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A Ordem Jurídica no Antigo Regime

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A Ordem Jurídica no Antigo Regime
Num primeiro momento, a ordem jurídica do Antigo Regime não valoriza a norma geral, uma vez que o conceito de lei passa a englobar qualquer proposição dotada de autoridade. Assim, dá-se mais valor ao império da razão do que ao império do império (ratio). Ademais, no plano prático, o direito especial se sobrepunha ao direito geral, baseado num texto do Digesto que atribuía a cada comunidade o poder de criar o próprio direito, o poder estatuário das cidades, por isso, era reconhecido e respeitado pela doutrina, sobretudo em Portugal. Por fim a norma geral ainda era desvalorizada pelos privilégios decorrentes da faculdade real e imperial de dispensar a lei, que eram direitos irrevogáveis pela lei geral, a menos em caso de invocação do poder extraordinário do rei.
Mas além desses aspectos, a norma geral era desvalorizada pela visão intelectual de se encontrar o direito e depois encontrar a relação entre a justiça e outras virtudes. A visão da doutrina jurídica da época era mais a da adequação aos casos concretos a fim de se chegar à justiça e, por isso o direito tornava-se irredutível a regras rígidas. Para se chegar à solução mais justa para os casos se fazia uso da tópica, arte de encontrar argumentos relevantes para cada caso, da hierarquização dos argumentos e do ‘achamento’ da solução do caso que dependia da sensibilidade da comunidade jurídica, deste modo o resultado era sempre provisório e o seu sistema um sistema aberto. As normas gerais, então, se faziam como ponto de chegada e como elemento sugestivo.
Assim, entende-se que o discurso jurídico moderno se atenta muito para as peculiaridades do caso e substitui a decisão proveniente do rigor formal da norma geral por aquela que parecia mais justa as particularidades do caso, tento por base a equidade. Deste modo, o arbítrio do juiz era portanto fundamental no direito da modernidade, uma vez que declarava qualquer decisão jurídica apesar dos pregados valores de generalidade e igualdade. ( O juiz ‘legislava’, passava por cima da norma geral para chegar a solução do caso concreto).
Por fim, o ultimo aspecto que faz a norma geral ser desvalorizada é o da misericórdia, da graça do soberano. Essas qualidades são virtudes essenciais do rei como Deus-Filho. O perdão e a diminuição do rigor da lei são fontes da prática política do soberano, constituem a ‘graça’ e tem função de legitimação das sociedades do antigo regime, com a aproximação do rei à figura de pai.
Mesmo assim, a idéia do ius commune ainda permeava a sociedade, entendia-se que os direitos próprios deveriam se harmonizar no direito comum o qual possuía uma lógica global, universalizante, que se cunhava na boa razão e que legitimava o recurso para ultima instancia jurisdicional comum (cúria regia).
Só na segunda metade do século XVIII, com novas idéias a respeito do direito e a exaltação máxima da coroa, e diminuição da influencia dos juristas como fonte de direito, ou seja, substituição da doutrina pela lei como fonte principal do direito, que os princípios gerais do direito torna-se protagonista da ciência jurídica e a obediência a lei, independente de sua proposta, torna-se primordial.
Recepção do direito comum e centralização do poder
Com o tempo, a norma geral passa a ser principal fonte do direito. Contudo, até a consolidação desse fato, muitos fatores vão levantando sua hipótese e muitos se contradizendo a este aspecto. Muitos vêem o ius commune como extremamente importante para a efetivação da centralização do poder, porém esta visão só pode ser parcialmente admitida.
Até o advento da política iluminista no direito era forte uma corrente que colocava o costume como fator de grande importância para a ordem jurídica. Apesar de não se impor nem à lei nem à razão, o costume tem papel na validade das normas jurídicas. Nesse contexto, dos séc. XVI e XVII, a efetividade das leis na comunidade, ligada diretamente a tradição social definia a validade ou não destas. Ademais, admitia-se a validade do direito como contra legem em varias situações (os juristas eram, na verdade, obstáculo para a centralização e, portanto, o ius commune também se apresentava como tal apesar de pressupor uma “unidade” das normas particulares em si).
Os juízes, portanto, pressionavam o príncipe para que este revogasse as leis que não possuíam validade efetiva, e por muitas vezes isso era concedido. Porém, sem um rescrito real anulatório, os juízes e oficiais de terra continuavam submetidos à lei. Tal fato constituía o iura própria da terra, que por vezes se impunha ao ius commune do reino ( e não o de toda a Europa).
Essa lógica particularista se firmava em obstáculo para a centralização do poder, uma vez que as normas particulares detinham primazia sobre as gerais, e se firmava em trechos do Digesto: “todos os povos que se regem por leis e costumes usam um direito que em parte é seu próprio, em parte comum a todos os homens”, estabelecendo um particularismo suavizado de racionalismo que é decisivo na composição de regras da ordem jurídica, que garante que o direito funcione como fator de periferização dos poderes e garantia de privilégios contra a intenção de centralização.
O direito da coroa, além de limitado por esses direitos particulares ‘de baixo’, ainda se limitava pelos direitos comuns de ‘cima’, uma vez que este era razão. Assim existe antes e independentemente da vontade do rei e, por isso, constitui um limite à validade dos comandos do soberano. Portanto, o príncipe tem que se conformar com o direito que decorre dos textos doutrinais e dos conselhos dos juristas, fazendo do direito uma autentica ‘constituição’ do reino. O rei não podia legislar, então, sem o conselho de juristas pois se o fizesse iria contra a razão do direito. Se isso já ocorre no momento da legislação, na pratica cotidiana do direito o jurista tem ainda mais influencia porque passam a interpretar e corrigir o direito do reino sob seus princípios doutrinais. Isso explica o local central que os juristas possuíam na ordem jurídica moderna.

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