Buscar

CONEXÕES INTERPRETATIVAS ENTRE O ARTIGO “Uma agenda para o Direito Civil-Constitucional” E O FILME “Ensaio sobre a cegueira”

Prévia do material em texto

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ –
BACHARELADO EM DIREITO
Raphael Aleksander Sieczko
CONEXÕES INTERPRETATIVAS ENTRE O ARTIGO “Uma agenda para o Direito Civil-Constitucional” E O FILME “Ensaio sobre a cegueira”
CURITIBA
2017
“Uma agenda para o Direito Civil-Constitucional” (SCHREIBER, Anderson; KONDER, Carlos Nelson. Revista Brasileira de Direito Civil, 2016. ISSN 2358-6974) apresenta de forma clara e coerente o “Direito Civil-Constitucional”, seus fundamentos e objetivos, os argumentos de seus principais críticos e as previsões dos autores quanto ao futuro dessa metodologia.
	No texto os autores explicam que o Direito Civil-Constitucional é uma corrente metodológica que defende a necessidade de uma releitura permanente do direito civil à luz da Constituição, apresentando a premissa de que a Constituição tem superioridade normativa, e que suas normas podem e devem ser aplicadas às relações entre particulares. Além disso, esclarecem a oposição da metodologia civil-constitucional à summa divisio do ordenamento, separado em direito público e privado, já que com a superioridade constitucional, ambos devem servir à realização dos preceitos constitucionais, tendo o mesmo fundamento e a mesma finalidade, e ainda citam Pietro Perlingieri para demonstrar que o ordenamento deve ter aplicação, ou então só existiria no mundo das ideias.
	Segue-se destacando as questões de segurança jurídica e do controle da atividade do intérprete, explicando que nossa atividade jurisdicional ainda não está habituada à metodologia do positivismo clássico, e negligencia a fundamentação argumentativa necessária que permite o controle interno das decisões, além da utilização recorrente de cláusulas gerais, conceitos indeterminados e princípios, o que deixa simplesmente muito poder nas mãos do intérprete, levando à arbitrariedade, que deve ser resolvida com o uso da lógica informal e argumentativa, ou seja, de um modo de pensar orientado por valores e pela racionalidade.
	Após explicarem a interdisciplinaridade do direito com as outras ciências sociais, buscando compreensões diferentes dos fatos sociais através dos métodos e perspectivas diversificadas das outras disciplinas, apresentam então desafios a serem superados, como a reformulação do ensino do direito civil, através, por exemplo da atribuição de mais autonomia ao estudante, deixando-o participar nas buscas por soluções jurídicas para conflitos concretos. Outros desafios apresentados foram: a unificação do direito privado através de valores constitucionais, desvinculação da metodologia de preconceitos da constituição que limitam sua aplicação, expansão da metodologia civil-constitucional do campo interpretativo para o campo legislativo, etc.
Para concluir, os autores esclarecem que o Supremo Tribunal Federal deve adotar o princípio da constitucionalização do direito civil, para libertar-se das amarras do pensamento romanista, e dizem que fazer uma previsão sobre o assunto é arriscado, mas que esse artigo pode servir de agenda para o debate metodológico necessário. 
Já “Ensaio sobre a cegueira” (Direção: Fernando Meirelles, Produção: Niv Fichman. Brasil: 02 Filmes, 2008) é um filme com uma temática diferente, por apresentar principalmente uma realidade onde as ações e reações dos personagens se distorcem por culpa de uma doença, uma “cegueira branca”, que surge sem aviso e rapidamente infecta grande parte da população. Com o aumento rápido de casos da doença, os personagens principais, os primeiros a adquirirem a doença e a única não afetada mesmo após contato com os infectados, são levados à quarentena para que o alastramento absurdo de cegueira seja interrompido, o que mais adiante no filme se mostra inútil, já que o mundo inteiro sucumbe perante a doença.
Após esse início conturbado, quase o filme todo se desenrola no hospício abandonado em que a quarentena ocorre, inicialmente mostrando a dificuldade que os infectados tinham em ações cotidianas, como ir ao banheiro ou se deitar, e a adaptação deles através, principalmente, da única personagem que ainda mantém sua visão, apesar de ela só ter contado ao marido sobre ainda enxergar. Com o passar dos dias e a chegada de mais pessoas no lugar, foram formados grupos, divididos pelas alas do prédio, e um deles em específico, procurava um bem-estar de seus membros mesmo à custa do sofrimento dos outros, sem simpatia alguma pelos que estavam na mesma condição de dificuldade. Com as ações desse grupo, que detinha o poder através de armas frias e de fogo, a situação foi ficando cada vez mais caótica, pois retinham a comida e só distribuíam às outras alas através de trocas de bens como joias, roupas, acessórios, que todos tinham consigo quando foram levados ao hospício. Não demorou muito para acabar todos os itens de troca, o que fez o grupo dominante passar a distribuir comida só se as mulheres de cada ala completassem “serviços sexuais”, o que levou à um aumento geral de nervosismo e ódio, que culminou em ações violentas e assassinatos partindo tanto dos dominantes quanto dos dominados. A situação explodiu realmente quando o líder do grupo dominante morreu para a única personagem com visão (como vingança por ele a ter estuprado), e os grupos começaram a se atacar, chegando a tacar fogo no local, o que para os cegos era um desastre, já que sequer sabiam de onde o fogo vinha ou onde estava.
Nessa hora, que nada mais era do que o clímax do filme, a personagem com visão junta todos os personagens principais e decide chamar os guardas para parar o pandemônio, mas descobriu que ninguém mais os guardava, então saiu do hospício somente para descobrir que todos no mundo estavam cegos. Ela arranja comida e abrigo para seu grupo, e assim eles continuam vivendo até certo dia a visão de todos começar a voltar, terminando o filme com um clima de alívio e felicidade dos personagens por voltarem ao normal e não terem mais que sofrer daquele jeito.
Bem, após a observação dessas duas obras, foi possível encontrar duas conexões interpretativas interessantes e parcialmente ocultas, sendo elas: 1- A importância dos valores e princípios constitucionais, pois no texto fica bem claro que o direito civil-constitucional busca um interpretação do direito civil à luz da constituição e seus princípios, mas no filme isso aparece principalmente no hospício, quando a situação começa a ficar caótica porque algumas das pessoas lá dentro simplesmente não se importaram com os princípios garantidos dos outros, apenas gananciosamente buscaram prazer e conforto próprio. Se todos lá dentro procurassem criar uma certa ordem e dar a todos os infectados os mesmo direitos e deveres, a situação não teria saído de controle. 2- A falta d aplicação tanto do ordenamento quanto dos valores constitucionais, que no filme pode ser claramente observado, não só entre os infectados dentro da quarentena como citado anteriormente, mas também da sociedade e do governo que decidiu colocá-los naquele hospício abandonado e deixá-los para a própria sorte, apenas entregando algumas roupas no início e caixas de comida todos os dias, sem terem a certeza da distribuição, sem se importar com a saúde dos infectados, sem prestar socorro médico, sem ter certeza se o princípio da dignidade humana, o direito à vida ou à saúde estavam sequer sendo respeitados. E no texto isso aparece através da explicação que os autores dão sobre como as normas da Constituição deveriam ser aplicadas às relações entre particulares, como o direto deve servir aos preceitos constitucionais, como a hermenêutica deve ter fins aplicativos e que o ordenamento realmente vigente é aquele exclusivamente individualizado e aplicado aos fatos e acontecimentos, e que se não houver aplicação, o ordenamento permanece apenas no mundo das ideias.

Continue navegando