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! ',t, 1 • t - - TERGIQ-SAMP.AIO FERRAZJR.__ .,f� FUNÇAQ SOCIAL DA DOGMÁTICA JURÍDICA L.Max d1mona Copyrlgh1 Tcrçlo Sampaio Ferraz Jr. Copyright da presente edição: Ec!ilora Max l.imonad Moisés Limonad Assessoria Editorial: Georghio Tomelin Capa: Carlos Clémen Editora Max l.imonad fone: (011) 3873-1615 1998 f . ' ' . 'li Para Theóphilo Cavalcanti Filho (1921 - 1978) homenagem póstuma 24 TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. tuta programática das aplicações possíveis das informáções por ela obtidas. Tais questões são propostas nos capítulos que se seguem em referência à Dogmática Jurídica, mas Para apresentá-las, com um mínimo de realidade, pareceu-nos importante recorrer, inicialmente, a experiência histórica do próprio pensamento jurídico. Para tanto, será preciso Ver preliminarmente, de que modo este pensamento se entende ; si próprio como teoria, o que nos obrigará a examinar a sua relação com a própria ciência em cada época e o papel desempenhado por ela na própria sociedade. CAPÍTULO! AS ORIGENS DO PENSAMENTO DOGMÁTICO SUMÁRIO: L A jurisprudência romana; 2. A dogmaticidade na Idade Média; 3. A teoria jurídica na Era Modçma; 4. A positivação do Direito a partir do século XIX; 5. A Dogmática na atuaiiclade. Um exame da função social da Dogmática Jurídica, nos dias de hoje, exige uma visão do panorama histórico com a finalidade de identificar tanto o papel por ela desempenhado na vida social, quanto o modo pelo qual este pensamento dogmático gradativamente se desenvolveu em . nossa cultura. T�I panorama, na medida em que revela como· .. ( 1 ª _ J2ogmátka Jurldica conseguiu afinnarr-se e justifi�em . , · termos teóncos, deli.!!!ita o objeto desta investig�ao: os · p'róprios argumentos qUe estão por trás dos esforços ds: . justificação, por parte da doutrina. Por isso mesmo, antes de uma enumeração das · teorias sõbre a Dogmática, o que realmente nos interessa são as teorizações jurídicas que, com o tempo, pouco a pouco passaram a constituir o que atualmente chãinamos de Dogmática Jurídica. - 1. A júrisprudência romana A jurisprudência romana se desenvolveu numa ordem jurídica que, na prática, correspondia apenas a um quadro TER CIO SAMPAIO FERRAZ JR. - -geral. A !e isla ão restringia-se, por seu lado, tanto na épocadaJ�epública. quanto na do Principa o, a regulação de matér}.as muito especiais. Assim, o Direito Pretoriano não era algocompleto, uma vez que, de modo semelhante à eqüidade no J?ireito anglo-saxão, representava apenas uma forma suple-.tiva da ordem jurídica vigente: era criado adjuvandi vels'upplendi vel corrigendi juris civilis gratia. Além disso, nãoera apresentado na forma de proposições jurídicas materiais.O e�it� do pretor, no qual eJe estava contido, por exemplo,· cons1st1,a em es9uemas de ação para determinados fatos-tipose em_ forf;lulas para a condução de processos. Por isso, nãoapenas faltavam certas regras ( como as de preenchimento decontratos) mas, quando elas apareciam sob a forma de fórmu]as (no caso de contratos de compra e ·venda), estas freqüente�ente eram apenas molduras que deveriam, então, serpreenchidas para uma aplicação prática. Com isto, a tarefa decçmstituír uma espé�ie de conjunto teórico capaz de preenchere�tes claros não foi possível de ser executada no período cláss1co, mesmo porque, a esta altura, a jurisprudência 'era exercida por jurados, em geral leigos. Apenas com o desenvolvimento do Concilium imperial, transformado na mais alta instância judíca�te �o .�pério, é que apareceu esta possibilidade.de �m! .. teona Juríchca, com ·o sur�mento de juízes profissionais. A influência dos juristas manifestou-se de outro 1:1odo, sob a forma do� responsa, que, mais tarde, aparecenam em um� forma escrifa, em fermos de uma informação sob�e determinadas questões jurídicas levadas a�pÕrUIJla das partes, sendo apresentadas-no caso de um CQ[!flitod� Os �esponsa são, por assim dizer, o início d,: uma teona 1urídica entre os romanos. A princípib, ·elesargumentam pouco, no sentido de um desenvolvimento con- , catenado e lógico de premissas e conclusões, limitando-se a FUNÇÃO SOCIAL DA OOGMÁTlCA JUH ÍDICA 27 apoiar-se em personalidades de reconhecido mérito na socie dade romana. O desenvolvimento de principia e de reguk!!. aparece mais tar<fu, qa medii:la em que o acúmulo dos responsa conduz ao s�u ent�I�çamento, à escolha das pre missas e ao fortalecimento das opiniões por meio de justifica ções. Daí, conseqüentemente, o recurso a instrumentos técni cos, em geral aprendidos dos gregos, que contribuem, então, com sua retórica, sua gramática, sua filosofia etc.20 Embora esta influência grega seja bastante discutível, ainda que defendida por autores de renome como Stroux; ela nos permite, ao menos, en�aiar uma descrição deste modo d :_ teorizar o Direito, c�cterístico dos romanos. Trata-se de uma maneirade pensar que se· pod.e denominar de jurisQru dencial. A palavra jurisprudência liga-se, neste sentido, á�e a filosofia grega chamava de fronesis. Tal palavra era entendida, entre os gregos, como ·uma forma de saber. Fronesis, uma espécie de sabedoria e capa.cidade, na verdade, cons1st1a numa virtude dese�lvida pelo pomem prudente, ca2az então de sopesar soluçõ�, apreciar situações e �m_ar decisões. Para que a fronesi se exercesse, era necessário o desenvolvimento de uma arte no trato e no confronto de opi niões, proposições e idéias que, contrapondo-se. permitiam üma expliiiação das situações. Esta arte ou disciplina corres ponde aproximadamente àquITo que Aristóteles chamava de dialética. Qialéticos, segundo o filósofo, eram discursos 20; Ver Helmut Coing, Grwuh.uege der Rechtsphilosophie, Berlin, !969, pág. 299. Esta influência foi acentuada por Joharmes Stroux, Riimische Rechtswissenschaft und Rhetorik, Potsdam, 1949, págs. 94 e ss. Ver também Paul Koschaker, Europa und das romische Recht, München e Berlin, !966. pág. 167. Ver ainda Sílvio A. B. Meíra, História e Fomes do Direito Romano, São Paulo, 1966· Alexandre Corrêa-Caetano Sciascía, Manual de Direito Romano, 2• ed., São ·Paulo, 1953; Wolfgang Kunkel, An lntroduction to Roma11 Legal. andConstitutional History, trad. de J. M. Kelly, Oxford, 1975, págs. 95 e ss.; M1chel Vílley, O Direito Romano, trad. de Maria Helena Nogueira, Lisboa, 1973, págs. 59 e ss. TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. somente verbais, mas suficientes para fundar um diálogo coe rente -. o discurso comum . �o� efeito, a dialé�ica, a arte das� contradições, tinhapor ut1hdade o exercício escolar da palavra, oferecendo um �étodo eficiente de argumei:itai_ão. Ela nos ensinava a discu tir, representando a possibilidade de se chegar aos primeiros princípios da ciência. Partindo de premissas prová�eis que representavam a opinião da maioria dos sábios através de contradições sucessivas, ela chegava aos pnnc1p1os _cujo fun damento, n? ��nto, era inevitavelmente precário. Estec�áter �a d1alet1ca, que tomava possível confrontar as opi- . moes � mstaura: _entre el�. um diálogo, correspondia a um proc�dt�ento cnt1co. A �ítica não era, apenas, uma espécie da, �1ale�ca, mas uma das�uas formas mais importantes/' A cnt1ca nao era be':1 uma ciência, com um objeto próprio, mas u!:1a arte geral, cuJa posse podia ser atribuída a qualquer pes s� tm��rtància desta crítica, feita mediante a prova da tese �oni_:ana, e�ava no fortalecimento das opiniões pela e1;ad1caçao progressiva das eguivocidades. No fundo, tra- · tava-se, pois, de um meio para se resolverem aporias, para se enfr�ntar a ambigüidade natural da linguagem e para buscar a alte�1d��e e a identidade, levantando-se premissas e opiniões.A d1alettca, em suma, era uma es ' ie de ló ica 'da verd e procura a. . _o pensamento prudencial desenvolvido n9s responsa do& JUrtStas romaQOS tinha algo de semelhante com as técni cas d!alétic'.15.Se ç verdade que não é fácil comprovar uma relaçao estnta entre ambos, ta,.mbém não se pode negar que os textos mostram, exatamente, discussões de opiniões e busca 21 .. ver Aristóteles, Refutações Sofísticas, J 72 a-21. Usamos a trad de J Tricot Puns, 1950. · · ' 22 Cf p· · · ,erre Aubenque, Le Probleme de l'Être chez Aristote Paris 1962 págs. 71 e ss. Do mesmo autor, LA Prudence chez Aristote, Paris, 1962. ' ' 1 I' i 1 1 t FUNÇÃO SOCIAL DA DOGMÁTICA JUR(DICA 29 de soluções semelhantes à argumentação dialética. Por exem plo: num texto de Juliano, no qual se discutia a aquisição por usucapião do filho de uma .eSfrava roubada, nota-se que a questão é apresentada: inicialmente, sob a forma de um pro: blema.23 Segu�-se uma série de soluções referentes a �!11 conjunto de alternativas para as q�a!� se busca� pontos deapoio, tendo em vista uma argumentação. Ta.is pontos de apoio são retirados de outros tex�os já comprovadamente aceitos e reconhecidos, de tal forma que o jurista coloca :1:1m problema e trata, em s�ida: de encontrar argumei:itos. Ele vê-se então levado a não ordenar o caso ou os casos dentrQ. de u� siste�a prévio:-exercendo seu juízo P.or consideraçõesínêdidas e vinculadas; pressupõe, é �erdade, ym nexo entre os éasos e as alternativas, mas nem-busca µm sistema global, nem parte da sua pressuposiçio. Dá, as�im, um tratamento ao seu tema, que nos lembra o re<eonning from case: to case anglo-saxão, mas que com ele não se confunde, pois seu empenho não é, tomar casos já decididos em toda sua exten são, porém abstrair o caso e am liá-lo de tal maneira u(J possa obter a partir dele uma regra geral. Este modo de teon . zar, característico do pensamento jurisprudencial romano, desenvolveu-se propriamente a partir de uma experiência própria, ditada pelo trato com os conflitos e com a necess.i- dade de se apresentar soluções. Embora tenha relações com a_ dialétic.a e a retórica gregas, estas não devem esconder este áto a experiência autóctone romana. O uso da técnica dialética no desenvolvimento do �ensamento prudenc�l cond�ziu · os romanos . a um saberconsiderado de na!ureza prát!