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1 2 3 ANDRÉ [André Bueno] Prefácio Dulceli T. Estacheski TEXTOS SOBRE HISTÓRIA DAS MULHERES Rio de Janeiro Ebook, 2016 4 André Bueno [ANDRÉ] Textos sobre História das Mulheres. Prefácio Dulceli T. Estacheski. Rio de Janeiro: Ebook, 2016. ISBN 978-85-65996-44-0 5 ÍNDICE Prefácio, 9 Introdução, 13 Glossário de Autores e Obras, 23 Antologia, 43 Retorno ao templo, Enheduana, 45 Cuidados com a mulher, Instruções de Shuruppak, 48 Leis sobre as mulheres, Código de Hamurabi, 49 Conselhos para lidar com mulheres, Instruções de Ptah-Hotep, 52 O nascimento de Hatshepsut, Inscrição no templo de Hatshepsut, 53 Devoção de Ísis, Hino a Ísis ou Hino do trovão da mente perfeita, 55 Sobre as mulheres, Leis de Manu [Manavadhasrmashastra], 58 Questões femininas, Livro das leis [Arthashastra], 60 Habilidades necessárias à mulher, Livro do desejo [Kama Sutra], 63 Lições femininas, Banzhao, 68 Mulheres fortes – A mãe de Mêncio, Liu Xiang, 71 A saúde da mulher, Tratado interno [Neijing], 72 A tristeza de ser mulher, Fu Xuan, 73 Hino a Terra, deusa-mãe, Hinos Homéricos, 74 Pandora e a origem das desgraças, Hesíodo, 75 Mulheres espartanas, Aristóteles, 79 O cuidado da casa, Aristóteles, 82 Poema de amor, Safo de Lesbos, 84 Consolação a minha mãe Hélvia, Sêneca, 86 O machismo na arte de amar, Ovídio, 89 A mulher sem pudor, Juvenal, 91 O pecado original, Gênesis, 93 A menstruação, Levítico, 96 Respeito pela união conjugal, Levítico, 97 Cuidado com a mulher estranha, Livro dos Provérbios, 99 Sobre as mulheres, Eclesiástico, 101 A mulher adúltera, Evangelho de João, 104 6 Sobre o divórcio, Evangelho de Marcos, 105 Matrimônio ou celibato?, Paulo de Tarso, 106 O véu das mulheres, Paulo de Tarso, 109 Mulheres sábias, Evangelho de Maria Magdalena, 111 Hipácia, a última filósofa do mundo antigo, Damascius, 115 A mulher para os primeiros pensadores medievais, 117 A mulher no Islã, Alcorão, 119 A mulher infiel, As Mil e uma Noites, 123 O filósofo que não sabe amar, Heloísa, 127 Os males humanos, Romance da Rosa, 129 Natividade e virgindade de Maria, Jacopo de Varazze, 133 Assunção de Maria, Jacopo de Varazze, 135 Lilith, a primeira mulher, Alfabeto Ben-Sirá, 137 Mulher, ser defeituoso, Tomás de Aquino, 139 Entre Eva e Maria há uma grande diferença, Alfonso X, 141 Por uma literatura feminina, Cristina de Pisano, 143 A atração das mulheres pelo oculto, O Martelo das Feiticeiras, 149 A tentação da bruxaria, O Martelo das Feiticeiras, 152 Opiniões de pensadores modernos, 154 A miséria das mulheres, L. Thomas, 160 Sobre as mulheres, Denis Diderot, 164 Crítica ao livro de Thomas, Madame d’Epinay, 166 Declaração dos direitos da mulher e da cidadã, Olympe de Gouges, 170 A igualdade dos sexos e os direitos femininos, Mary Wollstonecraft, 174 Contra a escravidão, Soujourner Truth, 179 Liberdade e educação para a mulher brasileira, Nísia Floresta, 181 Igualdade de direitos no socialismo, August Bebel, 184 Igualdade de direitos entre os sexos no espiritismo, Allan Kardec, 186 Contra a sujeição feminina, Stuart Mill, 189 Sufrágio feminino, Emmeline Pankhurst, 191 O dia da mulher, Alexandra Kollontai, 193 A luta política da mulher socialista, Rosa Luxemburgo, 196 Controle de natalidade e aborto, Margaret Sanger, 199 7 A descoberta da sexualidade, Sigmund Freud, 201 Identidades são construídas, Margaret Mead, 205 O segundo sexo, Simone de Beauvoir, 208 De palmares às escolas de samba, tamos aí, Lélia Gonzalez, 212 Revolução sexual, Shere Hite, 216 A luta dos sexos é uma luta política, Kate Millett, 220 A ditadura da beleza, Naomi Wolf, 224 Revendo conceitos, Judith Butler, 228 Falando de gênero, Joan Scott, 231 História das Mulheres no Ocidente, Michelle Perrot, 234 Ecofeminismo, Vandana Shiva, 238 Sejamos todos feministas, Chimamanda Adichie, 241 Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, Nova York, nações unidas, 1979, 243 Lei no 11.340: Lei Maria da Penha. Brasil, 2006, 249 Referências, 259 8 9 PREFÁCIO § A História das Mulheres possui uma trajetória significativa. Sua escrita surgiu como uma forma de superar um longo silêncio em relação a elas, ou romper com o que Joan Scott chama de “problema da invisibilidade” 1 . É interessante notar que os primeiros escritos surgem dando destaque a trajetórias daquelas que eram consideradas ‘grandes mulheres’, rainhas, revolucionárias. A ‘História da Mulher’, que trazia, sobretudo essas biografias exemplares, veio como resposta a uma história que, no século XIX, em seu anseio pela afirmação como ciência, privilegiava determinados temas e fontes dos quais as mulheres estavam excluídas. Com o tempo, passamos a usar o termo ‘história das mulheres’, e isso se deu pela percepção de que não apenas ‘grandes mulheres’, aquelas que se destacavam no espaço público, eram dignas de ter sua história escrita, mas todas as mulheres, todas as pessoas, são sujeitos ativos da história e suas vivências, suas experiências, contribuem para a compreensão histórica das diferentes sociedades. O espaço na academia foi conquistado por feministas que nela ingressavam e passaram a reivindicar debates e disciplinas que considerassem o tema. Eventos foram surgindo, revistas especializadas e as reflexões avançaram ganhando diversidade e maturidade. E isso não foi uma caminhada fácil, já que as discussões em relação a uma legitimidade acadêmica eram constantes. A história das mulheres colocava em xeque uma 1 SCOTT, Joan. El problema de la invisibilidad. In: SCANDÓN, Carmem Ramos (org.) Género y Historia. México: Universidad Autónoma Metropolitana, 1992. p. 38. 10 preocupação latente da historiografia, a neutralidade, a imparcialidade. A escrita da história das mulheres é política, é militante. A partir do momento que surge para romper com um silêncio, com uma exclusão, ela toma partido, não é neutra. Rüsen2 afirma que o pensamento histórico depende de carências de orientação causadas por interesses próprios e, portanto, histórias têm que tomar partido, pois são ‘estabilizadoras’ de identidade no fluxo do tempo. A noção de orientação é uma crítica à neutralidade científica. A ciência da História deve orientar a ação humana no presente e assim, a história das mulheres visa, não apenas preencher espaços antes vazios na escrita, mas contribuir para a superação das discriminações de gênero que inferiorizam as mulheres. Uma das preocupações apontadas por pensadoras como Scott3 e Dias 4 era com uma possível marginalização da história das mulheres. Que ela ficasse restrita a determinados grupos de pesquisa, sempre como um apêndice da História e não como parte dela. Isso foi superado com o crescente avanço nas pesquisas e o número cada vez mais elevado de publicações na área. A história das mulheres não é escrita apenas por historiadoras feministas. Ela é ampla. Passou a ser valorizada por diferentes pesquisadoras e pesquisadores. Diferentes fontes históricas passaram a ser analisadas, diários, imagens, documentos pessoais, bem como registros policiais, jornalísticos, literários, entre outros. Não era a 2 RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: Teoria da História, os fundamentos e métodos da ciência Histórica. Brasília: UnB, 2001. 3 SCOTT, Joan. El problema de la invisibilidade. Op. cit. p. 50. 4 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Teoria e método dos estudos feministas: perspectiva histórica e hermenêutica do cotidiano. In: COSTA, Albertina de Oliveira; BRUSCHINI, Cristina (orgs.). Uma questão de gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos; São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1992. p. 40. 11 falta de fontes o problema da invisibilidade, era a falta de interesse. A obra que aqui apresentamos é reflexo da crescente valorização do tema. O historiador André Bueno assume que essa história é muitas vezes dolorosa por revelar exclusão, inferiorização e violência, porém ao mesmo tempo, sua existência evidencia a humanização da historiografia. Escrevemos para que? Para encher as prateleiras de bibliotecas, sites acadêmicos e currículos ou para provocar o pensamento que pode romper com estruturas discriminatórias ao entender que sim, somos produtos culturais, mas também somos produtores de cultura? Tanto o pensamento exposto pelo autor, quanto a trajetória da história das mulheres, demonstram que a mudança social é possível quando o pensamento histórico é estimulado. A coletânea de fontes aqui apresentada e realizada com maestria pelo autor, é significativa. Perpassa diferentes períodos e espaços históricos e representa uma série de discursos, masculinos e femininos sobre as mulheres. E qual a importância disso? Qual a utilidade de uma obra que resgata trechos de fontes históricas sobre as mulheres? Vejo isso em duas perspectivas: 1. A obra é estímulo para estudantes de história que muitas vezes tem o interesse em pesquisar sobre a história das mulheres, mas desconhecem as fontes possíveis. A leitura desses trechos traz o conhecimento sobre diferentes materiais e diferentes autores e autoras que tratam da temática, sendo útil para quem quer se aventurar nas primeiras leituras. 