Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
10 anos E COMO SUPERÁ-LAS ES As 25 crises do homem (e como superá-las) As 25 crises do homem (e como superá-las) Editor/Organizador: Luciano Andolini Autores: Guilherme Valadares Luciano Andolini Frederico Mattos Alberto Brandão Eduardo Amuri Danilo Gonçalves Débora Navarro Rodrigo Cambiaghi Capa/Projeto Gráfico: Mariana Cavalcante São Paulo 2017 06 Prefácio 11 Introdução 16 O que é uma crise? 19 Como paro de surtar? 25 Fui traído 32 Traí minha parceira e me sinto culpado 37 Perdi meu emprego e não consigo achar outro 46 Odeio meu trabalho (como mudar de carreira ou lidar com um trabalho ruim) 55 Não sei controlar minhas finanças 71 Não consigo parar de procrastinar 81 Não consigo me dedicar a nada 87 Estou ficando velho (crise de meia-idade) 93 Sou virgem Índice 103 Não tenho mais ereções (estou ficando brocha) 111 Tenho ejaculação precoce 117 Tenho medo de dar em cima de alguém 123 Não sei fazer minha namorada gozar (ou: sou ruim de cama) 129 Sou tímido 136 Não tenho amigos 146 Tenho pinto pequeno 151 Sou feio 161 Será que sou gay? 165 Não sou hétero e sofro preconceito 170 Não consigo largar o vício (álcool, pornogra- fia, games) 179 Vou ter um filho não-planejado (gravidez inesperada) 191 Me divorciei 199 Não consigo esquecer minha (ou meu) ex 206 Meus pais morreram (luto por pessoas queri das) 224 Estou insatisfeito com meu corpo 230 Nada disso funcionou. E agora? Índice Quase todos os dias eu e os demais editores do PdH recebemos emails com pedidos de ajuda. Esses pedidos não chegam com grandes cerimônias. São diretos, íntimos, buscam solução rápida para os mais diversos problemas. Traições, filhos não plane- jados, falências, doenças súbitas, luto, desejos e me- dos reprimidos, sonhos. São a mensagem que um amigo enviaria no meio da madrugada, em um surto de sinceridade. E-mails nos perguntando como entrar na maço- naria ou se tornar um garoto de programa (não, não é brincadeira). Outros nos questionando sobre como ajudar a esposa que enfrenta uma séria depressão. As- pirantes a empreendedores em busca de rotas para seus negócios. E até mesmo emails como o de uma mãe que Prefácio 6 acompanha nosso trabalho e gostaria de ajudar o fi- lho, cujo pai faleceu, a fazer sua primeira barba. É comum respondermos esses pedidos. Apesar de ser impossível dar conta de todos, com freqüên- cia paro alguma tarefa importante para garantir que uma pessoa com a qual provavelmente nunca vou me encontrar não fique sem resposta. Cada vez que faço isso me recordo do espírito que deu origem ao PapodeHomem, lembro que já fui e posso voltar a ser a pessoa teclando na madrugada procurando respostas. Crises não perdem permissão para entrar, elas arrombam a porta. Lá atrás, antes mesmo do nome “PapodeHo- mem” existir, havia só um bando de sujeitos perdi- dos trocando relatos pelo Yahoo Groups. Esse grupo cresceu, virou um fórum, tudo mantido por doações. Com centenas de homens de todo o Brasil, de diver- sas idades e origens. Unidos por estarem sozinhos. Todos queriam pertencer, encontrar luz para os sentimentos de inadequação e problemas que tinham vergonha de expor até mesmo para amigos próximos. Ser homem não é nada fácil, ainda que tenha seus muitos privilégios. Muitas de nossas dores e dificul- dades ficam escondidas pelo teimoso hábito de nos manter em silêncio. O PdH nasceu desse lugar, de homens dispostos a quebrar o silêncio. PrefácioPrefácio 7 Veio ao mundo pelas dores desses homens, como um espaço de acolhimento, escuta e aprendizado cole- tivo. Não surgiu para ser um império de negócios, essa não é nossa vocação. É um projeto que flui e se trans- forma, assim como as pessoas que o mantém vivo. Hoje, mais de dez anos depois, seguimos fazen- do a mesma coisa — ainda que bem mais maduros. Escutando, aprendendo e conectando histórias e sa- beres para ajudar as pessoas a viver melhor. O conteúdo desse livro transborda de nossa experi- ência nas trincheiras, junta muito do melhor produ- zido por nossa rede ao longo dos anos. É um estupendo trabalho de organização e edi- ção de Luciano Andolini, editor, músico e veterano da casa. Carrega o afeto de incontáveis autores e autoras voluntários. E também vem com camadas de esforço de várias outras pessoas do time. Rodrigo cuidando da estrutura de divulgação, Bia das finanças, Mariana do design. Há muito carinho e trabalho duro envolvi- do para entregar algo em cuja qualidade acreditamos. Por isso, espero que nosso esforço o alcance em boa hora. Tenho certeza que você atravessa um momento difícil e talvez esteja lendo esse prefácio com impa- ciência. É provável que lide agora com uma ou mais crises dentre as vinte e cinco que listamos. Entretanto, acredito que crises são momentos preciosos e raros. Quando estamos na lona, nos permitimos soltar Prefácio 8 certezas e teorias desnecessárias que carregamos por toda uma vida. Ao escutar que alguém está mal, uma parte de mim se alegra e logo fica disponível para a pessoa. Sei que ali há mais espaço de escuta, vontade de superar a dor. E sei que também há confusão, an- siedade, até mesmo desespero. Ou seja, um maravilhoso e arriscado oceano de possibilidades. Pra isso estamos aqui. Queremos ajudar você a mi- nimizar os danos e evitar decisões ruins, que aprofun- dem ainda mais seus obstáculos ou o joguem em pro- fundos poços escuros. E temos a intenção de fazer com que possa não só atravessar a crise com rapidez, mas que, principalmente, saia do outro lado mais sábio, ma- duro, leve, estável, lúcido, sem se levar tanto a sério. Aspiramos que você possa cultivar autonomia emocional. Pois é inevitável que outras crises sur- jam, é mera questão de tempo até o próximo tsunami aparecer. E tudo bem, a vida é assim. Esse livro não é uma bala de prata capaz de re- solver seus problemas em alguns minutos de leitu- ra. E nem de longe deve ser encarado como tal. É um parceiro em uma caminhada que necessita de sua presença. Um conjunto de atalhos acumulados cole- tivamente por pessoas que atravessaram cada uma dessas crises várias vezes. Mas no final das contas, são as suas escolhas, ações, força de vontade, resiliência, capacidade de se acolher e se colocar vulnerável, assim como sua pa- Prefácio 9 ciência, é que vão fazer a diferença. Como um professor no qual confio bastante costu- ma dizer, “para ir rápido, ande devagar”. E para ir mais longe, vá acompanhado. Vamos juntos? Um fraterno abraço. Guilherme Valadares Prefácio 10 https://papodehomem.com.br/para-comecar-a-meditar Podemos dizer que fábulas, contos e sagas, de um modo geral, são as histórias das crises humanas. É só olhar: qualquer boa narrativa envolve um personagem central (ou herói) e a sucessão de even- tos que o conduzem a uma crise e a consequente su- peração dela ou não. Por mais que esses acontecimentos muitas vezes sejam coloridos por efeitos especiais, ambientações e universos fantásticos ou escalas cósmicas de poder, aquelas histórias que ressoam em nós costumam ter base em dramas bem comuns. Seja em Star Wars, Se- nhor dos Anéis, De Volta para o Futuro, Harry Potter, Homem Aranha ou Guardiões da Galáxia, há inúme- ras alegorias para esses acontecimentos que vão nos desestabilizando e nos fazem suar a camisa e derra- Introdução 11 mar lágrimas, dia após dia. Para tomar um exemplo de identificação bem co- mum entre os homens, não é o Rocky Balboa que é especial em si mesmo. Nós nos vemos no Rocky por que, se removermos o nome do personagem, há tanto ali de nós que, ao chegarmos ao fim do filme, gostarí- amos que a nossa própria história terminasse daque- le jeito, com o reconhecimento depois de umaluta difícil que não necessariamente terminou em vitória. Mas sabemos que não é bem assim. Nem sem- pre as pessoas estão dispostas a nos afagar depois de uma derrota. Essa é apenas uma de muitas narrativas possíveis que vão sendo introjetadas na nossa mente e acabam não ganhando fruição. Terminamos com uma histó- ria mal contada, um desfecho que não se encaixa ao que esperávamos da realidade. Então, sofremos. A Saga do Herói (explicada no livro O Poder do Mito, de Joseph Campbell), é utilizada quase como um framework em Hollywood nos dias de hoje e é bastante criticada por ser um modelo narrativo base- ado nos mitos que foram forjados pelos homens, para contar as histórias dos homens de diversas tradições e povos. Aqui, porém, esse foco no masculino acaba sen- do útil. Ao observar as histórias contadas pela hu- manidade, podemos concluir que não há nada de es- pecial no nosso drama em particular. Essas histórias são contadas e nos emocionam repetidamente por- Introdução 12 que esses dramas não mudam em essência, apenas em forma. De uma certa maneira, quando escrevemos no PapodeHomem sobre os diferentes dramas e alegrias dos homens, ao longo desses dez anos, pudemos iden- tificar semelhanças e particularidades nas trajetó- rias, dúvidas e crises de milhões de pessoas. Quando percebemos, estávamos respondendo quase todos os dias os mesmos emails sobre traição, derrotas emo- cionais e dúvidas sobre como melhorar (ou evitar que piorem) diversos aspectos da vida. Então, se tanta gente passa pelas mesmas situ- ações e se já nos repetimos tanto, talvez pudéssemos tentar algo além. Esse livro que agora você está lendo é a forma que encontramos de condensar a informação acumulada depois de mais de 7600 textos, inúmeras respostas a emails e discussões na caixa de comentários do site. É a nata de tudo o que já fizemos. Óbvio que não dá pra cobrir tudo o que uma pes- soa passa ao longo da vida em pouco mais de 200 pá- ginas, mas dá pra pegar algumas das