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A cultura segundo Geertz e o homem - Jessé

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1 
 
A cultura segundo Geertz e o homem* 
Jessé** 
 
Há momentos em que se discute a importância das perguntas e das respostas. 
Os defensores das resoluções objetivas sentem pavor de não encontrar as sentenças 
definitivas de tudo ao redor da humanidade e nela mesma, já os partidários da 
incógnita acham um absurdo a vida sem a questão, a dúvida e a curiosidade. Clifford 
Geertz em seu texto Transição para a Humanidade não tem o objetivo de ajudar e 
muito menos solucionar esse impasse, porém enriquece outro, que antecede a este. 
“Como ocorreu a transição do macaco para o homem?” 
 
Antes de compreender o processo evolutivo que deu origem ao homem, nos 
deparamos com a necessidade de definir o ser humano e o animal. Um dos critérios 
utilizados para essa distinção é a cultura, e certa linha de raciocínio admite que 
somente o homem produz cultura e os outros animais não apresentam essa 
capacidade; tal ideia é defendida por Geertz. Mas ao analisarmos a ação animal e o 
conceito de cultura na visão geral e popular de uma forma mais criteriosa, veremos 
que utilizar a cultura como delineador da ideia de ser humano talvez seja superficial. 
 
A grande maioria das pessoas define cultura como tudo que o homem realiza e 
transmite às futuras gerações como, linguagem, arte, conhecimento e comportamento; 
assim cultura é realização. A extensão dessa resumida definição feita de forma 
espontânea do termo cultura, engloba o próprio existir do humano, pois conceber o 
estar no mundo sem nenhuma realização, em um total isolamento, implica em admitir 
a possibilidade da ausência de conexão entre o ser existente e o espaço de existência; 
o que não parece sensato. Expressar-me-ei em outros termos. Uma mulher dá a luz a 
um bebê com merocrania¹ que sobrevive por dois anos². Durante esse tempo, mesmo 
sem desenvolver a linguagem, a arte e o conhecimento, tal indivíduo não existiu 
isoladamente e produziu cultura se tomarmos como base esse conceito comum, pois 
ele realizou ao tornar efetivo seu existir no momento que levou sua mãe a se dedicar 
por amor a um ser de sua própria espécie, além de promover debates na sociedade 
envolvendo, filosofia, religião e as leis civis; sua passagem pelo mundo não foi 
insignificante visto que as gerações futuras terão acesso à repercussão do fenômeno 
que foi sua vida. 
 
Os animais, assim como os seres humanos, estão no mundo e estabelecem 
vínculos e produzem sobre o ambiente. Eles vão em busca de seu alimento, se 
reproduzem, são capazes de exterminar uma outra espécie e mudarem, mesmo que 
sutilmente, a vegetação de uma região. É evidente que eles detêm a habilidade de 
fazer no mundo e que transmitem por via genética essa habilidade aos seus 
sucessores, e tal capacidade de agir e perpetuar essa ação, é atributo suficiente para 
admitir o animal como um ser cultural, tendo como base esse conceito raso de cultura. 
 
Geertz atribui apenas ao homem a cultura e o aparecimento gradual e crescente, 
no sentido qualitativo, desta nos austhralopithecus e nas espécies seguintes, fez o 
homem de hoje somaticamente no decorrer de milhões de anos. Mas de acordo com 
esse conceito de cultura, o qual a entende como a capacidade de produzir e transmitir 
2 
 
a outrem o potencial de reproduzir o anteriormente produzido, a cultural não surgi, 
visto que é inerente aos seres vivos, mas se especializa, pois se apresenta no animal 
e no homem de forma diferente. Desse modo, a cultura ocorre entre os seres vivos 
com variações, e a humana é a de grau mais elevado tendo em vista seus resultados 
e complexidade. 
 
Admitindo o exposto até o momento, para ter a cultura como critério de 
diferenciação entre o homo sapiens sapiens e as demais espécies, faz-se necessário 
um trabalho de categorização da ideia de cultura visando suas diversas formas de 
manifestação no reino animal. Porém, outra possibilidade seria uma especificação 
mais detalhada da ideia de cultura tendo em vista somente a prática humana. Clifford 
Geertz opta pela segunda opção ao dizer: “que o homem é um animal amarrado a 
teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias 
e sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas 
como uma ciência interpretativa, à procura do significado.”³ e com tal posicionamento 
sua argumentação no texto Transição para a Humanidade ganha bases sólidas pelo 
fato de sua ideia de cultura ter uma característica mais precisa e valorizar o aspecto 
linguístico além do fazer-no-mundo. 
 
Em Geertz a cultura possibilita a circunscrição do ser humano, pois ela o fez e o 
atualiza, e esse é seu comentário na grande questão “Como ocorreu a transição do 
macaco para o homem?”. E retornando à questão entre a pergunta e resposta com 
base nas implicações da cultura sobre o homem, a ideia de homem necessitará de ser 
sempre objeto de investigações por conta da transformação causada nele pelo reflexo 
da produção cultural. O homem de hoje provavelmente não será o de amanhã 
integralmente e devemos isso à cultura, assim as respostas passam e as perguntas 
parecem ficar. 
 
 
* Uma resenha do texto Transição para a Humanidade; de Clifford Geertz. Para 
acesso ao texto: http://www.arq.ufsc.br/urbanismo5/artigos/artigos_gc.pdf 
** Graduando em Psicologia pela UNIFRAN. 
¹Merocrania – Caso raro de subdesenvolvimento encefálico no qual se desenvolve 
apenas pequenos resquícios de cérebro que são revestidos por uma membrana que 
protege contra infecções; expectativa de vida de até 2 anos. 
² Marcela de Jesus, portadora de merocrania, sobreviveu até 1 ano e 8 meses. 
³ GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas. Zahar. Rio de Janeiro, 1973.

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