2. A obra é uma excelente coletânea de textos que podem compor o material didático de docentes. É sabido que o uso adequado de fontes históricas em sala de aula auxilia na aprendizagem histórica de estudantes. Ao analisarem fontes, desenvolvem sua capacidade de pensar historicamente. Como os livros didáticos escolares são ainda 12 precários em relação à inserção da história das mulheres nos diferentes períodos históricos que compõem o currículo, e a formação docente em relação ao tema é recente (quando acontece), estes recortes de fontes podem suprir tal carência. Aprendi muito com a obra. Descobri textos que não conhecia, principalmente em relação a períodos mais antigos da história. É um material que faltava para indicar a novos pesquisadores e pesquisadoras e para utilizar em sala de aula. Uma boa leitura e que ela estimule mais pesquisas, mais escritas, mais debates e mais transformação social. Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski5 5 Coordenadora do Projeto Gênero e diversidade: ações afirmativas para combater a violência – UNESPAR; Direção da Revista Mais que Amélias http://rstmaisqueamelias.wix.com/maisqueamelias 13 INTRODUÇÃO § Após adquirir certa experiência em produzir alguns livros fontes no campo da História Asiática6, comecei a delinear o projeto de construir um novo livro fonte sobre a História das Mulheres. O tema já estava presente, de modo específico, nas outras produções. Todavia, esse empreendimento exigiria um esforço bastante amplo, tanto em termos materiais como espaciais. A História das Mulheres no mundo é um tema vastíssimo, que pode ser abordado de múltiplas formas. Como minha pretensão era de criar um livro fonte, isso exigiu certas limitações de propósito. O objetivo do livro, em si, não é o de se tornar uma antologia definitiva ou completa: mas, antes de tudo, uma coleção de fragmentos sobre a História das Mulheres, com fins didáticos, que poderia ser utilizada como instrumento de aprendizagem histórica ou simplesmente, como referencial de pesquisa. A unidade da pesquisa, portanto, foi centrada em dois pontos fundamentais: a imagem e o feminino. Os fragmentos recolhidos visam proporcionar uma imagem da mulher num determinado período, contexto histórico e sociedade. Obviamente, tais relações variam: no caso de civilizações como Egito ou Mesopotâmia, falamos de processos históricos fundadores, que já não mais existem de forma direta, mas que influenciaram diretamente a história europeia e asiática. Já Índia e China construíram sistemas culturais que atravessaram a história, dando uma continuidade sem precedentes para seus alicerces morais e intelectuais. Seria na 6 Cem textos de História Chinesa [2009]; Cem textos de História Indiana [2010]; Cem textos de História Asiática [2011]; Textos de História da China Antiga [2016]; Textos de História da Índia Antiga [2016]. 14 Europa, pois, que a construção de uma nova perspectiva sobre o Feminino iria se fundar e revolucionar a história humana, principalmente a partir do século 19. Desse momento em diante, pode-se dizer que a maior parte dos fragmentos responde, igualmente, ao surgimento e desenvolvimento dos movimentos feministas. Novamente, foi necessário aqui fazer uma escolha de sentido nos textos. Há uma vasta literatura escrita por mulheres; e todas elas são fontes para a pesquisa histórica de uma determinada época. Contudo, como comentei anteriormente, o objetivo do livro é mais restrito; um empreendimento que tentasse englobar todas as escritoras seria monumental, levaria anos, e demandaria um trabalho que, admito, não teria condições de fazer sozinho. Assim, retornei a unidade proposta dos textos, buscando encontrar neles a imagem da Mulher que constituía o imaginário de uma época. Havia divergências, obviamente. O pensamento grego clássico sobre o feminino, por exemplo, é sinteticamente bem exposto por Aristóteles; mas Safo já fora capaz, antes dele, de mostrar as falhas do discurso ‘oficial’, revelando uma mulher autônoma e independente. Nesse ponto, é sempre bom lembrar um conceito fundamental do pensamento histórico chinês, que nos serve de baliza aqui: todo discurso oficial é uma tentativa de impor uma ideologia. Isso tanto pode significar que muitos compartilhavam dele, enquanto muitos outros faziam algo bastante diferente – e por isso, alguém precisava idealizar, legislar e aplicar tais propostas para impor, de cima pra baixo, uma visão de mundo. Ademais, o tema da História das Mulheres, hoje, é multifacetado. Por conta disso, a escolha das fontes aqui presentes foi pensado, conscientemente, como objeto de críticas. Alguns poderão objetar que o livro é tendencioso em tal ou tal sentido. Minha intenção foi montar um quadro geral, o que me levou a colocar fontes 15 díspares e conflitantes, dependendo do ponto de vista do leitor. A ideia é essa mesma: como historiador, penso que precisamos construir consciência crítica, e essa mesma consciência não virá sem uma análise prudente e lúcida das fontes. Afinal, a escolha dos fragmentos foi um processo longo e, muitas vezes, doloroso. A antiguidade tentou suprimir a voz feminina, e por isso, as leituras que temos são basicamente feitas por homens. Há brechas; mas o que temos pra ler é, de certa forma, o ‘discurso oficial’, aquilo que se pretendia a ‘mentalidade corrente’. Até o período moderno, isso seria basicamente uma regra – com as exceções notáveis de Heloísa e da pensadora medieval Cristina de Pisano, como veremos adiante. Há um sofrimento muito grande nesse material: raiva, desconfiança, insegurança e violência. Alguém poderia afirmar que, tendo em vista que a história [qual? feita por quem?] delegou ‘esse papel para a mulher’ – de ser submissa, reprimida –, discutir a História das Mulheres seria a tentativa de contestar um tabu cultural. Ora, a leitura desses fragmentos mostra justamente que a Humanidade evolui, ainda que isso demore. Se o argumento de que ‘o passado é melhor que o presente’ fosse verdadeiro, então, ainda usaríamos sangrias ao invés de aspirina. Isso se aplica às questões morais: a moralidade e os costumes tem se modificado, e num sentido positivo. Apesar da luta árdua que ainda se encontra pela frente, a conquista dos direitos humanos tem se ampliado em várias direções. A escravidão, antes geral, hoje é abominada; o racismo, antes comum, é combatido; o mesmo pode ser dito da luta empreendida para mudar a situação da Mulher na História humana. Ela se constrói como um contínuo processo de luta. Mas, apesar de suas raízes históricas, suas conquistas são muito recentes. Para termos uma ideia, como referência, o direito a voto só surge no século 20; a convenção para erradicação da violência 16 contra a mulher só foi firmada em 1979. Isso significa, portanto, que ainda temos muito a fazer em termos educacionais. O contexto atual diverge amplamente em como tratar essas questões, oscilando muitas vezes em direção aos extremos. E, no entanto, muitas vezes o meio ideal só surge da compreensão e do alcance desses extremos. Mas quaisquer mudanças ou mediações só podem ser estabelecidas com conhecimento das condições históricas que permearam esse processo – e muitas vezes, é o próprio conhecimento, justamente, um dos elementos mais ausentes nas discussões atuais. Ao mesmo tempo, a vivência líquida da modernidade [como diria Zygmunt Bauman] nos leva a rever as condições de que dispomos para analisar nossas vivências e experiências pessoais e sociais, conjunto esse cuja dimensão é fundamental para estabelecer nosso papel nas mudanças culturais. Assim sendo, a construção desse livro objetiva a criação de um instrumento para o ensino e a aprendizagem histórica. Sendo um ponto de partida, esperamos que ele sirva como material para reflexão e formação, fornecendo subsídios para uma discussão mais consciente sobre nossa história e sociedade. Uma breve introdução histórica Essa concisa introdução histórica não se pretende uma História das Mulheres completa e acabada. Antes de tudo, nos dispomos a montar um roteiro geral para guiar na leitura dos textos escolhidos. Pode-se dizer que a História escrita sobre o feminino acompanha o desenvolvimento das sociedades patrilineares, fundadas no domínio da agricultura e do pastoreio. Antes disso, é possível que existissem muitas comunidades nômades e semi-nômades matrilieneares. Um grande conjunto de evidências nesse sentido 17 foi levantado por historiadores como J. Bachofen e Marija Gimbutas. Bronislau Mallinowski e Margaret Mead provaram, no campo da antropologia, a viabilidade dessas hipóteses. Contudo, o alvorecer da urbanização humana, em algum momento distante entre o 10º e o 5º milênio aec, trouxeram o fortalecimento gradual e contínuo da ideologia patriarcal. As sociedades antigas da Mesopotâmia, Egito, Índia e China nos mostram os traços desse processo, em que os sistemas matriarcais e patriarcais conviveram durante um longo período, envoltos em conflitos e apropriações. As formações sócio-culturais dessas civilizações – seus mitos, crenças, linguagem, costumes – mostram inúmeras aberturas ao feminino, revelando sua presença ativa, e a tentativa de evitar uma completa submissão ao patriarcalismo. Todavia, a preponderância do masculino firmou-se. As legislações, a escrita autoral, as produções intelectuais, a sua grande maioria será masculina, e masculinizada; a produção feminina decai, ou não se salva. As exceções, porém, nos mostram as falhas de um enganoso discurso misógino. Enheduana, a sacerdotisa acadiana, é a primeira autora reconhecida na história mundial. Antes dela, todos os textos são de autores desconhecidos – usualmente, atribuídos a alguém, ou ao seu personagem principal – mas ninguém sabe de fato quem os fez. Enheduana nos