dúvidas e crises mais comuns e organizar de uma forma que pode ser útil ao maior número de pessoas possível. Esse livro é a forma que encontramos de facilitar com que você possa ajudar a si mesmo, mas também passar adiante o que descobriu e experimentou. Selecionamos alguns dos melhores artigos do site, os adaptamos e editamos onde achamos necessário. Introdução 13 Além disso, escrevemos alguns artigos do zero, quan- do achamos que faltava material que cobrisse aquele problema de forma efetiva. Assim, tentamos abranger as mais diferentes áreas da vida de um homem. O livro, portanto, é uma coletânea com diferentes vozes, com relatos de pessoas que passaram por essas situações e resolveram compartilhar o caminho que encontraram para sair dali. A ideia, de um modo geral, é tranquilizar quando cabe e oferecer caminhos, ampliar a visão. Sabemos, claro, que há diferentes escalas para os diferentes problemas. Sabemos que as experiên- cias aqui narradas podem não servir para o seu caso específico. Também temos noção de que há situações nas quais um livro não vai ser o suficiente. Portanto, não entenda essa publicação como uma bala de pra- ta capaz de fazer você superar qualquer adversidade em todas as intensidades e peculiaridades. Contamos com seu senso crítico e com a sua capacidade de se inspirar nas ideias propostas para encontrar seu ca- minho e desenvolver soluções próprias. Além disso, é essencial ter em mente que às vezes (a maioria, se permite a sinceridade), você vai preci- sar de família, amigos, médicos, psicólogos, psiquia- tras. E tudo bem. Aliás, encorajamos que você tenha um parceiro de transformação nessa trajetória para sair da sua crise pessoal. Na nossa experiência, é muito mais fácil lidar com crises se há uma rede de apoio ampla e forte. Introdução 14 Uma das melhores formas de aproveitar esse livro é escolhendo um parceiro e testar, trocar insights, che- car um com o outro os avanços, com abertura e hones- tidade. Se tiver alguém que tope o desafio, não hesite. Enquanto isso, no que puder contar conosco, es- tamos aqui. Introdução 15 Os mitos heróicos dos quais tanto ouvimos fa- lar, seja em filmes, histórias em quadrinhos, vide- ogames, costumam ter como protagonistas homens fortes, destemidos, que enfrentam e vencem seus de- safios com bravura. Quando crianças, brincamos de ser esses perso- nagens. Quando adultos, é isso que devemos nos tor- nar. Ou, pelo menos, assim pensamos. Não é fácil confrontar essa expectativa com a re- alidade. O mundo é uma máquina que parece ter sido feita para testar a nossa força. Que outra alternativa nos resta nessa batalha a não ser controlar, domar, vencer? Não saber a resposta tem um custo alto. Os motivos variam de indivíduo pra indivíduo. Pode ser que você tenha comprado algo que não vai O que é uma crise? 16 conseguir pagar. Talvez você tenha perdido o empre- go. Quem sabe, você foi traído? Não tem amigos? Tra- balha demais? Está brocha? Se sente feio? Sua vida pode estar perfeita e, de repente, nada mais está no lugar. E, por mais que o motivo de uma pessoa possa parecer tosco para perder a cabeça, pra- ticamente qualquer coisa pode virar o gatilho para uma crise. Tudo vai depender de causas e condições feitas sob medida para você. Não há uma só pessoa na Terra que nunca tenha provado do amargo sabor de perder o chão, não sa- ber mais o que está acontecendo e se desconectar da sua própria estabilidade. Não é como se essa possibilidade fosse uma ca- racterística intrínseca aos homens, mas as crises têm um efeito especial neles. No caso, em nós. Somos campeões em contar nossas histórias com ares heróicos. Lutamos contra o câncer. Vencemos di- ficuldades. Superamos desafios. Sequer temos outra maneira de narrar o que vivemos. O mito do herói é praticamente a única leitura que conseguimos fazer da realidade. Por isso, nos agarramos com todas as forças a essa identidade. O Vencedor. Basta ver o que se diz sem titubear nas rodinhas de conversa. “Homem é competitivo”; “Homem não foge de bri- ga”; “Homem não abaixa a cabeça”. Mesmo aqueles que se consideram perdedores natos não fogem do eixo. Suas narrativas só existem relativas a alguém que venceu. Ou, melhor dizendo, O que é uma crise? 17 dentro de um jogo. Podemos dizer que é uma grande brincadeira de sustentar pratos. O prato profissional, o do amor, o das amizades, o da família, o do carro próprio, da casa… você mesmo pode nomear. E, se quer saber qual pode ser a sua crise de ama- nhã, basta listar o que te deixa orgulhoso, feliz e sor- ridente agora. Vamos entrar em crise na mesma medida à qual nos apegamos aos elementos que compõem nossa identidade hoje. Quanto mais alimentamos expectativas, certe- zas, planos infalíveis, mais vamos nos confrontar com a realidade. A esperança cega e desmedida é a faísca que nos leva ao sofrimento diante do movimento dos fatores externos. Sofrimento é uma palavra até um tanto abstrata, mas quando uma questão se transforma em crise, ela vira prioridade em um nível que nos faz perder com- pletamente a noção de espaço. Uma atenção brutal a um determinado aspecto do presente. Dor. Nos tornamos uma coisa muito parecida com um rato em um lugar no qual não consegue encontrar a saída. Aceleramos, focamos intensamente na tarefa de tentar encontrar a saída. Com isso, passamos por cima de quem e do que for. Transformamos amigos em inimigos, gritamos, nos debatemos. Se há algo que conhecemos bem, é essa sensação. Todo mundo tem uma história dessas pra contar. O que é uma crise? 18 Uma das características fundamentais das crises é a perda da “visão”. Não vemos quem está ao nosso redor, nem o que está ao nosso alcance e que poderia perfeitamenteser usado como escada para a tal saída que tanto procuramos. Por isso, não é raro que a solu- ção prática para um determinado problema seja muito evidente para quem olha de fora, mas esteja totalmen- te fora do radar de quem está no meio do surto. Pode não parecer, mas quando uma crise se ins- taura há um momento de grande riqueza. Significa que os meios utilizados por aquela pessoa para sus- tentar uma determinada identidade pararam de fun- cionar. Um castelo caiu. De repente, seja qual for o aspecto que veio à fa- lência dá lugar a espaço, uma tela em branco. Como paro de surtar? 19 Você pode usar essa experiência e a abertura que sur- ge com ela, para se fundamentar em bases muito mais amplas, lúcidas, para além da necessidade de susten- tar pratos. Claro, é essencial saber equilibrar os pratos cer- tos de maneira eficaz, até para poder transitar mais calmamente pelo mundo. É importante, sim, saber como se relacionar, como trabalhar bem, como fazer amigos, como gerenciar seu dinheiro. Mas você nunca vai conseguir controlar tudo. Nem mesmo vai chegar perto. Por isso, é essencial estar aberto aos imprevistos. Você pode se perguntar: “mas vocês não ensinam a superar as crises do homem”? Sim, esse livro é sobre isso. São 25 capítulos com dicas práticas para ajudar homens a lidar com crises pontuais. Mas resolver é só uma das formas de se lidar com uma crise. Não necessariamente a melhor. Cer- tamente a menos duradoura. Para que o resolver tenha uma base sólida, é im- portante que venha acompanhado de mais três passos preliminares e, ao mesmo tempo, paralelos. Ou seja, você começa por aqui e segue com elas paralelamen- te a qualquer problema que precise sanar. 1) Prática de estabilidade: Você não vai a lugar nenhum se estiver se deba- tendo. No meio do surto, é muito provável que tudo Como paro de surtar? 20 o que fizer só piore sua situação. Portanto, antes de qualquer coisa, é essencial parar, respirar fundo, ten- tar recobrar um mínimo de lucidez e, então, partir para a sua lista de tarefas. Para cultivar estabilidade, existe uma prática reconhecida, a shamata. Um tipo de meditação que pode ser feita em silêncio e dá para cultivar como um hábito diário. A instrução resumida grosseiramente seria: - Sente em uma postura ereta, porém confortável; - Coloque um despertador para 15 minutos; - Fique em silêncio e foque na respiração. Vá re- laxando os músculos das pernas, dos braços e da face. - Não tente não pensar. É normal que você se dis- traia. Quando isso acontecer, apenas volte à instrução. - Quando o relógio tocar, finalize a prática e levante-se lentamente. Recomendamos que veja a instrução mais deta- lhada conforme é ensinada nesse vídeo com o Lama Padma Samten. Aqui ele guia uma prática de medita- ção que você pode usar para começar. Como leitura, para aprofundar, recomendamos A re- volução da atenção, de Alan Wallace. É um livro com uma abordagem secular, para quem eventualmente possa ter aversão às formas religiosas da prática. 2) Prática de sabedoria: Não à toa nos fascinamos com as crianças. Não é que elas tenham alguma sabedoria especial, longe dis- Como paro de surtar? 