Ç�- No desenvolvimento deste saber, os romànos sem dúvida produziram definições 23. o exemplo é de Theodor Víehweg, Topik und Jurisprudenz, 5' ed., Milnchen, 1974, págs. 46 e ss. Outros exemplos em Fritz Schulz, Geschic hte der romischen Rechtswissenschaft, 1961. ' . TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. duradouras e critérios distintivos para as diferentes situações . em que se manifestavam os conflitos jurídicos e sua praxis. Daí o .aparecimento de técnicas dicotôn:iicas�de construção de_C?nce1tos.1 quase sempre introduzidas sob � forma de par(Z_s, co,mo, por exemplo, actio in rem e actio in personam, res corporales e incorporales, ius publicum e ius privatum. técnica esta mais tarde denominada divisio.a qual não foi um �rod�to,. pura e simplesmente, da sua praxis, mas teve algum.am�ncta dos modelos gregos como os modelos produzido:ij pela Gramática, 2< Embora a P..!axis fosse t1p1camente romana, parece que o� juristas q�e, pouco a pouco, se propuseram a teorizar em cima desta. pr�is provave�mente aeelaram para osm,?delos gregos.. A�s1m, a Gramática grega conhecia, já pelo �o 100 �-C., uma distinção dos no�"!l��t�m gêneros e espécies, motivo pelo qual se pode estabelecer uma analogia com a distinção jurídica �ntre personae (nomina propria), e re§. (appellativa). · . - -- . - · O pen�mento prudencial desenvolvido primeira ment� através dos re_sponsa atuava, tecnicamente, como uma esp�cte �e mediação entre a relativamente parca legislação e � n�ess1dade de se construir regras intermédias q11� poss1bihtassem a solução dos conflitos concretos. Mas, além disso, se perguntarmos qu� era a função social deste modo de pensar e da teoria que daí decorria, obteremos interessante; re�ados. Na ".erdade, sob a proteção de ,um domínio poht1camente estabilizado é .9.ue se dêsenvolveu o poder de argumentar e de provar. Numa: sociedade como a romana, com suficiente diferenciação soçial, foi possível o desenvol- 24. �er St�oux, pág. 94. Sobre estas técnicas ver Heinrich Lausberg, Handbuch der lueranschen Rhetorik, München, 1960, 2 vols., vol. 1 em diversas passagens Ver também Wolfgang Fikemscher, Methoden des Rechts in Vergleichende; Darstcllung, vol. I, Tübingen. 1975, págs. 355 e ss. FUNÇÃO SOCIAL DA DOGMÁTICA JURÍDICA :1 1 vimento desse estilo de pensamento ligado à figura do homem prudente. Graças a ela, as pretensões normativas qu,e, em sociedades primitivas têm uq1a imediatidade expressiya (isto é, ou estamos no Direitf!_i '<$µ estamos excluídos social mente), perdem este caráter, ;relacionando-se claramente a regras e valores aceitos por todos, na expectativa de continui di<iedãvida;;ial. Com isto, são criadas possibilidades para que o chamado comportamento desviante também tenha seu lugar, permitindo-se ao delinqüente uma argumentação com os mesmos valores e regras no intuito de neutralizar, simboli camente, seu próprio compOíta_tnento.25 Or,a. é este pr2�edi mênto que corictuz à espedalik�� juízos e tribunais como estruturas diferenrjadas na pólis, induzindo a uma verba------ ---· ·- -Jização e uma . reflexão da própria imagem da sociedade romãflãquese1uTgaasi mesma através d�rocessos jurídi cos. Nestes processos, o júiz, que nem é um mágico, nem um guarda de rituais, toma-se alguém que decide e responde por sua decisão enquanto juiz. Para que isto fosse possível, por sua vez, o Direito teria de aJcaUQ<!f, como de fato pouco a pouco alcançou, um nível de abstração maior, tomando-s�JJJ!L regulativo abstrato capaz de acolher indagações a respeito �· divergentes pretensões jurídicas. Ou seja: o Direito assumiu a forma de um pro,grama decisório no qu_al_ eram formula� ascondições para uma decisão correta. E Justamente aqm que surge o pensamento prudencial com suas regras, princípios, figuras retóricas, meios de interpretação, instrumentos de , e:rs"uasão etc. Socialme_nt�, ele se .se�ara �o �róprio Direito epermite, então, que o Dtretto em s1 nao se1a visto sob a fo!)lla de luta, como uma espécie de guerra entre o bem e o maL mas como uma ordem reguladora dotada de validade para t�. em nome da qual se discute e se argumenta. Em outras 25. Çf. Niklas Luhmann, Rechtssoziologie, 2 vols., Reinbeck bei Hamburg, 1972, vol.l. págs. 145 e ss. %71 r r irW 32 TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. pa�avras, as figuras construtivas·-da· o2i'�ática -nascente dt!xam de ser parte imanente da ordem jurídica para serem m�diação entre esta e as decisões concretas.26 O desenvolvimento de um pensamento�al.como teoria do Qirci.t9 representa, assilií,umcerto distancia111ento 'dos procedimen�o��cisórios concretos �m·r�laçãoà ordem normativa capaz de possibilitar uma importante distinção que marca, peculiarmente, a sociedade romana. Referimo-nos à djstincãQ entre as questões de Direito e asque�tões de fato_,, ou seja: o desenvolvimen�da prudênciapermite que não se veja o Direito como assentado concret!l-mente nos próprios eventos, mas em normas tomadas comocri��rio para posterior julgamento à vista dos fatos, Isto signi �ca que a interpretação do Direito, alvo máximo da Dogmática em desenvolvimento, destaca-se do caso concreto, constituindo uma discussão por si com cntenos próprios,a�strat�s se compa,pdos com a experiência das disputas do. d1i1-a-dia. Em outras palavras, o estabelecimento de fatosrelevantes para o Direito passa a ser uma questão'jurídica .enão um problema imanente aos fatos. Só .com o desenvolvime!!_to da prudência a expressão "aplicação do D1re1to" tomáentão um sentido autêntico. Além disso, também há neste papel mediador umafun�ão política ue não pode ser esquecida. A sociedaderomana J era uma sociedade diferencia a:· templos, igrejasou claustros, . sacerdotes ,e sábios, que já não se ocupamapenas com a interpretação religiosa dosacontecimentos, masvolta�-se para �terpretação da própria religião. Aparecem, 1gual?1ente, os mercados que permitem a eqüà!izaçãodas necessidades econômicas entre não-parentes. Já o domínio político se localiza em centros de administração. o 26. Luhmann, ºI'· cit., págs. 179, 181. Ver também Kunkel, op. cit., págs, 84 e ss. 1 1· 1 FUNÇÃO SOCIAL DA DOGMÁTICA JURfmCA 33 primado do c��cilitico nà fuílciona)jz;lção dasoé�ed��e, é um dado importante, sobretudo para a estrutura Jund1ca. Afinal o estabelecimento da pólfs toma-se ligado a transfor maçõe� r�levantes, surgindox--tf�a fórmula que domina o pensamento jus-eolítiq]: póli� ou . s�� ieda�e 1?9Iít_ica, �ivit�s ou societas civiliJ, o que conduz à ideia de mstltucionahzaçao d; Direito em relação aos homens enquanto homens.- o hO"mem enquanto ser livre. Uma segunda institudonalização Ôcorre. paralelamente à forma do domínio: ordem hierá�q.uica de prestígio que at�avessa tanto as diferenças pohticas, quanto as religiosas, as econômicas, as mUitares etc., condu zindo a mecanismos secundários, como �í�us, modos distint9s de comunicação, lin�ageÍ:n própria etc. A estas diferenças hierárquicas seguem-se, ainda, d�ferenças nos, papéis que também são hierarquizados, com norma.:' e liber dádes diferentes. Correspondentemente temos, ent_ao, estru turas ass1mêtrícas de comunicação: ordens de cima · e obediências de baixo. Por último, temos, então, fórmulas decisórias de validade permànente gue não ficam presas ao ocàsional, mas aspiram âuma validade intempora!,;7 O Direito, diante desta diferenciação funcional, ainda difusa, apóia-se na institucionalização de certas possibi lidades de escolha de uma forma de Jjberdade.Jal escolha se refere à execução de procedimentos decisórios jurídicos e à consistênciã:lridependenwda situação, de uma hierarquia burocrática que decide e impõe defisões sem a necessidade qs se recorrer ª. relações �e ?'.11"entesco, como as que_ P:edo mirram em sociedades pnmit1vas. Ele se toma, assim, .um complexo de expei..:tativas normativas qu_e. se roapífest� através de jurisdiçao e que tem de ser legitimado. E aqm, 27. Cf. Max Weber, Wirtschaft und Gesellschaft, Tübingen, 1976, págs. 464 e ss. TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. justamente, -que surge a jurisprudência como ,uma mediação entre a autoridade e a decísã<�· concreta. : A autoridade, como fundamento legitimante da rela- · ção de obediência, é uma descoberta tipicamente romana.28 Participar da poiítica era, para o romano, preservar a funda ção da cidade de Roma. Os romanos fundaram somente uma única cidade, que foi sendo ampliada. A fundação de Roma é o fato originário de sua cultura, motivo. pelo qual a religiãp romana tem um sentido que a própria palavra revela: religião vem de re-lígare, ou seja, estar ligado ao passado. estar a ele obrigado no sentido não de cÕnservá-lo estaticamente, mas de mantê-lo · sempre presente, isto é.., de aumentá-lç. Neste contexto, aparece a palavra auctoritas, a qual provém de augere, que significa aumentar: aumentar a unda ão. Nesse sentido, a autõn ade dos vivos decorria daqueles que h� f�ndado a cidade e que transmitiam aos dirigentes este domínio por intermédio da tradição. Daí o culto dos ante- . passados, chamado"s de maiores, e vistos como base legiti mante do domínio político. Os romanos perceberam, assim, a diferença entre potestas .e auctoritas, sendo a potestas ligada ao fazer, o que tinha uma prospecção futura, enquanto que a auctoritas estava ligada ao assado, uma espécie de engran decer para o passado. Ora, a força coerciva da autorida e, nos diz Hannah Arendt citando Mommsen, estava ligada à força reHgiosa dos auspices, os quais, ao contrário dos oráculos gregos, não sugeriam o curso objetivo dos eventos futuros, mas.,. revelavam apenas a confirmação ou desaprovação dq_s deuses para as dec,soes dos homens. Os deuses romanos não determmavam o que os homens fariam, mas apenas aumen tavam - isto é, engrandeciam as ações humanas. Assim, tinham autoridade agueles que eram capazes de arcar com o 28. Ver Hannah Arcndt, Enire o Passado'e o Fuiuro, trad. de Mauro·W. Barbosa de Almeida, São Paulo, 1972, págs. 162 e ss. FUNÇÃO SOCIAL DA DOGMÁTICA JURfDICA 35 pe�o de aumentar a fundação. Daí a importante noção romana de gravitas, traço proeminente dos seus juristas. 