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Anais Eletrônicos do SIMPORI 2015 Simpósio de PósGraduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (Unesp, Unicamp, PUCSP) “Governança Global: transformações, dilemas e perspectivas” São Paulo, 09 a 12 de novembro de 2015 ISSN 19849265 Poder, Relações Internacionais e Mudança Tecnológica: Contextualizações da Indústria de Defesa sob um Marco Realista Giordano Bruno Antoniazzi Ronconi 1 1. Introdução Este trabalho tem como objetivo formular uma concepção teórica das Relações Internacionais para avaliar a dinâmica da indústria de defesa brasileira com as do resto do mundo. Para isso, assunções, conceitos e suas relações causais são colocadas dentro de um contexto no qual se teoriza em dois níveis: em nível estatal, no qual o Estado toma suas decisões/ações; e no nível internacional, no qual se procura inserir as ações do Estado dentro da dinâmica do Sistema Internacional. A indústria de defesa é um fatorchave para aumentar o poder potencial e este se sobrepõe ao poder real em períodos de relativo equilíbrio no sistema, pois gera capacidades dissuasórias e abre possibilidades de conversão futura para um maior poder militar. Uma vez colocados em evidências os arcabouços e as sistematizações teóricas, fazse uma breve contextualização das variáveis na indústria de defesa brasileira e de sua posição no Sistema Internacional. Para medir a intensidade destas variáveis no 1 Mestrando em Estudos Estratégicos da Segurança e Defesa (PPGEST) na Universidade Federal Fluminense (UFF), sob orientação do Professor Luiz Pedone. Bolsista CAPES do programa PróDefesa. Contato: giordano.antoniazzi@gmail.com sistema internacional, utilizase como metodologia uma análise comparativa de elementos quantitativos que caracterizam os conceitos empregados. Será uma forma de contextualizar os conceitos teóricos empregados no trabalho. Não obstante, devido às alterações qualitativas deste setor nas últimas décadas, algumas considerações serão colocadas sobre as atuais transformações no perfil deste mercado internacional. Com isso, será feita uma discussão sobre o caso brasileiro. Será desta contextualização internacional que poderá ser explorado o argumento de que, a despeito dos grandes constrangimentos internacionais, característicos de um sistema em equilíbrio, o Brasil vem direcionando fatores que, teoricamente, gerariam tendências de mudança de sua política externa e de seu perfil regional. Serão elementos que moldam tanto a adaptação de sua indústria de defesa no sistema internacional quanto possibilitam uma maior presença regional. Após esta introdução, a segunda seção tratará da relação entre a indústria de defesa e o pensamento realista das Relações Internacionais sob três moldes: sua relação com o poder; sua influência na ação estatal; e sua presença na dinâmica internacional. A terceira parte analisa sua contemporaneidade nas relações internacionais, os possíveis desdobramentos em países emergentes e a influência desta no Brasil. Como conclusão, sintetizase as possibilidades das concepções teóricas elaboradas para o atual momento brasileiro. 2. Realismo e Indústria de Defesa Em sua essência , o realismo pode ser caracterizado por três pressupostos: há um 2 sistema internacional cuja estrutura é anárquica; seus principais atores são os Estados, dotados de racionalidade e diferenciados pelas suas capacidades materiais; o principal objetivo destes é a sobrevivência. Com isso, podese contextualizar as relações entre Estados como uma relação competitiva e de incerteza sobre as possíveis ações do outro, 2 É de grande importância destacar, principalmente para os propósitos deste trabalho, que o realismo é uma escola de pensamento, contendo diversas teorias interrelacionadas. O poder explanatório deste está justamente na permanência de elementos fundamentais que englobam esta escola (WOHLFORTH, 2011). Por isso será possível conjugar diversas abordagens teóricas para explicar a importância da Indústria de Defesa, variável difícil de ser comtemplada por outras escolas das Relações Internacionais. mas que todos procuram desenvolverse internamente capacidades que aumentem sua segurança. Decorrente deste contexto, há esforços do Estado no seu desenvolvimento econômico e na criação de relações de poder que tendam a uma estabilidade favorável a estes. Dessa forma, o relacionamento teórico entre essa abordagem e a indústria de defesa deve ser colocado em três momentos: primeiro, sob uma avaliação de poder; segundo, sob o processo de atuação do Estado no sistema internacional; e terceiro, sob a sua influência na dinâmica estrutural do sistema. Acreditase que, uma vez colocada em evidência as relações causais, as considerações teóricas retiradas das Relações Internacionais sirvam como suporte para um diagnóstico amplo, para antecipar eventos ou para prescrever e estimar políticas públicas na área da defesa (WALT, 2005). A ideia geral deste trabalho é de que a Indústria de Defesa representa uma ampla parcela do Poder Potencial de um Estado e seu aumento amplia a possibilidade de conversão para Poder Real. A indústria de defesa representa um complexo industrial 3 que se relaciona com o Estado e a sociedade e por isso engloba diversos elementos constituintes do poder nacional de um país. Desse modo, sua dinâmica ocorre de forma relacionada com o desenvolvimento político e econômico do Estado como um todo. Se ela representa uma das faces do poder nacional, ela pode ser contextualizada na própria dinâmica internacional de poder, andando junto com as diferentes transformações globais. Com isso, analisar a indústria de defesa e seus rumos é prospectar alguns caminhos possíveis das relações internacionais contemporâneas e compreender as possibilidades do Brasil atualmente . 