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PENAL II – PARTE ESPECIAL VALDINEI CORDEIRO COIMBRA Advogado (OAB/DF) Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada (Esp) Especialista em Direito Penal e Processual Penal pelo ICAT/UNIDF Especialista em Gestão Policial Judiciária – APC/Fortium Coordenador do www.conteudojuridico.com.br Delegado de Polícia PCDF (aposentado) Ex-analista judiciário do TJDF Ex-agente de polícia civil do DF Ex-agente penitenciário do DF Ex-policial militar do DF vcoimbr@gmail.com CÓDIGO PENAL - TÍTULO I – DOS CRIMES CONTRA A PESSOA Capítulo II – Das Lesões Corporais (Art. 129 do CP) 5. LESÕES CORPORAIS: Conceito. Autolesão. Objeto jurídico. Classificação. Elemento subjetivo. Sujeito ativo. Sujeito passivo. Espécies de lesões: leves, graves, gravíssimas seguidas de morte e culposos. Lesões decorrente violência doméstica Lesão corporal Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. Considerações gerais: Lesão corporal é a ofensa humana direcionada à integridade corporal ou à saúde de outra pessoa. Depende da produção de algum dano no corpo da vítima, interno ou externo, englobando qualquer alteração prejudicial à sua saúde, inclusive problemas psíquicos. Para sua caracterização não se exige a produção de dores ou a irradiação de sangue do organismo do ofendido. Tutela jurídica: A manutenção da integridade física e da saúde das pessoas. Tipo objetivo das lesões leves: o texto legal não define quando uma lesão corporal é leve. Ao contrário, nosso legislador apenas descreve expressamente quando uma lesão deve ser considerada de natureza grave (art. 129, § 1º) ou gravíssima (art. 129, § 2º). Por isso, é por exclusão que se conclui que uma lesão é de natureza leve, devendo ser assim considerada, portanto, aquela que não é grave nem gravíssima. Se no formulário do médico responder negativo para as hipóteses de lesões graves ou gravíssimas, fato será tido como lesões leves. Ofensa à integridade corporal: É o dano anatômico decorrente de uma agressão. É a alteração na anatomia prejudicial ao corpo humano. Pressupõe que o ato agressivo rompa ou dilacere algum tecido do corpo da vítima, externa ou internamente. Os casos mais comuns de lesão corporal são as escoriações, equimoses, cortes, fraturas, fissuras, hematomas, luxações, rompimento de tendões ou ligamentos, queimaduras etc. Equimoses: são decorrentes do rompimento de pequenos vasos sanguíneos (capilares) no tecido subcutâneo, em razão de uma pancada razoavelmente forte, e que conferem coloração roxa à pele pelo fato de não haver rompimento desta, o que impede o imediato extravasamento do sangue. A equimose constitui lesão porque, nela, há rompimento de tecidos — os vasos sanguíneos. A dor, em si mesma: desacompanhada de alteração anatômica ou ofensa à saúde, não constitui lesão. Nesse sentido: “A dor física, por si só, sem o respectivo dano anatômico ou funcional, não constitui lesão corporal. Impõe-se a solução máxime porque, de índole inteiramente subjetiva, a dor só por falível presunção pode ser reconhecida como efeito da violência” (Tacrim-SP — Rel. Silva Franco — Jutacrim 40/89). Eritemas: não constituem lesão, pois são fruto de deslocamento sanguíneo momentâneo para certa parte do corpo, que conferem vermelhidão à pele. Podem decorrer de um beliscão ou tapa. A provocação de eritema em decorrência de ato agressivo pode configurar tentativa de lesão corporal ou contravenção de vias de fato, dependendo de haver intenção de lesionar. O corte de cabelo ou da barba não autorizado pela vítima: constitui lesão corporal, ainda que a intenção do agente seja obter vantagem econômica. Como se trata de parte de ser humano, o cabelo não pode ser considerado objeto material de furto ou roubo, de modo que se alguém corta, clandestinamente ou com violência, os longos cabelos da vítima, com a intenção de vendê-los para que sejam usados na confecção de perucas ou em apliques, o crime a ser reconhecido é o de lesão corporal. Se, todavia, a intenção de quem corta os cabelos é a de humilhar a vítima, estará caracterizada uma forma qualificada do crime de injúria, chamada de injúria real. Além disso, se o agente raspa o cabelo de uma criança ou adolescente que está sob sua guarda, autoridade ou vigilância, a fim de lhe causar vexame, haverá crime mais grave, descrito no art. 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90). Ofensa à saúde: Abrange a provocação de perturbações fisiológicas ou mentais na vítima. Perturbação fisiológica é o desajuste no funcionamento de algum órgão ou sistema que compõe o corpo humano. Ex.: transmissão intencional de doença que afete o sistema respiratório, ministração de alimento ou medicamento na bebida da vítima que provoquem diarreia, vômito ou náuseas, ministração de diurético que a faça urinar repetidamente, uso de gases ou aparelhos de choque que provoquem paralisia muscular etc. Note-se que, nesses exemplos, a perturbação fisiológica é de duração transitória, pois o organismo trata de recompor o funcionamento do órgão afetado. Isso, todavia, não altera a conclusão de que houve ofensa à saúde e torna necessária a punição do agente. Perturbação mental: abrange a causação de qualquer desarranjo no funcionamento cerebral. Ex.: provocar convulsão, choque nervoso, doenças mentais etc. Nesse sentido: “O conceito de dano à saúde tanto compreende a saúde do corpo como a mental também. Se uma pessoa, à custa de ameaças, provoca em outra um choque nervoso, convulsões ou outras alterações patológicas, pratica lesão corporal” (TJSC — Rel. Marcílio Medeiros — RT 478/374). Lesões leves e princípio da insignificância: a doutrina e a jurisprudência têm aceitado a aplicação do princípio da insignificância para reconhecer a atipicidade da conduta quando a lesão ao bem jurídico tutelado é de tal forma irrisório que não justifica a movimentação da máquina judiciária, com os custos a ele inerentes. É o que ocorre quando alguém dá um alfinetada em outra pessoa, causando a perda de uma gota de sangue. Vejamos algumas decisões: A) “Em tema de lesões corporais, é impossível o reconhecimento do delito de bagatela, dada a alegação de serem insignificantes os danos causados à vítima. A integridade corporal é bem jurídico de extrema relevância e, entender-se que alguém possa estar sujeito a agressões, impunemente, ofenderia a dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da Constituição Federal” (TACRIM-SP – 4.