29 ' • �esénvolvimento da jurisprudência romana, a nosso ver, está ligado a este quadre:�final, o J'!.,ri�ta, .mais,_�� q �e p�lo se1:1.�!l:�- saber, a�úi, tom ado num s:nudo greg� d_e conhecimento - era respeitado pela sua grav1ta,Y, 0 que mdl cava estar ele mais'perto dos antepassados, 30 Entende-se, por isso, que a teoria jurídica romana não era exatamente uma ccintemplaçãÕ no sentido grego (theoria , mas, antes, a milni estaçao autoritária dos exem os e dos leito.� dos a11tt:.· passados e dos costumes daí derivados.J)s próprios gregos e s�a sabedoria só se tomaram autoridade por meio dos roma nos, que os fizeram seus antepassaâos em questões de filo- • sofia, poesia, em matéria de pensamentos e idéia.li, A?sim, o pensamento jurisprudencial dos romanos, embora se ligue de alguma maneira à prudência e à retórica gregas, .tem um sentido próprio, alheio até certo onto ao roblema du re a · entre teoria e pr�is, como acontecia com Plalílo. " Portanto, quando falamos no pensamento jurídico em Roma devemos ter em '"cÕnta que suas doutrinas, enguanto conhe�im�têm pouco s1gnificado em tel'mos .dJLdisp..!!_ta entre teoria e pra.xis, 31 Enquanto a prudê!1cia grega - em kistóteles, por exemplo - era uma promessa de orient�ão para a aç�o sentido de se descobrir o ce1to e_ o j usto,_ a junserudência romana era, antes, uma confirm.açao, ou �eJa, 29. H. /\rendt, op. cit., pág, 165. . . . . 30. Neste sentido, observa Kunkel, Augusto escolheu os iunstas, qu� detenam o jus respondendí, deotre os senadores, sob�et�do em razão do pr estígio da classe senatorial como salvaguarda do interesse pubhco. Op. ctl., pág. l O�. 31 :Jíara um confronto entre o pensamento grego e o romano, ver F1kentscher, cll., pág. 235 ss. A propósito, nos diz 1"1;1�el Reale. "o poyo grego m ove-se à l.uz da ratio, esguematizadora do real, enquanto. o r omano ref��: das. autu des cõ'niémplativas frente à vida: seu pensamento Já é es�ço de_ aça o , Horizontes do Direito e da História, São Paulo, 1956, pág. 63. 30 TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. ........_._ · um fundamento dõ ce e do ·usto. Com isto, a juris l rpdência tomou-se entre os romanos um dos instrumentos.. mais efetivos de preservação da sua comunidade, quer no séntido de um instrumento de autoridade, quer no sentido de � . -�---.:....:'------:,---:- uma mtegraçao social ampla. De certo modo, graças à tríade religião/autoridade/tradição, a jurisprudência efetivamente deu ao Direito 11111�--�ll�.rnJiz��� 9!!�J...filosofil!_prática dos gregos não conseguira. Criou-se a possibilidade de um saber que era a amgLiação da fund�� de R?ma e que se espalhou .por to_do o mundo conhecido como um saber universal, surgindo, assim, a possibilidade de um conhecimento univer sal do Direito fundado, se não teoricamente, ao menos de fato. 2. A dogmaticidade na Idade Média ·� . A ciência européia do Direito propriamente dita nasceu em Bolonha no século XI.32 Com um caráter novo, mas se:i abandonar o pensamento .prudencial dos romanos, ela introduz uma nota diferente no pensamento jurídico: sua dogmaticidad�. O pensamento dogmático, em sentido estr�to, pode ser localiz.ado nas suas origens neste período. Seu dese·nvolvimento foi possível graças a uma resenha crítica dos digestos justiniane.w; (Littera Boloniensis), os quais forám transformados em textos escolares do ensino na universidade. Aceitos como base indiscutível do Direito, tais textos fora,m submetidos auma técnica de análise qu�rovinha das técnicas explicativas .. usadas em aula, sobretudo no Trivium - Gramática, Retórica e Dialética ..- car.i.cterizando-se pela 32. Cf. Franz Wieacker, Privatrechtsgeschichle der Neuzeit, Gõttingen, 1967, pág. 46. • • 1 �'' FUNÇÃO SOCIAL DA DOGMÁTICA JUlllDICA 37 glosa gramatical e filológica._Na sua explicação, o jurista cul'da de uma harmonização entre todos eles, desenvolvendo uma atividade eminentemente fXegética, que se faziu neces sária porque os textos ne.!Di§,npre concordavam, dandç,}ugar àsr contrarietates, as quais, por sua vez, levantavam as d�itatione!., conduzindo o jurista à sua discussão, contro ve"rsia, dissentio, ambiguítas, ao cabo da qual se ch'egava a u� A solutio era obtida quando se atingia, final mente, uma concordância. Seus meios eram os instrumentos retóricos para'evitar-se incompatibilidade, isto é, a div�são do objeto no tempo e_no espaço, a hierarquização dos textos cÓnforme a dignidade da sua autoridade e a distinção entre teJ)tos gerais e especiais, conforme o esquema escolástico _5!a tese, da antítese e da solutio.33 A teoria jurídica toma-se, então, uma disciplina universitária, na qual o ensino era dominado por textos que gozavam de autoridade. Estes eram, além do Corpus Juris Civilis, de Justiniano, o Decretum de Graciano. de 1140, além das fontes eclesiásticas que formavam os cânones. Por fim, as coleçdes de decretos papais. As fontes contemporâneas eram consideradas secundárias e, na teoria, subordinadas às ante riores.34 Como: porém, os textos discutiam casos singulares tomados como protótipos, o pensamento prudencial não chegou a desaparecer. Apenas-seu caráter é que foi mudaâo: dC casos problemáticos, eles sãQ transformados. em casos paradigmáticos, que deviam traduzir uma harmonia. Com ,:; istG, ao invés de se utilizar basicamente dos recursos pruden ciais - como a eqüidade e a apreciação dos interesses em 33. Cf. Wieacker, op. cit., págs. 52 e ss. Ver também Fikentscher, citado, págs. 377 e ss. A obra mais completa a respeito é, porém, a de Gcrhnrd Onc, Díalektik und Jurisprudenz, Untersuchungen zur Methode der G/ossatoren, Frankfurt/M., l 971. 34. Cf. Helmut Coing, op. cít., pág. 301. r : TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. ----·r= fl.JNÇÃO SOCIAL DA DOGMÁTICA JURÍDICA 39 jogo o jurista vai mais além, procurando princ1p1os e resras capazes de reconstituir hármonicamente o corpus. Neste sentido, a prudência se faz dogmática. Sendo assim, qual a função social desta forma de pensar? Na verdade, para se entender esta combinação entre prudência e dogmática, é preciso verificar o que sucedeu com a auctoritas romana. Após o declínio do Irripério Romano, a herança espiritual e política de Roma passou para a Igreja Cristã. Neste sentido, a Igreja se romaniza ao fazer do nasci mento, morte e ressurreição de Cristo a pedra angular de uma nova fundação, da uai os Apóstolos se tomam pais funda dores, transmitindo de geração a geração a tare a e aumentar a fundação. Mas quando a Igreja se institucionaliza política-- mente, após Constantino, ela, tomando-se religião no sentiçlo .romano, enfrenta a influência avassaladora do pensamento grego, gue os romanos haviam romanizado mas não absor vido enquanto tal. Esta absorção vai ocorrer através dos fllõ- sofos cristãos, sobretudo de Santo Agostinho.35 Após o século V, assumindo-se como instituição política, a Igreja adota a distinção romana entre auctoritas e potestas, reclamando para si a primeira e deixando a segunda, que não estava mais "nas· mãos do povo", como dizia Cícero, para os príncipes seculares. Tal separação, aliás, deixou, pela primeira vez desde �s romanos, o político sem autoridade, só com o poder. �orno, ao contrário do romano, a autoridade do CriJtO era transcendente ao mundo político, para justificá-la o cristianismo teve de amalgamá-la com o�adrões e as m�didas transcendentes da tradição platônica. Juntam-se no 35. Cf. Hannah Arendt, op. cit., págs. 168 e ss. A base da filosofia de Santo Agostinho, nos diz Arendt: sedis animi est in memoria, é "aquela aniculação conceituai da ;:xperiência esDecificamente romana que os próprios romanos, avassalados como eram pela Filosofia e pelos conceitos gregos, jamais CO�ág.[69. seu pensamento, num só, os conceitos de início e de fundação com a idéia grega de medida transcendente da razão, de verdade.36 . �· · A Igreja reintroduz):assim, o mito do inferno, que agora se transforma em,.._ dogma de 1§ - e os dogmas que produzem a Teologia influenciarão o pensamento jurídi.ço que vai, então, assumir o caráter de pensamento dogmático. .fi. ai pensamento nasce, pois, deste amálgama entre a idéia l'tomana, a idéia de cúria e a idéia de escola. Conseqüen temente, nos dogmas, autoridade e razão se mesclam, apare cendo os textos como verdadeira ratio scripta, fundamento de todo o Direito. Neste sentido, a teoria do direito medieval, ao conciliar o espírito grego dafronesis, no sentido de orientar a ação, com o espírito romano da prudência, no sentido de � · confirmar o certo e o justo, instaura pouco a pouco uma teoria que vai servir ao domínio político dos príncipes, como instrumento do seu poder. Isto significa que, de certo modo, elà volta a ser mais orientação para a ação e para a decisão do que manifestação de autoridade. A partir daí é que se abre o caminho para uma progressiva techjcjzação da teoria jurídica, em termos de um instrumento político. Neste sentido, a principal característica para a com preensão do pensamento dogmático desenvolvido neste período está na presença do princípio da proibição da nega ção, isto é, do prfocípio da não"negação dos pontos de partida dassé� argumentativas. 