4 3 Por isso uma definição mais abrangente da Indústria de Defesa poderia ser colocada como Complexo MilitarIndustrialAcadêmico, retirada de estudos sobre os Estados Unidos (MEDEIROS, 2004). Haveria também uma definição oficial de Base Industrial de Defesa (BID), de acordo com a Estratégia Nacional de Defesa (BRASIL, 2008). Optouse por Indústria de Defesa neste trabalho, para não recorrer às definições extensas e siglas constantemente. 4 Um adendo deve ser feito referente ao seu poder explanatório: como qualquer argumentoteórico de Relações Internacionais, a afirmação desta frase fica limitada à área de estudo e sua relevância se fundamenta nos marcos conceituais e em sua parcimônia (WALT, 2005). Ou seja, é possível ver em detalhe e amplamente as Relações Internacionais pela análise da Indústria de Defesa, mas não será por ela que se explica todos os fenômenos do campo. a. O Poder Material e Potencial: gerando uma Capacidade Dissuasória A definição do poder para o realismo se situa fundamentalmente nas capacidades materiais do Estado. Logo, ao tratarse de um instrumento para o Estado exercer sua soberania, o poder militar tornase um valor padrão para uma avaliação internacional, fundamentado no seu poderio econômico (CARR, 2001). É um ponto de partida, no entanto, falta ainda maior operacionalidade para os objetivos deste trabalho. Para isso, procurase diferenciar o poder nacional em Real (Efetivo) e Latente (Potencial) de acordo com as definições de Mearsheimer. O primeiro é o poder militar imediato de uma Nação, ou seja, sua capacidade de projeção de suas Forças Armadas no presente. Não é um conceito puramente quantitativo, pois é moldado pela relação qualitativa entre as três Forças e pela sua capacidade de projeção (MEARSHEIMER, 2007). Dessa forma, não basta contar soldados, aviões e navios para mensurar o Poder Real, é necessário situar estes fatores ao “atrito da guerra” . Já o Poder Latente seria a 5 habilidade do Estado transformar eficientemente sua riqueza e população em poder militar. Essa definição original é ampla demais para o trabalho proposto: atrás da ideia de “eficiência” estão a capacitação de recursos humanos e de transformação de um complexo militarindustrialacadêmico para a criação de Forças Armadas contemporâneas (MCNEILL, 1982). Para Mearsheimer, não era interessante o aprofundamento nesse conceito, pois seu foco eram as capacidades de prontidão das Grandes Potências. No entanto, o foco em Poder Potencial é fundamental para uma concepção teórica sobre a indústria de defesa, a inovação tecnológica e a sua potencialidade de dissuasão. Se a exploração de variáveis constituintes do poder nacional em seus diferentes domínios (recursos naturais, desempenho nacional e capacidades militares) é de grande número (TELLIS et al., 2000), a Indústria de Defesa (por incorporar variáveis como tecnologia, recursos humanos, infraestrutura) se torna uma das facetas deste poder. Dessa forma, tendo em mente uma grande eficiência na 5 Uma tentativa de síntese do Poder Militar é de difícil obtenção, visto que este pode ser ampliado para o conceito de fungibilidade, afetando de diversas formas a atuação do Estado (ART, 1996), ou pela forma de emprego de forças (BIDDLE, 2004). Não será o objetivo deste trabalho o aprofundamento deste conceito e sim somente contextualizálo na discussão. conversão destas variáveis em Poder Efetivo, fica clara a importância dos elementos (empresas, laboratórios, formação acadêmica) que pertencem à indústria de defesa (CORTEZ, FERREIRA & BRICK, 2014). O tamanho de um complexo industrial sempre tem o que dizer das potencialidades de desenvolvimento, imediato e futuro: este relacionase fortemente com o crescimento do PIB, indica as possíveis tendências estruturais na sociedade de um país e abre espaço para possibilidades de investimento produtivo em larga escala. Relacionado com este último ponto, está também um direcionamento de investimentos públicos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), incluindo também a promoção de um complexo institucional que envolva esforços para promover a inovação tecnológica (FREEMAN, 1995). Não obstante, é importante frisar o desenvolvimento deste complexo industrial como uma variável dependente do desenvolvimento econômico nacional (BECKLEY, 2010). Ou seja, um país que promove uma estratégia de desenvolvimento nacional fornece a sustentação para um esforço industrial na área bélica. Inverter tal causalidade gera diversas dificuldades não só para a sobrevivência da indústria de defesa, como também para alcançar objetivos de uma maior autarquia tecnológica no setor (BRAUER, 1998; BITZINGER, 2003). Como reflexo do Poder Potencial, a indústria de defesa, suas capacidades produtivas e inovadoras, sua relação com o Estado e com a sociedade, está evidente a ideia de transformação: o Estado que tem capacidades bélicas produtivas e tecnológicas para empregar suas Forças Armadas aumenta a sua potencialidade de exercer Poder Real no meio internacional. O aumento do Poder Potencial, por implicar grandes consequências ao aumentar o Real, inserese como elementochave para objetivos dissuasórios e securitários. Desse modo, a dissuasão é uma consequência das crescentes capacidades e 6 superioridades produtivas e tecnológicas: o desenvolvimento de um complexo militarindustrialacadêmico é uma rede produtiva capaz de gerar produtos para o emprego militar de acordo com a estratégia nacional (MALDIFASSI & ABETTI, 6 No seu sentido mais amplo, significa persuadir o oponente a não iniciar uma ação específica devido à percepção dos benefícios não justificar os custos e riscos estimados (MEARSHEIMER, 1985, p. 14). 