ª C. – AP 1.356.265/4 – Rel. Figueiredo Gonçalves – j. 10.06.2003 – RJTACRIM 66/96). B) “Aos crimes de lesão corporal leve não se aplica o princípio da insignificância com o fim de descaracterizar o ilícito penal, uma vez que a integridade física constitui bem superior que merece proteção especial da lei”(TACRIM-SP – AP – Rel. França Carvalho – RT 745/580). C) “Se se reputa insignificante a lesão, ao ponto de não ser reprovável a conduta do agressor, manda a lógica que se entenda ilegítima eventual atitude de defesa, o que é monstruoso contra-senso” (TACRIM-SP – AP – Rel. Corrêa de Moraes – RJD 24/282). D) “A insignificância das lesões corporais não pode ser utilizada como justificativa para se deixar de aplicar a Lei Penal, pois a integridade física é bem maior contra o qual nenhuma ofensa deve ser tolerada” (TACRIM-SP – AP – Rel. Almeida Braga – RJD 28/173). E) “Inadmissível adotar o princípio da insignificância a jogador de futebol, que, expulso de campo por atitudes antiesportivas, agride com uma cabeçada o árbitro da partida, colocando-o ao solo com perda da lucidez momentânea. As causas extralegais de exclusão de culpabilidade não encontram ressonância no ato doloso” (TAPR – AP – Rel. MarquesCury – RT 715/514). F)“O simples tapa de ligeiras proporções constitui fato de total insignificância do ponto de vista jurídico-penal, não merecendo a movimentação da máquina policial e judiciária para solucionar o incidente” (TACRIM-SP – AP – Rel. Galvão Coelho – JUTACRIM 43/296). Sujeito ativo: Pode ser qualquer pessoa. Trata-se de crime comum. Se o agressor for policial em serviço, responde também por abuso de autoridade, não reconhecendo a jurisprudência bis in idem em tais casos. Nesse sentido: “Lesões corporais e abuso de autoridade. Se o agente, além do crime de abuso de autoridade (art. 3º, i, da Lei n. 4.898, de 09.12.1965) também praticar lesões corporais na vítima, aplicar-se-á a regra do concurso material” (STF — HC — Rel. Cordeiro Guerra — RTJ 101/595)”; “A concomitante prática de lesão corporal não resta absorvida pelo crime de abuso de autoridade, devendo ser aplicada, em tal caso, a regra da cumulação das penas” (TJSP — Rel. Jarbas Mazzoni — RT 598/302). Sujeito passivo: qualquer pessoa. Como o tipo penal exige dano à integridade corpórea ou à saúde de outrem, a autolesão nunca se enquadra no conceito de lesão corporal. Assim, se o agente o fizer para simular uma agressão e, com isso, receber o valor do seguro que tinha feito em relação à sua integridade corpórea, incorre no crime de fraude para recebimento de seguro (art. 171, § 2º, V, do CP). Em tal caso, contudo, a vítima é a seguradora. Quem se autolesiona para não prestar serviço militar comete o crime do art. 184 do Código Penal Militar. Cuida-se de crime militar aplicável a quem ainda sequer se incorporou. Lesão do feto: O feto não pode ser sujeito passivo do crime de lesões corporais. Se o agente, intencionalmente, ministra medicamento a fim de provocar deformidade no feto, o fato é atípico. Se a intensão é aborto e não ocorre por circunstâncias alheias à vontade do agente, resultando apenas lesão, o crime será de aborto tentado. Formas de execução: O crime pode ser praticado por ação ou por omissão. Trata-se de crime de ação livre. A provocação de várias lesões na vítima no mesmo contexto fático constitui delito único. Esse fator, todavia, deve ser levado em conta pelo juiz na aplicação da pena-base. Consumação: com a ofensa à integridade corporal ou à saúde da vítima. Trata-se de crime material. A comprovação se faz com o Exame de corpo de delito (direto ou indireto), pois é crime que deixa vestígios, devendo ser atestada a ocorrência da lesão, sua extensão e causas prováveis. Para o oferecimento de denúncia, todavia, basta a juntada de qualquer boletim médico ou prova equivalente (art. 77, § 1º, da Lei n. 9.099/95), sendo que, posteriormente, deverá ser anexado o laudo definitivo de corpo de delito. Na ausência do exame pericial decorrente do desaparecimento das lesões, a prova testemunhal, desde que cabal, pode suprir-lhe a falta. As testemunhas, nesse caso, devem ser claras quanto à natureza e o local das lesões. A tentativa é possível, desde que se prove que o agente queria lesionar a vítima e não conseguiu por circunstâncias alheias a sua vontade. Tentativa de lesões ou Contravenções de vias de fato?: Na tentativa, o agente quer lesionar a vítima e não consegue por circunstâncias alheias à sua vontade. Na contravenção, fica demonstrado que o agente, desde o início, não tinha a intenção de machucar a vítima. Ex.: empurrão, tapa, beliscão etc. Vejamos os casos concretos: A) “O crime de lesão corporal é material e, assim, admite tentativa. Se a intenção do agente é de ferir, impossível o reconhecimento das vias de fato ou do perigo para a vida ou saúde de outrem, dispostos nos arts. 21 da LCP e 132 do CP” (TACRIM-SP – 2.ª C. – AP 1.355.913/8 – Rel. Oliveira Passos – j. 12.06.2003 – RJTACRIM 66/105). B) “É possível o reconhecimento da ocorrência de tentativa de lesões corporais, mas em situação tal que torne induvidoso o animus vulnerandi, de modo que a conduta do agente não se limite à simples contravenção das vias de fato” (TACRIM-SP – AP – Rel. José Santana – RJD 6/103). C) “Pratica lesão corporal simples tentada quem, acometendo a vítima a socos e pontapés, não logra atingi-la, por haver-se ela suficientemente defendido” (TACRIM-SP – AP – Rel. Haroldo Luz – JUTACRIM 99/185). F) “Indiscutível a possibilidade da tentativa no uso de lesões corporais dolosas, impondo-se a condenação do réu se o conjunto probatório se mostra suficiente para embasar a conclusão de que ele agiu com dolo de ferir. Não se cuidará, assim, de tentativa de vias de fato, se o meio executivo empregado pelo agente era capaz de causar dano à incolumidade física da vítima” (TACRIM-SP – AP – Rel. Ralpho Waldo – JUTACRIM 76/312). G “Demonstrado o propósito inequívoco de ferir, não se consumando essa intenção por circunstâncias alheias à vontade do agente, caracterizada está a tentativa de lesão corporal” (TACRIM-SP – AP – Rel. Valentim Silva – JUTACRIM 38/143). H) “Não há reconhecer tentativa de lesões corporais se, embora armado, resume-se a atitude do réu em intenção de contender que não ultrapassa dos limites dos simples desafios” (TACRIM-SP – AP – Rel. Fernando Prado – JUTACRIM 24/374). I) “Juridicamente impossível a figura de tentativa de lesões corporais de natureza leve, por coincidente, em