Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Rev. bras. fisioter. Yol. 5 No. 2 (2001), 87-94 ©Associação Brasileira de Fisioterapia O MÚSCULO COMO UM ÓRGÃO DE SECREÇÃO HORMONAL REGULADO PELO ESTÍMULO MECÂNICO Minamoto, V. B. 1 e Salvini, T. F.2 1Programa de Pós-graduação em Ciências Fisiológicas, Universidade Federal de São Carlos 2Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos Correspondência para: Tania Fátima Salvini, Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos, Rodovia Washington Luiz, km 235, CEP 13565-905, São Carlos, SP, e-mail: tania@power.ufscar.br Recebido: 28/02/00- Aceito: 29/09/00 RESUMO O objetivo dessa revisão é apresentar estudos recentes que identificaram a relação entre o estímulo mecânico aplicado ao músculo e a expressão gênica de fatores de crescimento pelo próprio músculo. Os fatores de crescimento, secretados pelos músculos esqueléticos, quando submetidos a um aumento de tensão muscular, são similares ao fator de crescimento insulínico (IGF-I) e regulam a síntese protéica e a hipertrofia muscular. Estudos recentes sugerem que um desses fatores, denominado "mechanical growth factor" (MGF), seja o sinal molecular para a hipertrofia, isto é, o elo de ligação entre o estímulo mecânico ao qual o músculo é submetido e o aumento da síntese protéica que resulta na hipertrofia muscular. Acredita-se que ele seja o principal fator de crescimento que controla o crescimento e a reparação muscular esquelética e cardíaca. Serão também abordadas algumas implicações entre o efeito desses hormônios e a realização dos diferentes tipos de exercícios físicos. Palavras-chave: hipertrofia, estímulo mecânico, MGF, IGF. ABSTRACT The aim of this review is present recent studies which identified the relation between a mechanical stimulus submitted to the muscle and the gene expression of growth factors by the own muscle and also discuss its implications in the rehabilitation area. The growth factors, secreted by the skeletal muscle when submitted to an increase muscle tension, are similar to the insulin-like growth factor (IGF-I) and they regulate the protein synthesis and the muscle hypertrophy. Recent studies suggest that one of these factors, denominate "mechano growth factor" (MGF), is the molecular signal for lhe muscle hypertrophy, that is, it is the link between the mechanical signal submitted to the muscle and the protein synthesis increase, which result in a muscle hypertrophy. It is believed that it is the main growth factor which control the growth and repair in the skeletal and cardiac muscle. Key words: hypertrophy, mechanical signal, MGF, IGF. INTRODUÇÃO O objetivo desta revisão é apresentar estudos recen- tes que identificaram a relação entre o estímulo mecânico aplicado ao músculo (por exemplo, exercício excêntrico) e a expressão gênica de fatores de crescimento pelo pró- prio músculo. Esses fatores de crescimento regulariam a sín- tese protéica e a hipertrofia muscular. A grande novidade desses trabalhos é que revelaram um aspecto pouco estudado do músculo esquelético: sua fun- ção secretora hormonal. Particularmente, foi interessante a observação de que essa ação secretora pode ser regula- da pelo estímulo mecânico. Artigos publicados em revistas de divulgação têm especulado que esses fatores de crescimento produzidos pelo músculo e considerados como "anabolizantes fisiológicos" podem ser, em um futuro próximo, utilizados de modo co- mercial para estimular a hipertrofia do músculo esquelético. Essa especulação tem fundamento, pois a hipertrofia muscular é um objetivo freqüente a ser atingido no trata- mento e na reabilitação de diferentes patologias do siste- ma locomotor, assim como para a melhora no desempenho de diversas atividades esportivas. Além disso, não há como negar que um bom desem- penho muscular tem sido objeto de desejo de boa parte da população mundial. 