1994). A dissuasão, principalmente a convencional (nãonuclear), não pode ser vista como uma função das armas existentes ou uma relação de forças, pois acaba ficando restrita à mensuração do Poder Real. Seu relacionamento com a estratégia é um ponto fundamental para afirmar que capturar ou defender um território dependerá do uso e aplicação das capacidades bélicas do Estado (MEARSHEIMER, 1985). Logo, promover o desenvolvimento de uma indústria de defesa e de seu complexo inovador (seu Poder Potencial) aumenta as possibilidades dissuasórias que um Estado pode empregar estrategicamente no sistema internacional. Essa promoção envolve um complexo relacionamento do Estado, interna e externamente, como se verá mais adiante. b. Atuação do Estado no Cenário Internacional Com o objetivo de sistematizar uma aplicação teórica da ação estatal no ambiente internacional, colocase como pressuposto que tal ação deve ser compreendida como um resultado de Política Externa. Dessa forma, a convergência de níveis sistêmicos e unitários geram uma “grandeestratégia”: a atitude dos Estados frente ao ambiente internacional e como eles mobilizam seus elementos de poder em torno de seus objetivos políticos globais (KITCHEN, 2010). Para dividir de forma analítica e clarificar tais relações, a política externa é moldada e formulada por questões estruturais e dinâmicas, de ordem doméstica e internacional. A questão estrutural de ordem internacional são os constrangimentos sobre os Estados, impelindoos a limitarem seu raio de ações: é o que compele os Estados à autopreservação e à maximização de seu poder (sua segurança) de todas as formas racionalmente possíveis (WALTZ, 2002). Tirando as capacidades militares, a melhor forma de representar tais constrangimentos são as instituições e as regras informais, que seriam um “espelho” da distribuição internacional de poder (MEARSHEIMER, 1994). É devido aos constrangimentos internacionais que haveria uma aparente estaticidade das relações internacionais. No entanto, é enganosa tal suposição: além de outros fatores, destacados na próxima seção, existe uma dinâmica relação entre os Estados, no sentido em que estes procuram se relacionar para aumentar suas capacidades relativas. As alianças seriam um exemplo desta questão, pois são uma forma fundamental dos Estados balancearem contra ameaças mútuas (WALT, 1990). Logo, questões de cooperação envolvem arranjos formais ou informais de segurança para os Estados. Ou seja, estes estão sempre buscando ganhos relativos quando formalizam acordos e entendimentos ou quando criam instituições internacionais (GRIECO, 1988). É a partir desta dinâmica que surgem mudanças conjunturais de interação, oriundas paulatinamente do constrangimento estrutural (GILPIN, 1981). Esses apontamentos teóricos indicam que, tendo em mente o valor estratégico (de poder) que a transferência de tecnologias militares possui, questões como cerceamento tecnológico e dificuldades de acordos na área da defesa sejam evidentes nas relações internacionais por motivos muito bem definidos (LONGO, 2007). Já as questões estruturais e dinâmicas de ordem doméstica perpassam a política interna do Estado e se relacionam no seu planejamento estratégico (que deve ser entendido pela discussão anterior nas formas de transformar o poder potencial em real e aplicalo), levando à definição de um interesse nacional (KITCHEN, 2010). Ou seja, sua formação decorre do estabelecimento de pactos políticos e de arranjos 7 institucionais que garantam o andamento de uma estratégia de desenvolvimento para o país. Dessa forma, os constrangimentos institucionais internos e os pactos políticos são variáveis intervenientes na relação causal entre a distribuição internacional de poder e a condução da política externa (TALIAFERRO, LOBELL & RIPSMAN, 2009). Com isso, a ação em tomar uma determinada conduta de política externa envolve levar em conta os interesses de atores ou grupos internos para alcançar ações que relacionam ameaças externas e internas (LOBELL, 2009). Tendo isso em mente, é possível afirmar que Estados mais preocupados com segurança doméstica inovam relativamente menos do que os mais preocupados com ameaças externas. As decisões políticas de segurança do governo (consequentemente, sua alocação de recursos) decorrem do resultado da balança entre ameaças internas (instabilidade política) e externas (não só adversidades militares, mas também 7 Para alguns autores é entendido como o consenso das elites (TALIAFERRO, LOBELL & RIPSMAN, 2009). No entanto, é mais interessante para este trabalho obter como definição um conjunto de classes socioeconômicas que se juntam com o objetivo de colocar um projeto de desenvolvimento para o país (BRESSERPEREIRA, 1972). econômicas e sociais), afetando, dessa forma, a inovação tecnológica do país (TAYLOR, 2005). Colocando tal relação com a indústria de defesa, a alocação e distribuição de gastos militares para a defesa pode ser colocada ou para o mercado externo ou para o fortalecimento da sua capacidade industrial: estas opções e a intensidade dos recursos serão determinadas pelas ameaças externas (MALDIFASSI & ABETTI, 1994; TAYLOR, 2012). Dessa forma, a alocação de recursos é entendida como uma ação racional do Estado tendo em mente o seu ambiente de ameaças: o orçamento de defesa é, teoricamente, resultado do cálculo deste ambiente interno e externo (GLASER, 2010). São com essas divisões analíticas que um Estado formula sua Política Externa, contextualizada na figura 1. As relações da indústria de defesa e seu complexo inovador com tais aspectos teóricos mencionados são de grande importância. Primeiro, ela se situa dentro de uma hierarquia de poder criada estruturalmente, logo, sua capacidade de produção de armamentos e o seu nível tecnológico possuem padrões relacionados com a estrutura de poder (KRAUSE, 1992). Segundo, acordos de cooperação sobre o assunto, assim como a transferência de tecnologia, envolvem tanto a restrição oriunda do constrangimento estrutural quanto das percepções securitárias de ganhos relativos entre os Estados. Figura 1: Os Condicionantes da Formulação da Política Externa Fonte: elaboração própria Em terceiro lugar, a consonância com a estratégia de desenvolvimento empregada pelo governo, a orientação, consistência e estabilidade do Pacto Político e de suas instituições e a própria percepção de ameaças por parte do Estado são fatores fundamentais para que haja um desenvolvimento industrial na defesa e nos seus objetivos produtivotecnológicos . Além disso, a opção da emulação ou inovação de 8 práticas militares, econômicas e/ou tecnológicas decorre de uma “estratégia de balanceamento”, na qual o Estado gerencia a sua capacidade de extrair seus recursos econômicos e sociais (TALIAFERRO, 2009). Ou seja, os interesses internos conjugamse com os fatores externos, moldandose a posição da indústria no cálculo de ação da Política Externa de determinado país e as suas intenções de transformação. 