todos os seus elementos, com a definição legal da contravenção de vias de fato” (TACRIM-SP – AP – Rel. Sabino Neto – JUTACRIM 20/301). J) “Tem-se como configurado o crime de lesão corporal, na forma tentada, se o réu manifesta inequivocamente o animus laedendi, só não corporificado por impossibilidade oriunda da ação de terceiro” (TACRIM-SP – AP – Rel. Prestes Barra – JUTACRIM 15/63). K) “A conduta do agente, que investe contra a vítima armado de instrumento hábil a produzir ferimentos, presente o dolo direto, não configura o delito de perigo para a vida se, só por motivos alheios à vontade do réu, o resultado lesivo não se consuma. A hipótese é a da chamada tentativa branca de lesão corporal” (TACRIM-SP – AP – Rel. Francis Davis – JUTACRIM 15/193). L) “Se o agente, mediante atuação agressiva, inequivocamente mostra seu animus vulnerandi e só por motivo independente de sua vontade não logra ferir o antagonista, caracteriza-se plenamente tentativa de lesões. E na ignorância sobre se o interessado desejava ferir leve ou gravemente o desafeto, a imputação deve inclinar-se na dúvida, pela solução mais favorável ao réu” (TACRIM-SP – AP – Rel. Azevedo Franceschini – JUTACRIM 8/199). M) “É de tentativa de lesões corporais e não de exposição a perigo de vida, o crime de quem, com dolo eventual, volante de veículo automotor, abalroa e corta a frente a outro veículo, em revide, assumindo o risco de ferir seus tripulantes” (TJRS – AP – Rel. Rubens Rebello Magalhães – RT 409/377). N) “A intenção genérica de ofender fisicamente não é suficiente para conceituar a tentativa de lesão corporal, desde que da ação derivada inexista resultado lesivo e o desígnio não fique determinado quanto às prováveis consequências, devendo a conduta – v.g. o arremesso de projétil que não atinja a pessoa visada – ser punível em si mesma, a caracterizar a contravenção penal das vias de fato, em toda sua tipicidade” (TAMG – AP – Rel. Joaquim Alves – RT 615/343). Lesões em atividades esportivas: Nos esportes em que os ferimentos decorrem naturalmente da sua prática não há crime em razão da exclusão da ilicitude pelo exercício regular do direito, desde de que praticado dentro das regras esportivas. Se houver abuso intencional, todavia, o fato constituirá crime, ainda que ocorra durante a prática esportiva. Ex.: O boxeador que morde a orelha do opoente, arrancando-lhe um pedaço, comete crime. Igualmente, o jogador de futebol que, intencionalmente, desfere um soco no rosto de outroe lhe quebra os dentes ou o nariz, ainda que o fato ocorra com a bola em jogo. Há crime, contudo, quando o agredido é o árbitro ou um terceiro diverso dos competidores. Lesão corporal e cirurgia corretiva de sexo: Não há crime por ausência do dolo de lesionar a integridade corporal ou a saúde do paciente. O médico que a realiza não pratica crime por estar acobertado pela excludente da ilicitude do exercício regular de direito (Portaria do Ministério da Saúde 1.707, de 19.08.2008). Antigamente, socorria-se do Judiciário para autorizar a realização de cirurgia transexual, para não incorrer em prática de lesões corporais, conforme exemplifica o seguinte julgado: EMENTA. Transexualismo. Mudança de sexo. Cirurgia corretiva. Recomendação médica. Alvará de Autorização. Imputação de crime – “Alvará de autorização para realização de cirurgia para modificação de sexo morfológico. Deferimento parcial. Se o pedido exordial tem finalidade pragmática – resguardar a equipe médica que se dispuser a realizar a operação de adequação sexual do requerente – masculino, pela norma, feminino, pela natureza – de eventual e possível imputação de conduta ilícita, lesão corporal de natureza grave, é de ser deferido em parte como imperativo de caridade e de preservação da dignidade humana. Expedição de alvará, clausulado com a observância da recomendação médica indispensável exsurgente da Resolução 1.482/97 do Conselho Federal de Medicina. (...) O presente requerimento tem a finalidade pragmática: resguardar a equipe médica que se dispuser a realizar a operação de adequação sexual de E. M. – masculino, pela norma, feminino, pela natureza – de eventual e possível imputação de conduta ilícita (lesão corporal de natureza grave). Não se pretende constranger nenhum médico a realizar tal operação de redefinição morfológica: não se está promovendo alteração de registro civil com redesignação de sexo. Nem se pretende nada que não o que consta da exordial: a concessão de alvará judicial para salvaguarda da responsabilidade penal dos executores desta operação, que se reconhece ser de risco, mas necessária, e de resultado questionável. (...) Voto no sentido de ser dado parcial provimento ao apelo para deferir expedição de alvará, clausulado com a observância da recomendação médica indispensável, exsurgente da Resolução 1.482/97 do Conselho Federal de Medicina” (TJRJ – AP 5.085/00 – Rel. Eduardo Mayr – j. 13.11.2001 – RDTJRJ 54/356). Lesões corporais e Estatuto do Torcedor: o Estatuto do Torcedor pune com reclusão, de um a dois anos, quem pratica violência durante evento esportivo ou nas proximidades do estádio em dia de jogo (raio de 5 km), ou em seu trajeto (art. 41-B, da Lei n. 12.299/2010). A lei não fala em lesões, mas sim violência (jogar pedra em ônibus, explodir bomba de fabricação caseira, derrubar alambrado, atirar garrafa ou pedra em campo, lançar detrito, urina ou fogos de artifício em outros torcedores, trocar socos e chutes com outras pessoas). Se ocorrer lesões leves, estas ficarão absorvidas pelo tipo penal do Estatuto. Se ocorrer lesões grave, gravíssima ou com resultado morte, certamente estas absorverão o crime do Estatuto do Torcedor, no entanto, dependendo do caso concreto, também poderá ser reconhecido o concurso de crimes. Doação de órgão por pessoa viva: A Lei n. 9.434/97 regulamenta o transplante de órgãos e admite que pessoa viva seja doadora, desde que capaz e que a faça de forma gratuita. Além disso, só será possível se houver autorização do doador e desde que não haja possibilidades de graves prejuízos à sua saúde. O desrespeito a essas regras caracteriza crime específico do art. 14 da mesma Lei, que, aliás, possui qualificadoras idênticas às estabelecidas no Código Penal no que se refere aos crimes de lesões graves ou seguidas de morte Absorção das lesões leves: a violência é elementar de diversos crimes no CP: roubo, extorsão, estupro, tortura etc., como nenhum deles fazem ressalva da punição