21 https://papodehomem.com.br/para-comecar-a-meditar/ https://papodehomem.com.br/para-comecar-a-meditar/ https://www.amazon.com.br/Revolu%C3%A7%C3%A3o-Atencao-Revelando-Poder-Focada/dp/8532636403/ref=as_li_ss_tl?s=books&ie=UTF8&qid=1494896192&sr=1-1&keywords=a+revolu%C3%A7%C3%A3o+da+aten%C3%A7%C3%A3o&linkCode=sl1&tag=papod-20&linkId=3acdab65531bb34e9ff4ddead29b1501 https://www.amazon.com.br/Revolu%C3%A7%C3%A3o-Atencao-Revelando-Poder-Focada/dp/8532636403/ref=as_li_ss_tl?s=books&ie=UTF8&qid=1494896192&sr=1-1&keywords=a+revolu%C3%A7%C3%A3o+da+aten%C3%A7%C3%A3o&linkCode=sl1&tag=papod-20&linkId=3acdab65531bb34e9ff4ddead29b1501 so. Elas são tão ou até mais autocentradas e ignoran- tes do que nós. Porém, elas estão em uma posição na qual elas se permitem muito mais facilmente investi- gar. Elas costumam ser curiosas, vivas, cheias de ener- gia. Não raro elas fazem perguntas que nos deixam de cabelo em pé. Nós, adultos, perdemos muito dessa curiosidade. Tomamos por certas as respostas de perguntas que estamos longe de realmente conhecer. Quem somos? Onde estamos? O que realmente está acontecendo? Não conhecemos nossas emoções, não sabemos como nos identificamos, como nos apegamos, enfim, como nos aprisionamos. Por que algo que nos faz tão felizes hoje pode nos fazer sofrer tanto amanhã? Não sabemos. Podemos começar a olhar e obter algumas dessas respostas. Podemos começar a entender como funcio- nam as coisas, mas também como nós mesmos fun- cionamos. Assim, podemos brincar mais, realmente nos envolver com os fenômenos. Para aprofundar, recomendamos esse livro: Nada de especial, de Charlotte Joko Beck. 3) Prática de compaixão Quando você entra em uma crise e, posterior- mente, consegue sair dela, o maior presente que você obtém não é o de, enfim, ter se livrado de um pro- blemão mas, sim, que agora você tem meios práticos para ajudar outras pessoas. Como paro de surtar? 22 https://www.amazon.com.br/Nada-Especial-Charlotte-Joko-Beck/dp/8502014935/ref=as_li_ss_tl?s=books&ie=UTF8&qid=1494896252&sr=1-1&keywords=Nada+de+especial+charlotte+joko+beck&linkCode=sl1&tag=papod-20&linkId=374bcca6a4a024b23ce00c497d97409a https://www.amazon.com.br/Nada-Especial-Charlotte-Joko-Beck/dp/8502014935/ref=as_li_ss_tl?s=books&ie=UTF8&qid=1494896252&sr=1-1&keywords=Nada+de+especial+charlotte+joko+beck&linkCode=sl1&tag=papod-20&linkId=374bcca6a4a024b23ce00c497d97409a Sempre que olha uma pessoa e se pergunta “como posso ajudar?”, isso já é a compaixão dentro de você. No exato momento em que se faz essa pergunta, seu sofrimento já cessa um pouco. Sair das crises envolve uma medida de ajudar as outras pessoas. Quanto mais você se prepara e se fortalece com essa motivação, mais forte você se tor- na em relação aos seus próprios sofrimentos. Porém, há formas cada vez mais eficientes de exer- cer essa ajuda. Não é preciso que você sofra todos os sofrimentos, um por um, até conseguir estender a sua mão. Aqui entram os cultivos de todas as qualidades que nos tornam efetivamente capazes de ajudar. Em- patia, amor, generosidade, alegria, equanimidade, lu- cidez, estabilidade, acolhimento, relaxamento… a lista vai longe. Para aprofundar, recomendamos o livro Um co- ração aberto, de Sua Santidade o Dalai Lama. * * * Como já falamos, esses três processos nunca ces- sam. Você continua com eles, independente de qual problema esteja enfrentando nesse momento e mes- mo depois que ele estiver resolvido. Também é essencial manter em mente que uma rede ampla, repleta de relações de confiança, torna tudo mais fácil. Essas parcerias fazem com que a sen- sação de remar pela vida seja bem mais leve. Portanto, Como paro de surtar? 23 https://www.amazon.com.br/Cora%C3%A7%C3%A3o-Aberto-Praticando-Compaix%C3%A3o-Cotidiana/dp/8533615655/ref=as_li_ss_tl?s=books&ie=UTF8&qid=1494896301&sr=1-1&keywords=Um+cora%C3%A7%C3%A3o+aberto+dalai+lama&linkCode=sl1&tag=papod-20&linkId=b11cdb2a4dbdc190568530b76d938989 https://www.amazon.com.br/Cora%C3%A7%C3%A3o-Aberto-Praticando-Compaix%C3%A3o-Cotidiana/dp/8533615655/ref=as_li_ss_tl?s=books&ie=UTF8&qid=1494896301&sr=1-1&keywords=Um+cora%C3%A7%C3%A3o+aberto+dalai+lama&linkCode=sl1&tag=papod-20&linkId=b11cdb2a4dbdc190568530b76d938989 vale aprender a nutrir essas relações e torná-las parte da sua vida como um todo. Agora, sim, com as bases fundamentadas, vamos começar a atacar de forma direta e prática as crises do homem. Como paro de surtar? 24 Pra algumas pessoas, é quando você se sente atra- ído por alguém. Pra outras, ver pornô ou foto de cele- bridade que desperte tesão ja é traição. Há quem não se importe se o parceiro ouparceira beije outra pes- soa. Há quem não se importe se houver sexo, desde que não haja afeto. Enfim, a linha que define a trai- ção não é muito clara. Vai variar conforme a pessoa, a época, o país… Mas uma coisa podemos considerar fato. Existe um sentimento de traição, com o qual é bastante di- fícil de se lidar. Quando você percebe que a pessoa com quem construiu uma relação cruza essa barreira, o peito aperta, a boca seca, as pupilas dilatam, falta o ar, mil memórias vêm à cabeça, você sente que perdeu tem- Fui traído Por Luciano Andolini 25 po, que foi enganado. A dor costuma ser grande. Cuidado com a primeira reação Em situações de grande intensidade, é comum que homens apelem para uma emoção: a raiva. Sem querer soar óbvio, mas já soando, a raiva, em momentos críticos como esse é o pior inimigo pos- sível. É difícil não sentir isso, afinal, aconteceu algo que você considera uma grande violação da sua con- fiança. Porém, agir a partir dessa revolução interna inicial pode ser uma péssima decisão. Muita gente cai nos padrões usuais de ressen- timento, histeria e vingança, que só pioram o que já não é simples. Muito cuidado, em especial, com a ideia de se vin- gar. Expor a infidelidade aos amigos, colocar vídeos íntimos na internet (revenge porn), partir pra violên- cia física, retribuir na mesma moeda. Nenhuma des- sas atitudes é louvável e algumas são crime, passível de processo. Você pode virar caso de polícia se des- controlar-se ao ponto de cometer algum desses atos. Além disso, é comum que a pessoa traída poste- riormente se arrependa de ter explodido, machucan- do ainda mais a relação. Quando a raiva chega ao nível do incontrolável, se sobrar apenas um resquício de lucidez, pode ser melhor o distanciamento. Pedir um dia ou dois antes de retomar uma eventual conversa para entender o acontecido. Fui traído 26 Não é culpa sua Passado o baque inicial, é comum cair num pa- drão de investigação, de tentar entender os por quês. O passo seguinte talvez seja olhar pra si mesmo, sen- tir-se mal, inadequado, incapaz e, em seguida, culpa- do pelo que ocorreu. Não é como se houvesse algo que pudesse ser fei- to pra impedir. Duas pessoas se atraíram e quiseram flertar, beijar, transar, etc. Nem com a maior vigilância, com câmeras, com o melhor relacionamento do mundo, nem que fosse mesmo possível suprir todas as necessidades de al- guém, nada poderia impedir. Não há como controlar o curso do desejo de uma outra pessoa. Isso não significa que a pessoa não te ame Como pode uma pessoa amar a outra e trair? Sim, é possível. Você pode ter uma relação exemplar e, ainda as- sim, sentir desejo e afeto por outras pessoas. Há inú- meros modelos possíveis de relacionamento que en- volvem ou não terceiros, nos quais as partes se sentem bem assim. Pode ser particularmente difícil de en- tender quando tudo o que você aprendeu na vida foi o modelo monogâmico padrão, mas fidelidade não é indicativo nem prova de amor. A traição é um evento muito mais comum do que se pensa. Uma pesquisa informal (ou seja, sem rigor Fui traído 27 científico, feita pela internet) realizada pelo instituto Tendencias Digitales e divulgada pelo O Globo, mos- tra que 70,6% dos homens brasileiros afirmam já ter traído em algum momento da vida. Entre as mulhe- res, o número é de 56,4%. Ou seja, muitas pessoas traem e voltam para os seus casamentos, beijam seus filhos e esposa ou ma- rido no final da noite e dormem. Será que dá pra afir- mar que essa quantidade enorme de gente deixou de amar seus parceiros no momento em que traíram? No que diz respeito aos motivos, mil outras ne- cessidades (que não são obrigação do parceiro em su- prir) acabam aparecendo na frente da relação. Não, não estou falando de falhas de caráter (que, se for olhar por essa ótica, todos temos, já que ninguém passa a vida incólume de tomar atitudes das quais se arrependa depois), mas de crises de autoestima, inseguranças, tédio e até vontades justas, completa- mente normais, como a de sentir conexão humana. Duvida? Segundo o livro “The Truth About Che- ating” (a verdade sobre a traição), citado nessa maté- ria da revista Exame, 92% dos homens entrevistados que traem, não o fazem por que querem sexo, mas por que se sentem distantes das suas esposas e des- valorizados em casa. O amor não é linear e vem misturado com toda a bagunça interna das pessoas. No que diz respeito às relações, lógica, razão e lucidez são moedas raras. Fui traído 28 https://oglobo.globo.com/sociedade/saude/pesquisa-revela-que-brasileiros-sao-campeoes-de-infidelidade-disfuncao-sexual-2940842 https://www.amazon.com/Truth-about-Cheating-Stray-Prevent/dp/0470502134 https://www.amazon.com/Truth-about-Cheating-Stray-Prevent/dp/0470502134 http://exame.abril.com.br/ciencia/8-fatos-curiosos-sobre-a-traicao-nas-relacoes-amorosas/ http://exame.abril.com.br/ciencia/8-fatos-curiosos-sobre-a-traicao-nas-relacoes-amorosas/ Pode ser que a relação não acabe Por mais que você peça um tempo pra colocar as ideias no lugar, vai chegar o momento de conversar e entender o que houve. Pode ser que a emoção fale muito alto e a conver- sa se transforme em uma briga, com trocas de ofen- sas e barraco. Portanto, é útil respirar fundo, evitar agressões desnecessárias e criar um clima favorável ao mínimo de diálogo. Quando chega essa ocasião, é importante colo- car todas as cartas na mesa, abrir os problemas da relação, tentar entender a dinâmica do casal, se há questões não ditas relevantes. Ainda que haja um imperativo, um discurso po- pular que diz que homem não deve levar desaforo pra casa e “jamais tem que aceitar ser corno”, um pouco de lucidez cai bem aqui. Como já falamos, as coisas não são preto no branco. É perfeitamente possível, inclusive, que a relação saia melhor de uma situação assim. Principalmen- te se essa experiência