8 Há inclusive aplicações conceituais sobre interesses de classes e a economia política do rearmamento. Ou seja, governos conservadores teriam dificuldades em colocar uma política de financiamento para a indústria de defesa(rearmamento) pois sofreriam represálias de seus apoiadores (envolveria aumento de impostos), enquanto governos laborais a veriam como uma possibilidade de aplicar impostos progressivos e aumentar a presença do Estado (NARIZNY, 2003). Não obstante, a possibilidade de generalizar a questão interna em umtradeoff entre bemestar e segurança e a sua relação com gastos militares também foi aplicada (DIKICI, 2015). No entanto, são abordagens economicistas do Estado e de suas relações internacionais. c. A Dinâmica do Sistema Internacional: a Relação com o Mercado de Armamentos e a Influência da Inovação Uma crescente mudança nas interações e capacidades dos Estados pode ir além do balanceamento de poder: o desenvolvimento do poder potencial e sua transformação para o real leva a uma mudança na estrutura internacional. Uma precondição para a mudança política de um Estado no sistema internacional é a disjunção entre o desenvolvimento doméstico e a sua posição de poder internacional, levando os atores a verem benefícios sobre os custos com uma mudança no sistema . As possíveis 9 decorrências desta dinâmica são a guerra hegemônica ou as concessões por meio da barganha pacífica, ambas criando consequentes mudanças no sistema (paulatina ou radicalmente). Claramente, como elemento de grande importância para desencadear tais mecanismos é a forma da indústria de defesa dos Estados. Incitar essa mudança vem de vários fatores, sendo alguns deles a situação econômica, as capacidades militares e as suas respectivas inovações. Dessa forma, “o ambiente material econômico (englobando fatores como o sistema de comunicações e transporte, a tecnologia militar e a natureza produtiva de sua economia) e a balança internacional de poder, criam incentivos ou desincentivos para um Estado promover mudanças no sistema” (GILPIN, 1981, p. 5584). A figura 2 procura clarificar tal processo e indicar as variáveis que desencadeiam ou que são características de uma mudança na distribuição de poder do sistema internacional. A transição do equilíbrio internacional para o seu desequilíbrio envolve diferentes momentos de uma gradativa mudança na interação dos atores a ponto destes Estados questionarem sua posição na distribuição de poder. Já a transição de uma crise estrutural para um novo equilíbrio envolve a busca por um novo consenso internacional, possível de ser resolvido pela guerra ou pela concessão de poder através da barganha. 9 Os três tipos de mudanças podem ser: de sistema, na qual muda a natureza dos atores; sistêmica, na qual se mudam as regras e/ou a hierarquia dos atores, alterando a governança do sistema por meio de guerras hegemônicas ou por resoluções pacíficas entre os atores; e de interação, na qual o processo (ou as suas regras) políticoeconômico entre Estados é alterado, tornandose mais como um presságio para os dois primeiros tipos de mudança (GILPIN, 1981, p. 40). Devemos nos atentar ao segundo tipo de mudança, que parece caracterizar o contexto atual, devido ao fato de o Sistema estar apresentando momentos de instabilidade no equilíbrio de poder (MARTINS, 2013, p. 180). Figura 2: Os Condicionantes de Mudanças no Sistema Internacional Fonte: elaboração própria, tendo Gilpin (1981) como base Focandose na indústria de defesa, percebese que há dois fatores que moldam tal questão. O primeiro é o constrangimento causado pela hierarquia de produção de armamentos e tecnologias, que conjugados com o ciclo de vida do produto militar (que causam a difusão e inovação), criam uma dinâmica internacional na qual há uma divisão hierárquica dos atores, determinada por critérios como produção militar, capacidades de P&D, sofisticação tecnológica, demanda doméstica e dependência da exportação (KRAUSE, 1992). O segundo fator se refere às relações sociais internas do Estado: a inovação tecnológica, principalmente na área de defesa, envolve arranjos institucionais, relações políticas dispostas a colocar uma estrutura produtiva para esse complexo militarindustrialacadêmico. Como se percebe na figura 2, estes dois fatores são de grande peso e influência para a alteração do comportamento dos atores no sistema. Além disso, estes entram nos cálculos dos atores em suas decisões de política externa frente às ameaças do desequilíbrio internacional. Sob uma visão securitária, as instituições e políticas públicas seriam os instrumentos para o Estado coordenar recursos para solucionar ameaças externas e essa coordenação dependeria da sua intensidade (TAYLOR, 2012; 2005). Dessa forma, em períodos de alterações internacionais é necessário que o Estado que queira subir na hierarquia industrial de armamentos tenha precondições estruturais internas e assuma riscos condizentes com sua posição de poder. Sobre a inovação tecnológica, é necessário destacar que ela sustenta a expansão econômica dos Estados . Na medida em que um país se mantém como 10 inovador, ele passa a ser dominante em setores econômicos e