88 Minamoto, V B. e Salvini, T. F. Rev. bras . .fisiota HIPERTROFIA DO MÚSCULO ESQUELÉTICO A hipertrofia do músculo esquelético pode ser consi- derada um aumento do número de miofibrilas que compõem a fibra muscular, aumentando o diâmetro muscular e gerando uma maior capacidade de produção de força contrátil. A hipertrofia ocorre durante o crescimento do músculo e em resposta a exercícios intensos de sobrecarga muscular, como, por exemplo, nos exercícios contra-resistidos, nos quais o indivíduo executa um movimento contra uma resistência. Há muita controvérsia na literatura sobre os mecanismos relacionados a esse fenômeno e as formas mais apropria- das para sua obtenção por meio do treinamento físico. A hipertrofia da fibra muscular, associada, por exemplo, ao treinamento contra-resistido, é considerada como resultado do aumento da taxa de síntese protéica muscular e tem sido observada em diversas espécies animais e em humanos. De modo geral, a hipertrofia muscular tem sido asso- ciada a duas alterações estruturais: a hipertrofia da fibra mus- cular (aumento do diâmetro de uma fibra preexistente) e a hiperplasia (aumento do número de fibras musculares). Em relação à hiperplasia muscular, os resultados e as interpretações da literatura são mais polêmicos porque, embora ela tenha sido observada em gatos submetidos ao treinamento contra-resistido (Gonyea, 1980), esse mesmo efeito não foi observado em músculos de ratos (Gollnick et al., 1981) e camundongos (Timson et al., 1985), nos quais um treinamento similar levou à hipertrofia das fibras, mas não à hiperplasia. Em humanos, alguns estudos mostraram hiperplasia somente após treinamento contra-resistido rea- lizado com intensa sobrecarga muscular (Larsson & Tesch, 1986; McCall et al., 1996). De modo geral, a fragmentação das fibras muscula- res em músculos submetidos à sobrecarga não é uniforme, ocorrendo principalmente em uma das porções do músculo e não no músculo como um todo (Vaughan & Goldspink, 1979). Assim, postula-se que a hiperplasia da fibra mus- cular possa ocorrer no músculo esquelético dos mamíferos, sendo a tensão imposta às fibras musculares considerada um fator-chave nesse processo. Como ocorreria a hiperplasia no músculo esquelético? Tem sido proposto que a fibra muscular submetida ao trei- namento intenso seja capaz de se dividir e que cada um desses novos fragmentos possa se desenvolver e tornar-se uma nova unidade funcional, após receberem inervação própria. Sabe- se que as células satélites, que estão intimamente relacionadas à regeneração dos músculos esqueléticos após lesão, também estão envolvidas no processo de hiperplasia da fibra muscular (Antonio & Gonyea, 1993). As células satélites são célu- las miogênicas quiescentes, localizadas entre a lâmina basal e o sarcolema. Elas apresentam a habilidade de se diferen- ciarem em mioblastos, sendo sua principal função a rege- neração da fibra muscular após a lesão (Mauro, 1961 ). É importante ressaltar que, embora as alterações estruturais, como a hipertrofia e a hiperplasia, tenham sido observadas no músculo esquelético após treinamento contra- resistido, o ganho de força muscular também está associado a adaptações neurais. Ou seja, a força muscular não tem, necessariamente, uma relação direta com o grau de hipertrofia do músculo, podendo ocorrer aumento da força de modo independente do aumento da massa muscular (McDonagh & Davies, 1984; Staron et al., 1994 ). Além disso, o ciclo circadiano também parece estar relacionado à hipertrofia muscular. Um estudo recente, que analisou a hipertrofia dos músculos esqueléticos em qua- tro espécies de pássaros, identificou que eles apresentaram significativa hipertrofia do músculo peitoral no período pré- migração, mesmo quando os animais eram