autônoma no delito de lesões leves, pressupõe-se que elas ficam absorvidas. De outra sorte, existem crimes cometidos com violência em que o legislador expressamente pune as lesões de forma autônoma, a exemplo da injúria real, do constrangimento ilegal, do dano qualificado, resistência, exercício arbitrário das próprias razões etc. Ação penal: o crime de lesão corporal leve é de ação pública condicionada à representação do ofendido ou, se incapaz, de seu representante legal (art. 88 da Lei n. 9.099/95). As demais formas de lesão dolosa (grave, gravíssima e seguida de morte), a ação penal é pública incondicionada. Lesão corporal de natureza grave § 1º Se resulta: I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; II - perigo de vida; III - debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV - aceleração de parto: Pena - reclusão, de um a cinco anos. As circunstâncias dos incisos I e III, podem ocorrer de forma dolosa ou culposa. Já circunstâncias que resulta perigo de vida (II); que resulte aceleração do parto (IV) são necessariamente preterdolosas, pois se houver dolo, seria crime autônomo (art. 132, do CP) e abordo sem consentimento da gestante (art. 125, CP). Cabe suspensão do processo (art. 89, da Lei n. 9099/95), em virtude da pena mínima ser de um ano de reclusão. No tocante ao inc. I, “incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias”: por ocupações habituais deve ser entendido como qualquer ocupação rotineira, do dia a dia da vítima, como andar, praticar esportes, alimentar-se, estudar, trabalhar etc. Não se trata, portanto, de qualificadora que se refira especificamente à incapacitação para o trabalho, de modo que crianças e aposentados também podem ser vítima desse crime. É claro que, quando a vítima tem emprego, a incapacitação para as atividades habituais engloba a incapacitação para o trabalho. Além disso, se uma pessoa pode realizar as suas atividades normalmente, mas deixa de fazê-lo, ficando dentro de casa, por mera vergonha de que as pessoas vejam suas lesões e comentem sobre o assunto, a lesão não pode ser tida como qualificada. A incapacitação pode ser física ou mental. Trata-se que hipótese de crime a prazo, porque exige o transcurso de 30 dias, mas considera-se praticado o crime na data da agressão, que também servirá como termo inicial do prazo prescricional (teoria da atividade, art. 4°, CP). A vítima deve estar efetivamente incapacitada para que se reconheça a lesão grave. Deve ser feito um exame complementar (art. 168, §2º, CP), no trigésimo primeiro dia. Se o exame for muito depois, por exemplo, noventa dias, e a vítima já estiver curada, o médico não poderá falar que houve incapacidade por 30 dias. Por fim, necessário dizer que as ocupações devem ser lícitas, pouco importando se é ou não moral, de forma que se uma prostituta fosse vítima de lesões e não pudesse exercer sua atividade no prazo de 30 dias, restaria configurada a qualificadora. Se da lesão resulta perigo de vida (Art. 129, § 1º, II): É a possibilidade da ocorrência da morte por força da lesão (não do fato em si), que foi evitada em face de intervenção médica. Deve ser um perigo efetivo, concreto, comprovado por perícia médica, devendo o legista especificar exatamente em que consistiu o perigo sofrido. Não basta, portanto, que o médico perito diga que houve perigo de vida; ele deve descrever precisamente em que consistiu o perigo de vida. Ex.: grande perda de sangue que provocou choque, ferimento em órgão vital, necessidade de cirurgia de emergência etc. A falta dessa descrição é a maior causa de desclassificações para crime de lesão leve. Assim, quando um promotor de justiça recebe um inquérito em que o laudo diz que houve perigo de vida, mas não detalha em queele consistiu, deve requerer a devolução dos autos ao perito para que o laudo seja complementado a fim de esclarecer exatamente por que a vítima quase morreu. Essa circunstâncias é exclusivamente preterdolosas (dolo + culpa), pois se a intenção do agente era matar, não conseguindo por circunstâncias alheias a sua vontade, ter-se-ia ocorrido homicídio tentado e não lesões que resultou em perigo de vida. Se da lesão resulta debilidade permanente de membro, sentido ou função (Art. 129, § 1º, III): debilidade é a redução ou enfraquecimento na capacidade de utilização do membro, sentido ou função, que, todavia, mantém em parte sua capacidade funcional. Se houver perda ou inutilização de membro, sentido ou função, a lesão será considerada gravíssima (art. 129, §2º, III, CP). Assim, a agressão que faz com que a vítima passe, permanentemente, a andar mancando, constitui lesão grave, mas a que a faz ficar paraplégica é lesão gravíssima. É necessária a perícia médica. São exemplos: perda de um dedo ou a diminuição na mobilidade de um braço ou uma perna, desde que permanentes. Sentidos: mecanismos sensoriais de percepção do mundo exterior (tato, olfato, paladar, visão e audição). Estes dois últimos são os mais comumente afetados por agressões. Configuram a lesão grave situações em que a vítima continua a enxergar ou ouvir, mas com uma redução de 20% ou 30%, por exemplo, na respectiva capacidade. Ademais, embora existam algumas vozes divergentes, tem prevalecido o entendimento de que a provocação de cegueira completa em um só olho ou surdez total em um só ouvido, mantido intacto o outro órgão, constitui mera debilidade da visão ou audição (lesão grave), porque a vítima continua podendo enxergar ou ouvir, não havendo, em tais casos, perda ou inutilização do sentido, que configuraria lesão gravíssima. Funções: Dizem respeito ao funcionamento de um sistema ou aparelho do corpo humano. Exs.: função reprodutora, mastigatória, excretora, circulatória, respiratória etc. Assim, agressões que provoquem dificuldade permanente para a vítima respirar ou que lhe causem perene aumento de pressão sanguínea constituem lesão grave. Igualmente, a perda de um testículo, que diminui a capacidade reprodutora, caracteriza a qualificadora em estudo. Se da lesão resulta aceleração do parto (Art. 129, § 1º, IV): a lesão deve provocar o nascimento prematuro, uma antecipação do parto. Premissa desta qualificadora é que o feto seja expulso com vida e sobreviva, pois a agressão que causa aborto (morte do feto) constitui lesão gravíssima (art. 129, § 2º, V). Exige que o agente saiba da gravidez1. É circunstância preterdolosas, pois se houver dolo de abortamento e a criança sobreviva, seria crime de