mostra, pois, que naquela época muitas mulheres sabiam ler, escrever, e defender seus direitos – com sucesso, inclusive – numa sociedade em que os escribas eram homens. Como dissemos antes, a questão é que as civilizações da Mesopotâmia e do Egito desapareceram, mas deixaram seu legado. O ‘Hino do Trovão da mente perfeita’, que apresentamos nessa coletânea, é um exemplo disso: o texto louva a ‘Sabedoria’, fundindo sincreticamente a figura da Sophia grega, judaica e egípcia. Fragmentos de sua escrita e estilo reproduzem passagens 18 egípcias. Por isso, ele também é considerado um Hino a Isis – numa época em que a religião egípcia tradicional declinara quase ao fim. Por outro lado, Indianos e Chineses, embora de culturas muito diferentes, conseguiram manter uma continuidade cultural duradoura. Por isso, os textos usados aqui, apesar de centrados na antiguidade, serviram por milênios na história dessas civilizações – e como tal, mostram as dificuldades de ser mulher no mundo asiático. O mundo Greco-romano era igualmente masculinizado. Alguns dos mitos fundadores da cultura ocidental estão ali: Pandora, que libertou todas as desgraças sobre a face da terra; que ela deve ser dona de casa, como disse Aristóteles; que toda mulher é disponível e não resiste a uma sedução bem feita, como diz Ovídio; e que nenhuma delas é confiável, como informa Juvenal. O conjunto Judaico-cristão não seria muito diferente: o pecado original de Eva está na Bíblia, junto com as determinações rígidas do Levítico, e as recomendações vigilantes dos textos de Sabedoria. A figura paradigmática de Jesus manifesta um papel especial à mulher; mas as austeras recomendações de Paulo defenderão novamente sua submissão. O Evangelho apócrifo de Magdalena, porém, mostra que nem todos os cristãos concordavam com isso no início. Mas os pensadores envolvidos na consolidação do Cristianismo trabalharam assiduamente para apagar essa subversão feminina. Hipácia, em Alexandria, a última grande filósofa do mundo antigo, foi apedrejada até a morte pela turba cristã instigada pelo bispo Cirilo; Tertuliano e Agostinho teriam sérios problemas com a castidade e a concupiscência, recomendando distância e controle do feminino; por fim, Isidoro de Sevilha, mostra a tônica da sabedoria medieval sobre a mulher, afirmando que o sangue menstrual deixa a terra infértil... 19 A Idade Média une o romano ao cristão, criando os três modelos femininos do imaginário: Eva, Maria e Madalena [a pecadora, a pura, e a arrependida, respectivamente]. Elas são cantadas, louvadas e tomadas como referência. O amor cortês as torna distante, objetos de veneração, de erotismo contido. Mas são submissas. Exceto, claro, Heloisa. Apesar das tentativas de Abelardo, ela recusou-se a casar com ele. O filósofo não sabia o que fazer. Reclamou, passou pelas suas calamidades, mas não conseguiu dela o compromisso que ela não quis lhe dar. Casos como esse nos mostram que as mulheres podiam ter mais opinião do que se costuma acreditar. Mas foi Cristina de Pisano, e seu livro A Cidade das Damas, que mudaram de forma significativa esse panorama. A experiência com uma literatura absolutamente masculina transtornou a autora; ela se revolta, e elabora um texto inteiramente dedicado a Mulher. Tão bom que sobreviveu ao tempo. Muitas outras escritoras mulheres já existem nessa época: mas seus textos funcionam dentro da lógica cultural e religiosa do momento. Elas conquistaram espaço, mas não mudaram radicalmente as regras do jogo. Cristina de Pisano, porém, estava disposta a inventar um novo. A Idade Moderna respondeu a essas liberdades com a ampliação massificada da caça às bruxas e hereges. Muito se fala da Inquisição na Idade Média, quando ela teria surgido; mas ela atuou com muito mais ênfase e violência, de fato, quando as primeiras caravelas do novo mundo antropocêntrico singravam o mar. O Martelo das Bruxas, junto com o Manual do Inquisidor, se transformam nos dois grandes guias para reprimir bruxas, hereges, judeus, muçulmanos, pobres, loucos ou simplesmente diferentes. O Estado nascente, junto com a Igreja, buscava manter o monopólio da violência por meio da escolha de novos inimigos. 20 A massa, ignorante, aplaudia a execução dessas ameaças, e a tomada de seus bens. E nesse processo, a Mulher é indiciada como a criatura fadada ao serviço das trevas. Desde Eva, ela cede a tentação ao Mal. O curso da história transformaria, aos poucos, essa situação. A França e a Inglaterra do final do século 18 apresentam um mundo radicalmente diferente. Muitas já escrevem, estudam, debatem sua própria condição junto à sociedade. Quando L. Thomas lançou seu desastrado livro sobre a História das Mulheres, em 1772, ele foi criticado por pensadores e pensadoras importantes. Como veremos, o debate surgido desse episódio frutificou numa constatação importante para a história acerca da condição feminina e sua construção cultural. O final desse século revela mulheres revolucionárias, como Olympe de Gouges e Mary Wollstonecraft. Essa é uma questão importante: elas estão protagonizando a mudança de suas posições dentro da sociedade, buscando suas próprias conquistas, e não apenas concessões pontuais. No Brasil, Nísia Floresta responderá a esse desafio, tornando-se, no século 19, a primeira feminista no Brasil Imperial, lutando pela educação da mulher e pela igualdade de direitos. O século 19 foi intenso. A conscientização pelos direitos femininos alcançou novos patamares. Em meio a filósofos misóginos como Schopenhauer e Nietzsche, Stuart Mill combate de forma lógica e coerente a sujeição feminina. A literatura produzida pelas mulheres aumentara significativamente. O movimento espírita francês revoluciona o Cristianismo, afirmando que a espiritualidade não possui sexualidade definida. Delineiam-se dois tipos de feminismos nessa época: um defendia a integração mais abrangente das mulheres nas atividades políticas e públicas, desenvolvido principalmente na Inglaterra e Estados 21 Unidos. Outro modelo é o feminismo socialista, que propunha um novo modelo de sociedade igualitária, mostrando que sem equilíbrio econômico e legal, não haveria equidade moral e cultural. Na virada do século 19 para 20, uma geração de mulheres revoluciona a história: Emmeline Pankhurst e o movimento sufragista alcançam o direito a voto em 1918 na Inglaterra. Alexandra Kollontai e Rosa Luxemburgo trabalham por um novo modelo de civilização socialista, no qual o papel da mulher seria valorizado. O século 20 marcaria a grande transformação na história da História das Mulheres. Foi um longo século, como os fragmentos escolhidos nos mostrarão. As mulheres protagonizaram a formação de suas próprias linhas de pensamento sobre a História das Mulheres. Essa experiência seria multifacetada, e não isenta de contradições, discussões e questionamentos. Todavia, a inserção acadêmica feminina cresceu consideravelmente, e esse movimento esteve intimamente ligado tanto à constatação das capacidades e conhecimento científico da Mulher quanto a sua ação política e social, marcada pelo ativismo e pela preocupação constante pela construção de mudanças culturais necessárias. A instituição de Leis universais, salvaguardando os direitos da Mulher, marca avanços notáveis; mas o século 21 será, ainda, um grande desafio. Há muito ainda para se fazer no campo da educação, buscando-se preparar os seres humanos para uma sociedade mais justa, equilibrada, menos preconceituosa, ignorante e violenta. Nesse sentido, esse pequeno trabalho se propõe, pois, a ser uma humilde contribuição. 22 23 GLOSSÁRIO DE AUTORES E TEXTOS § Enheduana Princesa e sacerdotisa do período Acádio, em torno do século 23 aec. É dela o primeiro texto com autoria reconhecida na história da humanidade. No Nin-me-sara, Enheduana narra como foi expulsa de seu templo por um rei [Lugal-Ane], mas após invocar a deusa Inanna [Ishtar] e apelar para o imperador Sargão, ela consegue sua posição de volta, retomando o controle do santuário dentro da cidade de Ur. Além desse texto, ela também escreveu vários hinos religiosos, dando início ao fenômeno da autoria. Instruções de Shuruppak Texto do 3º milênio aec. De autoria desconhecida, narra como Shuruppak teria instruído Ziusudra [em acádio, Utnaphstin, o Noé mesopotâmico] em uma série de conselhos morais, necessários à uma vida adequada. É um classificado como um dos ‘textos de sabedoria’ da literatura suméria. Hamurabi Soberano babilônico do século 18 aec, teria empreendido diversas conquistas na Mesopotâmia, tornando-se um soberano poderoso. Seu código, famoso na história mundial do Direito, consolida a concepção de uma lei universalista, que abrangesse povos e culturas diferentes. O principio fundamental era a equiparação da pena ao crime, embora haja diversidade de punições na obra. Não foi o primeiro dos códigos jurídicos mesopotâmicos, mas foi o primeiro preocupado em criar uma lei comum a todas as sociedades submetidas aos babilônios. 