'Nesses termos, Julius Kraft37 define uma disciplina como dogmática na medida em que ela considera certas proposições, em si e por si, arbitrárias como estando acima da crítica, renunciando, assim, ao postulado da 36. Cf. Hannah Arendt, op. cit., pág. 170. Ver também Fikentscher, cit., págs. 365 e ss. 37. Julius Kraft, "Vorfragen der Rechtssoziologie" in 'leitschrift für vergleichende Rechtswissenschaft, 45, 1930, págs. 29 ss. 40 TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. pesquisa independente. É preciso notar, entretanto, que a função d� Dogmática não consiste no�ostulado da proibição. d� negaçao, mas apenas depende dele, como, aliás, a evolu ção histórica nos tem mostrado. O desenvolvimento da Dogmática não é uma prisão para o espírito, mas sempre �pre�entou um aumento das liberdades no trato com a expe nênc1a e com text()?_· _Socialmente, a conceptualização dogmática que se desenvolve neste período possibilita, neste sentido, jus�mente um <:listanciamento'em' N qiiesiões"sobre as quais a sociedade esperava uma vinculação. IstO ocorria porque o pensamento dogmático se liga, em sua própria vinculação, a textos sobre os quais ele 'dispõe concei_ tualmente, ou seja, o �ns�I_TI�nto -��icQ pàrte de textos - te�tos vinculantes .- os qua��,9_E()dem �ntido atray��A�. conceptualização que deles decorre. Por isso, o pensamento dogmático acaba permitindo uma manipulação dos próprios dogma$.; É nesses termos que se toma possível afirmar que a Dogmática se transforma num instrumento de eocter._ Aliás, como nos mostra Wieacker,38 esta função sócio-política do pensamento dogmático pode ser compro vada historicamente. O jurista, desta época, diz ele, ainda que ap�entemente tivesse a imagem do homem desligado da vida, voltado para textos e interpretações de textos, é um fat�r importante na vitória progressiva da 'idéia do Estado _racional_q�e ir! dominar a política nos séculos seguintes; Esta sua part1c1paçao repousa, sobretudo e caracteristicamente, na sua técnica formal, ou seja, nas técnicas de análise de textos e casos, ligadas ao estilo argumentativo da retórica prudencial.A _teoria jurídica, tomada uma disciplina universitária, qbje- 38. Wiea�ker, op. cit., págs. 93 e ss. Ver também Max Weber, op. cit., págs. 492 e ss. Ver amda Myron P. Gilmore, Humanists and Jurists, Oxford, J 963, ensaio n. lll, The Lawyers and the Church i11 ltalia11 Renaissance. págs. 61 e ss. l I· FUNÇÃO SOCIAL DA DOGMÁTICA JUR{DJCA 41 tiviza o tratamento das questões públicas ao neutral�é cer'ltrpODT'o as emoçoes e os mteresses materi!!i§. �ste desempenhonão �Jlega ao Direito Privado, mas atinge as atividades diplo�c\s e administrativas, as quais passam a ser influenciadas 'por juristas. Assim, os juristas auxiliam a elaboração do Estado Modemo 1não apenas através d� pois, � ?arem Um,a �undamentaç�o jurídica às pretensões de soberania dos prmc1pes, a partir do Corpus J�stinianeu, inte!1)retado de forma gu2_se ._2bsoluta, eles tãmbém fornecem uma técnica de tratamentó de atas e de ne.gociaçõe!,. Uma medida que, na prática, toma possíveis os principados, na medida em que o Estado Moderno concentra, r racionaliza e objetiva as formas . de domínio através d o l câmbio pessoal dos cargos e· da instauração de aparelhos administrativos que pairam acima dos interesses pessoais . Nã� se pode negar que o pensamento dogmático contnbu 1 decisivamente para isso, na mesma propprção em que os canonistas, por intermédio do Direito Canônico, construíram a Igreja. Afinal, só o jurista é_gye. domina, àquela alturl!, as operações 3lliilitiCas ati:ayés das quais a c.Q_mplexa realidade pó�ítica pode ser_devidarnente-dominada 3". A teoria jurídica na Era Moderna !+ o. !'J A era do Direito Ràcional vai de .1600 a 1800, apro ximadamente, e se caracteriza pela influência dos sistema s racionais na teoria jurídica. 39 Auctoritas e ratio haviam dominado o pensamento jurídico medieval, cujo caráte r dogmático assinala um respeito pelos textos a serem inte r" 39. Ver Wieacker, op. cit., pág. 249. 42 TERC!O SAMPAIO FERRAZ JR. pretados, tornados corno pontos de partida das séries argu rnentati vas. Tal vinculação aos textos não é eliminada, mas · se toma ain.� mais sensível na medida em que a exegese jurí dica vai tomando-se mais artificial e mais livre, para evitar u� rompimento das necessidades práticas com o corpus juns. �o entanto, quan�o o pensamento europeu começa a pistan �ar-se da cosmovisão medieval, a teoria jurídica perde a sua conexão metódica com suas bases. O humanismo renascen tista m�i�ica a legitimação do Direito Romano, purificando e refinando o método da interpretação dos textos e, com is.to, abrem-se as portas para ª-entrada da ciência moderna na teo r�urídica.40 Os modernos pensadores não indagam mais, como os antigos, ifas relações morais dO bem na vida, mas sim das suas condi ões e · as racionais de sobrevivência.41 Tais necessidades práticà� de urna sociedade tomada mais com plexa exigem soluções técnicas que estão na base do desen "..olvimen1õ das doutrinas jurídicas. Assim, se o problema antigo era o de urna adequação à ordem natural, o moderno será, antes, como �ominar. tecnicamente, a natureza ameaça dora. É nesse momento que surge o temor que lfá obrigar o pensador a indagar C<:,!!lO proteger a vida contra a agressão 90s outros, o que entreabre a exigência de uma organização râciõnã:ro:â ordem social. Daí, conseqüentemente, o desen volvimento de um ensamentO jurídico capaz de certãiÍeu tralidade, coriiO exigem as questões t cmcas, con uzmdo a ---- 40. Ver Fikentscher, cit .• págs. 386 e ss. 41. Ver Habermas, Theorie und Praxis, l\leuwied am Rhein e Berlín, 1971, págs. 56 e ss. Ver a propósito a noção de Razão de Estado em Friedrich Memecke, Machiavellísm: The Doctri11e of Raiso11 d'État and its P lace in Modem H,story, lrad. de Douglas Scott, London, 1962, págs. 1 e ss. Sobre o mesmo tema, �er Miguel Reale, Horizontes do Direito e da História, cit., pág. 90; Celso Lafer,Gil Vicente e Camões", São Paulo, 1978, págs. 112 e ss. FUNÇÃO SOCIAL DA DOGMÁTICA JURÍDICA 43 uma positivação e a uma formalização do antigo pireito Nàtural. 'lal fonnalização é que vai ligar o pensamento jurí dico ao _chamado. p� amentolsistemático. Entre . as críticas então feitas à antiga fonna ��e os glosadores realizarem sua teoria e�,á sua falta de sistematicidad� 42 Evidentemente, existia neles um certo impulso para um tratamento sistemá tico da matéria jurídica, mas ainda longe das exigências que a nova ciência moderna iria estabelecer. Nesta época, introduz se, igualrnenté, o termo sistefll!!,. que se toma escolar e se generaliza, to�""üma configuração básica gue hoje !!:!e atribuímos. ·-º pensamento..§istemático, sobretudo no começo do século KY.!1. em conexão estreiiã. com o problema da certeza na discussão teológica, foi transposto da Teoria da Música e d� Astronomia pára a Teologia, para a Filosofia e para � Jurisprudência. No princípio, isto foi feito como instrumento de · técnica de ensino, após a decadência do instrumental escolástico para a solução das questões da contingência e da certeza no plano da crença. Esta aproximação do sistema com questões de contingência e de certeza moral produziu uma cértá. confusão do conceito de sistema com o problema do conhecimento, de tal fonna que o sistema foi entendido corno m� e class1hcaçáo, e com isto de asseguramento e fundamentação de conhecimento. Tal associação, por sua vez, permitiu que o pensamento sistemático participasse do processo de autonomia da moderna teoria do conhecimento, até o ponto do sistema ser tomado como esboço, hipóte�. cÓnstrução de um li vr�. forma de apresentação e� <: Foi com Christian Wolff, o qual dominou a ciência da época com sua terminologia, que o termo sistema se vulgariza 42. Ver Julian H. Franklin, Jean Bodin, and the Sixteenth Century Revolution i11 the Methodology oflawand History, New York-London, 1903, págs. 36 e ss. r- 1 44 TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. e.se toma mais preciso, dominando a ciência da época.43 Mais que um agregado ordenado de verdades, diz ele, o sistema diz re_!lpeito s�:i,r�!}l99 a .. �ª--���er.f!_q!ll!!!.!...9Ee p_�essUpõe .. acQ.rr;_- ção e a perfeição formal da dedução. Posteriormente, este conceito foi reelabÕrãd�or Larnbertque, em obra datada de 1787, precisÕÚ-1he os cafacteres.44 Lambert trata do sistema como mecanismo: partes ligadas umas às outras, indepen dent:� umas. das outras; como organismo: um. princípio co mum que liga Eartes com Prrtes numa totalidade; como orde nação, ou se·a, inten ão fundamental' era) ca az de li ar e CC?,.nfigurãr as partes num todo. nesse sentido, precisamente, que podemos dizer que o ideal clássico da ciência correspon dente aos séculos ?Ç_Y!l. <::_XVqI está ligado ao pensamento s!sternático. Como rio� most�FQ!l_c_a!!J.S_ nesta época, as ciên cias sempre trazem consigo o �tg, ainda que Joogínguo, de uma _<>_i.:�enaçl:!.o exaustiva.45 Elas sempre apontam, tam bém, em direção da .�escoberta dos elementos simples e de sua composição progressiva. Para isto, valiam-se elas do que Foucaul� c?am,a de �steme - um conjunto finito e relativa mente hm1tado de traços, cuja constância e variação será estudada em todos os indivíduos que se apresentam. Ao lado desse sy_steme menciona ele a méthode como um processo êle comparaçoes totais, mas no interior de grupos empiricamente constituídos, nos quais o número das semelhanças é mani festamente tão elevado que a enumeração das diferenças não seria passível de acabamento.46 O estabelecimento das iden- 43. Cf. Christian Wolff, Phílosophia moralis_sive ethica, 1750, págs. 440 e ss.Sobre o tema ver Tercío Sampaio Ferraz Jr., Conceito de Sistema no Direito, SãoPaulo, 1976, págs. 7 e ss. 44. Johann Heinrich Lambert, .. Fragment einer Systematologie", in System und Klassifikatio11 in Wisse11schaft wui Dokumematio11, Meisenheim/Glan, 1968,págs.165 e ss. 45. Michel Foucault, Les Mots et les Choses, Paris, 1966, pág. 89. 