáticos voltados para crianças. 
 Assim, apresentamos a seguir o nosso questionamento principal, as hipóteses, 
os objetivos e a justificativa desta pesquisa. 
 
 
1.1 A pergunta de pesquisa 
 
Os contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica, proporcionam a 
construção psicológica do valor moral generosidade e/ou do valor não-moral egoísmo 
em crianças de 10 a 12 anos? 
 
 
1.2 Hipóteses 
 
Hipótese 1: Os contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica, influenciam a 
construção psicológica do valor moral generosidade e do valor não-moral egoísmo 
em crianças de 10 a 12 anos; 
Hipótese 2: Os contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica, não influenciam 
a construção psicológica do valor moral generosidade e nem na construção 
psicológica do valor não-moral egoísmo em crianças de 10 a 12 anos. 
 
 
1.3 Objetivo geral 
 
Identificar, por meio de modelos organizadores do pensamento, o 
aparecimento ou não do valor moral generosidade e do valor não-moral egoísmo, em 
crianças de 10 a 12 anos, a partir de conflitos de natureza moral presentes em cenas 
recortadas dos contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica. 
 
 
13 
 
1.4 Objetivos específicos 
 
a) Verificar os modelos organizadores do pensamento que as crianças, entre 10 e 
12 anos, constroem sobre o valor moral generosidade; 
 
b) Verificar os modelos organizadores do pensamento que as crianças, entre 10 e 
12 anos, constroem sobre o seguinte valor não-moral: egoísmo. 
 
 
1.5 Justificativa 
 
Esta pesquisa justifica-se pelo fato de se fazer necessário analisar a essência 
dos contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica, a fim de descobrir se eles 
ainda buscam construirvalores morais ou se foram “contaminados” pelos valores 
hedonistas presentes na sociedade contemporânea. 
 
 
1.6 Método e metodologia 
 
Será utilizada como método indutivo e a pesquisa bibliográfica. Para análise 
dos dados colhidos, utilizaremos o instrumento teórico-metodológico da Teoria dos 
Modelos Organizadores do Pensamento. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
14 
 
2. QUADRO TEÓRICO 
 
 
2.1 Sujeito contemporâneo: identidade e valores 
 
 
A busca pelo prazer imediato e individual numa sociedade que, segundo 
Lemos (2004, p. 84), é marcada por um imaginário dionisíaco, a exaltação dos 
microdesejos que é produto do desenvolvimento de uma cultura descartável, de uma 
ciência e de uma técnica voltadas para o consumo e para o fluxo de uma quantidade 
gigantesca de informações fragmentadas e o processo de ideologização que, de certa 
forma, cerca a reflexividade crítica a partir da distorção, estereotipação, manipulação e 
construção da realidade através da influencia cognitiva da mídia (WOLF, 2008, p. 144) 
transformaram o homem contemporâneo num indivíduo esquizofrênico que, segundo 
Harvey (2007, p. 49), é aquele que acredita numa realidade forjada. Ou seja, é aquele 
que consome, através dos veículos midiáticos, fatias de realidade influenciadas pelo 
caráter imediato dos eventos e pelo sensacionalismo do espetáculo que procuram forjar 
a consciência dos destinatários. 
Como um esquizofrênico, o indivíduo utiliza-se de informações desconectadas, 
velozes e isoladas, e que não se articulam em seqüências coerentes. Assim, o sujeito 
contemporâneo passa a ser composto por uma colagem esquizofrênica de pequenos 
fragmentos que significa uma espécie de desmembramento da realidade única em 
infinitas realidades simultâneas (HARVEY, 2007, p. 52). 
Edgar Morin (1999, p. 17) comenta que a fragmentação do saber tem como 
conseqüência um vazio de subjetividade. Nesse sentido, o desaparecimento da 
subjetividade, responsável pela construção de nossa identidade, resulta em 
esquizofrenia que seria a ausência de identidade. 
Esta esquizofrenia, num sentido não clínico, leva o sujeito contemporâneo, a 
substituir a sua subjetividade por presentes desconexos, ou seja, por uma cadeia de 
significantes sem significado (HARVEY, 2007, p. 52). 
 
 
15 
 
Desse modo, a sociedade contemporânea passa a agir a partir da ética da 
estética3, e não a partir de uma moral universalizante. Esta ética da estética vai 
impregnar todo o ambiente social e contaminar o político, a comunicação, o consumo, 
os negócios, as artes e espetáculos, ou seja, a vida quotidiana no seu conjunto 
(LEMOS, 2004, p. 86). 
O maior problema que Valdes (2009, p. 33) vê nisso tudo é substituição dos 
valores morais pelos valores hedonistas. Dalbosco (2005, p. 165) explica melhor esta 
observação de Valdes: 
 
O resultado mais imediato desse processo é a invasão das relações de 
dinheiro e poder naquele âmbito responsável pela socialização cultural 
espontânea das pessoas, no qual elas formam seu caráter, constroem os seus 
valores e, em última instância, atribuem significado à sua existência. 
 
Lombardi e Georgen (2005, p. 6) completam o raciocínio de Dalbosco: 
 
Com o enfraquecimento dos pressupostos da ética do dever e com o aumento 
das comodidades favorecidas pelo desenvolvimento da ciência e tecnologia 
bem como o destaque dado ao indivíduo, seus interesses e direitos, acentuou-
se o hedonismo como uma das principais tendências da sociedade 
contemporânea e um dos critérios da orientação moral dos indivíduos. 
 
Diante dessas reflexões sobre o sujeito contemporâneo esquizofrênico, sem 
identidade e constituído por valores hedonistas, torna-se necessário e urgente à 
educação em valores, conforme prevêem Lombardi e Georgen (2005, p. 84): 
 
Há uma série de acontecimentos indicativos de que se inicia uma resistência 
contra o mercado tentacular e o frenesi consumista, contra o relativismo 
axiológico e o individualismo hedonista, contra a violência e a banalização da 
vida, contra a atomização social e a despolitização, contra a fabricação de 
falsas necessidades e promessas de felicidade pelo consumo. 
 
Esse movimento em prol da criação de valores éticos e morais pode ser 
identificado nos artigos 1º e 3º da Constituição Federal do Brasil de 1988: 
 
3
 Para Lemos (2004,p. 86) a ética da estética ocorre quando a sociedade elabora um éthos, uma maneira 
de ser, um modo de existência onde aquilo que é compartilhado com outros será primordial 
 
 
16 
 
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos 
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado 
Democrático de Direito e tem como fundamentos: 
I - a soberania; 
II - a cidadania; 
III - a dignidade da pessoa humana; 
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; 
V - o pluralismo político. 
 
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: 
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; 
 
Um amplo discurso sobre a importância e a necessidade de uma inversão de 
valores está inserido também na educação, conforme podemos notar nos Parâmetros 
Curriculares Nacionais, na apresentação do tema transversal ética (BRASIL, 1997, p. 
26): 
 
 
[...] a reflexão sobre as diversas faces das condutas humanas deve fazer parte 
dos objetivos maiores da escola comprometida com a formação para a 
cidadania. Partindo dessa perspectiva, o tema Ética traz a proposta de que a 
escola realize um trabalho que possibilite o desenvolvimento da autonomia 
moral, condição para a reflexão ética. Para isso foram eleitos como eixos do 
trabalho quatro blocos de conteúdo: Respeito Mútuo, Justiça, Diálogo e 
Solidariedade, valores referenciados no princípio da dignidade do ser humano, 
um dos fundamentos da Constituição brasileira. 
 
 
Conforme já apontamos, a educação em valores passou a ser uma 
necessidade devido, principalmente, ao desenvolvimento de valores hedonistas. Desse 
modo, podemos dizer que três elementos da sociedade contemporânea se entrelaçam 
constantemente quando a temática é valor: mídia, educação e comportamento. 
A mídia, considerada um dos aparelhos ideológicos do Estado (ALTHUSSER, 
1998) manipula o sujeito. De acordo com Brito (2011, p. 74): 
 
 
[...] é muito comum à manipulação da significação de uma mensagem, de 
modo a alcançar determinados efeitos comunicativos, ou seja, o receptor 
passa a acreditar no sentido de alguma coisa, mas a realidade recebe uma 
comunicação cuidadosamente elaborada por um emissor. 
 
