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Direito das minorias e ações afirmativas

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Direito das minorias e ações afirmativas 
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	Direitos das minorias: Necessidades versus lógicas abstratas
Paulo Rená da Silva Santarém
É comum que se verifique um triste paradoxo quando se trata de debater direitos de grupos sociais historicamente alijados. Seus detratores os elevam publicamente ao patamar da igualdade apenas para privar-lhes do direito de se insurgir. Uma vez tomados como iguais, desaparece a justificativa para lutar pela igualdade e se afiguram absurdos quaisquer iniciativas que, pressupondo a existência da discriminação, busquem descontruí-la mediante a obtenção de vantagens. O importante é não esquecer que essa discriminação “pressuposta” só não é real nas hipóteses “lógicas”; só é desconsiderada para efeitos silogísticos.
Crianças, deficientes, homossexuais, idosos, indígenas, judeus, mulheres, negros e várias outras “minorias” têm encontrado forte dificuldade em alcançar juridicamente seus direitos graças a pensamentos reacionários que se travestem de lógicos, mas, para manter as coisas como estão, imaginam uma realidade inexistente. 
Não, não é nem nunca foi a mesma coisa chamar um negro de negro e chamar um branco de branco. Não é irrelevante que os trabalhos domésticos sejam desempenhados por uma mulher ou por um homem. A terra tem um significado próprio para os índios. As crianças não são pequenos adultos. E é por isso que alguns grupos merecem o reconhecimento de sua dignidade: porque lhes ainda não foi reconhecida.
Qualquer comparação entre um grupo desprestigiado e sua contraparte tende a ser falaciosa. Qualquer pensamento direcionado à abstração da situação apenas leva a conclusões divorciadas da concretude desse dado social. Pensar de forma genérica e ignorar as contingências sociais que compõem o nosso ambiente é um escorregão lógico que apenas conduz a idéias impalpáveis.
Desqualificar lutas legítimas, encampadas de forma pública e autêntica, por conta de uma mera conjectura, possível mas improvável, é fechar os olhos para os desequilíbrios cotidianamente observáveis. O significado social das diferenças não pode ser deixado de lado, especialmente quando é o caso de respeitá-las, em nome da construção da dignidade humana, cuja materialização não advém da natureza ou está pronta e acabada em algum lugar ideal, mas sim depende de permanente reafirmação prática.
E os seres humanos somente são dignos se considerados num espaço de alteridade em que seja possível, mais do que a tolerância e longe da superação, a plena vivência da diversidade. Se a sociedade abarcasse sua diversidade com plenitude, não haveria tantas lutas por reconhecimento de direitos.
A iniciativa de promover a pluralidade pelo direito, essa emancipação pela regulação, desperta óbvios questionamentos. Provavelmente a ânsia legislativa tenha como calcanhar de Aquiles o limite dos efeitos da lei, texto cuja aprovação, para o bem ou para o mal, não tem o condão de alterar a realidade de forma imediata. Nem o maior cuidado aos detalhes gramaticais ou procedimentais, nem mesmo um dedicado exercício de previsão de prováveis conseqüências devem ser supervalorizados. A realidade impõe riscos contra os quais não há garantias. Quem legisla, assim como qualquer um que escreve, não pode prever inteiramente o futuro, da mesma forma que não compreende integralmente o presente, ou o passado.
Mas o estabelecimento de normas públicas, de parâmetros comuns de certo/errado, certamente é um componente de nossa sociedade dotado de significado real e que implica conseqüências nas relações simbólicas existentes. Nessa perspectiva, e considerando a formatação a partir de uma Constituição positivada, o Estado não pode se abster de conferir garantias legais aos grupos que por elas lutam em nome de sua dignidade.
Como exemplos, a criação de sistemas de cotas e criminalização de condutas específicas contra homossexuais comumente são vistas com receio e acendem um alerta contra a privação de direitos daqueles que não estão incluídos entre os beneficiados pela lei. Mas basta ponderar que o benefício legal decorre de uma batalha social por respeito; que o benefício legal se justifica pelo desprestígio simbólico difuso na sociedade.
Em vez do “pé atrás”, essas iniciativas devem ser vistas como um pontapé inicial, um ponto de partida para um processo maior, que culmine na circulação social de uma material igualdade democrática: uma igualdade decorrente não do fim das diferenças, mas do respeito integral ao outro, àquele que não sou eu.
Artigo originalmente publicado em setembro de 2007, em Constituição & Democracia nº 16 – América Latina: Desafios para a democracia
Paulo Rená é mestrando em Direito, Estado e Constituição pela UnB. Membro do Grupo de Pesquisa “Sociedade, Tempo e Direito” (FD/UnB)
Acesso: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/29556-29572-1-PB.pdf em 10/05/2011. 10h20.

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