46. Foucault, op. cit., pág. 152. FUNÇÃO SOCIALDADOOMÁTJCA JUldDlCA 45 tidades e das distinções será assegurado por aproximações contínuas. A diferença básica entre ambas é que a t1;,4th<Jde s,J pooe · ser sempre uma única, , enquanto o �vsteme,... EQJ.JiWL. ca�áter arbitrario, poije ser n,wliiiplo, o que aliás nilo ímeede a descoberta de· um que seja natural. Em que pesem as diferenças, tanto o systeme quanto a méthode têm em comum a função fundamental do saber clássico, pela qual_ o connecimento dos indivíduos empíricos só pode ser adquirido e� razão de um guadrp - trJ!?lea1L- cootíouo, ordenado-e.. universal de todas .. às diferenças IillSSLveis. Ambos não são mais do que um meio de definir a identidade pela rede geral d d.,, 'f. 47, as 11erenças espec1 1cas. · .. Portanto, encontramos aqui a idéia de sistema como organismo. mecanismo e ordenação anteriormente mencmna dos em cuja base se encontra o pressuposto da continuidade �eal, o que, aliás, assegura em última análise o caráter não arbitrário e não-convencional do próprio conhecimento cien tíficol Ora, o conceito de sistema é, conforme o testemunho de Wieacker,48 a maior contribuição do chamado iusnatu-. r�lismo moderno ao Direito Privado eumpeu. A teoria jurí dica européia, que até então era mais uma teoria da exegese e da interpretação de textos singulares, passa a receber um caráter lógico-demonstrativo de um sistema fechado., cuja estrutura dominou, e até hoje domina, os códigos e os compêndios jurídicos. 49 Numa teoria que devia legitimar-se perante a razão, através da exatidão lógica da concatenação dé suás proposições, o Direito conquista uma dignida� metodológica especial. A redução das proposições a relações 47. Ver Foucault, op. cit., pág. 157. 48. Wieacker, op. cit., pág. 275. 49. Ver Helmut Coing, "Geschichte und Bedeutung des Systernsgedankens in der Rechtswissenschaft - Frankfurter Rektoratsrede 1956" reproduzido cm Zur Geschichte des Privatrechtssystems, FrankfurtlM., 1962, pág. 23. 48 TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. divina que,. o�ginariamente,, 9xou os princípios da ·razão �etuamente.56 A partir desses dois princípios fundamentais, Pufendorf desenvolve uma sistemática jurídica característica, através da conjugação da �ão racional com a observação ern.eírica, em cujas bases, sem dúv1dã, já se encontra O dualismo cartesiano do método analítico e sistemático. Através disso, estabelece-se uma . relação imediata com a própria realidade social, ao mesmo tempo que não se êonfun dem os limites entre uma temia do dever social e o material colhido da própria realidade social. Com isso, toma-se Pufendorf um precursor da autonomia das chamadas ciências da cultura.57 Neste sentido, sob o ponto de vista do sistema, Püfendorfdivide as normas de Direito �ur�m absoliiias e hipotéticas. As primeiras são aquelas que obrigam, indepen dentemerue das instituições estabelecidas pelo próprio ho- d , . - ss E t mem; as segun a�,,/iº contrar�, a.;;r=poe� ga_..se-gunda c1asse de normas é dotada e a variabilidade e flexibilidade, possibilitando ao Direito Natural uní'�ie de adequação ã evôTllção te;mparal A idéia de sistema en�olve, a partir daí, todo o complexo do Direito metodi camente coordenado na sua totalidade ao Direito Natural. A !eoria do Direito Natural, se de um lado quebra o elo entre a jurisprudência e o procedimento dogmátiç_o �fundado na autoridadê" dmtextos romanos, de outro não rompe com o caráter dogmático que, ª5!- contrario, tenta fil)er feiçoar ao dar-lhe Uma qualidade dç sjstema que se constrói a p:1rtir de prem1ssás, cuj�validade repousa na sua generalid� 56. Pufendorf, op. cit., pág. 127. 57. Ver Hans Welzel, Naturrecht mui materiale Gerechtigkeit, Gõttingen, 1955, págs. 132 e ss. 58. Ver De Jure Naturae, pág. 158. FUNÇÃO SOCIAL DA DOGMÁTICA JUHÍIJICA 49 racional.59 A teoriajúrídica passa â ser um éo1ú;frufdo siste=- - mático da razão e, em nome da própria razão, um insll'umento . ., de crítica da realidade. P�i:t�to, duas impo!·tantes 7ontri· buições: o método sistemát�O!' conforme o f!{Or lóg,co du. dedução, e o sentido crítico-avaliativo do Direito, po_e .e� nome de padrões et1cos contidos nos prmcípíos reconhecido� e_ela razão. Se nos perguntarmos agora sobre a fun�ão social da · teoria jurídica. neste períodq,. iremos observM que ela, ao construir os sistemas normativos, passa a servir aos seguintes_ propósitos. que são tamMm_ seus princípios: a teoria se iÍ1staura para o estabelecimento da paz, a paz do bem-estar social, a qual consiste não apenas na manutenção da vida, mas da vida mais agradável possível. Através de leis, funda mentam-se e regulam-se ordens jurídicas que devem ser sa�10nadãs, o que da ao Direito um sentido instrumental, que deve ser captado como tal. As leis têm um caráter formal e genérico, que garante a liberdade dos cidadãos no sentido de disponibilidade. Nestes termos, a teoria jurídica estabelece uma oposição entre os sistemas formais do Dir�ito e a própria ordem vital, �ssibilitando um espaço juridicamente neutr� para a persegiíição legítin;a da utilidade privada. Sobretudo, esb9Ça-se uma çearia da i:egu!açãq genérica e abstrata...d.Q co�)mrtamento. por normas gerais que fundam a ,possibi lidade da convivência dos cidadãos. Existe, aqui, manifes tamente, uma preocupação em secularizar a teoria jurídica .'..evidenciando uma ruptura com a prudência romana e com a grega, as quais ficaram na esteira do cristianismo .. A expe riência romana vai sendo esquecida na ·medida e.m que a auto ridade ligada à fundação vai desaparecendo. Nesse sentido, Lutero, ao fazer um desafio à autoridade temporal da Igreja, 59. Ver Fikentscher, op. cit., págs. 418 e ss. 46 TERCIO SAMPAIO FERRAZJR, lógicas-e pressuposto óbvio ela formulação de leis naturais, unive�salmente válidas, a que se·agrega o postulado_anfroe.,o Jó�ico que vê no homem não um cidadão da"cidade de Deus ou, como no século XIX, do JTiundo histórico, mas um ser natural, um elemento de um mundo concebido segundo leis naturais. Exemplo típico dessa sistemática jurídica encon tramos eip Pufendorf. �uas obras principais são De Jure Naturae et Gentium - Líbri OcJo, de 1672� que apresenta um sistema completo do Direito Natural, e De Officio Hominis et Civis - Libri Duo, de 1673, uma espécie de resumo da ante ri2!:,. Pufendorf coloca-se num pónto intermediário do desen volvimento do pensamento jurídico do século XVII, podendo ser considerado um grande sintetizador dos grandes sistemJ!S de .�ua época, dele partindo, por outro lado, as linhas sistemá ticas básicas que vão dominar, sobretudo o Direito Alemão ' ' ...,-�----até o século XX.50 N,::entuando e dando um caráter sistemá- ti�� ao processo de secularizaçãodo Direito Natural i1,1iciado com Grotius e Hobbes, Pufendorf ultrapassa a mera áistinç!o entre o Direito Natural e a Teologia Moral, segundo o critério de normas referentes ao sentido e à finalidade desta vida, em contraposição às referentes à outra vida, distinguindo as a1ões humanas em internas e externas. O siu�--�r,m�e guardado no coração� se manifesta exteriormente deve �r�o§�eto a'õênas �aJeologia �I. .A influênciãdestad1stmçao em Tomasms e, posteriormente, em Kant, é signifi cativa.51 50. Wicacker, op. cir., pág. 309. Sobre Pufendorf, ver também Meinecke, op. cit., págs. 224 e ss. 51. �obre a participação decisiva de Pufendorf na chamada secularização do D1re11o Natural, ver Koschacker, op. cit:, pág. 355. Sobre a distinção entre moralidade e legalidade em Kant ver: Norberto Bobbío, Diritto e Stato nel Pensiero di Ema11uele Kant, 2' ed., Torino, 1969, págs. 86 e ss. ', FUNÇÃO SOCIAL DA DOGMÁTICA JUlllDICA 47 --- -- ----As prescrições- do Direito Natural pressupõem, segundo Pufendorf, a naturezadecaída do homc11j. Em conseqüência, toda a ordenação, e, pois, todo o J)ireito, contêm, pela sua própria essW:cfo, uma proibição. Séu caráter funaãmental repousa, por asiim dizer, na sua Tüilção impera tiva e não em sua função indicativa, para usar uma termino• Iogia de Kelsen.52 Conforme a função indicativa, a norma jurídica apenas mostra �eúdo da J;lrescri�o._:_ PÕC-:,;ii'a 'r- , ___ _ função imperativa ela nos obriga a fazer ou a deixar de fazer al�uma coisa. Eufendorf apoÍrtãna imbecillitas Õdesampàró em que se acha o homem na sua solidão, a principal proprie dade do ser humano.53 I}a imbecíllitas surge o mais impor tante e mais racional dos princípios do Direito Natural,ã socTãlitas - a necessidade de o homem VJver em sociectãa:ê' qu�e, nãó é um instinto natural teleológico (como em Grotius), mas mero princípio regulat1vo no modo de viver. A socialitas,-como tal, consoante o que dissemos do -caráter imperativo do Direito, não se confunde com o Direito Natural, fornecendo apenas o fundamento racional de seu conteúdo, de seu caráter indicativo. Ela adquire império somente através da sanção divina, na medida em que Deus prescreve ao homem sua observação.54 Neste sentido, parece nos um pouco equívoca a afinnação de Wieacker,55 segundo a qual ambos os princípios não se fundam na vontade do criador, porêm na razão do homem, em clara oposição à tradição cristã._� su.a função imperativa, o Direito Natural, para, Pufendorf, tem, a nosso ver, se.!! fundamento na vont�e 52. Ver Kelsen, "Recht und Logik" in, Forum, Xll/142, Viena, pág. 422. 53. Ver De Offlcio Hominis et Civis luxta Legem Naturalem Libri duo. Cap. III,§ 3°, pág. 19, ed. bilíngüe. New York, 1927. 54. Ver De Jure Naturae et Gentium - Librí Octo, Livro li, Cap. Ili, pág. J 48 cd. bilíngüe, New York, 1934. 