24 Instruções de Ptah-Hotep Inserido na literatura de sabedoria egípcia, os conselhos ou instruções dados por Ptah-Hotep se assemelham ao texto de Shuruppak. Ptah teria sido tjati [primeiro ministro, ou vizir] do faraó, e de sua experiência de vida, ele extrai as orientações que dá para o filho, de modo a encontrar uma vida segura e longa. Inscrição no templo de Hatshepsut Hatshepsut foi uma das faraós mulheres na história do Egito, tendo sido sua administração extremamente bem sucedida em vários campos. Uma das primeiras mulheres a escrever seu nome na lista dos grandes soberanos da antiguidade, área usualmente dominada pelo masculino. Hino a Ísis ou Hino do Trovão da Mente Perfeita Ísis era uma das principais divindades do Egito, sendo considerada a Mãe de todos. Progenitora de Hórus, o deus que governava o Egito, Ísis era representada também na forma de uma mãe que amamentava o filho, criando a iconografia mundialmente conhecida da mãe com o filho no colo, encontrada em quase todas as culturas mediterrânicas e depois, no Cristianismo. O hino em questão foi feito numa época em que o paganismo declinava [em torno dos séculos 1 a 3ec], mas encontrava-se vivo por meio de sincretismos com o Judaísmo e o Cristianismo. Esse é um dos textos encontrados em Nag Hammadi, Egito, pertencente a uma vasta coleção de textos gnósticos originais. Leis de Manu [Manavadhasrmashastra] Texto de autoria desconhecida, mas atribuído a Manu [o Noé indiano], que teria redigido esse código de leis após o renascimento do mundo pós-diluviano. É possível que tenha sido 25 escrito em torno de 1500 aec, mas não há certeza sobre essa data. Ele diz respeito ao aspecto da manutenção do principio religioso da cultura, Dharma, apresentando a lista de restrições das castas e sexos. Livro das Leis [Arthashastra] Escrito por Kautilia [370-283?aec], o ‘Maquiavel’ indiano, o livro aborda as leis sociais [Artha], criando um meio de disciplinar a conduta humana através de regras raciocinadas. Livro do desejo [Kama Sutra] Kama [desejo] é o terceiro aspecto fundamental da mentalidade religiosa hindu, e tema do livro de Vatsyayana [século 2ec?]. Diferente da visão comum ocidental, o livro propõe, de fato, a articulação do casamento, do prazer e da vida a dois como uma das questões fundamentais na existência humana. Quase todo o livro trata, pois, de regras e conselhos para o bom casamento. Banzhao Autora do século 2ec, intelectual reconhecida na corte chinesa da época, foi historiadora oficial e filósofa. Seu livro, Lições Femininas [Nujie], é um controverso texto de conselhos para a boa conduta da mulher em sociedade. Liu Xiang Historiador, Liu [77-6aec] escreveu uma Biografia de Mulheres Notáveis [Lienu Zhuan], no qual destacava modelos de mulheres boas, más, inteligentes, imorais, entre outras. A mãe de Mêncio é um texto famoso, pois mostra uma mulher sozinha que fez tudo ao seu alcance para tornar seu filho um sábio. Mãe Meng é um exemplo feminino de dedicação e força na cultura chinesa. 26 Tratado Interno De autoria desconhecida, o Tratado Interno [Neijing] é um texto do século 1 ou 2 ec, fazendo uma explanação abrangente sobre a questão da saúde e da medicina na cultura chinesa. Fu Xuan Poeta e intelectual destacado, viveu no século 3 ec, num período conturbado da história chinesa. Parte substancial de seus poemas são sobre as mulheres, manifestando sua admiração e preocupação com o feminino. Hinos Homéricos Coleção de Hinos atribuídos ao escritos Homero [séc. 10 aec], sem data identificada, mas preservados pela tradição grega. Hesíodo Junto com Homero, foi o outro grande escritor do período pré-clássico grego. É Hesíodo [séc. 8aec] que lança o Mito de Pandora, no qual a mulher é origem de todas as desgraças humanas. Seus livros principais são Teogonia [Origem dos Deuses] e Os Trabalhos e os dias, nos quais apresenta-nos essa história. Aristóteles Um dos grandes nomes da filosofia grega no século 4aec, Aristóteles [384-322aec] escreveu uma vasta obra filosófica, mas suas considerações sobre o feminino repercutem as ideias da época. Aqui, analisaremos um fragmento da Política e outro de Economia [que significa ‘cuidado da casa’]. 27 Safo de Lesbos Conhecida escritora e poetisa grega, fundadora de uma escola feminina, legou poesias belíssimas para a humanidade. Sua relação amorosa com uma de suas alunas grifou o termo ‘Lesbianismo’, embora Safo mantivesse relações amorosas com ambos os sexos [Vida: séc. 7 aec]. Sêneca Pensador romano [-4aec -65ec], seguidor do estoicismo, foi um dos mentores do imperador Nero. Em Consolações a Mãe Hélvia, Sêneca chama a matrona aos deveres de sua posição, dentro da lógica machista romana. Ovídio Arte de Amar é o livro que inaugura o mito machista de que todas as mulheres são seduzíveis, e que só são infelizes as decepcionadas. Ovídio [43aec – 18ec] é considerado um dos grandes nomes da literatura latina, e nesse livro, ele revela muito das práticas machistas romanas. Juvenal Juvenal [60-127ec] escreveu suas Sátiras, e a número 6, em especial, traz uma forte carga misógina. Nesse texto, o autor mostra o desprezo romano pela condição feminina, e sua preocupação com a dominação do sexo oposto. Gênesis Texto inicial do Antigo Testamento, mas de redação ou edição atribuída a Moisés [séc. 13aec?]. Nesse fragmento, o Mito de Eva e o pecado original, que marcariam a história do Ocidente, são apresentados. 28 Levítico Parte do Antigo Testamento que mostra uma série de normas para a vida religiosa na comunidade judaica antiga. Livro dos Provérbios Atribuído ao Rei Salomão [séc. 10aec?], mas as datas e autorias de fato são incertas. Há um grande paralelismo desse texto com os Conselhos de Amenemope, do Egito, o que levanta discussões sobre possíveis intertextualidades. O livro se insere na tradição dos livros de conselhos do Oriente antigo, todo organizado em aforismos. Eclesiástico Um dos poucos livros de Sabedoria aceito e amplamente utilizado nas comunidades judaica e cristã. Na Idade Média, ele foi bastante utilizado pela Igreja cristã, e será amplamente utilizado e citado no Martelo das Feiticeiras. Evangelho de João, Evangelho de Marcos e Paulo de Tarso Textos integrantes do Novo Testamento, que marca o surgimento dos textos cristãos. Os Evangelhos são atribuídos tradicionalmente aos apóstolos, mas não há comprovações plenas disso. Quanto a Paulo [5-67ec], este foi um dos grandes difusores do pensamento cristão no Mediterrâneo, imprimindo uma nova face para o Cristianismo, tornando-o ecumênico e universalista. Aqui, o fragmento presente é a Primeira Carta aos Coríntios, quando ele dialoga com a comunidade cristã de Corinto. Evangelho de Maria Magdalena Escrito apócrifo, do início do Cristianismo, provavelmente dos séculos 1 ao 3 ec. Propunha que Maria Magdalena era uma das 29 apóstolas de Cristo, superior mesmo aos homens, e uma das principais divulgadoras do Cristianismo nascente. Esse evangelho desenhava um novo papel para a mulher dentro do pensamento cristão pós-Paulino, mas acabou sendo banido. Damascius Escritor do século 6ec, escreveu uma Vida de Isidoro, filósofo cristão que teria sido companheiro de Hipácia. Curiosamente, é o trecho sobre Hipácia que mais se destaca em sua obra, enquanto Isidoro foi eclipsado pela história. Tertuliano Pensador cristão radical, um dos mais severos combatentes dos costumes pagãos [após sua conversão], adepto de uma teologia de culpabilidade e severidade contra o pecado. Dono de vasta obra, no qual a figura feminina não é valorizada.[Vida: 160-220ec] Agostinho de Hipona Considerado um dos pais da Igreja cristã, Agostinho [354-430ec] teve uma trajetória de vida conturbada, que o levou a conversão após um esgotamento espiritual. Agostinho tinha um ponto de vista complexo, que é objeto de debate até os dias atuais. Seu tratamento ao feminino era severo e distante; todavia, era grande admirador de sua mãe, considerada por ele modelo de mulher. De qualquer modo, a leitura de seus textos aponta para o surgimento do modelo interpretativo Eva-Maria-Magdalena, que veremos no mundo medieval. Isidoro de Sevilha Um dos principais escritores da Antiguidade Tardia, realizou uma reinterpretação do vocabulário latino dentro de moldes filosóficos. 30 Sabe-se hoje de muitos equívocos de sentido que o mesmo teria criado: todavia, sua obra foi referência no pensamento medieval posterior.[Vida: 560-636ec] Alcorão Livro sagrado e fundador do Islamismo, cuja redação teria começado ainda no tempo de vida do profeta Muhammad [Maomé], no século 7ec. O texto estrutura os fundamentos da história, das crenças e práticas da religião islâmica, sendo um dos textos religiosos fundamentais da história da humanidade. As Mil e uma Noites Coleção de histórias diversas, redigido em árabe, e composto em torno do século 9 ec. Os episódios são entrelaçados por uma história central, narradas pela princesa Xerazade, a grande heroína do romance. O rei Chariar, cansado de ser traído, institui a lei terrível de deitar-se com mulheres e executá-las na manhã seguinte. O terror se instaura em seu reino, e é a sabedoria de Xerazade, ilustrada pelas diversas histórias que conta, que o levarão a mudar de ideia. Heloísa Heloísa [1090-1164ec] foi um jovem estudante de filosofia no período medieval, cujo romance com o pensador Abelardo tornou o casal famoso. Embora conheçamos melhor A História de minhas calamidades, de Abelardo, as cartas trocadas entre Heloisa e ele mostram o quão inteligente e ousada essa jovem era. No fragmento dessa antologia, Heloísa critica o comportamento de Abelardo em relação a sua estreita visão de amor. 31 Romance da Rosa Romance francês do século 13 ec, escrito primeiramente por Guilherme de Lorris, e continuado por Jean de Meun. É a obra-prima do amor cortês medieval, que nos mostra a construção de muitos personagens do imaginário medieval em relação ao feminino. Jacopo de Varazze Autor italiano [1228-1298] que redigiu