for usada como escada para o crescimento mútuo e não como motivo para ampliar ainda mais o controle e o medo de se machucar. Pode ser que, sim, acabe Às vezes, a traição é mesmo um sinal de que já não é interessante continuar a relação. Certas questões são muito difíceis de serem cor- rigidas. Nós não somos máquinas cujas aflições po- Fui traído 29 dem ser deletadas com o apertar de um botão. Não é sempre, mas de fato algumas vezes a traição é um sintoma de distanciamento, de que a conexão já não flui, que não há alegria. E também não há nada de errado com isso. Há marcas que são fortes demais pra algumas pessoas. Cada um lida com suas dores da sua forma e no seu tempo. Dói, mas passa Um estudo liderado por Jaime Confer, da Uni- versidade do Texas em Austin, aponta que a chance de um homem perdoar uma traição da namorada é de 22% se for com outro homem. Porém, esse percentual aumenta para 50% se a traição for com uma mulher. Ou seja, para um homem, a traição sobe em ter- mos de “humilhação” se envolver um outro homem, tornando mais difícil o perdão. Isso se justifica facilmente se olharmos para a nos- sa cultura, que incute nos homens a competitividade e a posse sobre a mulher. Quando envolve um outro cara, não é apenas uma traição, mas uma derrota. Como se já não fosse ruim o bastante, há ainda uma sensação de humilhação pública, um receio de se ver ex- posto em uma falha em seu (suposto) papel de homem, de satisfazer e dominar plenamente uma mulher. Uma grande parte da dor envolve esses senti- mentos de vergonha, culpa e posse. Às vezes, mais do que a traição em si. Fui traído 30 http://www.edgeprovidence.com/index.php?ch=news&sc=&sc2=news&sc3=&id=124485 Agora, esse sofrimento pode parecer terrível. Mas milhares de pessoas já passaram por isso e sobrevi- veram. Suas vidas seguiram, seja dentro da mesma relação, com todas asdificuldades que isso pode im- plicar, seja separando (o que também não é fácil). É verdade que a gente vê exemplos todos os dias de pessoas encarando a traição como um evento de- vastador, insuperável. A internet, as novelas, filmes e livros, se alimentam de situações de histeria ao redor disso, mas esse drama todo não funciona bem quan- do estamos falando da vida real. Afinal, aqui, você tem que limpar a sujeira que você faz depois que as brigas acabam. Fui traído 31 A traição é tão polêmica, mas tão frequente e co- mum. É bem comum olharmos pra situação tomando as dores de quem achamos ser a vítima, mas como tudo na vida, a questão é bem mais complexa e mul- tifacetada do que o maniqueísmo do nosso julgamen- to costuma pintar. No que se refere aos desejos sexuais, podemos dividir as pessoas em dois tipos: as que alimentam os desejos de forma inadiável e as que treinam o adia- mento dos desejos. Ambos precisam lidar com uma consequência positiva e negativa, afinal, vivemos num mundo am- bíguo que estimula os desejos, mas ao mesmo tempo condena sua plena realização. Na arte de gerenciar os próprios apetites, seja Traí minha parceira ou parceiro (e me sinto culpado) Por Frederico Mattos 32 com ou sem adiamento, existem manobras saudáveis ou doentias. No caso saudável, ocorre uma capacidade de se saciar sem exageros. O apreço pela qualidade é sufi- ciente para reciclar a vontade. Já no lado doentio de quem opta pelo adiamento, há uma castração moral que abafa, aniquila, frustra e adoece o sujeito. Não raro os moralistas represen- tam esse segundo grupo, que precisa de regras muito duras – sobre si e os outros – para garantir que im- pulsos indomáveis fiquem bem presos na gaiola. No outro time, dos que não se contém, existe quem é saudável e filosoficamente sente que a libe- ração dos desejos é um ato de abertura pessoal, por- tanto, busca a saciabilidade sexual na diversidade de parceiros. Eles se contrapõem a uma cultura que se opõe radicalmente à não-monogamia, mas depois, quando encontram os seus pares ideológicos, tendem a ficar satisfeitos, ainda que lamentando não existir mais gente no mesmo barco. Há, finalmente, aqueles que buscam a realiza- ção de seus desejos como expressão de um mal-estar interno e, na cama, como em outras esferas da vida, seguem como crianças insaciáveis, incapazes de se restringir por pura inconsciência do que desejam de fato. É como se o sexo fosse sua salvação, já que outros prazeres humanos estariam amordaçados por certa covardia. Por isso, buscam a realização compulsória de suas vontades quase como se fossem domestica- Traí minha parceira ou parceiro 33 dos pelos seus desejos e não o contrário. Acreditam que isso é uma escolha mas, na verdade, já não sen- tem liberdade diante de si mesmas. Trair é uma questão de caráter? Na questão da fidelidade, o que ocorre é um acor- do – nem sempre claro – de exclusividade sexual e/ ou amorosa, restringindo os impulsos emocionais e sexuais que poderiam culminar numa traição. O gran- de impasse é que nos relacionamentos não há clareza sobre os motivos pelos quais a fidelidade é exigida e também não é claro o tipo de manobra a ser feita para administrar a frustração de certos desejos. Então, não sei se eu poderia afirmar que trair está ligado à falta de caráter. Essa firmeza moral tem um elemento de escolha consciente mas, no caso des- se último grupo, dos compulsivos (que a nossa cultu- ra entende como natural no homem), a sensação de escolha é superficial. De resto, o que rege são forças obscuras. A compulsividade por sexo, doce, pular de pá- ra-quedas, falar sem pensar, ou qualquer outra coisa do gênero, em muitos casos, pode ser simplesmente resultado de uma vida mal-sucedida que se anestesia em qualquer tipo de satisfação imediata. A compulsão está sempre na incapacidade efetiva para a recusa. O sujeito pode até querer não querer, mas na verdade não está habilitado para conter a si mesmo. Ou seja, precisa de treino emocional. Traí minha parceira ou parceiro 34 Dificuldade em sacrificar os desejos O ponto é que quando você se dispõe a namorar alguém que consegue adiar os seus desejos, escolhe ter pleno controle sobre como canalizá-los. Acordos são acordos. Há sempre uma privação mútua, um pre- ço a ser pago e uma dose de angústia própria da con- vivência humana. Há quem queira pagar e há quem não queira. A felicidade não parece ter a ver com conquistar tudo e realizar todos os seus desejos, mas sim com conseguir escolher, entre aqueles que estão disponí- veis, quais tem mais profundidade e servem ao pro- pósito de gerar bases mais sólidas. Vivemos uma geração que vê na privação pessoal uma ofensa ou um fracasso. Você promete algo que sabe de antemão que não vai entregar e, mesmo assim, se- gue forçando a barra. A escolha de se relacionar com mais de uma pes- soa sabendo que há um acordo, pode estar relaciona- da a algum imperativo que você não se dispõe a en- carar de verdade. Porém, a escolha de namorar uma mulher que está em desacordo com sua postura e de sacrificar o benefício da monogamia – sendo que você não pode ou não quer oferecer isso – é sua. A rotina sexual costuma ser uma desculpa para quem não quer se descobrir e desvendar a imensidão do relacionamento e do sexo. De modo geral, somos preguiçosos e não queremos nos colocar de formas di- ferentes para variar nosso movimento interno. Espera- Traí minha parceira ou parceiro 35 mos que um novo objeto de consumo nos faça olhar a vida de um jeito diferente. Isso pode até ser considera- da uma pobreza de perspectiva. Portanto, da perspectiva de quem trai, existe me- nos um problema moral em si, mas um desajuste de motivações. Você não é obrigado a se relacionar com uma pessoa só e ela não é obrigada a se relacionar com um homem que deseja isso. Então, se a posição de ambos é definitiva, o que talvez tenha de ser sa- crificado é o relacionamento em benefício do desejo individual. Traí minha parceira ou parceiro 36 Você liga a televisão em um jornal e lá estão as no- tícias nada animadoras, contando como o desemprego se agrava e vai impactando a vida de cada vez mais pes- soas. A palavra que não pára de se repetir é: crise. Em momentos de crescimento econômico já não é muito fácil conseguir emprego, mas em fases de con- tração econômica como a que vivemos, o terror do desemprego só se agrava. Lidando com o baque Perder o emprego nesse contexto é um evento digno de preocupação. Quando isso acontece, a pressão interna já é alta e ainda é comum as pessoas fazerem perguntas que aumentam o seu constrangimento como “ué, não está Perdi o emprego e não consigo achar outro Por Luciano Andolini 37 trabalhando?”, ou afirmações desdenhosas como “ah, mas tem vaga em todo lugar, você não trabalha por- que não quer.” Mas, apesar do nível de estresse gerado pela si- tuação e pelas cobranças das pessoas ao redor, essa pode ser uma oportunidade que se abre. Claro, sua urgência em relação ao problema vai depender de inúmeros fatores, principalmente do seu conforto financeiro e de eventuais direitos trabalhis- tas que possam ou não estar amparando você. Ainda assim, é importante tentar não ceder ao desespero e aproveitar para olhar para si mesmo como pessoa e profissional para compreender o ponto no qual se está em relação à carreira, objetivos, qualificações e, claro, aspirações maiores para o futuro e vida pessoal. Uma ruptura como essa pode abrir a possibili- dade de uma guinada almejada há muito tempo, uma mudança de carreira, uma pausa para estudo, para se abrir a novas oportunidades. O processo de encontrar um novo emprego pode partir dessa autoavaliação. Quanto mais honesta e profunda ela for, mais provável que o resultado sejauma mudança positiva, seja ela na forma da compre- ensão dos