55. Wieacker, op. cit., pág. 307. so TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. apelando para o livre-juízo individual, já havia eliminado a tradição, mudando a religião, produzindo, em conseqüêncià, o desaparecimento da autoridade romana.60 A experiência grega, que sobrevivia no conceito cristão da revelação como medida e padrão tr�nscendentes, é �tingida pela §eparação da§ esferas religiosas e humanas, como resultado inclusiv� gu_erras religiosas. Está configurado, pois, um dos caminhos para uma C\ência no estilo moder�sto é, como um procedimento e�rico-analítico. Não, é verdade, com o mesmo rigor de Descartes ou osucesso de Galileo, mas nuín sentido que podemos chamar de pragmático, em que os modelos de Direito Natural são entendidos não como hipóteses científicas a venfícar, mas -como um exemplo, paradi�a que se toma co�I na experiência. Com isto, fica aberta a trilha para que as situações sociais ali descritas, com todas as suas condicionantes racionais, possam ser imaginadas como possíveis de exi�fir sob certas condições empíricas. Deste modo,· a teoria jurídica consegue transformar o ,eonjunto de regras que compõem o Direito em regras técnicas contro láveis ria comparação das situações vigentes com as situações idealmente desejadas. Mq_difica-se, assim, o seu estatuto teóri�o. �ão é mais nem contemplação, nem manifestação de autondade, nem interpretação dogmática, mas · de réErodução artificiãl d� processos naturais. uire, assim, um novo critério, qüee o critério de todas as técnicas: a sua funcionalidade. Conhecemos um objeto na medida em que podemos fazê-lo. Para entender isso, é preciso agora ligar a teoria jurí dica do jusnaturalismo a um conceito moderno que será posto no lugar tanto.da verdade grega, quanto da auctoritas romana 60. Cf. Hannah Arendt, op. cit., pág. 171. FUNÇÃO SOCIAL DA DOGMÁTICA JURÍDICA 51 e da revelação cristã: o conceito de revolução. Este conceito, tal como aparece em M:iquiavel, por exemplo, e; mais .tarde, em Robes ierre tem· ai o a y.er com a funda ão romana.fü ambém para Maquiavel ,., a ão é uma a ão olític central. Só que, enquanto os romanos a fundação era um eventÔ do passado, para o autor de O Príncipe ela se torna um evento do presente, um� espécie de feito que estabelecS2- domínio político. Assim, deixando de ser um princípio no prssado, a tunêiação passa a ser uma finalidade no presente: uw fim que justifica os meios inclusive os violentos. O ato de fundar, em vez de ser uma ação passada, passa a ser um fazer. Como nota Hannah Arendt,6� a ação, comO os· gregos haviam percebido, é em si e por si àbsolutamente fútil, não sendo guiada por fins nem tendo um fim, nem deixando um produto final atrás de si. O agir é uma cadeia ininterrupta de aconte cimentos cujo res�ltado final o ator não é capaz de controlar de antemão, conseguindo orientá-lo mais ou menos de modo seguro. Isto, porém, não acontece com o fazer. o f�erj)õ's'Sui úmmício definido e um firo previsível· ele chega a· um produto final gue não só consegue sobreviver à atividade fabricadora com'õ,daí por diante passa a ter uma vida própria ... Se a fun_g_ãção é um fazer, ela irá ocorrer através de atos capazes de instaurar ab ovo Ufl!ª situação. Temos a revolução como o feito novQ.. A ligação entre as te.orias de Direito Natural, também chamado de Direito Racional, com uma teoria e praxis da revolução, esclarecem que o teórico do Direito -. como alguém capaz de reproduzir em laboratório, isto é, na sua razão, o próprio Direito, o qual assume a forma 61. Cf. Hannah Arendt, op. cit., págs. 182 e ss. Para o conceito de revolução em Maquiavel, ver The Prince (trad. De W. K. Marriott) - Chicago, London, Toronto, Geneve, 1952, Caps. XIX, XX, XXVI. Ver também J. W. Allen, A History of Political Thought in the XVlrh Century, London, 1961, págs. 447 e ss. Ver ainda Meinecke, op. cit., págs. 25 e ss. 62. Hannah Arendt, op. cit., pág. 91. l 1; j • . 1 11 1/ l 1 '1 l l 1. , 1 1 52 TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. • de um sistema de enunciados cabais e que funcionam politi- camente como fins revolucionários - -toma uma nova função. A reconstrução racional do Direito, u a ser en_tendido co� conjunto, um sist�a de en.!!!!Siados respaldados na razão, adquirindo validade por meio de uma pôs1çâo (como, por exémplo, em l'ufendorf),6�e:sea sêfv1ço de um processa de conexão entre domwium e._ s<!EJetr;u, a unidade do Estado e a sociedade, que ocorre entre os séculos XVI e XVII. Referimo-nos à centralização e à burocratização do domínio nos modernos aparelhos estatais.64 As categorias máximas do Direito Natural, o pactum e a majestas, unem-se�ste mo o para flmaar::::!!obrigã°i� riectade da obediência. O domínio jusnaturalisticamente legi timado <;>_rganÉ,_a a ameaCca_da violência e 9 u� fa:'or da sociedade po� ou seja,..Ji'! fundação revolu �- Mas este novo Direito Natural, à diferença do Medieval, substitQi o fundamento ético e bíblico pela noção naturalista de Estado Natural. Tal mudança elimina o pensa mento prudencial, quer como busca de orientaçãopara o certo e para o justo, quer como manifestação do certo e do justo, para estabelecer o pensamento sistemático como uma espécie de7ecmca racional da convtvêucia.65 - - O rompimento com a prudência antiga é claro. Enquanto, esta se voltava para a formação do caráter, tendo, na teoria jurídica, um sentido mais pedagógico, a sistemática moderna terá um sentido mais técnico, preocupando-se com a feitura de obras e o domínio virtuoso (Maquiavel) de tarefas objetivadas. No entanto, a teoria jurídica jusnaturalista 63. Para Pufendorf, o Direito Natural é posto pela vontade divina. 64. Cf. Max Weber, op. cit., pág. 496 ss. Ver também Meinecke sobre Bodin, op. cit., págs. 56 e ss. 65. Cf. Haberrnas, op. cit., págs. 75 e ss. Sobre a substituição do fundamento ético e bíblico pela noção naturalista, ver Meinecke, op. cit., págs. 209 e 214. FUNÇÃO SOCIAL DA DOGMÁTICA JURIDICA 53 constrói uma relação entre a teoria e a praxis, segundo o modeloda mecânica clássica. A reconstrução racional do Direito Natural é uma espéci��e física geral da socialização. Assim, a teoria fornece, 1�fo conhecimento das essen cialidades da natureza humana, as· implicações institucionais a partir das quais é possível uma expectativa controlável das reações humanas e a instauração de uma convivência ordenada. No entanto, este relacionamento entre a teoria e a praxis, como se observa através da palavra crítica de Vico, acaba por fracassar na medida em que, à teoria, falta a dimensão prática que ela só tem enquanto se aplica a uma conduta teoricamente descrit<1, o que não pode ser então fundado teoreticamente.66 Este impasse vai ,!er conseqüências importantes para o pensamento jurídico, o que irá se tomar decisivo no século XIX. Na realidade, esta tentativa de conceder pela primeira vez à teoria jurídica e à Dogmática a categoria de uma ciência em sentido estrito, aqre uma perspectiva para sua recolo cação, enfrentando-se no Direito, então, o problema de se saber se a Dogmática Jurídica constitui ou não uma teoria científica. 4. A positivação do Direito a partir do século XIX 'Na passagem do séct:110 XVIB para o século XIX, há uma mudança radical no quadro das teorias científicas, já { 1 preparadas na ciência renascentista, na dúvida cartesiana e na necessidade de fundar o conhecer a partir de si próprio. A dicotomia entre contemplação e ação, bem como a idéia de que a verdade era percebida apenas no ato solitário da visão 66. Cf. Miguel Reale, Experiência e Cultura, São Paulo, 1977, págs. 188 e ss. 54 TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. começa a ser abalada quando a ciência se torna atividade que faz, que constrói os objetos que conhece. Com isso, a velFia noção de teo,:1a como contemplação e como sistema de ver dades concatenadas e dadas vira hipóte�� de trabalho, a � muda conforme os resultados que produz, fazendo depender sua validade não daquilo que desvenda (a verdade como umà aletheia, o desvendado), mas pelo fato de funcionar. Com a progressiva�prioridade do agir sobre o contem plar, .as idéias, no sentido platônico, deixam de ser medida tr'!,nscendel,lli: par.a tornarem-se· valores, cuja validade passa a depender da sociedade como um todo em suas sempre mutá veis necessidades funcionais. Este quadro irá alterar o sentido da teo_ria jurídica que, enquanto dogmática, vai assumir traços ·característicos. Em conseqüência, as suas f1,mções soc1a1s também vão se particularizar com respeito às demais ciências. O século ''XIX, diz Helmut Coing,67 representa ao mes.mo tempo a ;destruição e o triunfo do pensament�temát1co legado pelo jusnaturalismo, o qual baseava toda sua fo�a na crença ilimitada na razão humana .. Os sistemáticos do Direitó Natural não estavam presos a nenhuma fonte posi tiva do Direito, embora a temporalidade não permanecesse olvidada. Nestes termos, o pir�it�Natural do Iluminismo(em Kant, por exemplo), se de um 'ãc:Iõ aparece com(IUma filosofia social da liberdad�de outrO atribui a hberdade um v��r moral. q�e se 68mª-!!!testa expressamente numa teona' �os dir71tos subJet1vos. Com isto, o século XVill criou as bases teoréticàs da concepção jurídica que entende o Direito Privado, na sua estática, como sistema de direitos subjetivos; n� sua dinâ':1ica, porém, em termos de ações humanas que cnam e mod1fic�m aqueles direitos. 67. Helmut Coing, op. cil., pág. 25. 68. Ver Norberto Bobbio, op. ci1 .. págs. 167 e ss. FUNÇÃO SOCIAL DA DOGMÁTICA JURfDJCA 55 Significativa para a passagem entre os dois séculos é a obra de Gustav Hugo 0764-·�844). Hugo estabelece as bases para. uma revisão do racior( ,ismo a-histórico do jusnatu ralismo, desenvolvendo, �to icamente, uma nova sistemá tica do pensamento jurídico.na qual a relação do Direito com sUa dimensão füstónca é acentuadá., antecipando-se desta fo�a aos re9u1s1tos obti_�s pela chamada Escola Histórica. NÓ primeiro volume do seu Lehrbuch emes civilistischen Kursus (2ª ed., 1799), cuja introdução contém uma enciclo pédia jurídica, ele propõe, segundo um paradigma kantiano, U!!!