 
 
 
 
 
17 
 
Breton (1999, p. 21) ainda completa, afirmando que: 
 
 
[...] a manipulação consiste em entrar por efração no espírito de alguém para aí 
depor uma opinião ou provocar um comportamento sem que ninguém saiba 
que houve efração. Tudo está aí, nesse gesto que se oculta a si mesmo como 
manipulatório. 
 
 
Assim, percebemos que a mídia manipula o sujeito e que, por conta disso, 
torna-se necessária à educação em valores para que o comportamento do homem 
contemporâneo se transforme de hedonista para ético. 
 
 
2.1.1 Valores: conceito e processo de internalização 
 
Percebemos que a educação em valores é uma exigência da sociedade atual, 
mas o que são valores? 
Etimologicamente, o termo valor provém do latim valorem que significa que tem 
valor, custo (Bueno, 1967). 
Bueno (1967) declara que até o século XVI, a palavra valor era utilizada 
apenas para quantificar preços e que somente por volta do século XVII é que a palavra 
valor passou a ser empregada para significar também a importância das pessoas. 
Thomas Hobbes4, no Leviatã, explica: 
 
O valor, ou a importância de um homem, talcomo de todas as outras coisas, é 
o seu preço [...] Portanto, não é absoluto, mas que depende da necessidade e 
julgamento de outrem [...] Porque mesmo que um homem (como a maioria faz) 
atribua a si mesmo o mais alto valor possível, o seu verdadeiro valor não será 
superior ao que for estimado por outros. 
 
 
Schwartz (2006, p. 56) define valor como: 
 
1) uma crença; 
2) que pertence a fins desejáveis ou a formas de comportamento; 
3) que transcende as situações específicas; 
 
4
 HOBBES, T. (1588-1679) Leviatã,ou matéria, forma e poder de uma república eclesiástica e 
civil,organizado por Richard Tuck, tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva, 
tradução de Cláudia Berliner, revisão de Eunice Ostrenky, São Paulo,Martins Fontes, 2003, parte I, do 
Homem, Capítulo X, Do poder,valor, dignidade, honra e merecimento. 
 
 
18 
 
4) que guia a seleção ou avaliação de comportamentos, pessoas e 
acontecimentos; 
5) que se organiza por sua importância relativa a outros valores para formar 
um sistema de prioridades de valores. 
 
 
Cabral e Nick (2007, p. 319) posicionam-se da seguinte maneira quando se 
referem ao conceito de valor: 
 
 
Valor é um conceito abstrato, por vezes meramente implícito que define, em 
relação a um individuo ou a uma unidade social, quais são as finalidades 
desejáveis, ou os meios aconselháveis e apropriados para atingir essas 
finalidades. Esse contexto abstrato de valia não é o resultado de uma 
avaliação do próprio individuo, mas o produto social que lhe foi imposto e que 
ele só lentamente internaliza isto é, usa e aceita como seu critério pessoal de 
valor. 
 
 
Conforme podemos observar, Cabral e Nick afirmam que os valores são 
internalizados lentamente. Aristóteles (1985, p. 40) explica como isso ocorre: 
 
 
Não é, portanto, nem por natureza nem contrariamente à natureza que as 
virtudes se geram em nós; antes devemos dizer que a natureza nos dá a 
capacidade de recebê-las, e tal capacidade se aperfeiçoa como hábito. 
 
 
Sendo a virtude um hábito que se solidifica na ação, os valores devem então 
ser constantemente repetidos e exercitados para adquirir a força moral, logo, eles 
podem ser construídos. 
Araújo (2003, p. 158) declara que a construção de valores ocorre a partir da 
“projeção de sentimentos positivos que o sujeito faz sobre objetos, e/ou pessoas, e/ou 
relações, e/ou sobre si mesmo”. 
Para exemplificar esta teoria, podemos pensar numa pessoa que não aceita 
falsidades, de maneira nenhuma, logo, ela tem como valor moral a sinceridade. 
Além dos valores, Araújo também destaca que as pessoas também projetam 
sentimentos negativos sobre objetos, e/ou pessoas, e/ou relações, e/ou sobre si 
mesmas, construindo assim contravalores: “os contravalores referem-se àquilo de que 
não gostamos, de que temos raiva, que odiamos, por exemplo” (ARAÚJO, 2003, 158). 
 
 
19 
 
Para esclarecer melhor esta definição, Araújo (2003, p. 159) faz uma analogia 
com a escola: 
 
Se a criança gosta daquele ambiente [...] a instituição escolar pode tornar-se 
alvo de projeções afetivas positivas e tornar-se um valor para ela. Caso 
contrário [...] é bem provável que esse espaço seja alvo de projeções afetivas 
negativas, que não seja valorizado, que não se constitua em um valor para ela, 
e sim num contravalor. 
 
 
Há também os valores não-morais que são construídos quando um sentimento 
não ético é alvo de projeções afetivas positivas e passam a ser valorado. Araújo (2003, 
p. 159) exemplifica, declarando que “o traficante, a violência e o autoritarismo são 
valores para algumas pessoas” e ainda comenta: 
 
Ficava impressionado com cenas apresentadas em telejornais, mostrando 
pessoas que haviam cometido chacinas ou eram acusadas de grandes atos de 
corrupção e que, ao serem questionadas pelos repórteres sobre suas ações e 
seus sentimentos, demonstravam muita frieza e indiferença sobre os fatos. 
 
Como vimos, tanto os valores, morais ou não, como também os contravalores 
podem ser construídos e é neste ponto que detemos nossa atenção, pois, de acordo 
com os PCNs (Brasil, 2008, p. 33), “a aprendizagem de valores e atitudes é pouco 
explorada do ponto de vista pedagógico”, mas, por outro lado, a mídia pode transmitir 
valores morais, valores não morais e contravalores o tempo todo e numa linguagem 
muito mais atraente que a da escola, conforme declara Araújo (2003, p. 159): 
 
Podemos pensar, por exemplo, no papel da mídia que, empregando 
linguagens altamente atrativas e dinâmicas, normalizam a violência quando 
elegem como heróis personagens que são assassinos; quando normalizam a 
prostituição feminina e o culto a determinados padrões estéticos; quando 
apresentam de forma acrítica casos de corrupção. 
 
 
O autor (2003, p. 159) ainda completa: 
 
Se tais valores são transmitidos em linguagens interessantes, como a da 
televisão, da Internet e dos vídeos games [...] podemos pensar que aumentará 
 
 
20 
 
a probabilidade de que se tornem alvo de suas projeções afetivas positivas e 
sejam por eles valoradas. 
 
 
O problema é que os valores e os contravalores construídos são incorporados 
na identidade das pessoas (ARAÚJO, 2003, p. 160). Assim, o que se deve fazer é 
analisar criticamente o material veiculado pela mídia, tanto em jornais, revistas, livros, 
fotos, propaganda, música, programas de TV, filmes, para trazer à tona suas 
mensagens implícitas ou explícitas sobre valores. 
Além de analisar criticamente o material que a mídia veicula a fim de verificar 
se se constroem valores morais ou não, ou até mesmo contravalores, é necessário que 
a educação em valores passe a ser uma realidade para garantir a transformação do 
comportamento hedonista. 
De acordo com Martins (2009) há quatro maneiras de se ensinar valores: 
 
1. Abordagem pela doutrinação de valores: dá-se através da disciplina, do 
bom exemplo, de enfatizar mais as condutas do que os raciocínios, destacando 
as virtudes do patriotismo, do trabalho, da honestidade, do altruísmo e da 
coragem; 
 
2. Abordagem pela clarificação dos valores: consiste em ajudar, de maneira 
não-diretiva e de forma neutra, a clarificar, assumir e por em prática os seus 
próprios valores; 
 
 
3. Abordagem pela opinião ou julgamento dos valores: consiste em 
acentuar os componentes cognitivos da moralidade. Esta abordagem propõe 
que a educação moral se centre na discussão de dilemas morais sem levar em 
conta, no entanto, as diferenças de sexo, raça, de classes sociais e de cultura, 
concentrando-se unicamente na atribuição de significados que pessoas dão à 
suas experiências ou vivencias morais; 
 
4. Abordagem pela narração: envolve três dimensões da educação em 
valores – cognição, emoção e motivação. A abordagem pela narração ou 
narrativa reconhece que, na diversidade cultural, é comum a contação de 
histórias por parte das pessoas com o objetivo de transmitir valores de 
gerações mais velhas para as mais novas. A narrativa desempenha um papel 
na vida e na dimensão moral das pessoas. 
 