aborto tentado sem o consentimento da gestante. § 2° Se resulta: I - Incapacidade permanente para o trabalho; II - enfermidade incurável; III perda ou inutilização do membro, sentido ou função; IV - deformidade permanente; V - aborto: Pena - reclusão, de dois a oito anos. Lesões corporais gravíssimas (§ 2° Se resulta): o nome iuris foi dado pela doutrina e jurisprudência, para facilitar a diferenciação das lesões graves. Até porque a pena é mais alta, caracterizando novas espécies de qualificadora do crime de lesão corporal. Lesão grave + Lesão gravíssima: pode, no caso concreto, ocorrer de o laudo pericial apontar, concomitantemente, pela existência de lesão grave e também de lesão gravíssima. Ex.: que a amputação de um braço, além de caracterizar lesão gravíssima pela perda de membro, causou também perigo de vida à vítima pelo extenso sangramento provocado (lesão grave). Nesses casos, o réu responde por crime único, aplicando-se a qualificadora de maior pena (lesão gravíssima). No entanto, será possível aferir de forma desfavorável a circunstância judicial relacionada às consequências do crime (art. 59 do CP), autorizando o juiz fixar a pena-base acima do mínimo legal. Se da lesão resulta incapacidade permanente para o trabalho (Art. 129, § 2º, I): a incapacitação que torna gravíssima a lesão corporal é aquela que impede a vítima de exercer o trabalho em geral. A lei não direciona a incapacidade para o trabalho que o agente exercia antes da lesão, a expressão “trabalho” é genérica, de forma que tem que ser todo e qualquer trabalho. Assim se a lesão deixou a vítima incapacitada para dar aulas de capoeira, mas o laudo informa 1 Neste sentido: “Se o agente ignora a gravidez da vítima, não se lhe pode imputar a crime de lesão grave se de sua ação delituosa resultar aceleração do parto, nem o delito de lesão gravíssima se resultar aborto” (Tacrim-SP — Rel. Silva Leme — Jutacrim 10/249). que o agente pode exercer outra atividade, a lesão não será gravíssima e sim grave. Há entendimentos diversos, pois esse raciocínio levaria à inaplicabilidade da norma, uma vez que “sempre restará à vítima possibilidade de vender bilhetes de loteria” (Mirabete)2. Neste sentido, tem se utilizado os critérios médicos relativos as hipóteses que ensejam a aposentadoria que reconhece a incapacidade para o trabalho. Essa circunstância qualificadora pode ser dolosa ou culposa, sendo mais comum, esta última. Se da lesão resulta enfermidade incurável (Art. 129, § 2º, II): são aquelas hipóteses em que a medicina não dispõe de meios para reverter o quadro e eliminar a doença instalada no corpo da vítima, caracterizada pela alteração permanente da sua saúde por processo patológico, sem possibilidade de reversão pela medicina. No caso da Transmissão de AIDS antigamente quem, sabendo possuidor da doença mantivesse relação sexual com outrem, respondia por crime de homicídio, pois a AIDS levava inexoravelmente à morte. Com a evolução da medicina, passou-se a questionar se a conduta deve ser punida como homicídio ou lesão gravíssima, pois se o agente não tomar os medicamentos, morrerá certamente (mas ele não é obrigado a tomar os medicamentos para beneficiar o criminoso). Se tomar os medicamentos, não morreria e o autor responderia por lesões gravíssimas. Se da lesão resulta perda ou inutilização de membro, sentido ou função (Art. 129, § 2º, III): no tocante à perda do membro, pode ocorrer por mutilação decorrente da própria agressão ou amputação decorrente da intervenção cirúrgica para salvar o paciente em face das lesões sofridas. Em ambas as hipóteses o agente responde pela qualificadora. No caso da amputação deve comprovar o nexo causal entre a necessidade de amputação e o ato agressivo por ele perpetrado (Ex.: uma facada na perna que provoca gangrena e a necessidade de amputação dela). Já em relação à inutilização do membro, pressupõe que ele permaneça, ainda que parcialmente, ligado ao corpo da vítima, mas incapacitado de realizar suas atividades próprias (ex.: vítima paraplégica ou que perde por completo o movimento dos braços). A entendimento de que perder um dedo seria lesão grave pela debilidade permanente de membro, exceto o dedo polegar, uma vez que sem ele a vítima não poderia mais pegar um copo, daí o agente 2 Júlio Fabbrini Mirabete, Manual de direito penal, v. 2, p. 112. responderia por lesões gravíssimas (inutilidade de membro). A extirpação da mão seria inutilidade do membro (braço), já a extirpação do braço seria perda do membro. No tocante aos sentidos, já vimos anteriormente, no entanto vale rememorar, que se o agente perde um olho ou audição de um só ouvido (sentido), a lesão será grave, se perde a visão nos dois olhos e a audição nos dois ouvidos, será lesão gravíssima. Por fim, em relação à função, é importante frisar que algumas delas são vitais à sobrevivência humana (respiratória, circulatória), deforma que se a vítima a perde, inexoravelmente ocorrerá a morte e o crime será de lesões seguida de morte. No entanto se a função for por exemplo a reprodutora, será lesão gravíssima (ex. agressão em que a vítima perde os testículos ou ovários). Antigamente alguns médicos chegaram a responder por crime de lesões gravíssimas por terem realizado cirurgia de vasectomia ou ligadura de trompas, mesmo com a autorização do paciente, uma vez que a integridade corporal é bem jurídica indisponível. Hoje estão amparados pela Lei n. 9.263/96, que trata do planejamento familiar, desde que autorizado pelo paciente e obedecendo os requisitos da lei. Se da lesão resulta deformidade permanente (Art. 129, § 2º, IV): essa circunstância qualificadora conhecida como dano estético, se configura com os seguintes requisitos: a) que se trate de dano estético; b) que o dano seja de certa monta; c) que seja permanente3; d) que seja visível; e) que seja capaz de provocar impressão vexatória. O entendimento majoritário é que o dano estético deve ser analisado no caso concreto e de acordo com a vítima, pois o que é dano estético para um, para outro pode não ser. Há divergência, exigindo-se apenas que a lesão seja visível a terceiros, independentemente da vítima ou da sua vontade4. É altamente recomendável à acusação a anexação de fotografia da vítima e da lesão, pois, em caso de recurso da defesa em que se questione a existência do dano estético e sua extensão, os integrantes do Tribunal não terão contato pessoal com a vítima, o que só ocorre com o juiz de 1ª instância. A cicatriz deve ser de tamanho considerável (certa 3 Neste sentido: “Arrancamento, com dentada, de parte do pavilhão auricular do ofendido, caracteriza deformidade permanente por ensejar à vítima um dano estético visível e irreparável” (Tacrim-SP — Rel. Camargo Aranha — Jutacrim 59/161). 