submetidos à restrição de movimentos (Dietz et al., 1999). Ou seja, os animais desenvolveram hipertrofia independentemente da atividade física.O CONTROLE HORMONAL DA HIPERTROFIA MUSCULAR O crescimento muscular durante a fase pós-natal é regulado por meio de um controle hormonal sistêmico, prin- cipalmente pela insulina e pelo hormônio do crescimento (GH). Já a hipertrofia observada no músculo do indivíduo adulto, associada ao treinamento físico, é decorrente do au- mento da tensão muscular e ocorre por um controle local. Apesar da importância dos hormônios para a hipertrofia muscular, sabe-se que há uma complexa interação de ou- tros fatores no crescimento do músculo esquelético, como, por exemplo: fatores genéticos, nutricionais e atividade física (Vandenburgh, 1987). Como exemplo dessa complexa interação entre os fato- res relacionados à hipertrofia muscular, podemos dizer que a hipertrofia não ocorreria de forma eficiente se o indivíduo apresentasse níveis hormonais normais e desenvolves- se atividade física adequada, mas se tivesse uma deficiên- cia nutricional importante, o que inviabilizaria o fomecimento dos diversos aminoácidos necessários à síntese protéica. A insulina é um hormônio de ação metabólica sinte- tizada nas células ~do pâncreas (na forma de pró-insuli- na) e age principalmente no fígado, no músculo esquelético e no tecido adiposo. Esse hormônio é responsável pela estocagem de carboi- drato, gordura e proteína nas células teciduais. Há evidências de que seu efeito no crescimento celular é diminuído ou mesmo abolido na ausência do GH, uma vez que estes hormônios promovem a entrada de diferentes aminoácidos nas células (Guyton & Hall, 1996). O GH é um hormônio secretado pela hipófise anterior, que atua em quase todos os tecidos do corpo, promoven- do o aumento do tamanho das células e do número de mitoses (Florini et al., 1996). Diversos estudos sugerem que sua ação Vol. 5 No. 2, 2001 Função Secretora do Músculo Regulada pelo Estímulo Mecânico 89 em promover o crescimento muscular não seja direta, mas ocorra via estimulação do fator de crescimento insulínico (insulin-like growthfactor: /GF-1). Ou seja, a hipófise secreta o GH, que quando se liga a receptores encontrados, por exem- plo, no fígado, promove a síntese do IGF-1 (Fiorini et al., 1996; Guyton & Hall, 1996). O IGF-1 atuaria, então, na sín- tese protéica de diversos tecidos, entre eles os músculos esqueléticos. Tem sido sugerido também que o GH possa ter uma ação direta nas células satélites, ativando sua proliferação e levando à adição de mionúcleos na fibra muscular (Halevy et al., 1996). FATOR DE CRESCIMENTO INSULÍNICO-IGF O IGF é um fator de crescimento que, juntamente com a insulina, compõe o que se denomina família IGF, uma vez que apresentam, aproximadamente, 50% de similaridade entre seus aminoácidos. Assim, essa família possui pelo menos três componentes: insulina, IGF-1 e IGF-II (Ciemmons, 1989; Roith, 1997). Ambos, IGFs I e li, possuem várias funções nos dife- rentes tecidos, as quais podem ser resumidas em duas prin- cipais ações biológicas: uma ação metabólica, como a da insulina, e uma ação que estimula o crescimento, como, por exemplo, a divisão celular (Clemmons, 1989; Goldspink & Yang, 1999). O IGF-1 apresenta 70 aminoácidos, sendo 48% deles homólogos à insulina. É sintetizado no fígado e provavel- mente em outros tecidos, inclusive na fibra muscular, via ativação do GH, conforme descrito. Sua ação no metabo- lismo celular ocorre de duas formas: estimula o aumento da síntese protéica e diminui a degradação protéica (Adams, 1998; Clemmons, 1989). Como pode ser observado na Figura I, além de sua síntese ser regulada por via endócrina, por meio do GH, o IGF-1 também pode ser regulado de maneira autócrina/ parácrina (Adams, 1998). O IGF-II é um fator de crescimento que