Vimos, então, que os valores podem ser construídos, tanto pela educação 
como pela mídia. Vimos também que a mídia pode também construir valores não 
morais/ hedonistas e contravalores. Além disso, observamos que há técnicas de se 
 
 
21 
 
construir valores, conforme as citadas por Martins (2009), mas, como os valores são 
construídos pelo psiquismo humano? 
 
 
2.1.2 O sujeito psicológico e a construção de valores 
 
Sastre e Moreno (2003, p. 129) afirmam que os diversos cenários da vida 
cotidiana, com o entrelaçamento de seus múltiplos e diversos componentes, devem 
deixar sua marca na construção do psiquismo humano. 
Esses componentes que deixam marcasna construção do psiquismo humano 
são explicados por Araújo (2003) em seu modelo de Sujeito Psicológico: 
 
 
Figura 1: Sujeito Psicológico 
 
Físicas
Interpessoais
Socioculturais
BIOLÓGICA
COGNITIVA
SOCIOCULTURAL
AFETIVA
Inconsciente
Consciência
Universo das 
Relações
 
 
 
Fonte: (ARAUJO, 2003, p.156) 
 
 
 
 
22 
 
De acordo com este modelo, o sujeito psicológico é composto por todos esses 
sistemas que, em uma interação contínua, relacionam-se com o meio. 
Todos eles, segundo o autor (2003, p. 155), estão “inter-relacionados entre si 
de maneira sistêmica de tal forma que sua separação só é possível para efeitos de 
estudo e para facilitar sua compreensão”. 
Em relação a este modelo, Araújo (2003, p. 155) ainda explica que: 
 
a) a visão sistêmica de indissociabilidade entre as diferentes dimensões está 
representada por meio de setas bidirecionais que as ligam entre si; 
 
b) a representação de todos os sistemas constituintes é feita por meio de 
linhas tracejadas, indicando sua abertura e ausência de fronteiras bem 
definidas entre as diferentes dimensões; 
 
c) se a imagem fosse tridimensional, perceber-se-ia que a consciência e o 
inconsciente (ou não-consciência) encontram-se em planos distintos, paralelos, 
mas ligados entre si, de tal forma que pressupomos um inconsciente cognitivo, 
um inconsciente afetivo, um inconsciente biológico e um inconsciente 
sociocultural (grifo nosso). 
 
 
Se o inconsciente, conforme declara Araújo, liga-se a consciência e se o autor 
pressupõe que exista um plano inconsciente para as todas as dimensões do sujeito 
psicológico, há a necessidade de esclarecermos que, de acordo com Freud, o 
inconsciente é uma região da mente humana na qual ficam recalcadas a emoções, os 
sentimentos, os desejos e os conflitos do ser humano (NASIO, 1999). 
Nasio (1999, p.25-26) explica que o recalcamento é “uma barreira que impede 
a passagem dos conteúdos inconscientes para o pré-consciente”. Já Bergeret (2006, p. 
85) define o recalcamento como um processo ativo, destinado a conservar fora da 
consciência as representações inaceitáveis, ou seja, que representam possíveis 
tentações ou castigos de exigências pulsionais censuráveis, quando não meras alusões 
a estas. Percebemos, então, que o recalque serve para impedir que os afetos e os 
desejos inconscientes passem para a consciência. 
Mas, os afetos que trataremos nesta pesquisa estão no plano consciente do 
sujeito psicológico. De acordo com Araújo (2003, p. 156), as emoções e os sentimentos 
fazem parte da dimensão afetiva e são influenciados pela dimensão biológica e pela 
dimensão sociocultural e pode influenciar a dimensão cognitiva: 
 
 
23 
 
 
 
[...] as emoções, pertencentes à dimensão afetiva, são conjuntos complexos de 
reações químicas e neurais (dimensão biológica); sua indução recebe forte 
influência da cultura, que molda os conteúdos que podem elicitar as emoções 
(dimensão sociocultural); e seu aparecimento ou sentimento permeia os 
processos cognitivos do pensamento (dimensão cognitiva). 
 
 
Diante dessas explicações, podemos perceber que a dimensão afetiva 
desempenha um papel funcional e organizativo no raciocínio humano, principalmente 
no que diz respeito à construção de valores e de identidade. 
 
Minha tese, e de autores como La Taille (1998, 2002) e Damon (1995),é de 
que os valores construídos são incorporados na identidade das pessoas. 
Quanto maior a carga afetiva vinculada a determinado valor, mais centralmente 
ele se “posiciona” na identidade (ARAÚJO, 2003, p. 160). 
 
Conforme já foi aqui discutido, o sujeito contemporâneo é desprovido de 
identidade e a educação em valores busca formar esta identidade. Todavia, a dimensão 
afetiva é que determinará os valores construídos e a identidade formada já que, a partir 
da declaração de Araújo, o valor só será construído e internalizado em sua identidade, 
se tocar a sensibilidade do sujeito através da afetividade. Assim, antes de 
prosseguirmos, torna-se necessário diferenciar emoção, sentimento e afeto. 
Sobre emoção, Mahoney e Almeida (2009, p. 17-18) explicam que: 
 
 
[...] é a exteriorização da afetividade, é sua expressão corporal, motora. Tem 
um poder plástico, expressivo e contagioso; é o recurso de ligação entre o 
orgânico e o social: estabelece os primeiros laços com o mundo humano e, 
através deste, com o mundo físico e cultural. As emoções compõem sistemas 
de atitudes reveladas pelo tônus (nível de tensão muscular). Combinado com 
intenções conforme as diferentes situações. Das oscilações viscerais e 
musculares se diferenciam as emoções e se estabelecem padrões posturais 
para o medo, alegria, raiva, ciúmes, tristeza, etc. 
 
 
Já, o sentimento corresponde à expressão representacional da afetividade e 
não implica reações instantâneas e diretas como na emoção (MAHONEY; ALMEIDA, 
2009, p. 21). 
 
 
24 
 
Saconni (1996, p. 606) define a palavra sentimento como “um estado 
psicológico de longa duração”. Rodrigues et al. (1989, p. 15) apontam os sentimentos 
como “fenômenos afetivos estáveis que resultam, em regra, da intelectualização das 
emoções”. 
Damásio (2000, p. 57) também distingue emoção de sentimento: “sentimento 
(experiência mental da emoção) e emoção (conjunto de reações orgânicas)”. 
Percebemos, a partir destas definições, que a emoção é uma reação corporal 
(ativação fisiológica) e o sentimento é quando se atribui um valor aquilo que se sente 
(ativação representacional). 
Já, o afeto, de acordo com Codo e Gazzotti (1999, p. 48-59), é um conjunto de 
fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções e sentimentos, 
acompanhados sempre de impressão de dor ou prazer, de satisfação ou insatisfação, 
de agrado ou desagrado, de alegria ou de tristeza. 
Para Mahoney e Almeida (2009, p. 17), a afetividade “refere-se à capacidade 
do ser humano ser afetado pelo mundo externo e interno por meio de sensações 
ligadas a tonalidades agradáveis ou desagradáveis”. 
Rodrigues et al. (1989, p. 15) definem a afetividade como o “conjunto de 
emoção e sentimentos”. Isso significa dizer que a afetividade engloba tanto uma reação 
do corpo (emoção), como também uma experiência subjetiva (sentimento). 
Damásio (2000, p. 431) afirma que o “afeto é aquilo que você manifesta 
(exprime) ou experimenta (sente) em relação a um objeto ou situação, em qualquer dia 
de sua vida”. 
Bock et al. (1999, p. 193) enfatizam que: 
 
Os afetos ajudam-nos a avaliar as situações, servem de critérios de valoração 
positiva ou negativa para as situações de nossa vida; eles preparam nossas 
ações, ou seja, participam ativamente da percepção que temos das situações 
vividas e do planejamento de nossas ações ao meio. 
 