ª divisão tripartida do conheci_me_l!!Q.fí.entífico do Dir�!to, co_rrespondente a três questões fundamentais: (i) o_ que-� ser reconhecido como de direito,(de jure)? (ii) é racional� o"'" ue · direito (de jure), efetivamente o se'a? e (iii) como a u e é de direito e iure se tomou tal:? A pri_meira questão corresponde à Dogmática·Juódica; a segunda, à Filosofia do Direito; !!_ tercéira, à Históría do I>ireito. Esta tripartição revela por si só uma nova concepção âa füstoricídade que não ficará sem reflexos na metodologia do século XIX, pois, como o próprio Hugo observa, essa tripartíção sob o ponto d�ta da temporalidade pode trans formar-se numa biparti ão, na medida em que a primeira e a segun a questao se ligam aõ presente, ao contrâno da ter- - cetra. Por outro lado, a _nrí.meica e a terceira são históncas, o mesiiiÕitãÕ sucedendo com a segunda.69 � Está aí, em germinação, uma nova concepção de his- toricidade que também permitirá a qualificação do acontecí mento presente como história, criando-se a possibilidade de uma compreensão do conhecimento jurídico como um conhe cimentdlílstórico, ap�ecendo a Dogmátíca Juódjca funda�> m_éntalmente como algo que tem em si �a, ou, pelo 69. Cf. Gustav Hugo, pág. 46. 56 TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. me nos, c omo co nti nuação desta, c om outros instrume ntos. À luz desta reflexão - Hugo propõe-se Iigªºº ai nda a algumas posições jus naturalistas - a c o nceber o Direito Posiiiva não c omo desdobrame nto dedutiv� · do c ódi o da razão e ao esmo empo, c omo c omprovação da rac io nalidade, no sen tÍclo de Dlíe!Ío Natural óogm�ico, mas, primariamen�. c omo fe nôme no históric o, ou seja, Direito Natural Crític o ou Filosofia do Direito Positi'v'o. m Hugo dese nvolve esta co n-.... c epção em termos de uma A ntropologia Jurídic a que lhe deveria fornec er os c ritérios para um juízo c rític o do próprio ac o ntec ime nto históric o. Com isto, adia nta ndo de um lado as (1 i nvestigações da Escola Históric a, por outro ele também se liga a u�a P�:spectiva ilumi nista da fase i nic ial, que e nfatiza a reflexao c nt1c a. . Notamos na proposição de ' Hugo uma dis�o unportante: �?m�-se c lai:o �ue ele disti ngue <;_que ele pró_,Erio c �ama de C1encia � D1re1to da Dogmátic a Jurídica. Isto na medida em que a H� aparece como ciê n c ia propriamente dita, e nqua nto a Dogmática Jy� é aru,_nas uma espécie de continuação da pesguisa históric a c om outros instrume ntos. Ora, a importânc ia desta colocaçãÕõão vai ficar sem co nseqüênc ias para a sistemátic a jurídica, no séc ulo XIX, evide nc ia ndo-se e formaliza ndo-se c om mais c lareza em Savig ny. Até c erto po nto, a �bra deste revela uma i novação decisiva na sistemáíic a jurídica: nela, o sistema p � rde em parte�nos na apãrel),';ia, o c arát�r absoluto da r �cio nalidade dêdntiva que e nvolvia c om um se ntido de tota lidade perfeita a .fenôme no jurídico. O sistema ga nha, ão c ontrário, uma qua!!._dade c onti nge nte:' o que se toma pressu-- osto fu ndame ntal de sua estrulmã.lílà fase madura de seu pensamento, a yu stfu§ão � co nvicç!g. comum do ,O, CI'. Cl118tuv Hugo, pág. 34. FUNÇÃO SOCIAL DA DOGMÁTICA JURIDICA 57 p�� o�a do Direito c olo�um:Ségu ndo· pi� o i nstrume ntal Jógicõ=aeOUtivõ,s�prepo ndo-lhe a sen sação e a mtmção i�tas. · vigny e nfatiza o -relacio na me nto primário da intuição(!� . ídic o não à regra genérica e abstrata, mas aos i nstitutos dé Direito que expressam relações · vitais típic as c onc retas.71 Os} nstit�.sli_o v · ualizados c omo u:;;m=.....,,==;::;.;... n�ureza or8ªJ1ica, um:;.:...c=:,o�n::.ij"'u:::n:.:to:::,, ,..:v:..1v�-=:...:.::.:.�:.:.::::..;: tante desenvolyjmeo.t.P. É a a . ra ·unrti'é:â é extraída, através de um processoabstrativo e artific iaI�ni ítfüãndoÕ sisJem� ass� explic itado _uma co ntingê ncia radi c al e irretorquível. Esta c <;> ntingê ncia não deve, porém, ser c Ónfu ndida c om irracio nalidade, na medida em que a histori- . c idade dinâmic a dos i nstitutos se mostra na co nexão espiri tual da tradição. É este, aliás, o se ntido da sua organicidade c o nforme já nos revela sua obra programátic a.72 A organic idade não se refere a uma c o nti ngência real dos fe nôme nos sociais, mas ao c aráter complexo e produtivo go pe nsame nto c o nceituai da c iê nc ia jurídic a. Nesse sentido, 11 l'!Ssi nala Wieac ker, a palavra povo, em Savig ny, é antes um c onceito c ultural, pê!:_adoxalmentÇ.J:JU�ue j�izes e sábios rlLum país produziam. Com isto, a sistema- , ti�ação histórica proposta acabou dissolvendo-se, já com o próprio Sav1g ny, numa estilização sistemátic a da traa1ção, 'comO seleção al>strata das fo ntes históric as, sobretuõü" as 71. Savígny, System des heutigen roemischen Rechts, Berlin, 1840, n. J, págs. 9 e ss. 72. VomBerufunsererZeit fuerGesetzgebung und Rechrswissenschaft, na edição da Wissenschaftliche Buchgesellschaft sob o títÚlo Thibaut und Savigny, Darmstadt, 1959, pág. 75. Ver tamb�m: Savigny, Grundgedankcn der Historischen Rechtsschule, Frankfurt/M., 1944, págs. 14 e ss. 73. Cf. Wieacker, op. cit., pág. 391. Ver também Alexandre Corrêa, "A Concepção Histórica do Direito e do Estado" reproduzido na Revista da Universidade Católica de São Paulo, vol. XXXVII, julho-dez., 1969, fases. 71-72, São Paulo, pág. 320, nota 12 3. 58 TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. rorfüútàs. Reaparecia, nesses termos, a sistemátiêa jusnatu ralista. \Na prática, a ênfase depositada expressamente na · ii intuição do jurídico, nos institutos, cede lugar a um sisre,ma de construção conceituai das regras d�to é, se de um lado a intuição aparece como o único instrumento de capt.aç_�o adequada da totalidade represe ntada pelo instituto, de outro o pe nsamento conceituai lógico-abstrato revela-se como o mais necessário� único de sua explicitação.� A Escola Histórica marca o aparecimento daquilo que Koschaker denomina "o Direito dos professores".75 O "Di reito dos professores" aparece quando, sob certas condições, a tô nica na ocupação com o Direito passa para as Faculdades de Direito e para seus mestres. Isso não quer dizer que o Direito passasse a ser criado e construído pelos professores, mas sim que a doutri ava a ocu ar um lugar mais im p.ortant�raxi�� os doutrinadores a terem uma pfêceclencia sobrç, o�ráticos. Tal ênfase, conseqüentemente, dava à doutrina urna certa independência em relação a um poder central, pois os professores não viviam necessaria mente nas capitais, mas atuavam fora do âmbito político. Esta oposição entre teoria e praxis no século XIX tem, entretã'irtõ. um aspect�l: Savig ny, por exemplo, nunca teve urna reTàçãopositiva com a praxis do dia-a-dia, qUe�enão che'gou a conhecer. Em seüsh vros, abas, naõ surgém-citações de decisões, nem tinha ele um contato pessoal com os práti cos. Apesar disso, curiosamente, ele possuía um se ntido para o I trabalho prático do .iE.:is:::.:t=ª=-· ..::S:.:: e ::: u·�s...cl :.:. 1.:..vr::.::o�s:....:.::n =ão:::....:e::.:n""s""m"'iãVafif= a pura História do,Direito, mas a do Direito vigente. Ele pró-----'-'------ . � prio exigia, assim, uma conexão entre teoria e praxis, criti- cando a possibilidade de tra nsformar ta nto a teoria em jogo 74. Cf. Walter Wilhelm, Zur juristischen Me1hodenlehre im 19 Jahr.hunderr, FrankfurúM., 1958, págs. 61 e 32. 75. Ver Koschaker, pág. 211. Ver também Savigny, System, § 14. FUNÇÃO SOCIAL DA OOGMÁ TICA JURIDICA 59 '::vulo, quanto a praxis num simples trabalho artesanal. TÕd� .� via, ao distinguí-las, contribuiu paradoxalmente para uma / aeparaç�o entre ambas, �ue j�:\,m�ara � os movimentos ' da Direito Natural nos seculô'.pmtenores, ·• Tal separação, contudo, não impediu que os práticos, ·· tducndos nas universidades, viessem a criar condições para Influenciar por intermédio da doutrina professoral as decisões Judiciárias, na medida em que as teorias, maravilhosamente i:on11truídas pelos teóricos, enco ntravam ali enorme resso nancia. Entretànto, a grande influência dos professores não se deu através disso mas, sobretudo, por meio da legislação que "'presentou, por assim dizer, �ua grande vitór�a. O que nã� � ,olxa d r uma vitória paradoxal, na medida em que a t\'",icol@ Histórica, es e v1gn , acentuava o va or prepo� · . ler� go esp11;,to do povo sobre as turbações de uma co3!!i- : �no extemporanea. � Assim, a Escola Histórica ai,i:meatou o abjSWO €RtJ:-G a ; l('nrl� � a praxis que vinha do jusnaturalismo,=com influê n� '. rlnÍnté o dia d� hoje no ensi no universitá:i,o. Puchta, que1'01 1cú ê:í'iscípulo, ao transformar o conceito de espírito dQ...l'?QY.9 em uma categoria formal do conhecimentojur_ídi��. r�ti rci1\CÍõ-lhe q"uer ó caráter �sfilosóflco. guer as implicações_ 16c1õ-fifstóricas, realizou uma.tr.ansfoom�ão importante;_p{:ra t,Ü.ÕDireito era o Direito do povoJ§l!lé, b Direito que sur �IM clu convicção íntima e comum ào povo.77 Mas o modo polo qual se formava esta convicção, isso absolutam�nte _ não lho h,teressava. Deste modo, consegue ele uma .• �cnlrC o Direito posto e q Direito formado na co nsc1�1s ló�kgis�u máximo re2re!?