apresenta 67 aminoácidos, sendo que 50% deles são homólogos à insulina e ao IGF-1 (Clemmons, 1989). Suas funções são similares às do IGF-1, sendo que sua atividade mitótica é muito im- portante na determinação do número de células no músculo e em outros tecidos. Sua importância é mais significativa durante a embrio- gênese, quando apresenta maior concentração na circula- ção sangüínea, sendo, portanto, conhecido como a forma embriônica do IGF-1 (Goldspink & Yang, 1999). Estudos também relacionaram uma maior concentração do IGF-II em estados cancerígenos (Roith, 1997). A) Ação sistêmica Crescimento somático 8) Ações autócrina/parácrina Células-satélite l.IGF-1 7 MGF ~ I Dú l.IGF-1 1 Miofibras MGF \. D ~ Figura 1. O IGF-1 pode ser visto em dois diferentes contextos: (A) IGF-1 como intermediário no controle regulado pelo hormônio do crescimento (GH), ou (B) IGF-1 agindo como fator de crescimento autócrino e/ou parácrino, com ação local na fibra muscular. (Adaptação de Adams, 1998.) No sistema muscular, tanto o IGF-1 quanto o IGF-11 estimulam o crescimento, a regeneração e a diferenciação celular (Roith, 1997). Atualmente, o IGF-1 é o mais estu- dado, e trabalhos recentes mostraram que a hipertrofia e as alterações no fenótipo da fibra muscular, induzidas por ele, são mediadas pelos íons cálcio e ocorrem por meio da ati- vação da proteína calcineurina por esses íons (Musaro et al., 1999; Semsarian et al., 1999). Sabe-se também que o me- canismo pelo qual o IGF-1 produz hipertrofia muscular envolve pelo menos dois fatores: a ativação das células satélites e o aumento da síntese protéica nas fibras musculares (Barton-Davis et al., 1999). IGF -I MUSCULAR E MECHANO GROWTH FACTOR (MGF): FATORES DE CRESCIMENTO ASSOCIADOS AO ESTÍMULO MECÂNICO Sabe-se que algumas células têm capacidade de res- ponder a estímulos mecânicos e possuem mecanismos locais para o controle de crescimento, remodelamento e re- paração celular. Essas células, denominadas mecanócitos, conseguem estabelecer uma relação entre um sinal mecâ- nico e a regulação do crescimento muscular. As fibras musculares esqueléticas e cardíacas, os fibroblastos e os osteo- blastos, são alguns exemplos de mecanócitos (Goldspink, 1998, 1999a). Recentemente, foram identificadas e clonadas duas isoformas ou variações ( splices) do IGF-I que são expressas no músculo, sendo que esta expressão é também regulada por estímulos mecânicos. 90 Minamoto, V. B. e Salvini, T. F. Rev. bras . .fisiota Uma dessas isoformas, denominada !CF-I muscular é expressa no músculo em condições normais, por meio de uma ação endócrina ou sistêmica, também via hormônio do crescimento. A expressão do IGF-I muscular também ocorre por meio de uma ação parácrina local, quando o músculo é submetido a um aumento da tensão, como, por exemplo, induzida pelo alongamento e pela eletroestimulação (Gol- dspink, 1998). Sabe-se que o fígado dos mamíferos é a principal fonte de origem do IGF-I circulante, exceto durante exercício intenso, quando o músculo produz e usa a maioria do IGF-I circulante (Brahm et al., 1997). Assim, durante a realização de exer- cícios físicos o IGF-I muscular é o principal contribuinte do aumento dos níveis circulantes do IGF-I produzido pelo fígado (McKoy et al., 1999). Essa contribuição do músculo ativo com os níveis circu- lantes do IGF-I é muito importante, uma vez que o IGF-I tem sua concentração sérica diminuída com a idade (Figura 2), e acredita-se que o IGF-I muscular produzido durante exercício seja muito importante para a manutenção da massa muscular(Coleman etal., 1995; Goldspink, 1998, 1999b). -Mulheres Homens 1.000 800 600 ~ s ~ 400 200 ~ o < 5 6-8 9-11 12-15 16-24 25-39 40-54 Idade (anos) Figura 2. Média de concentrações séricas do IGF-1 em indivíduos normais desde o nascimento até a vida adulta. O número de indivíduos