Se os afetos (emoções e sentimentos) influenciam a percepção e as ações do 
ser humano, eles também regulam suas interações sociais. É como se fosse um círculo: 
uma pessoa é afetada pela afetividade (Pinto, 2007, p. 12) e sua reação afeta as 
emoções e os sentimentos de outra pessoa, ou seja, um afeto (positivo ou negativo) 
 
 
25 
 
afeta um ser humano que afetará também a sua interação com o outro, e este outro 
será afetado, sucessivamente. 
Voltando a discussão da influência das emoções, dos sentimentos e dos afetos 
na construção de valores e na formação da identidade do sujeito, Araújo (2003, p. 160) 
declara: 
 
No processo de desenvolvimento psicológico, durante nossa vida, nossos 
valores se organizam em um sistema em que alguns deles são mais centrais e 
outros mais periféricos [...] as emoções e os sentimentos que chamamos 
morais, como a vergonha, a culpa e o remorso, aparecem (ou são sentidos) 
quando agimos e/ou pensamos contrariando os valores centrais de nossa 
identidade. Nesse sentido, atuam regulandonosso funcionamento psíquico. 
 
 
Assim, os valores pertencentes à dimensão afetiva, que são construídos como 
centrais na identidade das pessoas, sendo de natureza moral, atuarão regulando 
eticamente seus pensamentos e suas ações. Araújo5 (2007 p. 5-6) explica esta teoria: 
 
Tentando sintetizar essa discussão, entendo que no processo de 
desenvolvimento psicológico, durante toda a nossa vida, à medida que nossos 
valores vão sendo construídos, eles se organizam em um sistema. Nesse 
sistema de valores que cada sujeito constrói (que no fundo constituem a base 
das representações de si), alguns deles se "posicionam" de forma mais central 
em nossa identidade, e outros, de forma mais periférica. O que determina esse 
"posicionamento" é a intensidade da carga afetiva vinculada a determinado 
valor (ou contravalor) construído. Assim, nossos valores centrais são aqueles 
que, além de terem sido construídos a partir da ação projetiva de sentimentos 
positivos, a intensidade desses sentimentos é muito grande. Por outro lado, 
construímos alguns valores cuja intensidade dos sentimentos é pequena e, por 
isso, se "posicionam" na periferia de nossa identidade. 
 
 
Vale enfatizar, entretanto, que o posicionamento de valores como centrais ou 
periféricos é flexível, logo, um mesmo valor pode ser central ou periférico, dependendo 
da situação na qual o sujeito se encontra. Araújo (2003, p. 160) exemplifica esta 
declaração: 
 
Exemplificando, existem pessoas que vão à farmácia comprar um remédio que 
custa 10 reais e descobrem que só em 9 reais e 80 centavos na carteira. O 
 
5
 Fragmento de uma versão simplificada de capítulo publicado no livro “Educação e Valores: pontos e 
contrapontos” (Araújo, U.F.; Puig, J. & Arantes, V., Summus Editorial, 2007). 
 
 
26 
 
balconista lhe entrega o remédio e ele diz que depois paga os 20 centavos 
restantes. Se a honestidade é um valor central na identidade desse cliente, ele 
poderá ir até sua casa pegar as moedas e voltar à farmácia para pagar os 20 
centavos. Se não fizer isso, poderá sentir-se mal, incomodado. Por outro lado, 
conhecemos pessoas que primam por não pagarem suas dívidas e não se 
importam por ficar devendo aos outros. No primeiro caso, a honestidade é um 
valor central na identidade da pessoa em questão, o que significa que esse 
conteúdo possui uma forte carga afetiva para ele, enquanto que no segundo 
caso ela é um valor periférico, localizado na “periferia” de sua identidade, com 
pouca carga afetiva vinculada. 
 
 
O papel exercido nesse sistema, pela intensidade dos sentimentos no 
posicionamento dos valores, tem um papel importante na construção de valores e da 
identidade. 
Diante disso, Araújo (2007 p. 7) conclui: 
 
[...] o valor moral depende de uma certa qualidade nas interações, e não é, 
necessariamente, construído pelas pessoas. Vincula-se à projeção afetiva 
positiva que o constitui, ligada ou não a conteúdos de natureza moral. Se os 
valores construídos como centrais na identidade são de natureza ética, 
estamos falando que existe maior probabilidade de que os pensamentos e os 
comportamentos dessa pessoa sejam éticos. Pelo contrário, se os valores 
construídos como centrais na identidade baseiam-se na violência, na 
discriminação, etc, é provável que seus comportamentos e pensamentos não 
sejam éticos. 
 
Portanto, as situações que envolvem valores morais e/ou não morais, 
contravalores e identidade estão fortemente associadas às emoções positivas e 
negativas. Acreditamos que essas experiências emocionais entram em ação quando 
estamos considerando uma decisão. 
Sobre essas experiências emocionais, Bechara (2003, p. 196) declara que “a 
ativação desses estados somáticos oferece sinais automáticos que, de maneira 
explícita ou oculta, marcam diversas opções e situações com uma valoração”. 
Mas, quais são os valores morais que podem ser construídos como centrais na 
identidade do sujeito contemporâneo e que podem atuar em seu funcionamento 
psíquico, regulando eticamente seus pensamentos e suas ações? 
 
 
 
 
 
 
27 
 
2.1.3 A criança e o processo de internalização dos valores 
 
Segundo Araújo (2003, p. 104), Piaget vincula o desenvolvimento infantil ao 
desenvolvimento do juízo moral. Desse modo, Piaget divide a relação das crianças com 
as regras em 3 fases: anomia, heteronomia e autonomia. 
A anomia é a fase da ausência de regras, por exemplo, um recém-nascido 
desconhece a existência das regras sociais. A heteronomia é a fase em que a criança 
conhece as regras que são determinadas por outras pessoas e a autonomia é a fase 
em que a criança internaliza as regras e se submete conscientemente a elas (PIAGET, 
1932). 
Assim, podemos compreender que, para Piaget, as crianças menores estão no 
estágio de heteronomia, isto é, as regras são impostas pelos adultos e as crianças 
maiores passam aos poucos para um estágio de autonomia, em que as regras são 
vistas como resultado de uma decisão livre e digna de respeito, aceitas pelo grupo. 
Lawrence Kohlberg (1984), ex-aluno de Piaget, insatisfeito com sua obra, ainda 
que aceitasse a abordagem cognitivo-evolutiva, dedicou-se a redefinição dos estágios 
de desenvolvimento moral estabelecendo seu próprio esquema, criticando aspectos 
fundamentais da teoria piagetiana. 
Segundo Kohlberg, existem seis estágios em ordem invariável, como os de 
Piaget, em que se desenvolve a moralidade. Kohlberg cita os estágios para que o 
indivíduo tem que passar para evoluir, porém, para ele, muitos adultos não passam do 
3º estágio, onde está presente as expectativas interpessoais mútuas, relacionamentos e 
conformidades interpessoais. E através de uma série de estudos e pesquisas, a Teoria 
do Desenvolvimento Moral, onde estabelece um esquema de desenvolvimento definido 
em três níveis e seis estágios. 
 
1º NIVEL PRÉ-CONVENCIONAL: A moralidade da criança é marcada pelas 
conseqüências de seus atos: punição ou recompensa, elogio ou castigo, e 
baseia-se no poder físico (de punir ou recompensar) daqueles que estipulam 
as normas. 
 
Estágio 1 - O que determina a bondade ou maldade de um ato são 
as conseqüências físicas do ato (punição). Respeita-se a ordem apenas por 
medo à punição, e não se tem consciência nenhuma do valor e do significado 
humano das regras. 
 
 
28 
 
 
Estágio 2 - A ação justa é aquela que satisfaz as minhas 
necessidades, a que me gera recompensa e prazer, e, ocasionalmente aos 
outros. As relações humanas são vistas como trocas comerciais. Mais ou 
menos assim "Tu me gratificas e eu te gratifico". A pessoa tenta obter 
recompensas pelas suas ações. 
 
2º NÍVEL CONVENCIONAL: Nesse nível a manutenção das expectativas da 
família, do grupo, da nação, da sociedade é vista como válida em si mesma e 
sem muitos questionamentos ou porquês. É uma atitude de conformidade com 
a ordem social, mas também uma atitude de lealdade e amor á família, ao 
grupo, ao social. 
 
Estágio 3 - É bom aquele comportamento que agrada aos outros e 
por eles é aprovado. De certa forma, é bom o que é socialmente aceito, aquilo 
que segue o padrão. O comportamento é muitas vezes julgado com base na 
intenção, e a intenção torna-se pela primeira vez importante. É a busca do 
desejo de aprovação familiar e social. 
 
Estágio 4 - Há o desenvolvimento da noção de dever, de 
comportamento correto, de cumprir a própria obrigação. Há o desejo de manter 
a ordem social especificamente pelo desejo de mantê-la, isto é, por que isso é 
justo. 
 
