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CONSONANTISMO O estudo das transformações sofridas pelas consoantes ao longo da sua evolução histórica dá-se o nome de consonantismo. O estudo desta evolução obriga, desde logo, a fazer-se uma distinção entre consoantes simples e grupos consonantais. I. CONSOANTES SIMPLES: am o u 1. Em posição inicial (consoantes iniciais), as consoantes latinas, na sua passagem para o português, acabaram geralmente por manter-se inalteradas: Bene > bem Corona > coroa debere > dever Filiu > filho Gutta > gota Latrone > ladrão Manu > mão Navigu > navio Patria > pátria Rota > rota Salute > saúde Tale > tal Porém, há a considerar algumas excepções: Cattu > gato Palore > bolor Libelu > nível Vesica > bexiga Vota > boda; etc. 2. Em posição medial (consoantes mediais), temos que ter em conta os seguintes aspectos: 2.1. As consoantes mediais surdas, em posição intervocálica, deram lugar às suas homólogas sonoras: 2.1.1 p > b: ripa > riba lupu > lobo sapere > saber 2.1.2. t > d: vita > vida rota > roda mutu > mudo 2.1.3. c (a, o, u) > g: pacare > pagar acutu > agudo focu > fogo 2.1.4. c (e, i) > z: acetu > azedo cruce > cruz(e) vacivu > vazio 2.1.5. q > g: Aqua > água Equa > égua 2.1.6. f > v: trifoliu > trevo __ s > z: rosa > rosa (pronunciado como S no Latim, mas como Z em Português). 2.2. As consoantes mediais sonoras ou sofreram síncope (desapareceram), ou permaneceram, ou alteraram-se: 2.2.1. b- Modificou-se em v: faba > fava caballu > cavalo ibam > ia praebenda > prenda 2.2.2. d - Sofreu síncope: sedere > ser pede > pé fidele > fiel 2.2.3. g - ou sofreu síncope: regale > real legere > ler 2.2.3.1. ou vocalizou-se: plaga > praia lege > lei 2.2.3.2. ou manteve-se: rogare > rogar paganu > pagão 2.2.4. l - Sofreu síncope: Filu > fio Velu > véu 2.2.5. m - permaneceu: Amicu > amigo Lacrima > lágrima 2.2.6. n - