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Procrastinação: por que deixamos tudo para depois? Roberto Alves Banaco Adiar... e adiar... e adiar... muitas vezes, o trabalho de minutos nos rouba muitas horas de preocupação. Tecnicamente o adiamento tem um termo: procrastinação. A procrastinação, como você pode notar, não é característica dos dias de hoje. Fernando Pessoa já escrevia sobre esse tema e as condições emocionais decorrentes dele em 1928! Esse é um indício de que a procrastinação seja um fenômeno muito humano. Muita gente procrastina. Mas será que procrastinamos tudo? Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã... Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã, E assim será possível; mas hoje não... Não, hoje nada; hoje não posso. A persistência confusa da minha subjetividade objetiva, O sono da minha vida real, intercalado, O cansaço antecipado e infinito, Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico... Esta espécie de alma... Só depois de amanhã... Hoje quero preparar-me, Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte... Ele é que é decisivo. Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos... Amanhã é o dia dos planos. Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo; Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã... Tenho vontade de chorar, Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro... excerto do Poema “Adiamento” de Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa), 1928. Aparentemente não... uma forma de procrastinação a gente apresenta quando sente preguiça. Quando nos debruçamos para desvendar as condições que nos produzem preguiça como sentimento encontraremos com muita certeza que temos pela frente uma tarefa que vai nos exigir muito trabalho e cujo resultado será bem pequeno. Imagine, por exemplo, ir a um show numa cidade como São Paulo, que demandará que saiamos 4 horas antes, passarmos por um congestionamento complicado e agressivo, pegarmos uma fila enorme e sem lugar pra sentar, ainda com o sol a pino (pode ser também debaixo de uma chuvinha insistente), depois assistir a um show de mais 3 horas e novamente esperar por mais pelo menos duas horas para sair do estacionamento. Se for um show de artista que você gosta muito, você é bem capaz de passar por tudo isso. Mas se for um artista de quem você gosta medianamente, dificilmente você passaria por essa verdadeira “maratona”. E provavelmente sentiria e expressaria seus sentimentos: “preguiça”... Mas, vamos deixar a situação um pouquinho mais complicada. Seus amigos de quem você gosta tanto e que são muito zelosos da sua amizade gosta do tal do artista que você não vai lá muito com a cara e reclamam a sua presença. E insistem que você vá. Talvez a presença de seus amigos indo ao show possam colocá-lo em outra situação em que habitualmente adiamos a decisão... Não dizemos de pronto que não iremos, e “vamos vendo” como está nosso humor na hora última de comprar ou não o ingresso. E mesmo assim, com ingresso comprado, é bem possível que deixemos de ir na hora H, inventando uma desculpa que pareça, aos amigos, cabível. Outra situação que costuma produzir procrastinação é quando temos uma tarefa que não queremos, mas devemos fazer. Ou, novamente, até queremos, mas custa tanto!!! É o que acontece com trabalhos longos, em geral, tais como trabalhos acadêmicos de conclusão de curso, monografias, dissertações e teses. São trabalhos longos, que necessitam de muitas horas de dedicação cujo resultado, se trabalharmos com disciplina e afinco resultará... em algo que sabemos que podia ter ficado melhor. O pior de tudo é que cada uma das micro etapas da confecção do trabalho concorrem com mil outras coisas mais agradáveis de se fazer e de efeitos imediatos: ir a uma festa, plantar flores no jardim, arrumar as gavetas... descobrimos um monte de coisas que “precisamos urgentemente fazer” nessas situações e que não têm a menor importância na vida. E sentimos que estamos nos boicotando, porque a tarefa importante não está sendo feita, não está andando... Mas não é boicote. É resultado de contextos que estamos vivendo. Veja bem: de um lado, a tarefa multi exigente, de pequenos passos, distante do resultado final que é incerto (sempre tem um monte de gente que pretensamente sabe mais que você e vai avaliar seu trabalho – com frequência “detonando” o que você fez), versus uma tarefa bem fácil, ali, na sua mão, mais prazerosa, que depende só de você e de resultado imediato... mesmo que esta segunda tarefa não tenha lá grande importância, o “apelo” que sentimos para fazê-la é bem marcante. Com estas concorrências, gradativamente a tendência é deixar a tarefa de resultado atrasado, de valor mediano e incerto, mesmo que importante, e optamos por fazer as tarefas de resultado imediato, mais prazerosas, mesmo que de intensidade pequena. E vamos sentindo culpa, estresse, pressão pelo tempo que vai escasseando para fazer a tarefa principal. Daí, na última hora, passamos uma madrugada inteira, ou mesmo nos “internamos” em casa, no escritório, ou quando temos recursos como alguns autores de livros “vamos a Paris” para acabarmos de escrever um livro que a editora está cobrando. E temos certeza que o resultado poderia ter sido melhor. E poderia mesmo... Se tivéssemos feito “direito”. Mas como nos controlarmo-nos no dia-a- dia? Sabemos o que temos que fazer, mas não sentimos força para fazer. Algumas dicas da análise do comportamento têm ajudado a realizar tarefas. Aí vão algumas delas: 1) Divida sua tarefa de grande porte em pequenos objetivos. 2) Tire tudo da sua frente que sinalize o objetivo final. Assim, por exemplo, se estiver estudando para um concurso e tem um material enorme para ser estudado, separe para deixar em sua mesa de trabalho apenas aquele que você vai ler agora. Esconda (literalmente) de você o material a ser estudado. 3) Deixe à sua vista o material que vc “já venceu”, ou seja, deixe marcas claras daquilo que você já cumpriu. Costuma ser uma injeção de ânimo muito grande saber que a montanha já está na metade e que agora faltam alguns poucos metros para chegar ao pico. 4) Intercale a essas pequenas etapas algumas atividades rápidas que você costuma curtir. Um telefonema para a namorada, uma espiada rápida na internet, uma visitinha à geladeira... mas tudo isso, só depois que a micro etapa estiver cumprida e que você tenha cumprido seu pequeno objetivo. Pode ser por exemplo: “agora eu vou ler as cinco páginas que acabam este capítulo e depois vou levar o cachorro para dar a volta ao quarteirão”. Depois volte e proponha- se a fazer um resumo de um parágrafo das cinco páginas que acabou de ler. Terminado isso, programe um café com um amigo. E assim por diante. 5) Programe de quando em quando uma revisão do seu processo na consecução da tarefa até aqui e faça uma avaliação do quanto já andou e o quanto ainda tem que ser percorrido. Isso ajuda a ajustar a velocidade e o estabelecimento de novos objetivos, agora revisados. Isso ajuda a planejar melhor e dá maior segurança do que ficar contando cabeças de quimeras que nem existem. Certamente, na nossa contagem fantasiosa, contamos 3 vezes pelo menos cada uma das cabeças da quimera. 6) Quando encontrar alguma dificuldade, pare momentaneamente e faça algo completamente diferente e bem rápido. Retome depois a atividade de algum ponto anterior (por exemplo, releia as duas últimas páginas que já havia lido para ultrapassar um trecho que está complicado em um texto). 7) Antes de terminar e entregar a tarefa, reveja-a por completo. Se sentir necessidade, complemente-a com o que sentir que está fazendofalta. Com essas dicas, você será capaz de aceitar que a procrastinação é um fenômeno natural dessas situações descritas e que você pode vencer se planejar da maneira certa. Vamos tentar? Qual é seu próximo objetivo? Pensou? Agora pense: qual é o primeiro passo? Pensou? Esse, a partir desse momento é sua próxima e importante tarefa. Os passos seguintes só encare quando este estiver dado. _______________________________________________________________ Roberto Alves Banaco é professor e vice-coordenador do Programa de Mestrado Profissional em Análise do Comportamento Aplicada do Paradigma – Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento, em São Paulo. É Psicoterapeuta já há 35 anos. Membro da Comissão de Acreditação de Analistas do Comportamento da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental. Co-editor da Revista Acta Comportamentalia e do conselho editorial das revistas científicas Perspectivas em Análise do Comportamento e Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva.
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