3º NÍVEL PÓS-CONVENCIONAL: Há um esforço do indivíduo para definir os 
valores morais, para definir conscientemente e livremente o que é certo e o 
que é errado, e porquê... Prescinde-se muitas vezes da autoridade dos grupos 
e das pessoas que mantém a autoridade sobreos princípios morais. 
 
Estágio 5 - É a tomada da consciência da existência do outro, da 
maioria, do bem comum, dos direitos humanos... A ação justa é a ação que 
leva em conta os direitos gerais do indivíduo, isto é, o bem comum. Valores 
pessoais são claramente considerados relativos, é a lei da maioria e da 
utilidade social. 
 
Estágio 6 - O justo e correto é definido pela decisão da consciência 
de acordo com os princípios éticos escolhidos e baseados na compreensão 
lógica, universalidade, coerência, solidariedade universal. Guia-se por 
princípios universais de justiça, de reciprocidade, de igualdade de direitos, de 
respeito pela dignidade dos seres humanos, por um profundo altruísmo, pela 
fraternidade. Os padrões próprios de justiça têm mais peso do que as regras e 
leis existentes na sociedade (RIBEIRO E SILVA. G, 2003, p. 06). 
 
 
Ribeiro e Silva (2003, p.06) conclui sua pesquisa afirmando que tanto no 
modelo de Piaget como no de Kohlberg, a moralidade de um indivíduo depende tanto 
de fatores psicológicos e biológicos (quem é a pessoa, quem são seus pais, qual sua 
bagagem genética...), como de elementos sociais e culturais (onde nasceu, em que 
época, quem são seus vizinhos, amigos, mestres, grau de instrução, condição 
financeira...). 
 
 
29 
 
2.1.4 Valores morais e não-morais 
 
Já vimos que Araújo (2003; 2007) destaca que sentimentos éticos, quando 
centrais, vão construir, psicologicamente, valores morais na identidade do sujeito, ao 
passo que os sentimentos não éticos vão construir valores não morais ou contravalores. 
Martins6 (2009) conceitua dez valores que, segundo ele, se construídos podem 
melhorar a vida em sociedade: autonomia, capacidade de convivência, diálogo, 
dignidade da pessoa humana, igualdade de direitos, justiça, participação social, 
respeito mútuo, generosidade e tolerância. 
Dentre os valores citados por Martins, analisaremos, nesta pesquisa o valor 
moral generosidade. 
Em relação à generosidade, Pinheiro (2009, p. 68) declara que ela “caracteriza-
se por uma virtude por excelência altruísta [...] requer dar algo sem ser pelo 
cumprimento do dever”. 
Comte-Sponville (2009, p. 105-106) ainda comenta que “A generosidade é o 
contrário do egoísmo [...] ser generoso é ser livre de si, de suas pequenas covardias, de 
suas pequenas posses, de suas pequenas cóleras, de seus pequenos ciúmes”. 
Assim, pretendemos verificar se os contos de fadas contemporâneos, na 
versão fílmica, constroem o valor generosidade no público infanto-juvenil porque 
acreditamos que se trata de um valor moral extremamente necessário ao homem 
contemporâneo que, por viver rodeado por valores hedonistas/não-morais, necessita 
construí-lo em sua identidade, como valor central, a fim de combater o predomínio do 
egoísmo. 
Verificaremos também se ocorre à construção psicológica de valores não-
morais, como o egoísmo. Em relação ao egoísmo, Borriello et al. (2003, p. 349), declara 
que este valor indica “amor excessivo a si próprio”. 
Esses autores ainda declaram que o egoísmo é uma: 
 
6
 MARTINS, V. A prática de valores na escola. Disponível em: http://www.abec.ch/Portugues/subsidios-
educadores/artigos/categorias/artigos-ed 
paz/ARTIGO_A_PRATICA_DE_VALORES_NA_ESCOLA%20_Versao25_11_04.pdf. Acesso em 17 Ago 
2011. 
 
 
 
30 
 
Necessidade desproporcional de conservação e de valorização de si mesmo, 
ainda que com prejuízo dos outros, quase que a cristalização do indivíduo na 
própria realidade e na própria história; o ponto de referência de tudo é o próprio 
eu, como se fosse o centro do universo [...] busca exclusivamente a satisfação 
dos próprios interesses pessoais (BORRIELLO et al., 2003, p. 349). 
 
Por ser esse um valor não-moral expresso, geralmente, pela valorização do 
sucesso, da beleza, da popularidade, do status social, da fama, do dinheiro, do poder, 
entre outros, consideramos importante verificarmos se ele pode ser construído 
psicologicamente pelo público infanto-juvenil, através dos contos de fadas 
contemporâneos na versão fílmica. 
 
 
2.2 Os contos de fadas 
 
Há dois tipos de contos muito semelhantes: os contos maravilhosos e os 
contos de fadas. De acordo com Todorov (1971, p. 120) “o conto de fadas é uma das 
variedades do conto maravilhoso, do qual se distingue por uma certa escritura e não 
pelo estatuto do sobrenatural”. 
Contudo, há outros teóricos que afirmam que o conto de fadas e os contos 
maravilhosos são diferentes, são dois gêneros distintos, ou seja, embora apresentem 
estruturas narrativas idênticas, eles são diferentes em relação a sua problemática 
central. Enquanto os contos de fadas apresentam uma problemática existencial: a 
busca de realização pelo amor, os contos maravilhosos apresentam uma problemática 
social: a busca de realização da personagem pela fortuna (COELHO, 2000, p. 109). 
Coelho (2000, p. 172-173) declara que há ainda duas diferenças básicas entre 
esses gêneros: a origem e o propósito: 
 
A forma do conto maravilhoso tem raízes em narrativas orientais difundidas 
pelos árabes [...] O núcleo da aventura é sempre de natureza 
material/social/sensorial (a busca de riquezas, a satisfação do corpo; a 
conquista do poder, etc) [...] Desse maravilhoso nasceram personagens que 
possuem poderes sobrenaturais; deslocam-se; contrariando as leis da 
gravidade; sofrem metamorfoses contínuas; defrontam-se com as forças do 
Bem e do Mal, personificadas; sofrem profecias que se cumprem; são 
beneficiadas com milagres; assistem a fenômenos que desafiam as leis da 
lógica, etc. O conto de fadas é de natureza espiritual/ética/existencial. 
Originou-se entre os celtas, com heróis e heroínas, cujas aventuras estavam 
 
 
31 
 
ligadas ao sobrenatural, ao ministério do além-vida e visavam a realização 
interior do ser humano. Daí a presença da fada, cujo nome vem do termo 
latino”fatum”, que significa destino 
 
Desse modo, podemos perceber então que os contos de fadas apresentam 
uma problemática existencial: o herói ou a heroína que precisa vencer obstáculos ou 
provas para alcançar sua auto-realização. Geralmente a aventura da busca parte de 
uma metamorfose ou de um encantamento. 
Já os contos maravilhosos apresentam um herói ou anti-herói que encontrará 
sua auto-realização na conquista de bens e de poder material. A aventura de busca, 
nesse caso, parte, geralmente, da necessidade de sobrevivência física ou da miséria 
dos protagonistas. 
Assim, embora narrativas maravilhosas, o conto de fadas e o conto 
maravilhoso expressam atitudes bem diferentes diante da vida: no primeiro, ligadas ao 
ideal, aos valores eternos, ao espírito; no segundo, ligadas ao sensorial, ao concreto, à 
vida prática. 
 
 
2.2.1 A estrutura das narrativas maravilhosas 
 
Tanto os contos de fadas como os contos maravilhosos fazem parte dos 
gêneros narrativos, por isso, é importante compreendermos o conceito de narrativa. 
Para Siqueira (1992, p. 14), "[...] quando o fato se desenvolve a partir da 
criação de um conflito, temos uma narrativa", ou seja, o fato do leitor reconhecer o 
conflito é a principal característica da narrativa. 
A narrativa se inicia com um equilíbrio e este é quebrado, seja pela introdução 
de um elemento mágico, seja pelo falecimento ou afastamento de algum personagem. 
Essa quebra de equilíbrio gera o conflito, e a narrativa desenvolve-se na busca de uma 
solução. Uma vez resolvido o conflito, o equilíbrio que se restabelece não é mais o 
mesmo, embora possa ser parecido com o inicial (SIQUEIRA, 1992, p. 17). 
Segundo Todorov (1970, p. 40), temos: 
 
[...] dois tipos de episódios numa narrativa: os que descrevem um estado de 
equilíbrio ou desequilíbrio, e os que descrevem a passagem de um estado a 
 
 
32 
 
outro. O primeirotipo será relativamente estático e, pode-se dizer, iterativo: o 
mesmo tipo de ações poderia ser repetido indefinidamente. O segundo, em 
compensação, será dinâmico e só se produz, em princípio, uma única vez. 
 
