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Psicologia do trabalho aspectos históricos, abordagens e desafios atuais

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Psicologia do Trabalho: 
aspectos históricos, abordagens e desafios atuais
Professora: Márcia Gabriele França
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1. Introdução
A psicologia do trabalho pode ser designada como campo de compreensão e intervenção sobre o trabalho e as organizações, visando analisar a interação das múltiplas dimensões que caracterizam pessoas, grupos e organizações, com a finalidade de construir estratégias e procedimentos que promovam, preservem e reestabeleçam o bem-estar (ZANELLI; BASTOS, 2004).
Outras expressões que designam o campo: psicologia organizacional e do trabalho, psicologia do trabalho e organizacional, clínica do trabalho, comportamento organizacional, psicologia aplicada ao trabalho, entre outros.
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A multiplicidade de expressões sinaliza a variedade das teorias e práticas que permeiam as relações entre psicologia e trabalho. 
As relações entre psicologia e trabalho receberam contornos diferenciados face aos mais variados cenários do século XX e XXI. 
Em cada contexto e período ocorreram transformações que deram novas feições ao modo da psicologia compreender, pesquisar e intervir sobre o trabalho. 
O percurso de emergência e constituição da psicologia do trabalho não se dá como caminho retilíneo e evolutivo em gradual refinamento da área. 
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A psicologia do trabalho é multidisciplinar, dialoga com diversas disciplinas.
Há pluralidade de orientações teórico-metodológicas.
Comporta diferentes concepções de ser humano e de trabalho, além de variados pressupostos ideológicos, o que repercute em uma multiplicidade de inserções, atividades e compromissos políticos do psicólogo do trabalho.
Apesar da diversidade, essa área científica e profissional tem como objeto de estudo os fenômenos relativos aos processos organizacionais e do trabalho enquanto fazer humano.
Percebemos essas multiplicidades ao acompanhar a trajetória histórico-conceitual da área.
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2. A emergência da psicologia do trabalho
Os saberes e práticas sobre o trabalho surgiram no contexto da sociedade industrial.
Sobretudo nos EUA e na Europa, emergiram práticas da Psicologia em relação ao trabalho em conjunturas político-econômicas do conturbado século XX (caracterizado pelas guerras mundiais, períodos de recessões econômicas, surgimento de movimentos populares e sociais, entre outros).
A intenção inicial dessas práticas era contribuir para minimizar problemas do ser humano no âmbito das fábricas.
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A ênfase da psicologia no século XX estava na busca de resolução de problemas individuais e coletivos ligados a determinados locais e instituições como indústrias, exército.
Em meados do Séc. XIX, já existiam práticas, investigações e experimentos sobre os problemas humanos no contexto industrial, p. e., surgimento da medicina do trabalho.
No que concerne à psicologia, surgiram as primeiras pesquisas, análises e experiências do campo da Psicologia Industrial. 
Marco da Psicologia Industrial: a obra Psychology and Industrial efficiency (1913) de Hugo Münsterberg. 
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Objetivo dessa psicologia: conseguir o melhor homem, trabalho e resultado possíveis.
Seguia os princípios da pesquisa experimental (padrão das ciências naturais): tentava recriar em laboratório as situações cotidianas, a fim de decompor, controlar variáreis e predizer comportamentos.
Uma de suas atividades principais era a busca de qualidades mentais por meio de testes psicológicos: seleção, classificação, exame de habilidades pessoais em função das tarefas a serem desenvolvidas.
Essas práticas objetivavam contribuir para o desenvolvimento da indústria e comércio.
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Seus testes e procedimentos foram usados para selecionar pessoal para ingresso no exército, tornando-o mais preparado para as guerras mundiais. 
O modo de organização do trabalho nas indústrias era o Taylorismo (Administração científica do trabalho).
A intenção era encontrar o melhor jeito de trabalhar e os homens mais adequados para isso.
No Brasil, a Psicologia Industrial emergiu frente aos avanços técnico-industriais do Séc. XX, no qual estava ocorrendo a migração de uma economia agroexportadora para a industrial, sendo sua função desenvolver trabalhadores aptos para a indústria. 
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Brasil (1920): A psicologia emergiu como profissão e ciência:
Contribuiu para a adaptação dos trabalhadores aos ditames da produção, a fim de obter a máxima produtividade; 
Suas tônicas eram examinar, classificar, selecionar (uso de testes psicológicos), constituindo-se como um conjunto de discursos e práticas de submissão e controle. 
Tendia a abordar o ser humano como uma máquina, que deveria atingir o melhor funcionamento possível.