4 Nesse sentido: “Para se caracterizar deformidade permanente não se exige tratar-se de verdadeiro aleijão, nem tampouco de aparência horripilante. Assim, é de se reconhecer a qualificadora se apresentar o ofendido gilvaz visível no rosto, de 10 centímetros, de aspecto desagradável para qualquer pessoa. Longe vai o tempo em que a cicatriz na face constitui para o homem motivo de orgulho” (Tacrim-SP — Rel. Valentim Silva — Jutacrim 20/70). monta), de forma a proporcionar a redução da beleza 5. Deve ser permanente, ou seja, que não desaparece com o passar dos tempos, ex.: marca de queimadura. O ato de jogar ácido no corpo da vítima para causar queimaduras é conhecido por vitriolagem6. A possibilidade de correção por meio de cirurgia não afasta a qualificadora, pois a vítima não está obrigada a realizar a cirurgia para beneficiar o agente. No entanto a doutrina majoritária tem entendido que se por meio de cirurgia houver a reparação total, a qualificadora deve ser desclassificada7. A deformidade tem que ser visível, levando em consideração a vítima de sunga de banho, ou seja, não haverá a qualificadora, por exemplo, se a cicatriz localizar-se na sola do pé ou no couro cabeludo e seja coberta pelos fios de cabelo, etc8. Deve ser capaz de causar impressão vexatória, ou seja, causar má impressão nas pessoas que olham para a vítima, de tal modo que esta se sinta incomodada em expor tal parte do seu corpo. Em outras palavras, a deformidade deve ser considerada feia, antiestética pelas pessoas em geral, não sendo, contudo, exigido que a vítima tenha se tornado uma monstruosidade9. Se da lesão resulta aborto (Art. 129, § 2º, V): somente é possível a aplicação dessa qualificadora se o resultado for culposo (preterdolo), pois se for doloso o crime será o do art. 125 do CP (provocar aborto sem consentimento da ofendida). 5 O dano estético precisa ser de vulto, proporcional à gravidade da pena. Deve constituir incômodo permanente, vexame constante para o ofendido. A simples linha cicatricial, p. ex., ainda que no rosto, não é dano estético suficiente para caracterizar a lesão corporal” (gravíssima) (TJSP — Rel. Denser de Sá — RT 595/349). O julgado se refere a uma cicatriz muito suave (branda). 6 Neste sentido: “A vitriolagem, caso raro nos dias atuais, é crime perpetrado mediante arremesso de ácido sulfúrico contra a vítima, com o objetivo de lhe causar lesões corporais deformantes da pele e dos tecidos subjacentes, inserindo-se, pois, no art. 129, § 2º, IV, do CP” (TJSP — Rel. Andrade Junqueira — RT 563/323). 7 Neste sentido: “Se a vítima de deformidade, voluntariamente e com êxito, submeteu-se a uma cirurgia reparadora, para figura menos grave, em certas circunstâncias, a sanção do réu poderá ser desclassificada” (Tacrim-SP — Rel. Azevedo Franceschini — Jutacrim 11/74). 8 Neste sentido: “o dano estético representado pela falta de um olho configura-se incontestavelmente numa deformidade permanente, que, obviamente não fica descaracterizada pela dissimulação de um olho de vidro” (Tacrim-SP — Rel. Xavier Homrich — RT 480/346); “Não se pode exigir que a vítima procure encobrir, com artifícios ou indumentária adequada, as queimaduras que lhe provocaram dano estético irreparável e permanente, no pescoço, no tórax e na região abdominal, causando impressão vexatória” (Tacrim-SP — Rel. Nigro Conceição — RT 522/397). 9 Neste sentido< “o conceito de deformidade repousa na estética, somente ocorrendo quando a lesão cause uma impressão, senão de repugnância ou de mal-estar, pelo menos de desgosto ou desagrado. Assim, o simples gilvaz não importa, por si mesmo, necessariamente, na graveza da lesão” (Tacrim-SP — Rel. Galvão Coelho — Jutacrim 42/231). Nas demais é possível o resultado doloso ou culposo. O agente deve saber que a vítima está grávida10. Lesão corporal seguida de morte § 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo: Pena - reclusão, de quatro a doze anos. Elemento subjetivo: qualificadora exclusivamente preterdolosa, ou seja, dolo de lesões e resultado morte culposo (ex.: uma facada na perna que atinge a artéria femural na região da coxa e, em face do extenso sangramento, a vítima morre de hemorragia). Não pode ser confundido com o homicídio culposo, cuja conduta antecedente é praticada com imprudência, imperícia ou negligência, ou seja, não há dolo11. Não comporta tentativa, uma vez que o resultado é culposo. Vias de fato + morte: se o agente dá um soco na vítima e ela cai, bate a cabeça e morre, responde por homicídio culposo, visto que o dolo é de vias de fato e não de lesões. 10 Neste sentido: “Para a configuração do delito previsto no art. 129, § 2º, V, do CP, é indispensável que o agente tenha conhecimento da gravidez da vítima ou que sua ignorância quanto a ela seja inescusável” (TJSP — Rel. Cunha Camargo — RT 556/317); “Indispensável ao reconhecimento do delito do art. 129, § 2º, V, do CP, é a existência de laudo médico-pericial que estabeleça nexo causal entre as lesões sofridas pela vítima e o abortamento” (Tacrim-SP — Rel. Baptista Garcia — Jutacrim 49/278). “Deve responder pelo delito de lesões corporais dolosas, qualificado pelo resultado, e não por simples culpa, o agente que, pretendendo agarrar a vítima para relações sexuais, embora adiantado o seu estado de gravidez, faz com que ela ao repeli- lo, bata o ventre na quina de uma mesa, provocando com isso o aborto” (Tacrim-SP — Rel. Geraldo Gomes — RT 463/355) 11 Neste sentido, veja os julgados: “A diferença entre a lesão corporal seguida de morte e o homicídio culposo está em que, na primeira, o antecedente é um delito doloso e, no segundo, um fato penalmente indiferente, ou, quando muito, contravencional.Assim, se a morte for consequência de simples vias de fato (empurrão que causa queda da vítima e a lesão mortal), haverá homicídio culposo” (RJSP — Rel. Jarbas Mazzoni — RT 599/322); “Não se pode negar a relação de causalidade existente entre o ato do acusado, que empurra a vítima embriagada e causa a sua queda ao solo, com fratura de crânio, vindo a falecer dias depois. Contudo, se não teve aquele a intenção de agredi-la ou de feri-la, somente poderia responder por homicídio