erros e acertos cometidos até ali, seja pela construção de uma rota totalmente nova. Faça o feijão com arroz bem feito Quando bate a necessidade, o que mais ouvimos por aí é que você precisa ter um bom currículo, pre- Perdi o emprego e não consigo achar outro 38 encher da maneira correta, assegurar-se de que está atualizado e é apropriado à vaga que procura. Falam também bastante sobre como proceder quando você passa da primeira etapa e se destaca na pilha de cur- rículos e é chamado para uma entrevista. De fato, é difícil resumir em um artigo tudo o que é preciso para chegar àquele currículo de encher os olhos e para ter aquela postura na medida. Mas al- guns esforços básicos precisam mesmo ser cobertos, não tem muito jeito. Assim, antes de partir para o pulo do gato na hora de achar um emprego, é essencial ter o feijão com arroz bem feito. Separei aqui uma lista de links que cobrem o bá- sico de como preparar currículo e portar-se em entre- vistas para você estar pronto. - Como preparar currículo para primeiro emprego (G1) - Como se recolocar no mercado (G1) - Modelos de currículo indicados pelo Catho - O blog Modelo e Sucesso do Catho (é uma boa fonte de informação) - 13 dicas para mandar bem na entrevista de em- prego (do Vagas.com.br) Os grandes sites de emprego são interes- santes, mas provavelmente sua vaga não vai vir de lá Não é como se não valesse a pena se candidatar Perdi o emprego e não consigo achar outro 39 http://g1.globo.com/concursos-e-emprego/noticia/2013/07/veja-como-montar-um-curriculo-para-conseguir-o-primeiro-emprego.html http://g1.globo.com/concursos-e-emprego/noticia/2013/07/veja-como-montar-um-curriculo-para-conseguir-o-primeiro-emprego.html http://g1.globo.com/concursos-e-emprego/noticia/2015/09/esta-procurando-emprego-saiba-como-se-recolocar-no-mercado.html http://www.catho.com.br/carreira-sucesso/modelo-curriculo http://www.catho.com.br/carreira-sucesso/ http://www.catho.com.br/carreira-sucesso/ http://www.vagas.com.br/profissoes/dicas/13-dicas-para-mandar-bem-na-entrevista-de-emprego/ http://www.vagas.com.br/profissoes/dicas/13-dicas-para-mandar-bem-na-entrevista-de-emprego/ por meio de anúncios em sites de emprego. Pode ser, sim, que apareça uma vaga adequada, mas as chances são baixas. São poucas vagas para um número exorbi- tante de candidatos. Pense que, ao se candidatar por essas platafor- mas, você faz um contato frio e entra em uma pilha enorme de currículos que fica sujeita a alguém bater o olho e achar que as suas credenciais são interessan- tes. Em um dia ruim, o avaliador pode simplesmente não dar a mínima pra um monte de gente perfeita- mente capaz. Esse método tende a favorecer pessoas muito bem qualificadas. Se não é o seu caso, talvez valha a pena pensar em outras estratégias. Se quiser tentar, pode compensar investir em um perfil premium em um site como o Linkedin. O desta- que extra e os recursos disponíveis na plataforma são úteis (como, por exemplo, saber quem visitou seu per- fil). Um truque é atualizar diariamente seu perfil no Linkedin, assim, você vai pra timeline das pessoas e aumenta sua relevância, ganhando mais visibilidade. Grupos de Facebook focados em áreas e cidades também podem ser úteis. Uma busca com a sua área em mente tende a dar bons frutos. Outra ideia pode ser a de procurar em sites me- nores, focados em determinados nichos e cidades. Por exemplo, se você for de Londrina e da área de publici- dade ou TI, uma alternativa seria o Jobs Londrina. Vou deixar aqui uma lista com os principais si- tes de emprego se você quiser tentar a sorte. Perdi o emprego e não consigo achar outro 40 http://jobslondrina.com/ - Linkedin - Catho - Infojobs - SINE (Esse tem uma abrangência enorme de vagas em todas as áreas) - Empregos.com.br - Vagas.com.br - Indeed.com.br - Trovit Brasil - CIEE (Ajuda estudantes a procurar estágio ou primeiro emprego) Exemplos de sites de emprego especializados: - Manager (Administração, indústria, comércio) - Jurídico Vagas (para estudantes, bacharéis em direito e advogados) - CVEngenharia (para a área de engenharia) - Carreira Fashion (moda) Não atire pra todo lado, mas nunca recu- se uma entrevista Um erro comum é a pessoa começar a se candida- tar a tudo quanto é vaga, no desespero pra conseguir qualquer coisa. A menos que a situação esteja realmente muito ruim e seja o único jeito, é bom manter-se focado no caminho que você pretende trilhar profissionalmen- te (claro, de forma sensata, pesando a sua urgência). Porém, caso chamem para alguma entrevista, é importante ir. Mesmo que não seja contratado, cada Perdi o emprego e não consigo achar outro 41 https://www.linkedin.com/ http://www.catho.com.br/ https://www.infojobs.com.br/ https://www.sine.com.br/ https://www.sine.com.br/ https://www.empregos.com.br/ http://www.vagas.com.br/ https://www.indeed.com.br/ https://www.trovit.com.br/ http://www.ciee.org.br/portal/index.asp http://www.ciee.org.br/portal/index.asp http://www.manager.com.br/ https://juridicovagas.com.br/ https://juridicovagas.com.br/ http://www.cvengenharia.com.br/ http://www.carreirafashion.com.br/ entrevista é uma oportunidade de conhecer mais pes- soas, fazer parte do círculo daquela empresa ou en- trar no radar daquele grupo de recrutadores. É comum que recrutadores façam entrevistas que não contratam imediatamente, mas que depois aca- bam recompensando, pois eles ficam com você em mente para vagas que podem até ser mais adequadas ao seu perfil. Além disso, eventualmente a pessoa que foi contratada no seu lugar pode se demitir e, abrin- do a vacância, dependendo da sua performance, você pode ser o próximo da fila. Nunca se sabe. Sem contar que ser chamado para entrevistas é um ótimo sinal. Quando isso acontece, já é bastante positivo e, além de ajudar com a prática, pode me- lhorar seu psicológico nesse momento sensível. Sua rede de contatos vale ouro Muitas vagas de emprego não vão para os sites como o Catho ou Vagas.com.br. É comum que boas contratações aconteçam por outra via: a indicação. E faz sentido. Pense com a cabeça de um contratante. O que é melhor? 1) Encarar uma pilha de currículos de pessoas que você não faz a ideia de quem são e perder horas fazendo entrevistas, correndo o risco da pessoa ape- nas ser muito boa em dizer o que você quer ouvir ou; 2) Receber boas indicações de pessoas agradá- veis e que trabalham bem, já referenciadas pela ex- Perdi o emprego e não consigo achar outro 42 periência de alguém em quem confia? Pensa, se nós já levamos tão a sério os reviews de produtos, restaurantes e hotéis, imagina quando vamos investir tempo e dinheiro contratando uma pessoa? É bastante razoável pensar que se você tem um amigo que teve uma boa experiência profissional com alguém, vai ouvir a opinião dele e ver o candida- to com bons olhos de antemão. Então, é interessante comentar com as pessoas ao seu redor que você está desempregado e procura uma vaga nova. Essas pessoas acabam se tornando seus olhos pelo mundo. Elas procuram, torcem por você e, quando acham justo, fazem a ponte. Essas in- dicações valem ouro. Quando o desemprego bate à sua porta, esse é o momento de encontrar amigos e antigos parceiros profissionais para bater um papo. Vale conversar com pessoas que tenham empre- sas, gente que trabalhe na mesma área que você gos- taria de entrar, veja quem está trabalhando em novos lugares, quem está há muito tempo na mesma empre- sa, funcionários públicos. Esses diferentes perfis po- dem mostrar caminhos, oferecer alternativas e con- selhos que você talvez não tenha considerado. E, se a sua sorte estiver alta, pode ser até que saia uma contratação de uma dessas conversas.Pode ser a sua chance de empreender Uma das alternativas para quem está desempre- Perdi o emprego e não consigo achar outro 43 gado é simplesmente não procurar emprego. Ao invés disso, talvez seja interessante pensar em empreender. Hoje, a burocracia para abrir uma empresa está bem menor e há modelos de negócio que podem ser iniciados com pouco investimento. O Sebrae oferece o Empretec, uma metodologia desenvolvida pela ONU voltada para o desenvolvi- mento de comportamento empreendedor, para aju- dar as pessoas a identificarem novas oportunidades de negócio. Esse sistema é aplicado em 34 países com o objetivo de ajudar a desenvolver o mercado e criar emprego e renda nesses lugares. Caso você não possa fazer o curso presencial, o Sebrae também oferece uma plataforma de ensino à distância, com cursos online gratuitos. Há diversas alternativas para você aprender a abrir seu negócio sem sair de casa. Há, inclusive, material voltado para montar negócios simples e de baixo investimento para você começar o mais rápido possível como, por exem- plo, o Aprender a Empreender e o portal de ideias, com guias para abrir bares, fornecedoras de marmi- tas, minimercados ou lojas online. Seguir como autônomo Ainda na linha de não procurar emprego, também é possível oferecer seus serviços como autônomo. Há sites nos quais você pode divulgar seus ser- viços e entrar em contato com contratantes na sua Perdi o emprego e não consigo achar outro 44 http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/sebraeaz/empretec-fortaleca-suas-habilidades-como-empreendedor,db3c36627a963410VgnVCM1000003b74010aRCRD http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ead http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ead http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ead/aprender-a-empreender,9fd04bbfa8c98510VgnVCM1000004c00210aRCRD http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ideias/como-montar-um-bar,4f187a51b9105410VgnVCM1000003b74010aRCRD