 
Costa (2008, p. 67) explica as principais características do conto: 
 
[...] é breve e curto, com um número reduzido de personagens em cena com 
ação concentrada. As personagens geralmente são anônimas e culturalmente 
prototípicas (rei, princesa, dragão, padre, moleiro...) Enunciativamente, as 
fórmulas introdutórias do tipo “Era uma vez...” de localização temporal 
indefinida, acabam dando ao conto um caráter de permanência temporal 
(passado e atual), além de colocá-lo no mundo ficcional. 
 
 
Em relação à estrutura dos gêneros narrativos, Joseph Campbell criou, em 
1949, em sua obra “O herói de mil faces”, uma estrutura textual básica que denominou 
de Jornada do herói. A partir desta jornada, Campbell divide a aventura do herói em 
três fases, que compreendem basicamente a partida, a iniciação e o retorno 
(MARTINEZ, 2008, p. 52). 
Segundo Mônica Martinez (2008, p. 56-57), a estrutura da Jornada do Herói de 
Campbell foi transposta para o cinema por Christipher Vogler nos anos de 1980: 
 
Até então, o analista de roteiros da Companhia Walt Disney preocupava-se em 
entender o mecanismo de uma boa história, daquelas que a pessoa tem a 
sensação de ter vivido uma experiência completa e significativa [...] Ao se 
deparar com o trabalho de Joseph Campbell, Vogler entende que o padrão que 
havia instituído estava mapeado no livro Q herói de mil faces, escrito pelo 
mitólogo norte-americano. Com o tempo, este conhecimento torna-se a base 
do metido empregado pelo especialista para diagnosticar problemas e 
prescrever soluções às películas cinematográficas. Em pouco tempo Vogler 
traça um memorando de sete páginas que intitula “Guia prático d’O herói de mil 
faces”, no qual exemplifica a idéia de Campbell por meio de filmes clássicos e 
contemporâneos. 
 
De acordo com Vogler (2006, p. 26) “todas as histórias consistem em alguns 
elementos estruturais comuns, encontrados universalmente em mitos, contos de fadas, 
sonhos e filmes”. 
Christopher Vogler (2006, p. 27) ainda declara: 
 
Ficou logo evidente para mim que a Jornada do Herói era uma tecnologia 
narrativa útil e empolgante, que podia ajudar diretores e produtores a eliminar 
grande parte dos riscos de tentar adivinhar e dos gastos de desenvolver as 
histórias para um filme. 
 
 
33 
 
 
Diante disso, o autor passou a utilizar esta técnica em produções 
cinematográficas, porém, atualizou-a de acordo com sua necessidade, modificando-a 
do original de Campbell. A jornada de Vogler é chamada de ‘Jornada do Escritor’. 
 
 
Figura 2. Comparação entre a Jornada do Escritor e a Jornada do Herói 
 
 
 
 
Fonte: VOGLER, C. A jornada do escritor: estruturas místicas para escritores. Tradução de Ana Maria 
Machado. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 34-35. 
Vogler (2006, p. 37-46) explica cada parte da Jornada: 
 
 
 
34 
 
 
1. Mundo Comum: A maioria das histórias desloca o herói para fora de seu 
mundo ordinário, cotidiano, e o introduz em um Mundo Especial, novo e 
estranho; 
 
2. Chamado à Aventura: Apresenta-se ao herói um problema, um desafio, 
uma aventura a empreender; 
 
3. Recusa do Chamado (o Herói Relutante): Agora é a hora do medo. Com 
freqüência, o herói hesita logo antes de partir em sua aventura, Recusando o 
Chamado, ou exprimindo relutância; 
 
4. Mentor (a Velha ou o Velho Sábio): A função do Mentor é preparar o herói 
para enfrentar o desconhecido; 
 
5. Travessia do Primeiro Limiar: Finalmente, o herói se compromete com sua 
aventura e entra plenamente no Mundo Especial da história pela primeira vez 
— ao efetuar a Travessia do Primeiro Limiar; 
 
6. Testes, Aliados e Inimigos: Uma vez ultrapassado o Primeiro Limiar, o 
herói naturalmente encontra novos desafios e Testes, faz Aliados e Inimigos, e 
começa a aprender as regras do Mundo Especial; 
 
7. Aproximação da Caverna Oculta: Finalmente, o herói chega à fronteira de 
um lugar perigoso, às vezes subterrâneo e profundo, onde está escondido o 
objeto de sua busca; 
 
8. A Provação: Aqui se joga a sorte do herói, num confronto direto com seu 
maior medo. Ele enfrenta a possibilidade da morte e é levado ao extremo numa 
batalha contra uma força hostil; 
 
9. Recompensa (Apanhando a Espada): Após sobreviver à morte, o herói, 
então, pode se apossar do tesouro que veio buscar, sua Recompensa; 
 
10. Caminho de Volta: Mas o herói começa a lidar com as conseqüências de 
ter-se confrontado com as forças obscuras da Provação; 
 
11. Ressurreição: É uma espécie de exame final do herói, que deve ser posto 
à prova, ainda uma vez, para ver se realmente aprendeu as lições da 
Provação. O herói se transforma; 
 
12. Retorno com o Elixir: O herói retorna ao Mundo Comum, mas a jornada 
não tem sentido se ele não trouxer de volta um Elixir, tesouro ou lição do 
Mundo Especial. 
 
 
Nelly Novaes Coelho também organizou uma estrutura básica para se analisar 
os contos de fadas e os contos maravilhosos. Ela extraiu cinco invariantes definidas por 
Wladimir Propp que estão sempre presentes nos contos de fadas e nos contos 
maravilhosos – aspiração (ou desígnio), viagem, obstáculos (ou desafios), mediação 
auxiliar e conquista do objetivo (final feliz) (COELHO, 2000, p. 109 -110): 
 
 
35 
 
 
1. Toda efabulação tem, como motivo nuclear, uma aspiração ou um desígnio, 
que levam o herói (ou a heroína) à ação; 
 
2. A condição primeira para a realização desse desígnio é sair de casa; o herói 
empreende uma viagem ou se desloca para um ambiente estranho, não-
familiar; 
 
3. Há sempre um desafio à realização pretendida, ou surgem obstáculos 
aparentemente insuportáveis que se opõem à ação do herói (ou da heroína); 
 
4. Surge sempre um mediador entre o herói (ou a heroína) e o objetivo que está 
difícil de ser alcançado; isto é, surge um auxiliar mágico natural ou 
sobrenatural, que afasta ou neutraliza os perigos e ajuda o herói a vencer; 
 
5. Finalmente o herói conquista o almejado objetivo. 
 
 
Portanto, as narrativas – sejam elas maravilhosas ou não, seguem uma 
determinada estrutura – tanto para a escrita verbal, como para sua forma mais 
contemporânea que é a cinematográfica. Contudo, vale enfatizar que, diferentemente 
de qualquer outra forma de literatura, elas são capazes de contribuir diretamente para a 
construção da identidade e dos valores éticos e morais. 
 