culposo e não pelo delito preterintencional previsto no art. 129, § 3º, do CP” (TJSP — Rel. Geraldo Gomes — RT 582/304); “Não é possível identificar-se delito meramente culposo na ação de quem, em incidente ocorrido em jogo de futebol, vendo o adversário caído, desfere-lhe violento pontapé na cabeça, fraturando-a e provocando a sua morte” (Tacrim-SP — Rel. Cunha Bueno — RT 502/279); “Não é possível negar-se que, na lesão corporal seguida de morte, a ação do agente (em sentido amplo) é dolosa; quem feriu quis ferir; o resultado é que escapa à vontade do agente; foi além do que ele quis, mas lhe é atribuível pela previsibilidade, e, portanto, há culpa em sentido estrito. Trata-se, pois, de delito doloso e culposo, há dolo no antecedente e culpa no consequente” (RT 375/165). Diminuição de pena § 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Lesão corporal privilegiada: causa de diminuição de pena aplicável somente às lesões dolosas, todas elas. “Age sob o domínio de violenta emoção a mulher grávida que surpreende o companheiro em postura suspeita em companhia de outra mulher” (TACRIM-SP – AP – Rel. Adauto Suannes – JUTACRIM 75/406). “Violenta emoção deve ser entendida considerando o nível cultural do agente, seu estado de ânimo, seu modo de viver, a sua própria paixão. O futebol apaixona, é inegável, quer se trate de times famosos, quer de simples pelada de fim de semana” (TACRIM-SP – AP – Rel. Camargo Sampaio – JUTACRIM 75/407). “A vítima da infidelidade sofre realmente um gravame não só de caráter íntimo, mas de inegável repercussão social, autorizando a aplicação do § 4.º do art. 129 do CP” (TACRIM- SP – AP – Rel. Baptista Garcia – JUTACRIM 66/289). “Homem casado, que mantém relacionamento amoroso extraconjugal, não pode reclamar a minorante da violenta emoção como causa de diminuição da pena, sob a alegação de que foi vítima da infidelidade da amante, ao encontrá-la com outro homem em situação que indicava intimidade sexual” (TACRIM-SP – AP – Rel. Ribeiro Machado – RJD 5/122). “De se reconhecer a minorante da violenta emoção na ação do réu que, além de ver seu veículo abalroado por automotor de ofendido em estado de ebriedade, vê-se objeto de injusta provocação de parte deste” (TACRIM-SP – AP – Rel. Dínio Garcia – JUTACRIM 25/149). “De se reconhecer a atenuante do relevante valor moral na conduta de quem, ante a agonia de sua genitora, agride médico que, grosseiramente, se recusa a atender à enferma a despeito de evidente desespero do agente” (TACRIM-SP – AP – Rel. Camargo Sampaio – JUTACRIM 43/4039). Substituição da pena § 5° O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis: I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior; II - se as lesões são recíprocas. Só aplicável às lesões leves: Verifica-se que o juiz tem duas opções quando se trata de lesão leve privilegiada: pode reduzir a pena de um sexto a um terço fundado no § 4º, ou substituir a pena por multa com base no § 5º. Lesões recíprocas: duas pessoas tenham cometido crime de lesão corporal leve, uma contra a outra, e que uma delas não esteja agindo em legítima defesa. Se ambos argumentam que agiram em legítima defesa, e não há outro meio de prova para afastar o argumento, deve ser aplicado o benefício da dúvida12, de forma que ambos têm que serem absolvidos por legítima defesa. Se ambos partem para cima do outro (como cachorro doido) e se agridem mutuamente, será possível aplicar a substituição da pena, desde que as lesões sejam leves13. Também, se um é agredido e logo em seguida resolve se vingar e agredir o seu agressor, será possível a aplicação da substituição, visto que a lei não exige que sejam agressões concomitantes, podem ser simultâneas. Lesão corporal culposa § 6° Se a lesão é culposa: (Vide Lei nº 4.611, de 1965) Pena - detenção, de dois meses a um ano. Lesão corporal culposa (art. 129, § 6º): É a conduta típica descrita pelo caput (Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem), quando praticada mediante culpa. Trata-se de tipo penal aberto, devendo o intérprete lançar mãos de valores tendo por base no critério do homem médio, constatar se quando da conduta, cometida com imprudência, negligência ou imperícia, era possível ao agente prever objetivamente a produção do resultado naturalístico. A modalidade de culpa deve ser motivadamente descrita na inicial acusatória, sob pena de inépcia da denúncia. Não há distinção com base na 12 “Para se caracterizar a responsabilidade penal, nas lesões corporais dolosas, em caso de briga, com agressões mútuas, é fundamental que a prova esclareça quem foi o iniciador, o provocador da contenda. Se este ponto não ficou claro, deve-se absolver ambos os litigantes” (Tacrim-SP — Rel. Pedro Gagliardi — RT 692/285) 13 “Tratando-se de entrevero de mútua iniciativa em que os briguentos se desafiam e buscam, cada qual, desforra em razão de alterações anteriores, devem ambos ser responsabilizados pelas consequências reciprocamente causadas” (Tacrim-SP — Rel. Camargo Sampaio — Jutacrim 32/184); “Partindo réu e vítima para recíproca agressão após mútua aceitação do entrevero, impõe-se a dupla responsabilização pelas consequências do desforço físico” (Tacrim- SP — Rel. Manoel Pedro Pimentel — Jutacrim 23/227). gravidade dos ferimentos. A gravidade da lesão, por se tratar de circunstância judicial desfavorável, deve ser sopesada pelo juiz na dosimetria da pena-base (CP, art. 59, caput). Lesão corporal culposa e Código de Trânsito Brasileiro: Se cometida na direção de veículo automotor, estará tipificado o crime previsto no art. 303 da Lei 9.503/1997 – CTB (detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor). Resolve-se o conflito aparente de normas pelo princípio da especialidade. Infração de menor potencial ofensivo: Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo, compatível com os benefícios contidos na Lei 9.099/1995. Aumento de pena § 7o Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se ocorrer qualquer das hipóteses dos §§ 4o e 6o do art. 121 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 12.720, de 2012) Lesão corporal culposa e aumento de pena (art. 129, § 7º, primeira parte): na lesão corporal culposa, a pena será aumentada de 1/3 se o crime resultar de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixar de prestar imediato socorro à vítima, não procurar diminuir as consequências do seu ato, ou fugir para evitar prisão em flagrante (CP, art. 121, § 4º, 1ª parte). Lesão corporal dolosa praticada por milícia privada (art. 129, § 7º, segunda parte): O art. 121, § 6o do CP, diz respeito à milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. (Incluído pela Lei nº 12.720, de 2012). Essa qualificadora é aplicável a todas as espécies de lesões corporais dolosas. § 8º - Aplica-se à lesão culposa odisposto no § 5º do art. 121.