militares. O segundo setor possibilita a influência ou o domínio além de seu território e, caso tal expansão se consolide em hegemonia, este se mantém como um “centro econômicoinovador” (ARRIGHI, 2009, p. 25). Todavia, “os custos desta manutenção de superioridade aumentam gradativamente, fazendo com que outros (aqueles que absorveram as tecnologias a custos muito mais baixos que o país inovador e criaram suas bases produtivas a partir disso) despontem para desafiar sua posição”: é um resultado do processo de difusão (GILPIN, 1981, p. 162). Essa tendência de aquisição de capacidades de autonomia tecnológica já foi discutida por diversos autores (KRAUSE, 1992; BITZINGER, 2003) e um modelo simplificado desta “escada de indigenização” 11 é visto na Tabela 1. Tabela 1: A Escada de Produção da Autonomia Industrial Etapa Função 1. Revisão e serviço das armas importadas 2. Montagem licenciada das armas estrangeiras 3. Fabricação de componentes pouco complexos (opção de montagem final) 4. Crescimento no design e produção local de componentes, com montagem final no local 5. P&D e produção independentes Traduzido de: (KATZ, 1984) 10 Necessário destacar que, a despeito da importância dada à inovação tecnológica neste trabalho, devese ter em mente que a tecnologiaaltera a as dimensões e as visões sobre os fenômenos nacionais e internacionais, mas as assunções tradicionais sobre o Estado, sua atuação econômica e de poder persistem: com o advento de novas tecnologias, “aumentase a complexidade, mas não a essência da política” (SKOLNIKOFF, 1993, p. 7). Rejeitase assim o determinismo tecnológico sobre a estrutura política. 11 Há outros modelos com mais fases que diferenciam as formas de coprodução e codesenvolvimento, indicando uma crescente autonomia em P&D (KRAUSE, 1992). Além disso, poderiase argumentar que, devido à complexidade atual dos produtos de defesa, haveria escadas paralelas para um único sistema: um para as plataformas dos sistemas, outro para somente os armamentos, outro para os subsistemas eletrônicos, etc (BRAUER, 1998). O que a tabela não indica é o grau de recursos que se destina a cada fase: a variação de custos é a principal barreira econômica para um Estado alcançar a autarquia. Para ilustrar tal ideia, a figura 3 indica as diferentes fases: entre A (total dependência) e B (manutenção e montagem local de componentes importados) há custos iniciais grandes, devido à necessidade de construir fábricas e redes industriais para o setor. De B para C, há uma maturação do complexo industrial criado, na qual surgem esforços para o codesenvolvimento e produção licenciada de armas sofisticadas, enquanto se produz autonomamente sistemas de armamentos intermediários. No entanto, é na tentativa de alcançar D (autonomia de produção e de P&D) que surgem custos referentes ao desenvolvimento pleno de um sistema complexo, envolvendo um esforço estatal para a inovação (MAZZUCATO, 2014). Figura 3 – a Curva de Produção da Autonomia Fonte: Adaptado de (BITZINGER, 2003) Logo, há pontos definidores da inovação tecnológica para as Relações Internacionais. Primeiro, ela engendra a renovação do capitalismo e permite com que países caracterizados como líderes tecnológicos estejam no centro desta dinâmica. Todavia, como a difusão tecnológica é inevitável países que tinham o monopólio de tecnologias podem impor formas de controle somente para retardar seu espalhamento. Segundo, a inovação cria investimentos e tecnologias que não são neutras, mas distributivas em várias formas e setores. Desse modo, ela altera a distribuição de poder tanto dentro de uma sociedade quanto entre os Estados. Terceiro, o controle e 12 gerenciamento da inovação é essencial para construir uma base tecnológica, característico de Estados no primeiro escalão. Por fim, possuir esse domínio das capacidades de inovar é um fatorchave para desenvolver uma indústria de defesa autônoma, pois gerencia um conhecimento voltado para objetivos nacionais. No entanto, a escalada de custos pode se tornar uma barreira de difícil superação. 3. Contextualização de Mudanças Internacionais da Indústria de Defesa e Relação com Brasil Os elementos teóricos permitem uma análise tanto sistêmica quanto específica da indústria de defesa de um país. Nesta seção, procurase fazer uma contextualização geral da atual dinâmica de gastos e produções bélicas mundiais e observar possíveis mudanças no sistema oriundas de transformações nas indústrias de defesa dos principais países. Surgem nessa intenção dois grandes obstáculos: dados quantitativos que englobem completamente os conceitos teóricos supracitados e um grande número de variáveis a serem tomadas em conta. Dessa forma, a tentativa em ilustrar, por meio da tabela 2, as mudanças nos gastos militares e sua composição tecnológica ainda é insuficiente, porém evidencia algumas tendências significativas para a teoria empregada. Tabela 2: Mudanças nos Padrões de Produção Internacional de Armamentos Gastos Militares* Produção, Exportação e Inovação (Geral) 2 0 1 4 2 0 0 5 País 2014 ($ b.) Mudanç a 200514 (%) Número grandes empresas de armamentos Exportação Armamentos % global (2014) Exp. Alta tecnologi a 2013 ($ bi.)b Posição no Top 50 BINc Patentes Total 2013 (mil)d 1° 1° EUA 610 0.4 43 31 147,8 6° 571,6 2° 5° China ~216 167 Sem dados, provável 10 5 560 22° 825,1 3° 9° Rússia ~84, 5 97 15 27 8,6 14° 44,9 4° 8° Arábia Saudita 80,8 112 <1 0,28 0,9 5° 3° França 62,3 3.2 10a 5 112,9 9° 16,8 12 Entendese a criação (ou renovação) de conflitos políticos entre atores domésticos, no qual o Estado procura gerenciar ou solucionar: conduzir a inovação tecnológica, a despeito de ser desejável, traz custos econômicos a atores políticos com grande peso doméstico (TAYLOR, 2012). 