em cada grupo variou de 40 a 195. (Adaptação de Roith, 1997.) A outra isoforma muscular identificada, denominada mechano growth jactar (MGF),é expressa somente em músculos submetidos a aumento de tensão, como, por exemplo, durante a realização de alongamento excêntrico ou exercí- cio contra-resistido intenso e apresenta um modo de ação parácrina (Yang et al., 1996; Goldspink, 1998, 1999b). É interessante notar que a síntese do MGF é independente do GH e, assim, ele é expresso mesmo em condições de hipo- fisectomia. Recentemente, foi demonstrado que o processo de hipertrofia muscular, decorrente do aumento da tensão muscular, é dependente do MGF, sendo este o responsável pela interação entre o sinal mecânico (carga ou alongamento) e a regulação do crescimento muscular (Goldspink, 1999a; McKoy et al., 1998). Estudos recentes sugerem que o MGF seja o sinal molecular para a hipertrofia, isto é, seria o elo de ligação entre o estímulo mecânico ao qual o músculo é submetido e o aumento da síntese protéica que resulta na hipertrofia muscular (Figura 3). Em outras palavras, o MGF é um fator de crescimento produzido pelo músculo submetido ao aumento de tensão. Acredita-se que ele seja o principal fator que controla o crescimento e a reparação muscular esquelética e cardíaca (Skarli et a!., 1998). A Sarcolema Sinalização parácrina I +---- Sinalização autócrina Figura 3. Função proposta para o MGF no processo de hipertrofia do músculo esquelético. (A) Sobrecarga muscular estimula (B) a produção e a secreção do MGF. Este MGF pode agir como um fator autócrino (C), possibilitando a estimulação dos processos anabólicos da fibra muscular, e como um fator de crescimento parácrino (D), atuando sobre as células-satélite e, possivelmente, sobre outras mio- fibras. (Adaptação de Adams, 1998.) Yol. 5 No. 2, 2001 Função Secretora do Músculo Regulada pelo Estímulo Mecânico 91 A maneira pela qual este sinal molecular traduz um estímulo mecânico em síntese protéica ainda não está bem determinado, mas, como pode-se observar na Figura 4, sabe- se que o citoesqueleto e a matriz extracelular estão envolvidos nesse processo (Goldspink, 1998). De modo contrário ao IGF-I muscular, o MGF apre- senta somente uma ação local, não tendo sido detectado no sangue. O MGF liga-se a uma proteína específica denominada BP5, cuja presença foi confirmada somente nos espaços intersticiais do músculo e nos tecidos nervoso e ósseo (Goldspink, 1999b). Já foi demonstrado que o MGF é expresso em mús- culos de humanos (Yang et al., 1996), camundongos (Gol- dspink et al., 1996) e coelhos (Yang et al., 1997; McKoy et al., 1999) quando submetidos à imobilização com o mús- culo em posição de alongamento. Também pode-se observar que quanto maior a tensão muscular, maior será a expressão protéica, induzida pelo MGF. Assim, a imobilização de músculos de coelhos em posição de alongamento e excitado com eletroestimulação (modelo de exercício excêntrico intenso) provocou uma maior síntese protéica quando comparado ao grupo submetido somente ao alongamento (Goldspink et al., 1992; Figura 5). Outro resultado interessante foi observado em músculos de animais distróficos (com ausência ou deficiência da pro- teína distrofina) que, mesmo após serem submetidos ao alongamento intenso, não apresentaram expressão do MGF (Goldspink et al., 1996), sugerindo que a distrofina tenha um papel importante no sistema mecano-tradutor do músculo esquelético. É importante lembrar que a ausência da distrofina leva à alteração no citoesqueleto, o que também sugere um Posição alongada Membrana Matriz extra-celular Sinal molecular possível papel do citoesqueleto no mecanismo de mecano- tradução da fibra muscular. Embora algumas dúvidas relacionadas ao papel do MGF no crescimento celular tenham sido esclarecidas, mais estudos serão necessários