http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ideias/como-montar-uma-fornecedora-de-refeicoes-em-marmita,be887a51b9105410VgnVCM1000003b74010aRCRD http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ideias/como-montar-uma-fornecedora-de-refeicoes-em-marmita,be887a51b9105410VgnVCM1000003b74010aRCRD http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ideias/como-montar-um-minimercado,64f87a51b9105410VgnVCM1000003b74010aRCRD http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ideias/como-montar-uma-loja-virtual,00287a51b9105410VgnVCM1000003b74010aRCRD região ou também para atuar remotamente. É mais comum conseguir trabalhos como free- lancer pela internet para quem é da área de comuni- cação ou TI, mas existe a possibilidade de oferecer outros serviços também via sites como o GetNinjas, que tem um espectro bem amplo de áreas. O Workana é outro site que divulga perfis de fre- elancers, porém, voltado para profissionais de comu- nicação, marketing, TI e design. Para além dessas plataformas, assim como nas vagas tradicionais, o contato direto e grupos de Face- book mais focados na sua área de atuação costumam ser mais efetivos. * * * A perda de um emprego costuma vir carregada de sentimentos de frustração, medo de não conseguir outro tão cedo, enfrentar a falência financeira e co- branças de familiares. Quando você está em uma empresa ou carreira por dez ou quinze anos, por exemplo, pode ser ain- da mais desesperador ter de se adaptar a um mundo novo que se abre à sua frente. Mas, ainda que as circunstâncias não caminhem para aquilo que se planejou para si próprio, é inte- ressante perceber que a melhor solução é aquela que funciona, independente da idealizações e julgamen- tos de valor que se alimenta sobre a vida profissional. Perdi o emprego e não consigo achar outro 45 https://www.getninjas.com.br/ https://www.workana.com/pt Conheço poucas pessoas realmente satisfeitas – ou não-frustradas – com um modelo de vida marcado por uma dedicação quase incondicional ao trabalho. Acordar às 6 da manhã, pegar um meio de trans- porte muitas vezes desconfortável, voltar para casa por volta das 8 horas da noite e ainda enfrentar uma série de responsabilidades domésticas quando, finalmente, poderá dormir para enfrentar o replay no dia seguinte. Óbvias variações dessa rotina semanal exaustiva existem, mas a sensação de esgotamento é presente em praticamente todos que fazem parte do modelo tradicional de trabalho. Em raras ocasiões conheci alguém – que se diz – orgulhoso de uma rotina assim, e na maioria das vezes me revelaram em momentos mais íntimos que Odeio meu trabalho (como mudar de carreira ou lidar com um trabalho ruim) Por Alberto Brandão 46 se posicionam dessa forma porque soa bem aos olhos alheio, transmite a impressão que todos os outros são preguiçosos e você é automaticamente enquadrado como parte de uma classe superior. Somos inseridos no mercado muito cedo e rece- bemos pouca ou nenhuma instrução de como todo me- canismo funciona. Muitas vezes, o que nos é dito vem de um ponto de vista de escassez, de medo ou sim- plesmente não condiz com a nossa realidade. Assim, congelamos o mundo em uma noção equivocada e fo- camos apenas em ganhar o sustento e não dar motivos para ser demitido. A parte triste de tudo isso é que pensamos bem pouco sobre o que o trabalho representa e como po- demos assumir uma relação entre trabalhador e em- presa de maior qualidade. Se você for minimamente como eu, não quer ter seu dia inteiro preenchido com tarefas sem fim e também não quer sentir que seu tempo está passan- do em branco. É um verdadeiro dilema perceber que estamos estressados e perdendo nossas vidas para um traba- lho que não nos diz muita coisa, mas quando chega- mos em casa precisamos lidar com pilhas de boletos para pagar. É fácil, também, buscar soluções mágicas para resolver o problema e nos deixar levar por uma ilu- são onde fazemos só o que gostamos e os conflitos deixaram de existir. Odeio meu trabalho 47 Como podemos resolver um dilema tão essencial para a sociedade moderna como esse? Existe uma for- ma de sentir de que estamos vivendo plenamente e, ao mesmo tempo, não sofrer com as contas que vão chegando? Questione o modelo Quando vamos arrumar nosso guarda roupa, o primeiro passo é tirar tudo lá de dentro e jogar em cima da cama. Depois, você forma uma verdadeira bagunça onde não existe um processo claro de organização e, a partir disso, começa a definir uma ordem mais cla- ra para as coisas. Realizar mudanças substanciais em nossa vida não é muito diferente e, normalmente, evitamos mudar por- que nos obriga a lidar com a dor, bagunçar tudo que re- conhecemos como concreto e desafiar nossas verdades. Se você não está satisfeito com o modelo de traba- lho que leva, passe algum tempo questionando como chegou aonde está e o que pode estar errado. Algumas perguntas que podemos nos fazer são: - O que realmente me deixa insatisfeito no meu trabalho? - Se pudesse mudar algo, o que seria? - Não gosto da minha área de trabalho ou da for- ma que a empresa funciona? - Existem pessoas que trabalham como eu gosta- ria? O que elas fazem? Odeio meu trabalho 48 - Se eu não estivesse fazendo o que faço, onde estaria? - Qual a ação mais simples que eu posso fazer para melhorar o cenário (Cursos? Treinamentos?) É claro que as perguntas acima são apenas al- guns exemplos de como podemos colocar nosso pro- blema no raio x e investigar o que não está encai- xando. Cada situação vai ter suas particularidades e outras perguntas melhores vão se fazer necessárias. Mais do que seguir esse (ou qualquer outro) ro- teiro, o importante aqui é questionar e buscar com- parativos, simplesmente para entender que chegamos onde estamos por algum motivo, mas isso não signi- fica que devemos ficar lá para sempre. Encontre significado Umdos mais comuns dilemas da juventude é a ideia de fazer o que gosta. Ou executar um trabalho que tenha algum significado especial. Não é segredo que quando gostamos muito do que fazemos ou encontramos algum significado maior na atividade, desempenhamos tal atividade com maior alegria e, claro, qualidade. O problema é que este é um luxo que poucos po- dem se dar. Nem sempre dá pra largar tudo e traba- lhar no emprego dos sonhos. Uma possível saída para quem não tem tanta es- colha é desenvolver um significado extra para o tra- balho, algo que ajude a ver o que faz todos os dias Odeio meu trabalho 49 com outros olhos. Existe um provérbio grego que diz “Como fazer um homem valorizar seu cavalo?”, “tirando o cavalo dele.” Pense um pouco: se você não tivesse o trabalho que tem, como seria sua vida? Pense nas pessoas que conhece nele e tudo o que você construiu com o que recebe neste emprego. Isso não é importante? Seu trabalho é facilitador de outros sonhos e re- solve vários problemas que são essenciais. Uma vez supridas, tendemos a dar menos importância às nos- sas necessidades básicas, mas deixar de tê-las garan- tidas é um sofrimento e tanto, com potencial de pre- judicar muitas outras áreas da vida em uma espécie de efeito dominó. Não à toa, o desemprego é visto como uma questão das mais urgentes. Da mesma forma que é possível olhar para cima e pensar em algo ideal para você, pode ser interessan- te olhar para baixo e ver que existe um cenário muitas vezes bem pior, no qual você não gostaria de estar. Antes de mudar, por que não tentar re- solver? Qualquer ambiente de trabalho possui proble- mas. Identificar o que existe de errado no local onde estamos é natural e tudo o que incomoda tende a se destacar aos nossos olhos. A nossa reação é automá- tica, preferimos fugir do que causa desconforto, ao invés de solucionar os problemas que existem. Odeio meu trabalho 50 Como humanos, somos ansiosos por procurar regras e segui-las, mesmo que muitas vezes essas re- gras sequer existam. Muito do que nos incomoda no trabalho não está definido a ferro e fogo, ou seja, é possível mudar. É interessante manter essa perspectiva em vis- ta, saber que podemos resolver inúmeros problemas sem precisar romper logo de cara e modificar toda nossa vida por isso. Para o nosso próprio bem estar (e dos outros, claro), é importante assumir a responsabilidade de sugerir ideias e modificar processos, mesmo que mui- tas vezes não seja tão simples assim passar pela re- sistência que pode se apresentar. Criar uma lista de todos os pontos que podem ser modificados para melhorar o seu bem estar den- tro da empresa e listar um plano de ação para cada um desses itens para discutir com as partes envol- vidas pode tirar um enorme peso das costas, sim- plificando e transformando o ambiente em um local mais favorável. Tenha um projeto pessoal Se existe algo que faz parte constante da minha vida são meus projetos paralelos. Tenho dezenas de pequenas coisas que, mesmo quando meu emprego não entrega a satisfação espe- rada, consigo olhar para tudo o que estou produzin- do e extrair realização. Odeio meu trabalho 51 A ideia de ter satisfação pessoal com nosso tra- balho formal é relativamente recente, e mesmo que eu ache importante, existem outras formas de sentir- -se realizado quando o emprego não consegue pro- porcionar. Lembre que muitas das vezes o trabalho dos nos- sos sonhos precisa ser construído aos poucos. Entenda o que você quer Um outro problema quando falamos de trabalho é definir o que realmente importa. É muito fácil observar os atrativos que empre- gos podem oferecer e não saber exatamente qual a sua prioridade. Algumas pessoas preferem segurança e estabili- dade, outras não veem significado nisso. Eu prefiro ambientes mais