a Legenda Áurea, resgatando a biografia dos principais santos da igreja católica. Sua obra uma enciclopédia da vida dos santos, fundamental para conhecermos esses personagens basilares na história cristã. Alfabeto Ben-Sirá Texto judaico de autoria desconhecida, que teria sido composto em torno do século 8ec. No entanto, só foi conhecido muitos séculos depois [em torno do século 12 ec], encontrando uma divulgação razoável na Europa Medieval. O texto traz tradições folclóricas do Judaísmo, incluindo o mito de Lilith – que depois, foi incorporado as tradições de feitiçaria ocidentais. Tomás de Aquino Considerado o grande ‘Doutor da Igreja’, o italiano Tomás Aquino [1225-1274] foi canonizado por escrever sua Suma Theologica, na qual conseguia cumprir o desafio de unir Aristóteles e Pensamento Cristão. Em sua consideração, a Mulher era um ‘ser defeituoso’, incompleto, reforçando os velhos estereótipos cristãos, como veremos adiante. Alfonso X Rei de Castela e Leão [1221-1284ec], era considerado um sábio, 32 pensador ativo, que empreendeu uma reforma na escrita, estimulou os estudos nos mais diversos campos filosóficos e ainda, devoto fervoroso de Maria, organizou as Cantigas de Santa Maria – coleção de quatrocentos e trinta cantigas e poemas de louvor a Nossa Senhora. No fragmento selecionado, vemos claramente o embate do modelo feminino medieval ‘Eva x Ave [Maria]’. Cristina de Pisano Intelectual e escritora veneziana [1363-1430ec], sua obra marca um momento de inflexão na literatura mundial. Cidade das Damas é o primeiro livro ocidental a questionar o papel masculinizado da literatura e da filosofia, propondo um novo modelo de pensar através da ótica feminina. O Martelo das Feiticeiras, de Heinrich Kraemer e James Sprenger Publicado em 1487, esse manual de caça as bruxas marcaria o tom da Idade Moderna europeia: a perseguição cruel e insana contra as bruxas, escolhidas muitas vezes entre as mulheres pobres, prostitutas, judias ou simplesmente, indefesas. A inquisição, nesse momento, buscava retomar as rédeas do poder religioso numa Europa convulsionada por crises sociais e culturais. Nicolau Maquiavel Conhecido pela razão prática na política, o pensador florentino [1469-1527ec] não atentou as questões de gênero em sua época, mas revela em um curto fragmento de sua obra máxima, O Príncipe, sua noção sobre o tratamento feminino. Michel de Montaigne Em seus Ensaios, o escritor francês Michel de Montaigne 33 [1533-1592ec] erudito de amplos conhecimentos clássicos, revela uma visão diferenciada e consciente com relação ao feminino, mostrando uma mudança lenta e gradual do pensamento europeu. Jean Bodin Francês [1530-1596ec], Jean Bodin escreveu Os seis livros da república, propondo uma análise dos sistemas políticos na história. Ele considerava a Ginecocracia [governo de mulheres] uma das piores possibilidades políticas existentes, manifestando sua concepção sobre o feminino. Martinho Lutero O grande reformador alemão [1483-1546ec] tinha uma visão controversa sobre a questão da mulher. Sua ampla obra parece contraditória, ora concedendo um papel relevante à mulher, ora caindo numa misógina clara. Uma leitura definitiva de suas posições constitui um objeto de difícil definição, e passível de debates contínuos. João Comenius Comenius é conhecido pela sua fundamental obra educativa, a Didática Magna, um dos textos iniciadores da moderna pedagogia. Em sua visão, a educação deveria ser proporcionada igualmente para as mulheres, embora suas opiniões sobre o feminino ainda estivessem carregadas de preconceitos próprios da época. [1592-1760ec] Immanuel Kant O notável pensador alemão I. Kant [1724-1804ec] aprofundou-se nos mais diversos campos do pensamento e da ciência, 34 constituindo uma obra paradigmática. Todavia, suas observações antropológicas sobre a questão sexual eram absolutamente conservadoras, repetindo considerações próprias da época, sem ter nada acrescentado nesse quesito. Leonard Thomas Em 1772, Antoine Leonard Thomas lançou, na França, o seu livro O ensaio sobre o caráter, os costumes e o espírito das mulheres em diferentes séculos. O livro foi criticamente arruinado por não menos que Denis Diderot e Madame d’Epinay, duas das maiores figuras intelectuais francesas da época. O autor era reconhecidamente virgem sexualmente, e por isso, considerado por seus detratores como ‘inapto’ para a missão de falar do outro sexo. Além disso, ele trazia uma série de informações que eram razoavelmente conhecidas na época, o que parecia torná-lo redundante. Todavia, a enxurrada de críticas tornou o livro abominável – e ao mesmo tempo, um sucesso – justamente por ser tão criticado. Thomas, porém, lançara indiretamente a pergunta que influenciaria, de modo profundo, o pensamento sobre o feminino nos séculos seguintes – questão essa reconhecida mesmo por Diderot e D’Epinay, e talvez só resolvida com Simone de Beauvoir: o que é ser mulher? Denis Diderot No ensaio Sobre as Mulheres, o iluminista francês [1713-1784] Diderot busca responder a obra de Thomas, criticando-a nos mais diversos aspectos. Suas reflexões, porém, apontam para o surgimento de novas questões no campo da História das Mulheres. 35 Madame d’Epinay Pensadora francesa, ativa, de vasta obra literária, correspondente de Diderot, Rousseau, D’Alembert e Von Grimm, mas praticamente desconhecida no Brasil. Premiada na época [1783] por sua produção literária, escreveu uma carta sucinta sobre a obra de Thomas, mas cujo trecho, esclarecedor, mostra muito sobre a consciência crítica de suas posturas intelectuais. [1726-1783ec] Olympe de Gouges Na escalada política da Revolução Francesa, as mulheres pareciam esquecidas. Olympe de Gouges [1784-1793ec] assistiu a proclamação dos Direitos do Homem, mas não das Mulheres. Reagiu escrevendo o efemérico Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, documento que marca uma clara mudança de atitude em relação à participação feminina na política. Como muitas, na época, foi executada. Sua frase: ‘a mulher tem o direito de subir ao cadafalso, então ela deve ter o direito igualmente de subir à tribuna’ fora premonitória sobre a intolerância que as mulheres teriam que enfrentar doravante. Mary Wollstonecraft Do outro lado do Canal, a inglesa Mary Wollstonecraft [1759-1797ec] iniciara também a luta pelos direitos das mulheres inglesas. Escreveu o seu livro Reivindicação dos Direitos da Mulher [A Vindication of the Rights of Woman, 1792], e participou da Revolução Francesa, tentando difundir suas ideias, na mesma época que Olympe de Gouges. Acabou viajando por toda a Europa, voltando ao Inglaterra por fim, mas continuou sempre ativa na luta pelos direitos da Mulher. 36 Soujourner Truth Falecida em 1883, a ex-escrava americana Soujourner Truth colocou seu nome na história ao realizar, em 1851, um célebre discurso contra a escravidão. Simples, direto, consciente, sua breve apresentação marcou a história dos Estados Unidos, sendo registrado e difundido como uma importante peça na luta contra a Escravidão. Nísia Floresta A primeira feminista brasileira, Nísia Floresta [1810-1885ec] escreveu um importante tratado sobre a questão da igualdade no país, intitulado ‘Direitos das mulheres e injustiça dos homens’ [1832]. Sua inspiração teria sido a leitura de Mary Wollstonecraft, mas Nísia revela originalidade própria, adaptada a realidade brasileira. É, pois, uma autora fundamental na compreensão da História de nosso país. August Bebel Revolucionário socialista alemão [1840-1913ec], cuja obra mostra a preocupação em criar uma nova concepção de igualdade sexual a partir do socialismo. Allan Kardec Fundador do Movimento Espírita, Kardec [França, 1804-1869ec] publicou sua primeira grande obra espiritualista, o Livro dos Espíritos, em 1857. Nela, era defendida a igualdade entre os sexos, posto que o espírito, em sua essência, não teria sexualidade definida. O mecanismo da reencarnação garantiria, igualmente, que os espíritos revezassem de corpos, podendo ser homens ou mulheres em vidas distintas. 37 Stuart Mill A sujeição das mulheres é o texto fundamental do pensador inglês Stuart Mill [1806-1873ec], que defendeu vigorosamente a instituição dos direitos femininos e o seu direito a voto. Nele, o autor examina, numa interpretação filosófica e histórica, a questão da submissão e da igualdade feminina na sociedade. Emmeline Pankhurst Ativista inglesa [1858-1928ec] do sufrágio feminino, suas estratégias para chamar a atenção pública foram consideradas violentas e ilegais, levando-a a prisão e a várias condenações. Ela dividiu o movimento feminino inglês, e publicou suas memórias, Minha própria história, em 1914, defendendo seus pontos de vista. Conseguiu, porém, o direito a voto, reconhecido na Inglaterra em 1918. Alexandra Kollontai Revolucionária russa [1872-1952ec], uma das principais pensadoras do feminismo socialista, uma alternativa integradora e equitativa do papel dos sexos na sociedade. Aqui, apresentamos o fragmento em que ela defende a instituição do Dia da Mulher, tal como hoje conhecemos. Rosa Luxemburgo Intelectual socialista de origem russa [Vida: 1871-1919ec], mas que atuou principalmente na Alemanha, onde viveu até o fim da vida, quando foi executada pela polícia. Uma das principais articuladoras do fracassado movimento socialista alemão para governar o país, após o final da Primeira Guerra. Rosa nos apresenta um importante texto sobre como o papel da mulher estava indissociavelmente ligado à luta de classes. 