6° 2° Reino Unido 60,5 5.5 9 a 4 24,2 10° 22,9 7° 10 ° Índia 50 39 3 <1 16,6 43 8 6° Alemanh a ~46, 5 0.8 4 a 5 193 3° 63,1 9° 4° Japão 45,8 3.7 4 <1 105 2° 328,4 10 ° 11 ° Coréia do Sul 36,7 34 4 <1 130,4 1° 204,5 11 ° 14 ° Brasil 31,7 41 1 <1 8,3 47° 30,8 12 ° 7° Itália 30,9 27 6a 3 29,7 24° 9,2 13 ° 13 ° Austrália 25,4 27 2 <1 4,5 13° 29,7 14 ° 22 ° EAU ~22, 8 135 <1 1,4 15 ° 15 ° Turquia 22,6 15 1 <1 2,1 35° 4,6 Total Top 15 1427 Total Global 1776 *Todos os dados desta coluna e do SIPRI Top 100 (as empresas de armamentos) oriundos das bases de dados de (SIPRI, 2014). a mais as empresas transeuropeias (4) b Dados do Banco Mundial: http://data.worldbank.org/indicator c Bloomberg Innovation Index: http://www.bloomberg.com/graphics/2015innovativecountries/ d World Intelletual Property Indicators: http://www.wipo.int/ipstats/en/wipi/ Primeiro, é necessário destacar a primazia estadunidense na produção de armamentos em todas as variáveis utilizadas, indicando que o atual contexto internacional ainda se situa em uma posição de hegemonia desde 1991. Não obstante, há claramente uma tentativa de ascensão de países como China, Rússia, Índia e Brasil, com grandes variações de gastos nas últimas décadas. Não é uma mudança homogênea, pois cada país se distingue não só pelo seu aumento em gastos militares, como também por terem números significativos de grandes empresas bélicas, posições relevantes em rankings de inovação ou um número expressivo de patentes totais. Logo, explicitase a formação de bases de defesa incompletas. Além disso, por meio da tabela 3, é possível contextualizar, mesmo que com um nível de abstração maior (pois se generaliza a produção dos setores)os atuais estados da produção industrial de meios navais e aéreos. Tabela 3: Estado Atual da Produção Naval e Aeroespacial Estaleiros Manufatura Aeroespacial* Posição País Produção em toneladas em 2014a Posiçã o Empresa Produçã o ($ bi.) em 2014b País 1° China 22.682 1° Boeing 86.6 EUA 2° Coreia do Sul 22.455 2° Airbus 78.7 UE 3° Japão 13.421 3° Lockheed Martin 45.4 EUA 4° Filipinas 1.878 4° United Technologies 33.1 EUA 5° Taiwan 600 5° Northrop Grumman 24.7 EUA 6° Alemanha 519 6° Raytheon 23.7 EUA 7° Vietnã 375 7° General Eletrics Aviation 21.9 EUA 8° Romênia 326 8° Finmeccanica 19.4 Itália 9° Itália 312 9° Safran 17.5 França 10° EUA 293 10° Rolls Royce 14.5 RU 11° Brasil 212 11° Honeywell 12.0 EUA * Considerado um sistema complexo, essa lista engloba as empresas que produzem todo ou uma parte do sistema: motor, foguetes, drones, helicópteros. a Dados de Shipbuilders Association of Japan: http://www.sajn.or.jp/e/statistics/Shipbuilding _Statistics_Mar2015e.pdf b Dados de Flight International Aerospace Top 100: http://www.pwc.co.uk/aerospacedefence/asse ts/2014aerospacetop100.pdf 12° BAE Systems 10.6 RU 13° L3 Communications 1.17 EUA 14° General Dynamics 10 EUA 15° Bombardier 9.4 Canadá 16° Textron 8.96 EUA 17° Mitsubishi 6.86 Japão 18° Precision Castparts 6.56 EUA 19° Embraer 6.24 Brasil 20° Dassault Aviation 6.1 França Tais indicações mostram que em uma região bastante específica do mundo (ChinaCoreia do SulJapão) localizase um concentrado núcleo de produção naval e que na produção aeroespacial há uma hegemonia estadunidense, com a participação significativa de outros países neste mercado. Importante destacar que, a despeito desta concentração e hegemonia, o Brasil consegue participar nesta competição. As tabelas colocadas nos ajudam a compreender que se ocorre uma mudança de acordo com o exposto pela teoria, ela é lenta e de longa duração. No entanto, com as alterações políticas nas últimas décadas, são variações significativas de análise para a indústria de defesa. Como indicado anteriormente, são a partir destes setores que se cria uma base produtiva para o desenvolvimento de um complexo de defesa que produz capacidades militares e promove o avanço de inovações. A visão por números ainda não é suficiente para contextualizar as recentes transformações no mercado internacional de armamentos, fazendo com que as recentes alterações no pósGuerra Fria abram espaço para duas visões distintas sobre as tendências nessa área: uma mais econômica e globalizada deste processo e outra que dá prioridade para a adaptação securitária dos países (DEVORE, 2013). O primeiro grupo advoga que a primazia estadunidense impossibilita qualquer autonomia por outros Estados, forçandoos a uma interdependência industrial, enquanto o segundo grupo coloca que o domínio estadunidense formaliza uma nova hierarquia na indústria de defesa consonante, com a distribuição de poder do sistema internacional. Isso não implica que não haja conteúdo político no primeiro grupo: estes consideram a unipolaridade estadunidense como constrangedor estrutural determinante de qualquer política externa de outro país, tornandoos dependentes do mercado, tecnologias e inovações dos EUA (NEUMAN, 2010). O fato da globalização ter efeitos sobre a indústria de defesa e as relações internacionais é evidente. Anteriormente à dissolução da União Soviética no fim da década de 1980, diversos países, como Brasil, África do Sul, Coreia do Sul, Taiwan, e Suécia, adotavam estratégias de desenvolvimento e autonomização de suas indústrias de defesa (BITZINGER, 2003). No entanto, retomando o conceito de “escada de produção”, os custos e a importação de tecnologias e sistemas para alcançar a autarquia se tornaram insustentáveis, principalmente no início dos anos 1990 , quando a demanda 13 por armamentos cai drasticamente. Este crescimento excepcional no custo e sofisticação de equipamentos, as grandes aquisições de empresas que ocorriam e a ascensão da importância das cadeias globais de valor foram as principais tendências 14 transformadoras da globalização no mercado de armamentos (DEVORE, 2013). Concomitante a tais processos, é necessário frisar a dissonância entre as intenções de autarquia neste setor e a situação industrial do país como um todo: não haviam uma infraestrutura tão avançada nas indústrias dos países para garantir essa próxima fase, algumas estavam inclusive em declínio (BRAUER, 1998). 13 Conhecendo a história da economia brasileira, tal afirmação não é nova: a substituição de importações diminuía a dependência de um setor de produtos por uma nova gama de produtos, criando assim novas contradições de trabalho e capital na sociedade (TAVARES, 1972). Logo, as transformações que ocorrem no setor industrial da defesa estão fortemente relacionadas com o atual estágio de desenvolvimento da economia do país. 14 Deve ser entendido como um conjunto de atividades realizadas em diferentes países, com o objetivo de construir um sistema complexo com mais eficiência e menor custos. No caso da indústria de defesa, um exemplo seria um avião: compra de componentes básicos em diversos países, montagem inicial das partes em países industrializados e montagem final no país com altas capacidades tecnológicas (BROOKS, 2005). No entanto, não só de constrangimentos externos, mas também por objetivos nacionais e reações internas que se formula uma ação de um Estado, tanto que é percebida a adaptação da política de indústria de defesa de diversos países, presentes ou não na tabela 2, colocada anteriormente. As percepções de novas ameaças por parte de Israel fizeram com que o país mantivesse sua autonomia produtiva e continuasse investindo em capacitações próprias (TAYLOR, 2012). Países como África do Sul consolidaram suas empresas de defesa e as internacionalizaram, como forma de manter um grande financiamento de P&D em seus principais projetos (DEVORE, 2013). O que se percebe em tais países também se aplica à Índia, Rússia e, principalmente, China, que, dentro de sua estratégia de mecanização e informatização de suas Forças Armadas, vem transformando suas linhas de produção para patamares tecnologicamente avançados (ÖZKAN, 2008). A modernização militar das capacidades balísticas, navaise aeronáuticas chinesas teve um grande salto de produtividade e conteúdo tecnológico próprio nas últimas décadas (MEDEIROS et al., 2005). Tendo em mente que o Sistema Internacional aparenta estar, nos termos de Gilpin, em um estado de equilíbrio homeostático, cabe considerar as variáveis internas da formulação da ação brasileira no cenário internacional. Percebese que internamente há um crescente debate sobre as opções de desenvolvimento da Base Industrial de Defesa (BID) brasileira (DAGNINO, 2010), proporcionando um novo entendimento da concepção deste crescente complexo militarindustrialacadêmico. Além disso, com a formulação de documentos legais que explicitem uma estratégia sobre as formas de desenvolvimento da defesa brasileira (BRASIL, 2003; 2005; 2008; 2012), já há as intenções de amplamente utilizar a absorção de tecnologia e de questionar o fraco grau de recursos dados ao Ministério da Defesa no referente a investimentos em P&D (SAINTPIERRE & ZAGUE, 2014). Também é uma nova etapa de embate entre atores políticos que optam ou pela modernização das Forças Armadas através da aquisição externa de equipamentos ou pela revitalização da indústria de defesa através de uma nova relação civilmilitar (DAGNINO, 2009). No entanto, há ainda diversos obstáculos a serem solucionados, como a taxa de crescimento negativa no saldo de comércio exterior, resultante de sua desestruturalização nos anos 1990 (FERREIRA & SARTI, 2011). Essa tendência é ao mesmo tempo um forte inibidor de inserção de empresas no exterior, como também uma motivação principal para reestruturar a indústria de defesa brasileira. Cabe destacar também que a balança de preocupações brasileiras tende fortemente a questões domésticas do que ameaças externas, “dificultando incentivos para inovações tecnológicas” e assim retardando qualquer alteração estrutural profunda (TAYLOR, 2012, p. 148). Aumentar a cadeia produtiva nacional, requerindo uma consolidação de um sistema nacional de inovação no setor de defesa, é um elemento fundamental para desencadear um maior desenvolvimento nas capacidades do país. Não obstante, a falta de um amplo planejamento e gestão de aquisições e produções estratégicas colocase como um sério obstáculo para a relação indústriauniversidadegoverno e, consequentemente, para a inovação tecnológica no setor de defesa (BRUSTOLIN, 2015). Como indicado na seção anterior, este é um fator de grande impacto na ação de política externa de um Estado. Será uma adaptação que requirirá um modelo diferente do adotado no século passado. Anteriormente, se perseguia uma industrialização da área liderada pelas exportações como objetivo de alcançar a autarquia (BITZINGER, 2003). Agora, embora se indique uma nova “substituição de importações” da indústria brasileira, sua transformação vai além. A internacionalização de cadeiais de valor da EMBRAER, a ênfase no caráter dual da produção de armamentos (não só no seu uso, mas também na participação de empresas privadas civis) e os acordos estratégicos, exigindo medidas de compensação (offsets) como forma de promover a industrialização local, são novas características no panorama brasileiro (GOUVEA, 2015). Dessa forma, a despeito de uma estrutura internacional que constrange maiores desenvolvimentos na produção de defesa, é possível afirmar que o Brasil possui padrões e instrumentos de transformação interna, no sentido de alavancar mais recursos e esforços no desenvolvimento tecnológico da BID. A cooperação envolvendo transferência de tecnlogia é sempre mencionada, no entanto, deve ser contextualizada dentro de uma transferência envolvendo sistemas de sistemas , e estes de acordo com o 15 15 Exemplos deste conceito são uma aeronave de última geração ou um navio com altas capacidades de detecção. Basicamente, é um produto envolvendo diversos outros equipamentos e capacidades de diversificada intensidade tecnológica. ambiente de cada Força, pois assim possibilita o contínuo aperfeiçoamento e inovação em cada setor das Forças Armadas (SILVA & PROENÇA JÚNIOR, 2014). A falta de