relaxados e uma flexibilidade maior. Para mim, um salário alto não paga o estresse. É claro, existem também os gostam de dinheiro, possuem ambições mais altas e querem levantar uma boa quantia para melhorar a qualidade de vida. É importante entender que não precisa existir julgamento de valores sobre nenhuma dessas prio- ridades. Cada um sabe onde seu calo aperta. O im- portante é entender que dificilmente encontraremos todos os elementos positivos num mesmo lugar. Por isso, entenda muito bem o que precisa e siga seu ca- minho até sua prioridade mudar. Odeio meu trabalho 52 O modelo dos seus sonhos não é perfeito Somos excelentes em romantizar cenários fu- turos, esquecendo de adicionar a eles todos os pro- blemas que estarão incluídos quando a fantasia se tornar realidade. Eu, por exemplo, sempre sonhei em trabalhar de casa, ter meu escritório e fazer tudo do meu jeito, sem preocupações. Passei uns bons anos trabalhan- do assim, até quase enlouquecer e entender que meu lugar de produzir é junto com outras pessoas. Portanto, quando começar a sentir que em outra situação todos os problemas estarão resolvidos, res- pire um pouco e faça uma pesquisa. Procure os deta- lhes sobre a profissão e os problemas que elas têm. Converse também com gente que já está no lugar que gostaria de estar, descubra sobre os pontos negativos que você ainda não conhece, talvez isso ajude a acal- mar um pouco as coisas. Sempre que estamos desconfortáveis tentamos buscar saídas fáceis e imaginamos universos que não condizem diretamente com os fatos. * * * Trabalho ocupa uma fatia enorme do nosso tem- po e é normal sentir frustração frequente com tudo o que se torna tão grande da nossa vida. No entanto, às vezes precisamos olhar com um pouco menos de emoção e assumir uma posição mais prática. Odeio meu trabalho 53 Não estou sugerindo que desista de seus objetivos e abandone o que sonha, mas pode ser interessante relaxar e perceber que a estrada ideal é construída aos poucos e, enquanto isso, é bom agir de forma um pouco mais objetiva. Odeio meu trabalho 54 Não é de se estranhar que muita gente ache o assunto educação financeira meio chato. Por vezes, acho que é mais culpa da abordagem do que do assun- to em si: “anote todos os seus gastos”, “economize no cafezinho”, “poupe 20% do seu salário”. A intenção, na maioria dos casos, é das melhores, mas a verdade é que ainda nos falta jeito para tornar o tema mais atraente, mais conectado com todos as outras áreas da vida. Numa tentativa de tornar as coisas mais interes- santes, sempre que trabalho com um grupo, experimen- to propor que a turma atue em cima de uma situação real. Levo, para a sala de aula, a história de um cliente de consultoria financeira, cujo processo já foi finaliza- do, e peço que a turma palpite, sem medo de errar. Não sei controlar minhas finanças Por Eduardo Amuri 55 A proposta de hoje é exatamente essa, mas ao invés de trabalhar com um caso real, que talvez não tivesse relação com a maioria de nós, trabalharemos com um personagem criado a partir das respostas que obtivemos em uma pesquisa que fizemos para o PapodeHomem. Tomei a liberdade de complementar a persona- lidade (e os dilemas) do nosso personagem, de modo que ele enfrente questões parecidas com as quais ob- servei no meu dia a dia como consultor financeiro. Sem mais delongas, conheça o Francisco Francisco tem 31 anos e mora em São Paulo, ca- pital. Recém-saído de um relacionamento longo, ago- ra está solteiro e divide apartamento com um amigo em um prédio antigo, porém confortável, perto da importadora onde trabalha como analista desde que saiu da faculdade já há alguns anos. Ele buscou uma consultoria financeira porque sente que nos últimos anos não conseguiu tirar do pa- pel os planos que traçou. Ganha R$ 4500 líquidos por mês, mais benefícios. Quando perguntei sobre os pla- nos, me respondeu que “não é nada demais, é só enca-minhar as coisas mesmo”. Tem uma reserva financeira pequena, que estica e encolhe, dependendo da época do ano. Possui três contas bancárias: uma universi- tária, uma que abriu por conta do estágio e outra que precisou criar quando entrou na empresa atual. Não é um cara de grandes luxos. “Por mês acho Não sei controlar minhas finanças 56 que vão uns R$ 200 de roupa, que eu geralmente par- celo no cartão. Aí tem o mercado, a grana do final de semana, uma ou outra viagem o que, aliás, é algo que eu gostaria de fazer mais vezes...”. Perguntei quanto ele acha que custaria a viagem que ele mais gostaria de fazer e ele contou que nunca havia parado para fazer a conta de verdade, mas que se debruçaria nisso quando recebesse o décimo-ter- ceiro. Ele também me disse que quitou recentemente o carro zero que comprou. “Foram doloridas 36 prestações que pareciam não acabar nunca. Agora não tenho grandes gastos, é mais os R$ 300 de gasolina mesmo. Isso porque no final de semana utilizo táxi, Uber ou Cabify.” Divide o apartamento com um amigo mas, mes- mo gostando da convivência, sente que está na hora de morar sozinho e diz que: “inclusive, essa é uma das motivações para que eu me organize.” Paga R$ 1500 por mês, o que inclui tudo. O Chico – já estamos ganhando intimidade – não sabe muito bem quanto paga por cada coisa (aluguel, condomínio, internet, luz…), só faz a transferência todo mês e seu colega cuida do resto. Antes de mim, ele conversava muito pouco sobre dinheiro. Esse não é um assunto trivial nos círculos em que frequenta. Às vezes alguém solta um comen- tário, do tipo “cacete, tô muito ferrado de grana esse mês”, aí os outros balançam a cabeça, dizem “tá di- fícil mesmo” e a vida segue. O assunto é tão velado Não sei controlar minhas finanças 57 que ele preferiu não contar para ninguém que havia procurado uma consultoria financeira. Partimos de onde? Logo no nosso primeiro encontro Chico chegou com uma planilha. Ela foi feita pelo primo há muitos anos e estava incompleta, desatualizada e em vias de ser enviada para a terra dos planejamentos esquecidos – lugar tristonho e melancólico, para onde vão todas as planilhas e aplicativos de controle de despesas que não receberam amor. Estava animadíssimo, querendo falar de todos os gastos e estranhou bastante quando falei que não precisaríamos dela naquele dia. Às vezes a gente pensa que o primeiro passo de todo o planejamento é sair listando gastos e anotando despesas, e essa é, na minha opinião, a razão pela qual a terra dos planejamentos esquecidos recebe milhares de novos habitantes todos os dias. Quando o planeja- mento não tem um motivo relevante para existir, ele não se sustenta. O ato de preencher uma planilha ou um aplicativo, em si, é inútil. Se não houver um pro- pósito para essa movimentação toda, ou seja, se o ob- jetivo for apenas manter as coisas atualizadinhas, não há ânimo que dê conta. Podemos até começar empol- gados, movidos por uma fagulha, mas é fato que em pouquíssimo tempo essa energia se esvai. Quando contei isso ao Chico ele fez uma cara de desespero. Me disse que já havia começado e pa- rado algumas vezes, mas que achava que a culpa era Não sei controlar minhas finanças 58 da indisciplina e que por isso foi procurar (a minha) ajuda. A indisciplina tem lá seu papel nessa pequena bagunça, mas não é, nem de longe, a protagonista. Quanto mais palpável mensurável e estrutura- do for esse objetivo, melhor. “Acho que não tenho nenhum objetivo para agora...”. Essa fala é bastante comum e compreensível e, de acordo com minha par- ca experiência de vida, não há problema algum nela. Passamos períodos da vida sem grandes planos mes- mo. De todo modo, o exercício é importante. “Quais planos que, de uma forma ou de outra, dependem de dinheiro, e você gostaria de realizar?” Muitas vezes somos levados a pensar que é pre- ciso algo grandioso e, de preferência, altruísta, mas a verdade é que pode, sim, ser algo menor, munda- no, prático, desde que seja genuinamente importan- te. Não precisa ser um projeto social, uma grande mudança de carreira ou a casa própria com banheira. Chico comentou “Ah, tem essas viagens aí, né?”. É uma boa tentativa, mas dessa forma não serve, e não é porque esse plano não é audacioso o suficiente, é só porque está vago, solto, impreciso. Com um pou- co de pesquisa e exercício, chegamos a algo melhor: “Quero conseguir viajar todos os anos. Daqui 9 meses quero fazer uma viagem de 15 dias para Bue- nos Aires, a viagem custará R$ 4500, já que a pas- sagem custa por volta de R$ 1200 e eu devo gastar em torno de R$ 250 por dia, entre alimentação, la- zer e hospedagem.” Não sei controlar minhas finanças 59 Enquanto falávamos da viagem, Chico abriu o mapa da Argentina, viu outras cidades que gostaria de visitar, deu uma olhada rápida em blogs especia- lizados e a coisa toda ganhou um pouco mais de bri- lho. Com ele animado por conta dos planos argenti- nos, podemos começar a pensar em termos práticos. Eu geralmente organizo o processo em três etapas: estruturação, fotografia e quadrantes. Comentarei cada um deles de maneira breve. A logística importa A estruturação consiste, basicamente, em organi- zar a logística financeira básica da vida. Para a maio- ria dos brasileiros razoavelmente inseridos no sistema, isso está ligado ao banco e às demais instituições fi- nanceiras. Salvo casos muito, muito específicos, é per- feitamente viável com uma conta corrente e um cartão de crédito. Um e um. Só. Não mais do que isso. Fui bem categórico com o Chico e ele emendou uma desculpa atrás da outra: 1. “Ah, mas a minha conta universitária não tem taxa.” 2. “Ah, mas é bom ter pro caso de uma emer- gência.” 3. “Ah, mas esse cartão de crédito tem anuida- de muito baixa.” 