38 Margaret Sanger Pensadora americana [1897-1966ec], responsável pela popularização de métodos contraceptivos e pela teoria do controle de natalidade. Embora sua defesa sobre a posse do corpo feminino pela própria mulher seja considerada legítima, sua trajetória intelectual foi maculada pelo envolvimento com teorias eugenistas, racistas, xenofóbicas, por sua associação com a Ku Klux Klax e por projetos controversos aos quais estava ligada, como o de esterilização compulsória dos pobres. Todavia, esse era um discurso comum na época, como evidenciado no contexto da Segunda Guerra Mundial. Alguns elementos dessas questões estão presentes em seu livro A Mulher e a nova Raça, de 1920. Sigmund Freud Fundador do movimento Psicanalítico, o vienense Sigmund Freud [1856-1939ec] preocupou-se em entender a questão do psiquismo e da sexualidade na formação da personalidade, criando uma nova perspectiva para os estudos de gênero. Aqui, apresentamos um fragmento do texto Sobre a Sexualidade Feminina [1931], em que algumas de suas teorias [bastante discutidas e criticadas atualmente] são apresentadas. Margaret Mead Em Sexo e Temperamento [1935], a pesquisadora americana M. Mead [1908-1978ec] conseguiu provar, de forma definitiva, que as identidades sexuais são construídas culturalmente. Ao examinar três tribos bastante diferentes entre si, ela pode demonstrar que atitudes, hábitos e costumes usualmente classificados como ‘masculinos’ ou ‘femininos’ podiam ser encontrados de modo absolutamente distinto em sociedades ‘primitivas’. 39 Simone de Beauvoir A filósofa francesa [1908-1986ec] foi autora do livro O Segundo Sexo [1949], praticamente um divisor de águas na História das Mulheres. Examinando elementos históricos, culturais, sociais e filosóficos da questão do Feminino na trajetória da humanidade, Beauvoir lançou o famoso epíteto: ‘Não se nasce mulher: torna-se’, que explica como o ser mulher é uma construção cultural. O livro funde seus estudos e uma apreciação pessoal das questões levantadas, tornando-se uma leitura fundamental. Lélia Gonzalez Feminista Negra, Lélia Gonzalez [1935-1994ec] foi uma importante intelectual brasileira, defensora dos direitos da Mulher e árdua combatente contra as questões de preconceito racial. Defendia um novo entendimento do papel da cultura afro-descendente na formação da história do Brasil, e associava a exploração racial e de gênero num plano único, realizando um novo tipo de ativismo nesse sentido. Possui uma obra ampla e significativa, cuja divulgação ainda não tem sido suficiente. Shere Hite Pesquisadora americana [1942], autora do conhecido Relatório Hite [publicado em 1976] no qual se revelava uma nova visão do entendimento do corpo feminino, relacionado às questões do prazer e do erotismo. Na época, o texto foi considerado impactante, por mostrar que muitas crenças relacionadas ao prazer feminino eram, de fato, elaborações masculinas [machistas], que não encontravam reciprocidade nos dados levantados pelo estudo. Kate Millett Escritora e intelectual Americana [1934] cujo livro Política Sexual 40 [1970] colocou em questão a continuidade das relações patriarcais na cultura contemporânea. Para ela, a relação entre patriarcalismo e política é indissociável, e sua compreensão seria a chave para qualquer nova forma de elaboração política possível. Naomi Wolf Escritora Americana [1962] que revelou os padrões autoritários e masculinos de beleza sobreviventes na cultura moderna. Cunhou os termos ‘ditadura da beleza’, ‘ditadura da moda’, mostrando que os padrões estéticos ainda se impõem ante a História das Mulheres. Seu principal trabalho é O mito da Beleza [1991]. Judith Butler Uma das principais teóricas sobre a questão de gênero na atualidade, a pesquisadora americana Judith Butler [1956] tem atuado fortemente na elaboração da agenda feminista atual, propondo novas interpretações e questões conceituais. Seu trabalho principal, ao qual nos remetemos, é Problemas de Gênero [Gender Trouble, 1990] Joan Scott Igualmente ativa na História das Mulheres, pela perspectiva do Gênero, Joan Scott [Estados Unidos, 1941] tem se destacado na elaboração de um novo tipo de interpretação histórica, reconstruindo visões e personagens. Seu trabalho mais divulgado é Gênero: Uma Categoria Útil para a Análise Histórica [1990]. Michelle Perrot Historiadora francesa [1928], uma das principais responsáveis pela construção do novo campo da História das Mulheres na França, tendo colaborado na revolucionária coleção História das 41 Mulheres no Ocidente [1993], escrito o marcante Mulheres ou os silêncios na História [2005] e mais recentemente, Minha História das Mulheres [2007]. Atuando a partir da linha da História Social Francesa, e influenciada por Michel Foucault [História da Sexualidade], é uma importante ativista feminista no campo universitário da atualidade. Vandana Shiva [1952] é uma importante ativista ambiental na Índia, tendo unido a causa feminista com a preservação ambiental e a educação. Em sua visão, a conservação da natureza deve começar por uma reforma educacional, que priorize a conscientização de mulher acerca das questões ecológicas, permitindo sua atuação mais direta frente à família. Vandana tem conseguido resultados revolucionários na economia e na sociedade indiana. Seu principal trabalho é Ecofeminismo [1993-97]. Chimamanda Adichie Escritora Nigeriana [1977] com amplo destaque internacional, tanto por seus romances quanto por suas obras acadêmicas. Seus ensaios ‘O perigo das histórias únicas’ [2009] e ‘Sejamos todos feministas’ [2012] alcançaram uma grande divulgação mundial, mostrando a força de uma nova geração de pensadoras africanas. Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, Nova York, Nações Unidas, 1979: Documento produzido a partir de convenção realizada pela ONU, visando o estabelecimento de um projeto internacional para o combate à violência e a sujeição feminina. O texto é revelador sobre a conscientização acerca dos problemas enfrentados pela mulher em diversas partes do mundo, bem 42 como, da persistência de práticas misóginas. Lei No 11.340: Lei Maria da Penha. Brasil, 2006: Embora a convenção para erradicação da violência contra a mulher tenha sido constituída em 1979, apenas em 2006 o Brasil instituiu uma lei contra a violência sexual e de gênero. A Lei Maria da Penha tem esse nome em função de sua figura emblemática, Maria da Penha Maia Fernandes [1945], que sofreu duas tentativas de assassinato pelo próprio marido. Desde então, o movimento contra a violência feminina no Brasil tem aumentado significativamente. 43 ANTOLOGIA 44 45 RETORNO AO TEMPLO Enheduana § No Girapu, determinada pelo destino, eu tinha entrado para você. Eu, a sacerdotisa, eu, En-Heduana. Enquanto eu carregava a cesta, Cantando em júbilo Como se eu nunca tivesse vivido ali Fui sacrificada de morte, banida A luz se tornou escaldante Fui tomada pela sombra Encoberta pela tempestade Minha doce boca tornou-se venenosa Retornei ao barro Meu destino, com Suen e Lugal-Ane, Eu vou denunciar a An An pode resolver isso! Eu vou denunciar a An: 'Sua senhor foi arrancada do destino por Lugal-Ane Foi lançada em terra hostil E no meio de inundações Pela mentira Ela fará tremer a cidade E no tribunal Ela tornará meu coração calmo por mim!' En-Heduana sou eu! Agora, eu farei essa prece Minhas lágrimas, como cerveja doce Eu agora as lanço contra você, livre E que Inana determine seu destino 46 Esse será o seu julgamento! Quanto a Asimbabbar, não se preocupe Ao mudar os ritos de purificação Lugal-ane mudou tudo para ele Ele arrancou o templo de An! Ele não mostrou nenhum temor. Essa casa, que nunca foi conspurcada em sua beleza Não faltou em abundancia Lugal-ane transformou esse templo numa casa desprezada! Ele aqui chegou, tempo atrás, como amigo Mas se aproximou por inveja A minha deusa, vaca selvagem, me guie! Você deve afastar esse alguém Você deve medir esse alguém Nesse lugar inóspito, quem sou eu? Esse lugar rebelde, Nanna deve forçar sua rendição! Sacuda essa cidade com violência, de cima a baixo! Enlil, amaldiçoe-a! A mãe não deve acalmar o grito de sua criança Rainha, seu lamentos forma ouvidos pela terra Seu choro ficou pra trás nas terras estranhas Seu canto determinou seu destino Inanna cuidou de mim Me protegeu em terra estranha Asimbabbar não lançou uma decisão final sobre mim Ele [Lugal-ane] se perguntava: haverá algo? Ele falava: haverá algo? Depois que me expulsou, ficou lá em triunfo Me fez voar como andorinha E destruiu minha vida [...] Eu sou a radiante sacerdotisa de Inanna! 47 Minha rainha, só você pode acalmar meu coração Isso deve ser conhecido: Ela me disse: 'Ele é seu!' Nanna proclamou seu decreto! Que você é tão alta quanto o céu, deve ser conhecida! Que você é tão grande quanto a terra, deve ser conhecida! Aniquila os inimigos, deve ser conhecida! Ruge contra os adversários, deve ser conhecida! Devora os cadáveres dos predadores, deve ser conhecida! Esmaga os líderes, deve ser conhecida! Seu olhar é terrível, deve ser conhecida! Sua visão aterradora,deve ser conhecida! Seu olhar fulminante,deve ser conhecida! Inabalável, inflexível,deve ser conhecida! triunfante, sempre, deve ser conhecida! Inanna proclamou seu decreto: 'ele é seu!' [...] A canção de Enheduana foi recebida pela Deusa Inana a ama mais uma vez O dia foi bom para Enheduana Ela colocou suas joias Vestiu-se de modo soberbo Nanna desponteou, adornada de Lua Quando Ningal, mãe de Inana, surgiu Ele abençoou o templo E em seu portal, declarou-lhe: Retornaste! 