 
2.2.2 Os contos de fadas e os valores morais e éticos 
 
Dentre as narrativas maravilhosas, o foco desta pesquisa está nos contos de 
fadas e, em relação aos valores morais e éticos, esse gênero apresenta uma certa 
“complexidade das forças interiores” (positiva e negativa) sobre a dualidade 
maniqueísta que sempre caracterizou o comportamento das personagens tradicionais. 
Sobre isso, Coelho (2000, p. 154) declara: 
 
A intenção maior é dotar as personagens de ficção da ambigüidade natural dos 
homens e, através dela, revelar as forças polares ou contraditórias, inerentes à 
condição humana. Embora em algumas obras a lição de vida desemboque em 
horizonte “fechado” e enfatize as forças negativas ou o fracasso do viver, a 
grande maioria delas aponta para a esperança, para o entusiasmo e a 
importância de se participar dinamicamente da vida. 
 Assim, podemos perceber que os contos de fadas, além de dar exemplos ou 
conselhos, propõem problemas a serem resolvidos, estimulando a capacidade de 
 
 
36 
 
compreensão dos fenômenos e provocando idéias novas ou uma atitude receptiva em 
relação às inovações que a vida cotidiana propõe (ou proporá), além de procurar 
capacitar as crianças ejovens a optarem, com inteligência, nos momentos de agir. 
Segundo o historiador Darnton (1996, p. 61), as primeiras versões dos contos 
de fadas, embora não tivesse a intenção de transmitir valores morais, sugeriam cautela: 
 
 
Sem fazer pregações nem dar lições de moral, os contos demonstram que o 
mundo é duro e perigoso. Embora, na maioria, não fossem endereçados às 
crianças, tendem a sugerir cautela. Como se erguessem letreiros de 
advertência, por exemplo, em torno à busca de fortuna: "Perigo!"; "Estrada 
interrompida; "Vá devagar!"; "Pare!" É verdade que alguns contêm uma 
mensagem positiva. Mostram que a generosidade, a honestidade e a coragem 
são recompensadas. Mas não inspiram muita confiança na eficácia de se amar 
os inimigos e oferecer a outra face. Em vez disso, demonstram que, por mais 
louvável quês seja dividir o seu pão com mendigos, não se pode confiar em 
todos aqueles que se encontra pelo caminho. Alguns estranhos talvez se 
transformem em príncipes e fadas bondosas; mas outros podem ser lobos e 
feiticeiras, e não há maneira de distinguir uns dos outros. 
 
 
Darnton (1996, p. 05) ainda declara que nestas primeiras versões, os 
contadores de histórias procuravam retratar um mundo de brutalidade: 
 
As outras histórias da Mamãe Ganso dos camponeses franceses têm as 
mesmas características de pesadelo. Numa versão primitiva da "Bela 
Adormecida", por exemplo, o Príncipe Encantado, que já é casado, viola a 
princesa e ela tem vários filhos com ele, sem acordar. As crianças, finalmente, 
quebram o encantamento, mordendo a durante a amamentação, e o conto 
então aborda seu segundo tema: as tentativas da sogra do príncipe, uma ogra, 
de comer sua prole ilícita. O "Barba Azul" original é a história de uma noiva que 
não consegue resistir à tentação de abrir uma porta proibida na casa de seu 
marido, um homem estranho, que já teve seis mulheres. Ela entra num quarto 
escuro e descobre os cadáveres das esposas anteriores, pendurados na 
parede. Horrorizada, deixa a chave proibida cair de sua mão numa poça de 
sangue, no chão. Não consegue limpá la; então, Barba Azul descobre sua 
desobediência, ao examinar as chaves. Enquanto ele amola sua faca, 
preparando se para transformá la na sétima vítima, ela se recolhe em seu 
quarto e veste seu traje de casamento. Mas demora a se vestir, o tempo 
suficiente para ser salva por seus irmãos, que galopam em seu socorro depois 
de receberem um aviso de seu pombo de estimação. Num dos primeiros 
contos do ciclo de Cinderela, a heroína torna se empregada doméstica, a fim 
de impedir o pai de forçá la a se casar com ele. Em outro, a madrasta ruim 
tenta empurrá la para dentro de um fogão, mas incinera, por engano, uma das 
mesquinhas irmãs postiças. Em "João e Maria", na versão dos camponeses 
franceses, o herói engana um ogre fazendo o cortar as gargantas de seus 
próprios filhos. Um marido devora uma sucessão de recém casadas, no leito 
conjugal, em "La Belle et le monstre" ("A bela e a fera"), uma das centenas de 
contos que jamais chegaram a ser incluídos nas versões publicadas de Mamãe 
 
 
37 
 
Ganso. Num conto mais desagradável, "Les trois chiens" ("Os três cães"), uma 
irmã mata seu irmão escondendo grandes pregos no colchão de seu leito 
conjugal. No conto mais maligno de todos, "Ma mère m'a tué, mon père m'a 
mangé" ("Minha mãe me matou, meu pai me devorou"), uma mãe faz do filho 
picadinho e o cozinha, preparando uma caçarola à lionesa, que sua filha serve 
ao pai. E por aí vai, do estupro e da sodomia ao incesto e ao canibalismo. 
 
 
As versões dos contos de fadas, conhecidas hoje, foram modificadas ao longo 
da história para se adequarem ao público infantil. Estas versões passaram a enfatizar 
os ensinamentos éticos e morais. 
 Coelho (2000, p. 179) destaca alguns valores presentes nesse gênero 
narrativo: 
 
� Predomínio dos valores humanistas; preocupação fundamental com a 
sobrevivência ou com as necessidades básicas do indivíduo: fome, sede, 
agasalho, descanso, estímulo à caridade, solidariedade, boa vontade, 
tolerância... Valorização da palavra dada quem, em hipótese alguma, poderá 
ser quebrada; 
 
� Oscilação entre uma ética maniqueísta (nítida separação entre o Bem e o 
Mal; Certo e Errado) e uma ética relativista (o que parecia mau acaba se 
revelando bom; o que parecia errado resulta em algo certo...). Mas quanto às 
ações, a regra é: prêmio para o Bem e castigo para o Mal; 
 
� A esperteza/astúcia inteligente vencem a prepotência e a força bruta; 
inclusive através de atos que julgados rigorosamente são desonestos mas 
desculpados pela moral prática (é o caso das artimanhas do Gato de Botas 
para tornar o seu pobre amo um nobre senhor); 
 
� A ambição desmedida ou a insaciabilidade humana causam desequilíbrios 
sem conta; 
 
� Há uma ordem natural nos seres e nas coisas que não deve ser contrariada; 
 
� São sempre os mais velhos que detêm nas mãos o poder e a autoridade, de 
maneira absoluta e inquestionável. Enquanto os mais novos sempre os 
predestinados (apesar de no início parecer o contrário...) Os primeiros 
representam o passado, a tradição; os últimos, o futuro; 
 
� O indivíduo que consegue vencer as provas e passar do nível mais baixo da 
sociedade para o mais alto, é sempre alguém com dons excepcionais; 
� A grande mediadora da possível ascensão do homem na escala social é a 
mulher. Casando-se com a “filha do rei” ou do “nobre abastado”,o indivíduo 
pobre ou plebeu automaticamente enobrece e se torna poderoso; 
 
� As qualidades exigidas á mulher são: beleza, modéstia, pureza, obediência, 
recato ... e total submissão ao homem (pai,marido, irmão, etc). É dada muito 
maior ênfase às relações entre pai e filha, do que entre esposo e esposa. 
 
 
38 
 
Muitos e muitos dos núcleos dramáticos dessas histórias expressam 
problema entre pai e filha; 
 
� É enfatizada a ambigüidade da natureza feminina. Desde as narrativas 
primordiais, a mulher pe causa de bem e de mal, tanto pode salvar o homem, 
com sua bondade e amor, como pode pô-lo a perder com seus ardis e 
traições. Ela tanto pode ser a amada divinizada pela qual o príncipe luta 
como pode ser apenas o instrumento da procriação desejada pelo homem. 
Nota-se, porém, que a exploração dos aspectos negativos da mulher se dá, 
basicamente, nos contos jocosos; isto é, são aspectos realçados com 
comicidade: mulheres gulosas, perdulárias, teimosas, mentirosas, 
ignorantes, fingidas... 
 
 
Percebemos, portanto, que a essência dos contos de fadas, nas versões 
atuais, está na capacidade que esse tipo de texto tem em abstrair conceitos formadores 
de caráter, uma vez que estabelece relação entre “bem e mal”, “certo e errado”. 
No decorrer da história, os contos de fadas passaram a abordar, conforme 
vimos, questões existenciais e relevantes para a vida do homem. Não são histórias 
tenebrosas ou esvaziadas de significação, ao contrário, trazem hoje profundas 
reflexões acerca da conduta humana (DONÊNCIO, 2011, p. 90). 
E, a criança necessita de idéias sobre como colocar ordem sua “casa interior”. 
Ela necessita de uma educação moral que, de modo sutil e só implicitamente, a 
conduza às vantagens do comportamento moral, não por meio de conceitos éticos 
abstratos, mas daquilo que lhe parece tangivelmente correto e, portanto, significativo. 
Para Bettelheim (2007, p. 12) “a criança encontra esse tipo de significado nos 
contos de fadas”, já que estas histórias lidam com problemas humanos universais. 
 
 
As personagens e situações dos contos de fadas também personificam e 
ilustram conflitos íntimos, mas sempre sugerem sutilmente como esses 
conflitos podem ser solucionados e quais os próximos passos a serem dados 
rumo a uma humanidade mais elevada. O conto de fadas é apresentado de um 
modo simples, despretensioso; nenhuma solicitaçãoé feita ao ouvinte [...] 
Longe de fazer solicitações, os contos de fadas reassegura, dá esperança para 
o futuro e oferece a promessa de um final feliz (BETTELHEIM, 2007, p. 37). 
 
Bettelheim (2007, p. 16) esclarece também, com detalhes, como os contos de 
fadas contribuem para a educação moral da criança: 
 
 
 
39 
 
É característico dos contos de fadas colocar um dilema existencial de maneira 
breve e incisiva. Isso permite à criança apreender o problema em sua forma 
mais essencial, enquanto que uma trama mais complexa confundiria as coisas 
para ela.O conto de fadas simplifica todas as situações [...] Ao contrário do que 
acontece em muitas histórias infantis modernas, nos contos de fadas o mal é 
tão onipresente quanto a virtude. Em praticamente todo conto de fadas, o bem 
e o mal são corporizados sob a forma de algumas personagens e de suas 
ações, uma vez que o bem e o mal são onipresentes na vida e as propensões 
para ambos estão presentes em todo homem. É essa dualidade que coloca o 
problema moral e requer a luta para resolvê-lo [...] Não é o fato de a virtude 
vencer no final que promove a moralidade, mas sim o fato de o herói ser 
extremamente atraente para a criança, que se identifica com ele em todas as 
suas lutas. Devido a essa identificação, ela imagina que sofre com o herói suas 
provas e tribulações, e triunfa com ele quando a virtude sai vitoriosa. A criança 
faz tais identificações inteiramente por conta própria, e as lutas interiores e 
exteriores do herói lhe imprimem moralidade. 
 
 
Assim, podemos dizer que os contos de fadas levam a criança a construir sua 
identidade e seus valores morais e éticos, além de sugerirem experiências que são 
necessárias para desenvolver ainda mais seu caráter. 
 
 
2.3 O longa-metragem animado 
 
Brito (2011, p. 21) declara que “estamos em um momento da cultura em que as 
imagens estão presentes em nosso cotidiano como nunca visto antes”. Lévy (1995, p. 
15) também afirma que “vivemos em uma civilização da imagem ou do audiovisual”, 
pois a preponderância visual é maciça e determinada pelos meios de comunicação que 
utilizam a imagem para comunicar, seduzir, persuadir, destruir, informar e também 
manipular. 
Como vivenciamos uma forte cultura visual, os longas-metragens animados 
têm conquistado um grande público. Mas, o que é animação? 
Animação significa dar ânima, dar alma, dar vida. Pode-se dizer que a 
animação traz em si a essência do cinema. Manipulando sinteticamente o tempo e o 
espaço, a arte de animar expressa a criação de um universo próprio que faz parte do 
imaginário de todos que, desde a infância, se encantam com a possibilidade do lúdico. 
 
 
40 
 
É o terreno do absurdo e da fantasia, no qual a realidade é sempre reinventada e, 
muitas vezes, criticada7. 
Existem outras referências para a palavra animação, Vilaça (2006, p. 35) inicia 
com a definição: 
 
A palavra ANIMAÇÃO vem do latim Anima e significa Alma ou Sopro Vital. 
Animar significa dar vida a objetos inanimados. Em cinema é a arte de dar 
vida, de conferir movimentos a objetos inanimados através de recursos 
técnicos, onde cada situação é registrada individualmente em material 
sensível. 
 
Em 1937, o Walt Disney Studio lança o primeiro longa-metragem animado 
baseado em um conto de fadas dos Irmãos Grimm. Branca de Neve e os Sete Anões 
que surpreendeu o público. Três anos depois o estúdio lança continuadamente seus 
filmes animados que marcaram época, alguns deles são: Pinóquio (1940), Dumbo 
(1941), Bambi (1942), Cinderela (1950) e A Bela Adormecida (1959). Em 1991 estréia A 
Bela e a Fera, primeiro filme de animação a ser indicado ao Oscar de melhor filme, que 
apresentou cenas produzidas com a ajuda de computadores, como a dança de Bela e 
Fera no salão de baile. Em 1995, os estúdios Disney, em parceria com a produtora de 
animação digital Pixar, apresentam Toy Story, considerado o primeiro longa-metragem 
totalmente produzido por computação gráfica. A partir de então, a maioria dos filmes de 
animação utiliza as técnicas de três dimensões (VITA, 2009, p. 1-2). 
Hoje existem várias técnicas e utilidades para a animação. Podemos dividir 
esse gênero em três técnicas principais: 
 
 
2D ou cell animation ou desenho animado: O que identifica essa técnica é a 
utilização de células de papel ou acetato onde são feitos os desenhos. Existem 
papéis especiais para animação e pencil test. Alguns animadores utilizam o 
papel sulfite 75 gramas, que dá um bom resultado e é mais facilmente 
encontrado. Depois da animação pronta, as células são fotografadas ou 
digitalizadas com um scanner. 
 
Stop Motion: Não utiliza células de papel como suporte. O animador nessa 
técnica trabalha geralmente com objetos inanimados: massa de modelar, 
objetos diversos, grãos, recorte de papel e outros. A imagem é captada 
utilizando a fotografia quadro a quadro. O pixilation é um stop motion com 
 
7
 Definição de animação contida na abertura do site (www.eba.ufmg.br/quadroaquadro), acessado dia 
26/06/11 às 14:30h. 
 
 
 
41 
 
pessoas; elas têm que ter uma postura inanimada, como um boneco, o 
animador orienta as posições que elas têm que ficar para serem fotografadas. 
É uma animação com características visuais em três dimensões como um filme 
em live action e não pode ser confundida com a técnica 3D, toda criada 
virtualmente. 
 
3D e CG (Computação gráfica): É, basicamente, a formação de objetos, 
personagens, cenários etc. através de softwares de computador específicos 
com ferramentas e efeitos avançados. Já existem sistemas de modelagem, 
animação e tratamento de imagens 3D que possibilitam a criação de imagens 
hiperealistas, semelhantes aos ambientes naturais. Suas aplicações são 
diversas: podem ser desenvolvidas narrativas em animação que explorem os 
recursos da técnica; utilizá-la para criar efeitos especiais em filmes em live 
action; a tecnologia aplicada à medicina a utiliza para criar ambientes 
orgânicos tridimensionais; aplicada na tecnologia espacial, em estratégias de 
guerra e outras (VILAÇA, 2006, p. 24-26). 
 
 
Vilaça (2006, p. 27) ainda afirma que “uma série de animações está sendo 
produzida de forma híbrida”, ou seja, desenha-se no papel, digitaliza-se a animação e 
finalizam-se os filmes em computação gráfica, ou capturam-se algumas cenas em stop 
motion que depois são finalizadas em 3D. 
A animação em 3D permite também a estruturação de um público fiel ao 
formato, além de contrabalançar a queda nas vendas e a pirataria crescente, já que o 
formato é hábil em resgatar o público ao cinema, por oferecer uma experiência 
exclusiva. 
Sobre o cinema de animação, D’Elia (1996, p. 163) declara: 
 
[...] o cinema de animação integra elementos de todas as outras formas de 
expressão. É plástico, musical, narrativo, cinematográfico e coreográfico. 
Empresta das outras artes seus códigos e elementos. Mas tem também seu 
repertório particular, onde se destacam: o timing; a dinâmica do movimento e o 
acting. 
 
 
O timing se refere ao número de imagens que devem ser fotografadas para 
cada segundo de animação. Também é o que determina a velocidade da ação. A 
dinâmica do movimento dá-se a partir da qualidade plástica, pois é esta a responsável 
pelo ritmo e pela métrica, fazendo com que a imagem possua uma relação direta com a 
música. O acting é fazer com que os personagens demonstrem emoções e 
personalidade. 
De acordo com Brito et al. (2011, p. 18): 
 
 
42 
 
 
O cinema, enquanto arte, parte do concreto para o visível, do imediato, do 
próximo, pois explora o ver, o ter diante de nós a situações, as pessoas, os 
cenários, as cores, as relações espaciais. Os filmes são sensoriais, visuais, 
onde a linguagem falada, a musical, a escrita interagem

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