para identificar outros mecanismos com os quais o MGF possa estar relacionado, como, por exemplo, na regeneração muscular, que também envolve o aumento da síntese protéica. IMPLICAÇÕES PARA A REABILITAÇÃO Durante o processo de envelhecimento são observa- das alterações cardiovasculares, respiratórias, na força mus- cular e na composição corpórea (Wilmore & Costill, 1999), o que implica a redução da capacidade funcional e a auto- nomia do indivíduo para realizar suas atividades da vida diária. Além disso, estudos indicam que, embora haja um declínio significativo do desempenho individual, entre 40- 50 anos, essas alterações são significativamente menos pro- nunciadas nos indivíduos idosos ou em fase de envelhecimento que praticam regularmente atividades físicas (Frontera et al., 1988; Cress et al., 1991; Wilmore & Costill, 1999). De modo geral, após os 50 anos inicia-se a sarcopenia (perda de sarcômeros e de fibras musculares) e a atrofia das fibras musculares. Estima-se que ocorra uma perda de 10% do número de fibras musculares a cada década (Lexell et al., 1988). Assim, um indivíduo sedentário perderia em média 30% do número de fibras musculares entre 50 e 80 anos de idade. A literatura tem indicado que exercícios aeróbios tem pouco efeito sobre a perda de massa muscular durante o desenvolvimento (Trappe et a!., 1996). Posição relaxada Figura 4. Esta figura ilustra a maneira pela qual o citoesqueleto está envolvido no mecanismo de mecano-tradução em diferentes tipos de célula. No sistema muscular, este mecanismo é mais complexo e envolve a distrofina, a qual é ligada à actina dentro da fibra, mas cruza a membrana e é ligada à matriz extracelular via laminina (merosina). A deficiência na distrofina ou na laminina resulta em distrofia. (Adaptação de Goldspink, 1998.) 92 Minamoto, V. B. e Salvini, T. F. Rev. bras. fisioteJ: Por outro lado, os exercícios para aumento de força muscular, como os contra-resistidos, tanto reduzem a atrofia durante o envelhecimento como estimulam a hipertrofia muscular nesses indivíduos (Lexell et al., 1988). A quantidade de indivíduos idosos envolvidos com alguma atividade física tem aumentado dramaticamente nos últimos 25 anos (Wilmore & Costill, I 999). Os resultados de vários estudos evidenciam que os benefícios obtidos com a atividade física estão relacionados não somente ao exercício aeróbio (Cress et al., 199 I; Warren e! al., 1993), mas também à atividade anaeróbia (Costil et al., I 979; Frontera et al., 1988; Lexell et al., I 995; Tracy et al., 1999). Assim, embora indivíduos idosos devam realizar exer- cícios aeróbios, que promovem benefícios em vários sis- temas, como o cardiovascular, o respiratório, o imunológico etc., esses indivíduos devem também executar exercícios para o aumento da força muscular, como os exercícios contra- resistidos, pois eles são mais efetivos tanto na manutenção da massa muscular como no desenvolvimento da hipertrofia muscular (Wilmore & Costill, 1999). Como a quantidade circulante de IGF-1 diminui com a idade (Figura 3), fica fácil compreender como a realização de exercícios contra-resistidos e/ou exercícios excêntricos são fundamentais tanto para a manutenção como para es- timular a hipertrofia muscular, uma vez que só o aumen- to da tensão intramuscular estimula a expressão do IGF-1 muscular e do MGF. Assim, é fortemente recomendável que esse tipo de treinamento seja realizado ao longo de toda a vida do in- divíduo, particularmente após os 40 anos, com objetivo de evitar a atrofia muscular e manter o tecido muscular esque- lético em condições ideais. O fortalecimento muscular obtido, bem como a ma- nutenção da massa muscular, será fundamental para o in- divíduo executar suas atividades físicas com autonomia durante o processo de envelhecimento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADAMS, G. R., 