48 CUIDADOS COM A MULHER Instruções de Shuruppak § Você não deve brincar com uma jovem mulher casada: as calúnias podem ser graves. Meu filho, você não deve sentar-se sozinho em um quarto com uma mulher casada. Uma mulher fraca é sempre guiada pelo destino. Diga ao seu filho para vir à sua casa; diga a sua filha para ir para os aposentos de suas mulheres. Uma mulher com a posse de suas próprias propriedades é a ruína da casa. Você não deve sequestrar uma mulher; você não deve fazê-la chorar. As amas de leite dos aposentos das mulheres determinam o destino de seu senhor. Você não deve ter relações sexuais com a tua escrava: ela irá prejudicá-lo. Você não deve estabelecer um lar com um homem arrogante: ele vai tornar sua vida como a de uma escrava. Você não poderá ir a casa de mais ninguém sem ouvir os gritos: ‘lá vai você, lá vai você!” Quando você traz uma escrava das colinas, ela traz o bem e o mal com ela. O bem está em suas mãos; o mal está no seu coração. Você não deve escolher uma esposa durante um festival. Seu interior é ilusório; sua parte externa é ilusória. A prata nela é emprestada; os lápis-lazúlis são emprestados. As joias são emprestadas. O vestido é emprestado; a veste é emprestado. Você não deve comprar uma prostituta: ela é uma boca que morde. 49 LEIS SOBRE AS MULHERES Código de Hamurabi § Se uma irmã de um deus [sacerdotisa] abrir uma taverna ou entrar numa taverna para beber, então esta mulher deverá ser condenada à morte. Se alguém "apontar o dedo" (enganar) a irmã de um deus ou a esposa de outro alguém e não puder provar o que disse, esta pessoa deve ser levada frente aos juízes e sua sobrancelha deverá ser marcada. Se um homem tomar uma mulher como esposa, mas não tiver relações com ela, esta mulher não será esposa dele. Se a esposa de alguém for surpreendida em flagrante com outro homem, ambos devem ser amarrados e jogados dentro d'água, mas o marido pode perdoar a sua esposa, assim como o rei perdoa a seus escravos. Se um homem violar a esposa (prometida ou esposa-criança) de outro homem, o violador deverá ser condenado à morte, mas a esposa estará isenta de qualquer culpa. Se um homem acusar a esposa de outrém, mas ela não for surpreendida com outro homem, ela deve fazer um juramento e então voltar para casa. Se o "dedo for apontado" para a esposa de um homem por causa de outro homem, e ela não for pega dormindo com o outro homem, ela deve pular no rio por seu marido. Se um homem for tomado como prisioneiro de guerra, e houver sustento em sua casa, mas mesmo assim sua esposa deixar a casa por outra, esta mulher deverá ser judicialmente condenada e atirada na água. 50 Se um homem for feito prisioneiro de guerra e não houver quem sustente sua esposa, ela deverá ir para outra casa, e a mulher estará isenta de toda e qualquer culpa. Se fugir de sua casa, então sua esposa deve ir para outra casa. Se este homem voltar e desejar Ter sua esposa de volta, por que ele fugiu, a esposa não precisa retornar a seu marido. Se um homem quiser se separar de uma mulher ou esposa que lhe deu filhos, então ele deve dar de volta o dote de sua esposa e parte do usufruto do campo, jardim e casa, para que ela possa criar os filhos. Quando ela tiver criado os filhos, uma parte do que foi dado aos filhos deve ser dada a ela, e esta parte deve ser igual a de um filho. A esposa poderá então se casar com quem quiser. Se um homem quiser se separar de sua esposa que lhe deu filhos, ele deve dar a ela a quantia do preço que pagou por ela e o dote que ela trouxe da casa de seu pai, e deixá-la partir. Se a esposa de um homem, que vive em sua casa, desejar partir, mas incorrer em débito e tentar arruinar a casa deste homem, negligenciando-o, esta mulher deverá ser condenada. Se seu marido oferecer-lhe a liberdade, ela poderá partir, mas ele poderá nada lhe dar em troca. Se o marido não quiser dar a liberdade a esta mulher, esta deverá permanecer como criada na casa de seu marido. Se uma mulher brigar com seu marido e disser "Você não é compatível comigo", as razões do desagrado dela para com ele devem ser apresentadas. Caso ela não tiver culpa alguma e não houver erro de conduta no seu comportamento, ela deverá ser eximida de qualquer culpa. Se o marido for negligente, a mulher será eximida de qualquer culpa, e o dote desta mulher deverá ser devolvido, podendo ela voltar para casa de seu pai. Se ela não for inocente, mas deixar seu marido e arruinar sua casa, negligenciando seu marido, esta mulher deverá ser jogada na água. 51 Se um homem tomar uma esposa e esta der ao seu marido uma criada, e esta criada tiver filhos dele, mas este homem desejar tomar outra esposa, isto não deverá ser permitido, e que ele não possa tomar uma segunda esposa. Se um homem tomar uma esposa e esta não lhe der filhos, e a esposa não quiser que o marido tenha outra esposa, se ele trouxer uma segunda esposa para a casa, a segunda esposa não deve ter o mesmo nível de igualdade do que a primeira. Se um homem for culpado de incesto com sua filha, ele deverá ser exilado. Se um homem prometer uma donzela a seu filho e seu filho ter relações com ela, mas o pai também tiver relações com a moça, então o pai deve ser preso e ser atirado na água para se afogar. Se alguém for culpado de incesto com sua mãe depois de seu pai, ambos deverão ser queimados. 52 CONSELHOS PARA LIDAR COM MULHERES Instruções de Ptah-Hotep § Evitar as mulheres Se desejas conservar a amizade numa casa em que entres como senhor, irmão ou amigo, em qualquer lugar onde entres evita aproximar-te das mulheres Não é bom o lugar onde isso acontece nem é perspicaz quem se insinua a elas. Mil homens podem enlouquecer por seu (próprio) impulso: num breve momento, parecido a um sonho, e a morte chega por havê-las conhecido. É um delito. (como se) concebido por um inimigo, e (já) ao sair (de casa) para cometê-lo o coração o rejeita. Aquele que se consome por causa de seu desejo por elas não prosperará. Conduta com a esposa Quando prosperares e construíres teu lar, ama tua mulher com ardor, enche seu estômago, veste suas costas. O ungüento é um tônico para seu corpo. Alegra seu coração enquanto viveres, ela é um campo fértil para o seu senhor. Não a julgues. (mas) afasta-a de uma posição de poder. Reprime-a, (pois) seu Olho é um vento de tempestade quando ela encara. [Abranda seu coração com o que acumulaste], assim ela permanecerá em tua casa. Se a repelires, virão lágrimas. Uma vagina é o que ela oferece por sua condição, (contudo) O que indaga é quem lhe fará um canal? Conduta com a concubina Se tomares uma mulher como concubina, alegre e conhecida pelos de sua cidade, ela está duplamente (protegida) na lei. Sê bom para ela (durante) algum tempo. Não a repilas. Deixe-a comer (à vontade). (Uma mulher) alegre distribui felicidade. 53 O NASCIMENTO DE HATSHEPSUT Inscrição no templo de Hatshepsut § Amon chamou a Grande Enéada no céu e proclamou a eles sua decisão de criar, para a terra do Egito, um novo rei, e ele fez os deuses prometerem que seriam todos bons com ele. Como sucessor, Hatshepsut foi a única mulher escolhida; e assim, reivindicou sua posição . "Ela constrói seus santuários", disse Amon a Enéada. "Ela consagra templos... Ela faz ofertas ricas... O orvalho do céu cairá em seu tempo... E o Nilo deve ser elevado em sua época. Cerquem-na com sua proteção, com a vida, a felicidade até a eternidade". A Enéada respondeu: "Vimos tudo isso. Nós a cercaremos com nossa proteção, com vida e felicidade..." Amnn cobrou Thoth, o deus da sabedoria e das letras, para buscar a rainha Iahmes, a esposa do faraó reinante, a quem ele selecionou como a futura mãe da sucessora, e Thoth lhe respondeu da seguinte forma:... "Esta jovem mulher é uma princesa. Ela é chamada Iahmes. Ela é mais bonita do que todas as mulheres em toda a terra Ela é a esposa do rei, o rei do Alto e do Baixo Egito, Tutmés I, e sua majestade ainda é um jovem. Vamos, pois, para ela...” Então Thoth levou Amon à rainha Iahmes. Chegando o grande deus, Amon, Senhor do trono das Duas Terras, assumiu a forma da majestade de seu marido, o rei do Alto e do Baixo Egito, Tutmés I. Encontrou-a enquanto ela descansava na mais íntima (área) de seu palácio. Então ela acordou por causa do cheiro do deus, e ela sorriu para sua majestade. Ao mesmo tempo, ele foi lá para ela, e estava cheio de desejo por ela. Ele deu-lhe o seu coração e lhe permitiu reconhecer-lo em sua forma 54 divina, depois que ele se aproximou dela. Ela regozijou-se para mostrar sua beleza, e seu amor passou por cima em seu corpo. O palácio foi inundado com a fragrância do deus. Todo o cheiro dele era a fragrância de Punt. A esposa real e mãe, Iahmes, falou com a majestade do esplêndido deus Amon, o senhor do trono das Duas Terras, "Meu senhor, quão grande é a sua glória. Como é bonito ver o seu rosto. Você domina minha majestade com o teu olhar. Sua fragrância está em todas as minhas partes ". [Assim falou,] após o Deus ter feito com ela tudo o que ele desejava. Em seguida, Amon, o senhor do trono das Duas Terras falou com ela, "Hatshepsut é, portanto, o nome desta sua filha que eu coloquei em seu corpo, de acordo com as palavras de sua boca. Ela vai exercer o esplêndido reinado na terra inteira. Minha glória irá pertencer a ela, a minha autoridade pertence a ela, e minha coroa irá pertencer a ela. Ela vai governar as Duas Terras (o Egito)... Eu vou envolvê-la todos os dias com a minha proteção em comum com o deus que rege cada respectivo dia". 