sincronização e relacionamento com a atual estrutura econômicotecnológica brasileira (universidades, laboratórios de P&D) em torno do programa FX2 (PERON, 2011), que culminou na compra dos aviões Grippen, refletem estas considerações estratégicas. Não obstante, indicam, em meio a diversos percalços referentes ao planejamento e à política econômica interna, um progressivo rumo de objetivos nacionais . As raras relações de 16 cooperação envolverão sempre estas considerações de ganhos relativos, impedindo sempre um alcance ideal de objetivos. Estas dinâmicas em torno de uma consolidação da BID conscientizam a política externa de seu país de novas potencialidades. A despeito da opção por políticas nãoconflitativas, devido ao fato da longa consolidação da diplomacia sobre o fraco poder militar brasileiro (ALSINA JR., 2009), o elemento de barganha e negociação internacional no que refere ao fortalecimento da indústria e tecnologia de defesa toma novas formas, mesmo que complementares às ações principais de estruturação da BID. Com essas novas potencialidades, o ambiente de teste das influências da indústria de defesa brasileira seria o seu contorno estratégico, a América do Sul, pois indicaria um avanço em termos da capacidade de força em levar adiante o projeto de integração 17 (BERTONHA, 2010). Com uma primazia brasileira em termos de capacidades materiais na região, indicando uma distribuição bastante unipolar, as coesões sociais internas 18 (ou sua falta) dos países sulamericanos podem levar a consistentes balanceamentos por parte dos vizinhos (SCHENONI, 2015). Dessa forma, as novas dinâmicas criadas pelo fortalecimento da BID brasileira abrem tanto novas problemáticas quanto novas possibilidades para sua atuação regional. A despeito da Indústria de Defesa ser somente 16 Está uma grande preocupação no fato da eficiência na conversão do Poder Potencial em Efetivo, visto que, no caso brasileiro, a sua conversão é entendida como pouco eficiente (CORTEZ, FERREIRA & BRICK, 2014). Outra grande preocupação é a manutenção de um nível constante no orçamento de defesa, possibilitandouma maior previsibilidade e consistência na implementação dos programas de aquisição (MATOS; GOUVEA, 2015) 17 Não no sentido de fomentar guerras, mas sim em exercer a dissuasão com mais eficácia em momentos de crises regionais. A indicação de força em conjunto com a capacidade de mediação legitima a liderança brasileira no âmbito da integração regional. 18 Em termos do realismo neoclássico apresentado, seriam as instituições políticas e o consenso das elites (TALIAFERRO, LOBELL & RIPSMAN, 2009). um dos componentes do Poder Potencial, ela se destaca ao possibilitar um sustentáculo aos desafios regionais e à conversão de Poder Real brasileiro. 4. Considerações Finais Este trabalho estabeleceu conceitos teóricos específicos para a indústria de defesa a partir de uma concepção realista. Utilizar como variável central a indústria de defesa com a teorização já conhecida das teorias de relações internacionais é uma forma de compreender sua importância para a área. Este foco permite análises e prospecções que relacionem níveis domésticos e internacionais e com conceitos fundamentais do realismo, como poder (potencial), política externa (planejamento estratégico e pactos políticos) e dinâmicas internacionais de mudança (difusão, inovação e potencialidades de alteração estrutural). Utilizando dados e discussões que englobam as variáveis teóricas empregadas, podese afirmar que há ainda uma estabilidade no sistema internacional e que a precondição fundamental para uma mudança, que seria a disjunção entre capacidades internas de atores emergentes e o equilíbrio de poder, ainda não está sendo colocada por nenhum país. Como o desenvolvimento de um complexo militarindustrialacadêmico é um fator de fundamental importância para influir neste tipo de movimento internacional, este pode ser entendido dentro desta teoria como uma “variável de controle”. Ou seja, compreendendo as transformações internacionais e internas nas indústrias de defesa dos diversos países, captase uma das faces da atual dinâmica de poder nas relações internacionais. A aparente manutenção de status quo internacional constrange, porém não impede a transformação estrutural interna de esforços sobre o desenvolvimento de uma indústria de defesa brasileira cada vez mais robusta. Questões econômicas e dificuldades orçamentárias tem a sua importância no tema, mas também são fundamentais o planejamento e a formulação de políticas referentes aos assuntos da defesa nacional. Suas intenções de aumentar as capacidades dissuasórias estão evoluindo a ponto de serem fundamentais nas formulações de política externa e de estratégia nacional. Os programas de aquisição de sistemas complexos, como o recente caso do Gripen, são um exemplo desta nova dinâmica. Desse modo, é possível concluir que, em termos teóricos apresentados, essa seria uma tendência que vem se fortalecendo nos últimos anos. 5. Bibliografia ALSINA JR., J. P. S. Política Externa e Poder Militar no Brasil: Universos Paralelos. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. ARRIGHI, G. O Longo Século XXI. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. ART, R. J. American foreign policy and the fungibility of force. Security Studies, v. 5, 1996. 742. BECKLEY, M. Economic Development and Military Effectiveness. Journal of Strategic Studies v. 33, 2010. 4379. BERTONHA, J. F. Brasil: uma potência militar emergente? O problema do uso da força nas Relações Internacionais do Brasil no século 21. Revista Brasileira de Política Internacional v. 53 n. 2, 2010. 107124. BIDDLE, S. Military Power: explaining victory and defeat in modern battle. Princeton: Princeton University Press, 2004. BITZINGER, R. A. Towards a Brave New Arms Industry? Abingdon: Routledge, 2003. BRASIL. 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