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A psicologia no Brasil surgiu como saber/poder que visava disciplinar e normatizar os corpos dos trabalhadores frente ao contexto político-econômico em que/a partir do qual se origina (importância de entender o histórico!).
Em 1960, surgiram no Brasil novas práticas no âmbito da psicologia e trabalho: educação e treinamentos nas organizações.
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3. Abordagens das relações psicologia e trabalho
A primeira abordagem da relação entre psicologia e trabalho: Psicologia Industrial.
Psicologia Industrial tem a finalidade de contribuir para o avanço das atividades econômico-produtivas, minimizando a fadiga e extraindo o máximo das capacidades humanas.
Entretanto, as transformações econômico-sociais do Séc. XX, bem como o desenvolvimento das ciências naturais, médicas, humanas e sociais na América Latina, fizeram emergir outras noções de trabalho e, consequentemente, diversificar as abordagens de relações entre psicologia e trabalho no Brasil.
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3.1 A Psicologia no universo organizacional
A psicologia amplia o lócus de atuação da indústria para as organizações.
A diferença entre a psicologia industrial dos anos 1920 a 1940 e a psicologia organizacional é de duas ordens:
Os problemas tradicionais (recrutamento, testes, seleção, treino, análise de tarefas, incentivos, condições de trabalho) passam a ser tratados como ligados ao sistema social da organização;
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A psicologia organizacional interessa-se por uma nova série de problemas da organização, enquanto um sistema complexo. Tais problemas não são limitados ao comportamento individual, mas abrangem o comportamento de grupos, subsistemas e a organização global como reação a estímulos externos e internos.
Esse novo olhar da psicologia para as organizações é influenciado pelo desenvolvimento de conceitos da psicologia social (papel social, cultura), pela ênfase científica na multicausalidade dos fenômenos, pelo surgimento das noções de sistemas complexos e pelas transformações tecnológicas e sociais. 
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Para além do foco no ambiente físico, no conteúdo das tarefas, na relação indivíduo-máquina, passou-se a dar atenção às relações sociais entre os trabalhadores, vistas como fatores-chave para a produtividade (Escola das Relações Humanas de Mayo).
Neste contexto, valoriza-se: sistemas de recompensas e penalidades, aprendizagem de grupos de trabalho, motivação, relações de cooperação e competição.
A atenção não é mais fixar a análise no posto de trabalho e nas tarefas, mas na organização compreendida como um sistema social complexo.
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O objeto de estudo da psicologia organizacional está na “intersecção das ações da pessoa e da organização como um todo complexo, dinâmico, inserido em uma ampla conjuntura” (ZANELLI, 1994, p. 104).
O alvo é a eficiência e para alcançá-la tenta-se conciliar as necessidades individuais dos trabalhadores com aquelas da organização, enfatizando os modos de utilizar o potencial humano para conseguir a sobrevivência das organizações. 
A categoria principal desta abordagem é o comportamento.
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Práticas na psicologia organizacional (segunda metade do Séc. XX): 
Administração de pessoal e gestão de pessoas (Recrutamento e seleção,
plano de cargos e salários, desligamento, entre outras atribuições);
Mudança organizacional (desenvolvimento organizacional, qualidade de vida no trabalho);
Qualificação e treinamento (treinamento, avaliação de desempenho, desenvolvimento de equipes e de gerentes);
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Comportamento organizacional (motivação; cultura organizacional);
Condições de trabalho (segurança e saúde no trabalho, estresse);
Relações de trabalho (padrões de gestão, organização do trabalho, conflitos).
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Em síntese, essa psicologia pretende avaliar os comportamentos induzidos pelos processos de um espaço formal onde se exercem tarefas. 
Problematiza o que acontece dentro desses lugares de trabalho ou organizações formais e as modalidades de manejo e gestão do comportamento individual e grupal.
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3.2 As perspectivas da psicologia (social) do trabalho
São perspectivas críticas da relação entre psicologia e trabalho, que surgem na Europa.
Comportam análises que articulam psicologia e marxismo, contestando as formas de produção da subjetividade, problematizando novos objetos frente a movimentos político-sociais da década de 1960.
Ex: na Itália surge uma vertente da psicologia do trabalho que luta pela saúde do trabalhador junto ao movimento operário. Sua ênfase estava em redescobrir a experiência dos trabalhadores para a compreensão e mudança 
 das nocividades do ambiente laboral.
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É uma psicologia que convoca os trabalhadores como agentes de transformação e dá centralidade a sua subjetividade no processo de avaliação dos riscos do trabalho; ressalta o papel do operário como agente de mudanças no processo de produção.