55 DEVOÇÃO DE ÍSIS Hino a Ísis ou Hino do Trovão da Mente Perfeita § Eu fui emitida do poder, e eu vim para aqueles que refletem sobre mim, e eu fui encontrada entre aqueles que me buscam. Olhem-me, vocês que refletem sobre mim, e vocês ouvintes, ouçam-me. Vocês que estão me esperando, tomem-me para si próprios. E não me expulse da sua visão. E não faça a sua voz me odiar, nem a sua audição. Não seja ignorante a meu respeito em qualquer lugar ou qualquer hora. Esteja em guarda! Não seja ignorante a meu respeito. Pois eu sou a primeira e a última. Eu sou a estimada e a rejeitada. Eu sou a prostituta e a sagrada. Eu sou a esposa e a virgem. Eu sou a (mãe e) a filha. Eu sou os membros da minha mãe. Eu sou a estéril e muitos são os filhos dela. Eu sou aquela cujo casamento é grandioso, e eu não tomei um marido. Eu sou a parteira e aquela que não dá à luz. Eu sou o consolo das minhas dores do parto. Eu sou a noiva e o noivo, e foi meu marido quem me gerou. Eu sou a mãe do meu pai e a irmã do meu marido 56 e ele é a minha prole. Eu sou a escrava daquele que me preparou. Eu sou a governanta da minha prole. Mas ele é quem me gerou antes do tempo numa data de nascimento. E ele é a minha prole no devido tempo, e o meu poder vem dele. Eu sou o bastão do poder dele na juventude dele, e ele é o cajado da minha velhice. O que quer que ele deseje, me acontece. Eu sou o silêncio que é incompreensível e a idéia cuja recordação é frequente. Eu sou a voz cujo som é diversificado e a palavra cuja aparência é múltipla. Eu sou a declaração do meu nome. Por que, você que me odeia, me ama, e odeia aqueles que me amam? Você que me nega, me admite, e você que me admite, me nega. [...] Pois eu sou sabedoria e ignorância. Eu sou timidez e coragem. Eu sou impudente; eu sou envergonhada. Eu sou força e eu sou medo. Eu sou guerra e paz. Atente para mim. Eu sou aquela que é desonrada e a grandiosa. [...] Eu sou a sabedoria da minha averiguação, e a descoberta daqueles que me buscam, e a influência daqueles que me solicitam, 57 e o poder dos poderes na minha sabedoria dos anjos que foram enviados pela minha palavra, e dos deuses em suas estações pelo meu conselho, e dos espíritos de cada homem que existe comigo, e de mulheres que habitam dentro de mim. Eu sou aquela que é reverenciada e que é glorificada, e que é menosprezada com desprezo. [...] Pois eu sou aquela que existe sozinha, e eu não tenho ninguém que irá me julgar. Porque muitas são as formas agradáveis que existem em numerosos pecados, e incontinências, e paixões vergonhosas, e prazeres fugazes, que os homens aderem até que eles fiquem sóbrios e subam até o lugar de repouso deles. E eles me encontrarão lá, e eles viverão, e eles não morrerão novamente. 58 SOBRE AS MULHERES Leis de Manu [Manavadhasrmashastra] § Uma mulher está sob a guarda do seu pai durante a infância, sob a guarda do marido durante a juventude, sob a guarda de seus filhos em sua velhice; ela não deve jamais conduzir-se à sua vontade. O testemunho isolado de um homem isento de cobiça, é admissível em certos casos; enquanto que o de um grande número de mulheres, ainda que honestas, não o é (por causa da inconstância do espírito delas) como não o é o dos homens que cometeram crimes. Dia e noite, as mulheres devem ser mantidas num estado de dependência por seus protetores; e mesmo quando elas têm demasiada inclinação por prazeres inocentes e legítimos, devem ser submetidas por aqueles de quem dependem à sua autoridade. Deve-se sobretudo cuidar e garantir as mulheres das más inclinações, mesmo as mais fracas; se as mulheres não fossem vigiadas, elas fariam a desgraça de suas famílias. Que o marido designe para função à sua mulher a receita das rendas e despesa, a purificação dos objetos e do corpo, o cumprimento de seu dever, a preparação do alimento e a conservação dos utensílios do lar. Se se compara o poder procriador masculino com o poder feminino, o macho é declarado superior porque a progenitura de todos os seres animados é distinta pelos sinais do poder masculino. Uma mulher dada aos licores inebriantes, tendo maus costumes, sempre em contradição com seu marido, atacada de uma moléstia incurável, como a lepra, ou de um gênio mau e dissipa seu bem, deve ser substituída por outra mulher. 59 Uma mulher estéril deve ser substituída no oitava ano; aquela cujos filhos têm morrido, no décimo; aquela que só põe no mundo filhas, no undécimo; aquela que fala com azedume, imediatamente. Mas, aquela que, embora doente, é boa e de costumes virtuosos, não pode ser substituída por outra, senão por seu consentimento e não deve jamais ser tratada com desprezo. Um homem de trinta anos deve desposar uma rapariga de doze que lhe agrade; um de vinte e quatro, uma de oito; se ele acabou antes seu noivado, para que o cumprimento de seus deveres de dono da casa não seja retardado, que ele se case logo. Ter pequenos cuidados com uma mulher, mandar-lhe flores e perfumes, gracejar com ela, tocar nos seus enfeites ou nas suas vestes, sentar-se com ela no mesmo leito, são provas de um amor adúltero. Se uma mulher, orgulhosa de sua família e de suas qualidades, é infiel ao seu esposo, que o rei a faça devorar por cães em um lugar bastante freqüentado. Que ele condene o adúltero seu cúmplice a ser queimado sobre um leito de ferro aquecido ao rubro e que os executores alimentem incessantemente o fogo com lenha até que o perverso seja carbonizado. Quando não se tem filhos, a progenitura que se deseja pode ser obtida pela união da esposa, convenientemente autorizada, com um irmão ou com um outro parente. Que uma fidelidade mútua se mantenha até a morte, tal é, em suma, o principal dever da mulher e do marido. 60 QUESTÕES FEMININAS Livro das Leis [Arthashastra] § Prostitutas Pagando-lhe um salário fixo, o superintendente das prostitutas empregará na corte uma prostituta, reputada pela sua beleza, juventude e qualificações, seja ou não de uma família de prostitutas. Será também nomeada uma prostituta substituta com um salário de metade do valor do primeiro. Quando uma dessas prostitutas viajar, ou se vier a falecer, a filha ou irmã poderá tomar o seu lugar, recebendo seu salário e patrimônio. Este poderá caber a sua mãe ou a uma outra prostituta. Se isso não ocorrer, o patrimônio ficará para o soberano. Para acrescentar ao brilho das prostitutas que levam as insígnias do soberano e que o servem quando está no leito real, no trono ou numa carruagem, as prostitutas devem ser classificadas em três graus, de acordo com sua beleza e as joias que usam; e seu salário variará da mesma forma. A prostituta que perder sua beleza será empregada como serviçal. Se, depois de ter recebido a quantia que lhe for devida, uma prostituta se recusar a atender quem a pagou, será multada em duas vezes essa quantia. Quando uma prostituta recusar seu cliente, será multada em oito vezes o valor da quantia cobrada, a menos que o cliente esteja prejudicado por uma doença ou defeito pessoal. Se uma prostituta matar seu cliente será queimada viva ou afogada. Ao cliente de uma prostituta que roubar sua roupa ou suas joias, ou deixar de pagar-lhe o que é devido, será imposta multa igual a oito vezes o valor do que foi roubado. Toda prostituta informará 61 o superintendente sobre seus clientes, sua receita diária e renda prevista. A propriedade da mulher está representada por meios de subsistência e joias, para as quais não há limite de valor. No caso dos meios de subsistência, seu dote será sempre superior a dois mil dinheiros. A esposa poderá lançar mão desses recursos para manter-se, ou para manter os filhos ou a nora, caso o esposo esteja ausente e não tenha deixado recursos para isso. Quanto ao esposo, poderá também utilizar esses recursos em caso de calamidade, doença ou fome, para afastar perigo ou em atos de caridade. Se uma viúva voltar a casar-se com um homem que não tenha sido escolhido pelo seu sogro perderá tudo o que lhe tiver sido dado por este e pelo falecido esposo. Os deveres da esposa A esposa que praticar quaisquer atos sexuais, ou beber, violando desta forma uma proibição, pagará multa de três dinheiros. No caso de sair durante o dia para assistir a um evento esportivo ou um espetáculo, pagará multa de doze dinheiros. Se a falta ocorrer durante a noite, a multa será dobrada. A esposa que sair quando o esposo estiver dormindo, ou embriagado, será penalizada com doze dinheiros; o mesmo se impedir a entrada do cônjuge em sua casa à noite. Se um homem e uma mulher trocarem palavras ou sinais com o propósito de marcar um encontro amoroso, a mulher será multada em 24 dinheiros, o homem em 48. Relações sexuais com meninas Aquele que violar uma virgem da sua casta, quando for uma menina, terá a mão amputada ou pagará a multa de quatrocentos dinheiros. Se a virgem vier a morrer, o violador será executado. No caso da 62 virgem ter mais idade, o violador terá o dedo médio da mão amputado, ou pagará a multa de duzentos dinheiros, além de dar ao pai da moça uma compensação adequada. Nenhum homem pode ter relações sexuais com uma mulher sem o consentimento dela. Aquele que violar uma virgem com o seu consentimento pagará multa de 54 dinheiros; a virgem pagará também uma multa de metade
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