4. “Ah, mas é que não dá pra confiar em um banco só.” Não sei controlar minhas finanças 60 Antes de responder a cada uma das justificativas, vale ressaltar a base: nossa energia é ridiculamente limitada. A parcela que dedicamos a gestão financei- ra, então, é mais limitada ainda. Cada novo agente que colocamos no jogo consome nossos recursos (fi- nanceiros e emocionais). Já que a disposição para li- dar com as finanças é tão escassa, por que desperdi- çar com coisas que agregam tão pouco? Sobre a justificativa 1 e 3, não é só a questão fi- nanceira que está em jogo por aqui, certo? E outra, a conta e o cartão são gratuitos hoje, mas ninguém ga- rante que seguirão assim para sempre. Chico comentou, orgulhoso, que ano passado re- solveram cobrar a anuidade desse cartão, que ele li- gou para reclamar e que estornaram o valor. Pergun- tei quanto tempo ele ficou no telefone e ele disse “não muito, uma hora e meia, no máximo.” Uma hora e meia! Uma hora e meia de sono. Uma hora e meia de bar. Uma hora e meia de seriado no Netflix. Uma hora e meia de academia. Uma hora e meia de papo. Não é difícil pensar em empregos me- lhores para essa uma hora e meia de vida. Sobre a 2 e a 4, eu entendo. Juro que entendo, mas não é boa coisa pautar nossa estrutura com base em um cenário de exceção. Tenha dois cartões de débito do mesmo banco, se você quiser. Escolha o banco que você se sentir mais confortável. Mas mantenha as coisas en- xutas e aceite o risco: um cartão de crédito, uma conta corrente. Em um período de estresse e descontrole, vai Não sei controlar minhas finanças 61 ser ótimo ter que estancar um vazamento só. Chico levou pouco mais de uma semana para ajei- tar as questões todas, mas deu certo, e ele aproveitou para negociar ainda mais a anuidade do cartão de crédito eleito, com o argumento de que haviam lhe oferecido uma série de opções com anuidade zero. Dito isso, vamos ao próximo ponto. Uma foto, pra entender o que está rolandoPedi que Chico pegasse uma folha de papel, uma caneta e comecei minha ladainha: “Finja que, durante os próximos 30 dias, todos os bancos ficarão fechados, que todas as maquininhas de cartão estão fechadas e que você não poderá pedir dinheiro para ninguém; você precisa fazer um saque hoje, que deve bancar seu próximo mês inteiro, as con- tas fixas, as contas variáveis, tudo… anota no canto desse papel qual deveria ser o valor desse saque.” O diálogo a seguir aconteceu (hipoteticamente, amigos, não esqueçam do teatro) com o Chico, e acon- tece com bastante frequência, na vida real: Chico: Vou pegar minha planilha pra consultar… Eu: Não, Chico, é só um chute, sem consultar a planilha. Chico: Mas eu não faço a mínima ideia… Eu: Tudo bem, é por isso que é um chute. Chico: Vou errar, eu acho... Eu: Tudo bem. Chico: Não sei nem por onde começar… Não sei controlar minhas finanças 62 Eu: Está tudo bem... Chico chutou R$ 4000. Perguntei se sobravam R$ 500 na maioria dos meses e ele me olhou com cara de dúvida. Comentei que, se o chute era R$ 4000 e o salário líquido era R$ 4500, deveria sobrar mais ou menos R$ 500 todos os meses. Ele riu e disse que se sobrasse R$ 500 todos os meses ele não estaria ali falando comigo. É bem legal perceber pra onde nossa mente vai quando precisamos dar o tal chute. Existem várias rotas possíveis. Tem gente que pensa no salário todo, tem gente que tenta elencar os gastos bem rapidamen- te e faz a soma, tem gente que chuta um valor qual- quer, sem nenhuma preocupação. Tem quem adote uma estratégia mais conservadora, e chuta pra cima, e tem quem tem medo de olhar pra essa questão, e chuta pra baixo. Todos são igualmente válidos, é só um começo de exercício. Pedi ao Chico que tentasse testar esse chute, co- meçando pelos gastos fixos. Ele achou bem fácil, che- gamos nisso aqui: - Casa: R$ 1500 - Academia: R$ 80 - Plano dental: R$ 20 - Celular: R$ 170 Somamos e chegamos em R$ 1770. Ele soltou um “meu deus, sou rico”. A parte fixa é sempre fácil. Per- guntei pra onde ia o resto do dinheiro e ele disse que não fazia ideia. Até me escapou um riso porque isso Não sei controlar minhas finanças 63 é muito, muito normal. Foi quando pedi para que ele estimasse os gastos variáveis e ele travou. Estimar um mês de gasto variável é sempre mui- to difícil. É muito tempo, acontece muita coisa, são muitos pequenos eventos. É sempre vantagem esti- mar por semana e, mais do que isso, estimar por pe- quenas categorias: Chegamos em algo assim (lembre- -se que, por enquanto, é semanal): - Mercado: R$ 120 - Final de semana: R$ 220 - Jantar semana: R$ 80 - Gasolina: R$ 80 - Café e lanche: R$ 50 - Uber: R$ 80 Resumindo, são R$ 550/semana, logo, R$ 2200/ mês. “Ah, meu deus, é esse o problema, então. Soma esses R$ 2200 com os R$ 1800 e já dá R$ 4000… E eu nem coloquei as outras coisas... E eu nem tenho certeza sobre esse Uber, não faço ideia de quanto vem.” A ideia desse exercício é essa. É ter uma base de quanto custa um mês padrão, sem estripulias, sem os gastos extras, sem os imprevistos. Geralmente en- cerro esse encontro passando uma “tarefa de casa”: refinar essa fotografia. É muito comum esquecermos alguns itens, e a ideia é tratar o planejamento como algo iterativo, a ser melhorado pouco a pouco. Não sei controlar minhas finanças 64 Ingrediente mágico: previsibilidade É comum dizermos por aí que “o dinheiro é uma angústia”. Vale a pena aprofundar um pouquinho essa afirmação. Pelo que percebo, uma das principais cau- sas dessa angústia não é bem a falta ou a sobra, nem a burocracia, é a falta de previsibilidade. Por vezes cruzo com algum cliente cuja situação é bem complicada, e escuto algo como “Que coisa ma- luca, né? Minha situação financeira atual é igual a mi- nha situação financeira da semana passada, mas parece que estou mais tranquilo.” Não é nenhuma bruxaria. Adoramos nos sentir no controle – mesmo que esse controle seja bem relativo. Nós somos levados a acre- ditar que gerir bem o dinheiro é anotar cada gastinho, e isso torna tudo bem difícil. Propus para o Chico um exercício mais simples, de previsão mesmo. Era quinta-feira e nos encontraríamos novamen- te na quinta da outra semana. Perguntei quanto di- nheiro ele tinha na conta bancária hoje, e quanto di- nheiro ele teria na quinta-feira da semana que vem. Ele achou o desafio muito absurdo, porque muitas coisas poderiam acontecer nesse intervalo de tempo, mas eu insisti (imaginar isso tudo está sendo bem di- vertido pra mim). Resolvemos fazer o exercício em partes. Primei- ro, claro, pegamos o saldo atual (jogo rápido, no pró- prio internet banking). Em seguida, listamos quais os gastos fixos que aconteceriam dali até a semana que vem. Em seguida, concentramos os variáveis em Não sei controlar minhas finanças 65 uma linha só. Aqui está o grande lance. Concentrar os gastos variáveis em um lugar só torna tudo muito mais claro. Chegamos em algo assim: 04/05: R$ 2350 (saldo atual) - R$ 1500 (aluguel) - R$ 79 (academia) - R$ 550 (variável da semana) 11/05: R$ 221 (saldo projetado) Esse é um exemplo de planejamento financeiro para uma semana. Testamos por uma semana e a coi- sa se perdeu (a vida não é fácil, amigos). Surgiu um gasto inesperado (um presente) e o Chico largou mão das contas. Refizemos o planejamento para a semana seguinte, dessa vez com outra estratégia. Reduzimos o variável para R$ 500 (porque so- brou na primeira semana, ou seja, estava superes- timado), acordamos que esses imprevistos (como o presente) não entrariam nos gastos variáveis e, para poupá-lo da obrigação de acompanhar o extrato, ele sacou os tais R$ 500. Todos os gastos variáveis (mer- cado, final de semana, gasolina, etc) seriam pagos em dinheiro de papel. Conseguimos acertar as previsões, semana por semana. Amarrando as pontas Agora que nós simplificamos a estrutura, fize- mos a fotografia e começamos a brincar com as pre- visões de uma semana, o próximo papo é estender as previsões. É o que chamo de quadrante. Não sei controlar minhas finanças 66 Na prática é muito simples: uma folha sulfite dividida em quatro. Cada quadrante representa uma semana. Chegamos nisso: O retângulo no início de cada quadrante é o saldo inicial. O retângulo no fim de cada semana é o saldo projetado. Chico deu uma resmungada nessa hora, perguntando se ele precisaria ficar fazendo isso to- dos os dias. Eis então a minha promessa: “Com a fotografia e os quadrantes feitos, tudo o que você precisa é de 15 minutos por semana, não mais do que isso, para manter tudo em ordem e ga- nhar esse alento de saber que, de maneira relativa, você tem as rédeas nas mãos.” Não sei controlar minhas finanças 67 Tá, mas e aí? Chico ficou bem feliz com os quadrantes, a ideia de ter mais controle do que estava acontecendo agra- dou, mas ficou decepcionado quando percebeu que os números estavam bem justos e ele nem havia coloca- do a fatura do cartão de crédito na jogada (aliás, nes- te primeiro momento, a fatura do cartão entra como uma linha única no quadrante respectivo). “Mas eu vou parar de usar o cartão de crédito pra sempre?” Respondi que ele não iria, mas que, por enquan- to, até que ele ficasse bem malandro e hábil no pla- nejamento, o crédito ficaria de lado. O cartão acaba trazendo pra vida financeira uma camada de comple- xidade que, na minha visão, é dispensável. Passamos a trabalhar com nosso eu do futuro, e isso é sempre complicado. Além disso, perdemos a noção de finitu- de do dinheiro, já que os limites do cartão são bem, bem generosos. É nessa hora (e só nessa hora) que pensamos nas mudanças necessárias para que o planejamento fique condizente com nossos
Compartilhar