Influencia o surgimento do campo da saúde do trabalhador no Brasil e o desenvolvimento da clínica da atividade e da ergologia na França.
Outros estudos baseados em Foucault, Guattari e Deleuze enfatizam as relações entre subjetividade e trabalho, considerando a vivência dos trabalhadores, alternativas de intervenção em grupo, entre outros.
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Sob a influência de Foucault, em 1970, surgem análises psicossociológicas na França, que discutem as relações de poder, influenciando a prática da psicologia do trabalho no Brasil.
Estudos da abordagem da psicologia (social) do trabalho no Brasil criticam as bases ideológicas da psicologia organizacional, que se compromete com a produção e o capital, em detrimento do trabalho. Acusam-na de reproduzir relações de desigualdade, injustiça e opressão.
Destacam a importância da atuação do psicólogo na conscientização do trabalhador quanto ao lugar que ele ocupa nas relações de trabalho capitalistas (compromisso com a transformação da sociedade e emancipação do ser humano).
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Assuntos abordados por esta perspectiva: relações de gênero; trabalho informal; trabalho de crianças; impactos psicossociais do desemprego; repercussões dos modelos produtivos na subjetividade e na saúde dos trabalhadores; relação entre trabalho e identidade.
A atenção das investigações recai sobre as experiências dos trabalhadores, por meio de métodos como entrevistas, grupos focais, narrativas, histórias de vida, entre outros.
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3.3 Abordagens clínicas do trabalho
Neste caso, clínica não se refere à atenção aos problemas individuais em setting terapêutico. 
São abordagens de pesquisa-intervenção que consideram o trabalho como categoria central para a compreensão dos processos de subjetivação e da relação subjetividade, saúde e sofrimento.
Representantes dessa perspectiva: psicossociologia clínica (Eugene Enriquez, Vicent Gaulejac), psicodinâmica do trabalho (Christophe Dejours, Pascale Molinier), clínica da atividade (Yves Clot) e ergologia (Yves Schwartz).
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Essas vertentes têm em comum a compreensão do trabalho como uma atividade do sujeito, complexa e intersubjetiva, que mobiliza dinâmicas coletivas de criação de normas e formas particulares de agir, irredutíveis às prescrições. Por isso, essas abordagens contemplam a dinâmica subjetiva envolvida no trabalhar, bem como a luta contra o sofrimento, as estratégias de defesa.
O foco destas abordagens está na complexidade humana da situações de trabalho, nas condutas concretas e processos intra e intersubjetivos. Contempla o comportamento (observável) e sua parte não visível (motivos, pensamentos). 
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O trabalho é subjetivo e intersubjetivo (dimensão coletiva): “trabalho não é apenas produção, mas também aprender a viver junto” (DEJOURS; DERANTY, 2010, p. 175).
Essas abordagens destacam que na atividade estão em jogo criações, vivências, resistências aos sofrimentos e dinâmicas coletivas.
Buscam mecanismos de intervenção/produção de conhecimento como entrevistas coletivas com trabalhadores no local de trabalho, intervenção psicossociológica, enfatizando a participação dos trabalhadores em todo o processo, preconizando o diálogo sobre o trabalho. Ex: Intervenções em Ongs.
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4. Desafios e perspectivas da psicologia do trabalho no Brasil
Desenvolvimento de pesquisas e intervenções interdisciplinares;
Consideração na pesquisa e intervenção dos saberes dos trabalhadores e movimentos sociais, que são impulsionadores de mudanças nas relações, condições e organização do trabalho;
Tratar de modo interdisciplinar a temática do sofrimento no trabalho, sobretudo diante da violência psicológica e assédios morais sofridos pelo trabalhador. Propor a criação de dispositivos psicossociais para o enfrentamento destes problemas, refletindo sobre a atuação do psicólogo 
 neste contexto.
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O trabalho no contexto da agricultura tem sido pouco pesquisado no Brasil, apesar de se constituir como uma realidade que merece atenção. As relações de trabalho no mundo rural são precárias; chegam a ocorrer mortes por exaustão nos canaviais.
“Psicologia do não-trabalho”: Estudar sobre a parcela inempregável da população e montar intervenções neste âmbito. 
Ênfase na produção de conhecimentos, métodos e técnicas de atuação do psicólogo do trabalho originadas das realidades do Brasil, que atentem para problemas como: desigualdade de renda, raça, gênero, injustiças sociais, pobreza extrema e disparidades regionais.
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REFERÊNCIAS
LEÃO, L. Psicologia do trabalho: aspectos históricos, abordagens e desafios atuais. Estudos Contemporâneos da Subjetividade, 2012, v. 2, n. 2, p. 291-305.
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