(Redação dada pela Lei nº 8.069, de 1990) Lesão corporal culposa e perdão judicial (art. 129, § 8º): O juiz pode deixar de aplicar a pena quando as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. As regras são as mesmas em relação ao perdão judicial no homicídio culposo (art. 121). Violência Doméstica (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004) § 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006) Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006) Lesão corporal e violência doméstica (art. 129, § 9º): Trata- se de forma qualificada de lesão corporal que leva em conta o contexto em que é praticada. A pena prevista ao caso, em razão da sua quantidade, somente deve ser aplicada na hipótese de lesão corporal leve. Se a lesão corporal for grave, gravíssima ou seguida de morte, aplicar-se-á a causa de aumento de pena em um terço conforme o §10, deste art. 129 do CP. Vítimas: a) contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro: o parentesco pode ser civil ou natural (o art. 227, § 6º, da CF proíbe qualquer discriminação entre os filhos havidos ou não do casamento). Não exige que o crime ocorra dentro do ambiente doméstico. Não se aplica nas relações decorrentes do parentesco por afinidade. Exige-se prova documental da relação de parentesco ou do vínculo matrimonial. A União estável pode ser comprovada por testemunhas ou outros meios de prova que não exclusivamente os documentos; Com quem conviva ou tenha convivido: tais expressões devem ser interpretadas restritivamente. Quanto ao trecho “tenha convivido”, exige-se tenha sido a lesão corporal praticada em decorrência da convivência passada entre o autor e a vítima. Prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Relações domésticas são as criadas entre os membros de uma família, podendo ou não existir ligações de parentesco. Coabitação é a moradia sob o mesmo teto, ainda que por breve período – deve ser lícita e conhecida dos coabitantes. Hospitalidade é a recepção eventual, durante a estadia provisória na residência de alguém, sem necessidade de pernoite. Em todos os casos, a relação doméstica, a coabitação ou a hospitalidade devem existir ao tempo do crime, pouco importando tenha sido o delito praticado fora do âmbito da relação doméstica, ou do local que ensejou a coabitação ou a hospitalidade. Ação penal do crime de lesão leve com violência doméstica e familiar CONTRA A MULHER: o crime de lesões leves ocorrido no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, será de ação penal pública incondicionada. O STJ assim decidiu: “O crime de lesão corporal, mesmo que leve ou culposa, praticado contra a mulher, no âmbito das relações domésticas, deve ser processado mediante ação penal pública incondicionada. No julgamento da ADI 4.424-DF, o STF declarou a constitucionalidade do art. 41 da Lei n. 11.340/2006, afastando a incidência da Lei n. 9.099/1995 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista”. Precedente citado do STF: ADI 4.424-DF, DJe 17/2/2012; do STJ: AgRg no REsp 1.166.736-ES, DJe 8/10/2012, e HC 242.458-DF, DJe 19/9/2012. AREsp 40.934-DF, Rel. Min. Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE), julgado em 13/11/2012 § 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço). (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004) Lesões graves, gravíssimas e seguidas de morte (art. 129, § 10) decorrente de Violência Doméstica: Se a lesão corporal for grave, gravíssima ou seguida de morte, e o crime for praticado com violência doméstica, incidirá sobre as penas respectivas (art. 129, §§ 1º, 2º e 3º) o aumento de 1/3 imposto pelo § 10 do art. 129 do CP. § 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência. (Incluído pela Lei nº 11.340, de 2006) Lesões leves decorrentes de violência Doméstica contra portador de deficiência (física ou mental): A pena da lesão corporal leve cometida com violência doméstica será aumentada de 1/3 (um terço) quando a vítima for pessoa portadora de deficiência. Esse dispositivo foi acrescentado pela Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Deve tratar-se de pessoa portadora de deficiência física ou mental e ligada ao autor do crime pelos laços de violência doméstica indicados pelo § 9º do art. 129 do CP. Pessoa portadora de deficiência é aquela que, em consequência de alguma enfermidade, permanente ou transitória, enfrenta debilidade em sua capacidade física ou mental. § 12. Se a lesão for praticada contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição, a pena é aumentada de um a dois terços. (Incluído pela Lei nº 13.142, de 2015) Hediondez das Lesões gravíssimas e lesões seguida de morte: A Lei 13142, de 2015, acrescentou à Lei dos Crimes Hediondos ( L. 8.072/90) o inc. I-A, contemplando no rol dos delitos hediondos a lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição. As consequências são: progressão de regime somente após cumprir 2/5 da pena (se primário o condenado) ou 3/5 (se reincidente). Vedação do anistia, graça e indulto, bem como fiança, além de eventual prisão temporária no prazo de 30 dias, prorrogável por igual período no caso de extrema necessidade. 1. BIBLIOGRAFIA BÁSICA BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, vol. 2, parte especial, 14ª ed., 2014, Saraiva. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, 10ª ed., 2014, Forense. PRADO, Luiz Regis Prado. Curso de Direito Penal, vol. único, 13ª ed., 2014, RT. 2. BLIBIOGRAFIA COMPLEMENTAR CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal- vol.2, parte especial, 13ª Ed, 2013, São Paulo: Saraiva. DELMANTO, Roberto. Código Penal Comentado, 5. ed., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. JESUS, Damásio de. Direito Penal, vol. 2, parte especial, 33ª Ed., 2012, Saraiva GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, parte especial, vol. 2, 10 ed., rev., ampl. e atual. Niterói: Impetus, 2013. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, vol. II, 25. ed., rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2007
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