1998, Role of insulin-like growth factor-I in the regu- lation of skeletal muscle adaptation to increassed loading. Review. Exerc. Sport. Sei. Rev., 26: 31-60. ANTONIO, A. & GONYEA, W. J., 1993, Skeletalmuscle fiber hy- perplasia. Med. Sei. Sports. Exerc., 25( 12): 1.333-1.345. BARTON-DAVIS, E. R., SHOTURMA, D. I. & SWEENEY, H. L., 1999, Contribution of satellite cells to IGF-1 induced hypertro- phy of skeletal muscle. Acta. Physiol. Scand., 164(4): 301-305. BRAHM, H., PIEHL-AULIN, K., SALTIN, 8. & LJUNGHALL, S., 1997, Net fluxes over working thigh of hormones, growth fac- tor and biomarkers of bone metabolism during lasting dynamic exercise. Ca/cified Tissue, 60: 175-180. CLEMMONS, D. R., 1989, Structural and functional analysis of in- sulin-like growth factors. British Medica! Bulletin, 45(2): 465- 480. %síntese protéica do músculo por dia o 5 I Músculo tibial anterior de coelho I Controle J Não alongado I Controle I I Controle Alongado I 10 Alo ele ngamento e troestimulação Figura 5. Efeito do alongamento e alongamento associado à eletroestimulação no porcentual de síntese protéica do músculo ti~ial an_teri~r de coelho adulto. O alongamento foi realizado por meio de imobilização da extremidade inferior da pata do ammal em pos1çao de flexao plantar. A estimulação foi feita por meio de implantação de eletrodos conectados a um pequeno circuito de estimulação, que gerava pulsos bifásicos à freqüência de 5 Hz. (Adaptação de Goldspink & Goldspink, 1986.) Vol. 5 No. 2, 2001 Função Secretora do Músculo Regulada pelo Estímulo Mecânico 93 COLEMAN, M. E., DEMAYO, F., YIN, K. C., LEE H. M., GESKE, R., MONTGOMERY, C. & SCHWARTZ, R. J., 1995, Myogenic vetor expression of insulin-like growth facto r I stimulates muscle cell differentiation and myofiber hypertrophy in transgenic mice. 1. Biol. C hem., 270: 12.109-12.116. COSTILL, D. L., COYLE, E. F., FINK, W. F., LESMES, G. R. & WITZMANN, F. A., 1979, Adaptations in skeletal muscle follo- wing strength training. 1. Appl. Physiol., 46(1 ): 96-99. CRESS, M. E., THOMAS, D. P., JOHNSON, 1., KASCH, F. W., CASSENS, R. G., SMITH, E. L. & AGRE, 1. C., 1991, Effect of training on V02max, thigh strenght, and muscle morphology in sep- tuagenarian women. Med. Sei. Sports. Exerc., 23: 752-758. DIETZ, M. W., PIERSMA, T. & DEKINGA, A., 1999, Body-build- ing without power training: endogenously regulated pectoral muscle hypertrophy in confined shorebirds. 1. Exp. Biol., 202: 2.831-2.837. FLORINI, 1. R., EWTON, D. Z. & COOLICAN, S. A., 1996, Growth hormone and the insulin-like growth factor system in myogenesis. Endocrine Reviews, /7(5): 481-517. FRONTERA, W. R., MEREDITH, C. N., O'RElLLY, K. P., KNUTTGEN, W. G. & EVANS, W. 1., 1988, Strenght condition- ing in older men: skeletal muscle hypertrophy and improved func- tion . .!. Appl. Physiol., 64: 1.038-1.044. GOLDSPINK, D. F. & GOLDSPINK, G., 1986, The role of passive stretch in retarding muscle atrophy. In: W. A. Nix & G. Urbova (eds.), Electrical Stimulation and Neuromuscular Disorders. Springer Verlag, Berlim and Heidelberg, pp. 98-100. GOLDSPINK, G., SCUTT, A., LOUGHNA, P. T., WELLS, D. 1., 1AENICKE, T. & GERLACH, G. F., 1992, Gene expression in ske- letal muscle in resonse to stretch and force generation. Am . .!. Phy- siol., 262: R356-363. GOLDSPINK, G., YANG, S. Y., SKARLI, M. & VRBOVA, G., 1996, Local growth regulation is associated with an isoform of IGF-I that is expressed in normal muscles but not in dystrophic muscles when subjected to stretch . ./. Physiol., 496: 162. GOLDSPINK, G., 1998, Cellular and molecular aspects of muscle growth, adaptation and ageing. Gerondontolog)> 15(1 ): 35-43. GOLDSPINK, G., 1999a, Molecular mechanisms involved in the de- termination o f muscle fibre mass and phenotype. Adv. Exerc. Sports. Physiol., 5(2): 27-39. GOLDSPINK, G., 