� -'� eufir'ill'{o; entretanto, a _ereocupaçã� Escol�, de dar ao pen- 1ft, KnHclmkc1·, pág. 256. . . . . n. t:r. Ocorg Fricdrich Puchta, Kursus der /nsmutwnem, Le1p:i;1g, 1841, 3 vols., l, • ln, 60 TERCJO SAMPAIO FERRAZ JR. sarnento jurídico um caráter científiJ;.Q.. através da incorpo-cc-ração da História do Direito ao pensamento jurídico, acabou assumindo um caráter àsGorativo. Ao seu lado dela se desta---- _,, ' cando, sobressai a Dogmática Jurídica como uma teoria do Direito vigente, enquanto algo que não pertence à ciência, ainda que Savigny nunca tivesse dito isto. Paradoxalmente, no entanto, nesse sentido a _DQglllática foi pouco a pouco ocu � ndo o lugar prin9�. A parte histórica, que correspon détcà Ciência do Direito propriamente dita, foi-se tomando uma disciplina capaz de estabelecer aquilo que era ainda uti lizável, hoje, do Direito Romano. Com isto, se lhe assinalou apenas uma função preliminar e secundária em face da Dog mática, perdendo sua importância não só nos compêndios, como também, no ensino. Em resumo, podemos dizer que a uilo que a r�. r:_presentou para os �naturalistas passou"a ser substitu�o p�enômeno fi�j_ço .. ,S_urgiu, assim, a . Oogmatica moderna desta exigência de uma fundamentação histórica das suas construçoes. Operacionalmente, isto significou . uma síntese do materfal roma'no com a sistemática do jusnatura- . !ismo. Esta vinculação de historismo com uma Teoria do / Direito Prático s_ustou à Ciência do Direito, no ..s.el)tido de ci Ancia histórica, uma falta de cigm.que, oo entanto, foi com pensada pe o eno e desenvolvimento da pogmática desde então. -· Este aparente paradoxo, em que uma concepção metodologicamente histórica do Direito desemboca numa sewação entre Ciência e Dogmátic,ll, caso em que esta assume tanto uma posição relevante, quanto um tom até certo P<?.!!!º distanciado dos Rróprios feoârnenos históricos, pode ser desfeito se atentarmos ao próprio conceito de História que 78. Koschaker, pág. 284. . FUNÇÃO SOCIAL DA DOGMÁTICA JURÍDICA 61 lhe é imanente. �a época moderna,· como assinala Hannah Arendt,79 a História emergiu como algo d1stmto do qnrlonr ::::::::- - - �-'----�- "''--·-'- antes. Enquanto no passadoh�la era composta dos feitos e sõiiirrientos do homem, ªº'�i�mo tempo em que contava os eve.ntos que afetaram a sua 'vida, agora ela passava a ser vista 0 como um processo, um processo feito pelo homem, o único p�cesso cuja existêQcia tinhasido exclusivamenieuifüi reali zação humana. Note-se que não se trata de um conjunto de ações humanas, recolhidas do seu acontecer efêmero, mas sua própria experiência que, como um todo, teve um começo, tem um meio e há de ter um fim. Neste sentido, o homem faz a História. Tendo como pano de fundo esta concepção esquema ticamente apresentada, podemos entender que, o Direito passava a ser assumido como um fenômeno histGr�o s"êrític:lo de que estava na História, ist� d� _qp�-��!!}id..o da temporalidade efêmerá' do acontecer _ga� ações humanas.. __,,.- @ªS no sentido de que era História na sua. essenci.alidade - �m processo feito pelo homem_; º Entretanto, como este pro cesso é análogo ao da fabricação (a História como um fazer e não como um agir), ele também tem começo, meio e fim. Ora, o �Direito f� caba do processo é o Direito vigente .. Destarte, cancela-se a imortalidade das ações húmanas do \ passado, pois o processo, quando acaba, toma irrelevante tudo o que aconteceu. Para o Direito vigente, o passado \\adquire, então, o mesmo sígníficado gu_e� t_ ábtI_�s�e ��- pr. egos' \�àra uma mesa atabada.81 Entende-se, por isso mesmo, que, embora a Escola Histórica insistisse na historicidade do / método, ao cabo da pesquisa o resultado se tornasse mais 79. Hannah Arendt, pág. 89. 80. Cf. Arthur Kaufmann, Naturrecht und Geschichtlichkeit, Tübingen, 1957, pág. 25. 81. A imagem é de Hannah Arendt, op. cit., pág. 115. 62 TERCIO SAMPAIO �RRAZ JR. importante do que a própria investigação que o precedera .. Daí a presença que a Dogmática do Direito vigente assume no pensamento jurídico em relação à sua história. As condicionantes que permitem o aparecimento do pensamento dogmático como uma teoria autônoma do Direito vigente, separada da indagação da sua origem, remontam aos séculos XVI a XVID. Um dado importante nest 'p� que o Direito se tOfl!.�...ll.eZ...mais Difei�ito, Ol:Jué oCorreu quer pelo_1!,pic,!�5rescbnento da qiiant.idade...<kjeis, - ���·pe1�ão ofi�i�I .. u���ecretacão da major parte <10�, costumes. Além disso, o fenômeno da recepção do Direito Roiiiãnf> veio propiciar o surgimento de hierarquias de fõntês, distingiifüão-se, pela ordem, �ntre as�, os costumes e o Direito RorrJ..!!!!.º· Quanto ao primeiro g�o, embora a ex pressão "Direito escrito" (também dito Direito comum ou Direito comum escrito) não seja muito precisa,.parece que se referia ao chamado j"tJS comm � o Direito comum a todas cidades e vilas, em Ôposição a )ts f!!Oprium p�u)iar a cada uma dei� distinção já corrente na Itália a partir do século x11.s2 . . O fato de que o Direito se toma escrito revela novas condições para o aparecimento do pensamento dogmático como uma forma autônoma. A fixação do Direito em textos esg:itos, ao mesmo tempo __gue aumenta ��a e a pre cisão do seu entendiment-2z. ªê:!ça também a consciência �os Ijmites. A possibilidade do confronto de diversos sistemas· �resce e, com ·isso, aumenta a dis onibilidade qas fontes, a qual está na essência o aparecimento das hierarquias; estas, no início do período, ainda, afirmam a sober,mia do costu�, go Direito não-escrit� sobre o escrito. Pouco a pouco, no 82. Cf. John Giiissen, "Les Problemes des Lacunes du Droit dans l'Évolution du Droit Mediéval et Modeme" in Les Problemes des Lacunes en Droit, editado por C. Perelman, Bruxelas, 1968, págs. 225 e ss. FUNÇÃO SOCIAL DA DOGMÁTICA JURIDICA 63 entanto, a situação se inverte. Para tanto contribui o apareci mento do Estado Absolutista ·e o desenvolvimento pro gressivo da concentráção do p��eroe·1egrs1�--:-Neste período,' a consciência da elabor;çã�iuática cresce, o que pode ser observado pela multiplicação de regras, tendo em vista a organização das diversas fontes disponíveis. Assim, por exemplo, uma regra do jurista Domat: "Se algumas pro víncias ou alguns lugares não têm regras certas para· as difi culdades nas matérias que aí estão em uso, e desde que estas dificuldades não sejam reguladas pelo Direito Natural ou pelas leis escritas, mas dependem dos costumes e dos usos, elas devem regular-se pelos princípios que seguem os costu mes dos próprios lugares. E se isto não regula a dificuldade, é necessário seguir aquilo que se acha regulado pelos costumes vizinhos, que dispõem sobre o assunto e sobretudo pelos das principais cidades."83 A questão de que trata este texto de Domat é a falta de regras certas: portanto, tipicamente, uma questão de lacu.na do Direito. D?mat ensaia, além disso, um_ procedimento de exlclusão, J2.:?CUrando contar casos em� falta de regras certas ão che aria a st�sna. Ta expressão, evidentemente,. não aparece e, com isto, ele acaba circunscrevendo a questão a casos que dependam de costumes e usos mas que naÔsejam por_�stes resolvid0s, pro póndo duas soluções: inicialmente, u�s �xtraíV�Q.U?!?prios costumes do lugar; e�aso este falhe, o recurso à �a c<,>m cosíúmes de lugares vi�iajjos. b texto de Domat. assinala a preponderãriciã dosusos e costu mes locais, verifica a ossi · · a falta de r�ra própria, ensaia uma hierarquia de fontes supletivas e pondera, num caso extremo, _a_possibilidade de duas regras decisivas_: prin cípios e analogia. �pesar disso, faltam alguns requisitos para 83. Domat, Les lois Cíviles dans leur Ordre Naturel, livre prel., t. 1, section 2, n. 20, ed. de 1735, pág. 9, citado por Gilissen, cit., pág. 223. r ' 1 ; 64 TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. q ue a elaboração dogmática ass uma um estat u to teórico pec uliar. Na verdade, a simples constatação de dific uldades não-resolúveis por regras próprias não chega a constituir uma Dogmática no sentido do séc ulo XIX, embora certamente constit ua um raciocínio dogmático. Afinal,�ó-, rica da Dogmática não é uma uestãõcte!fng ua-objeto, mas 4.e meta mgJ,Ja. . em aprofundar a distinção entre estas d uas noções, apontamos, através de um exemplo, o q ue elas suge- . rem. A�m, q uando falamos ef!! português· "isto é....um íl cavJ!!.o", usamos uma línguai mas q uando dizemos "c.walo tem três sílaàas", falaJ!!Qs em portug uês sQ!2re o português, o u �eja, há uma diferença entre usar uma língua e menciortar ul!!a líng u3:- Podemos dizer q ue, no caso, o uso "isto é um cavalo" toma-se objeto da menção "cavalo tem três sílabas". A_primeira asserção pertence à língua-objeto; a segunda à metalíngua. � . - r Pois bem: ?._Iaciocínio dogmático pode.já..�rrer ao nível da língua-objeto, No caso, reflete-se sobre a falta de -regras próprias q ue devem ser s uplementadas por outras. Mas urua Teoria Dogmática do Djreí\Q exige, não q ue a falta de, ,regras próe_rias, mas� �m, q ue a relação entre fai\a � o nso de putras re� uplementares se tome uma q uestão. J;xige, pois, um gra u de abstração maior. Ora, tanto a falta de regras próprias utilizáveis, q uanto o uso de o utras s uplementares são . q uestões ao nível da língua-objeto. Domat percebe este pro blema, q ue é uma q uestão de j urisdição de casos concretos, mas não atina ainda com JLllI9blema metalingüístico q ue s uas regras - no caso, "proc urem-se os princípios e, na falta d<:_stes, a�ia" - revelam. Mas por q ue Domat não àtina com esta metaquestão? Faltam aq ui, ainda, condições q ue só_.. irão çonsolidar-se - consolidar-se e não aparecer - já para o� Tins do século xvm e começos do século XIX,..._De fato, ,, FUNÇÃO SOCIAL DA DOGMÁTICA JURID!CA 65 . estas �dições estão na dependência da consolidação de : 'grandes princípios de orgamzaçao pohbca méÕrporados pelo · processo de positivação do D1v�ito. Temos, pois, d uas Ofliefls dê condições a serem e"'�ritijladas: políticas e júrídic�. Quanto .às primeiras, assinafaremos a so'bêrania nacionaEe a separação dos podere� q uanto às segundàs, o caráter privile- gia,d_o::-'q.a..;ufe-; a ;; l..:..ei_:.:.as::.:s:.::uE:e- enq uanto fonte do Di�eito,
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