1999b, Changes in muscle mass and phenotype and the expression of autocrine and systemic growth factors by muscle in response to stretch and overload . ./. Anat., 194: 323-334. GOLDSPINK, G. & YANG, S. Y., 1999, Muscle structure, develop- ment and growth. Poultry. Meat. Science., 25: 3-18. GOLLNICK, P. D., TIMSON, B. F., MOORE, R. L. & RIEDY, M., 1981, Muscular enlargement and number o f fibers in skeletal muscles of rats . ./. Appl. Physiol., 50: 936-943. GONYEA, W. 1., 1980, Role of exerci se in inducing increases in skele- tal muscle fiber number. ./. Appl. Physiol., 48: 421-426. GUYTON, C. A. & HALL, J. E., 1996, Textbook ofMedical Physi- ology. 9'" ed. Saunders Ed. HALEVY, 0., HODIK, V. & METT, A., 1996, The effects of growth hormone on avian skeletal muscle satellite cell proliferation and differentiation. General and Comparative Endocrinology, !OI: 43- 52. LARSSON, L. & TESCH, P. A., 1986, Motor unit fibre density in extremely hypertrophied skeletal muscle in man: Electrophysio- logical signs of muscle fiber hyperplasia. EU!: 1. Appl. Physiol., 55: 130-136. LEXELL, 1., TAYLOR, C. C. & S10STROM, M., 1988, What is the cause of aging atrophy? Total number, size, and proportion of dif- ferent fiber types studied in whole vatus lateralis muscle form 15- to 83 year-old me . ./. Neural. Sei., 84: 275-295. LEXELL, 1., DOWNHAM, D. Y., LARSSON, Y., BRUHN, E. & MORSING, B., 1995, Heavy-resistance training in older Scandi- navian men and women: short-and long-term effects on arm and leg muscles. Scand . .!. Med. Sei. Sports., 5(6): 329-341. MAURO, A., 1961, Satellite cells of skeletal muscle fibers. 1. Biophys. Biochem. Cytol., 9: 493-495. McCALL, G. E., BYRNES, W. C., DICKINSON, A., PATTANY, P. M. & FLECK, S. J., 1996, Muscle fiber hypertrophy, hyperpla- sia, and capillary density in colloege men after resistance training. .!. Appl. Physiol., 81: 2.004-2.012. McDONAGH, M. J. & DAVIES, C. T., 1984, Adaptative response of mammalian skeletal muscle to exercise with high loads. Eu1: .!. Appl. Physiol., 52(2): 139-155. McKOY, G., LEGER, M. E., BACOU, F. & GOLDSPINK, G., 1998, Differential expression of myosin mRNA and protein isoforms in four functional di verse rabbit skeletal muscles during pre and post- natal development. Developmental Dyanimics, 221: 193-203. McKOY, G., ASHLEY, W., MANDER, 1., YANG, S. Y., WILLIAMS, N., RUSSEL, B. & GOLDSPINK, G., 1999, Expression of insulin growth factor-1 splice variants and structural genes in rabbit skeletal muscle induced by stretch and stimulation . ./. Physiol., 51 6(2): 583-592. MUSARO, A., MCCULLAGH, K, 1., NAYA, F. 1., OLSON, E. N. & ROSENTHAL, N., 1999, IGF-1 induces skeletal myocyte hy- pertrophy through calcineurin in association with GATA-2 and NF- Atc I. Nature, 5: 581-585. ROITH, D. L., 1997, Insulin-like growth factors. Seminars in Medi- cine of the Beth Israel Deaconess Medicai Cente1; 336(9): 633- 639. SEMSARlAN, C., WU, M. 1., MARCINIEC, T., YEOH, T., ALLEN, D. G., HARVEY, R. P. & GRAHAM, R. M., 1999, Skeletal muscle hypertrophy is mediated by a Ca2+- dependent calcineurin sig- nalling pathway. Nature, 5: 400(6. 744): 567-581. SKARLI, M., YANG, S. Y., BOULOUX, P., YELLON, D. M. & GOLDSPINK, G., 1998, Upregulation and alternative splicing of the IGF-1 gene in the rabbit heart following a brief pressure/volu- me overload . ./. Physiol., 509: 192. STARON, R. S., KARAPONDO, D. L., KRAEMER, W. 1., FRY, A. C., GORDON, S. E., FALKEL, 1. E., HAGERMAN, F. C. & HIKIDA, R. S., 1994, Skeletal muscle adaptations during early phase of heavy-resistance training in men and women . .!. Appl. Physiol., 76(3): 1.247-1.255. TIMSON, B. F., BOWLIN, B. K., DUDENHOEFFER, G. A. & GEORGE, 1. B., 1985, Fiber number, area, and composition of mouse soleus muscle following enlargement. .!. Appl. Physiol., 58: 619-624.
Compartilhar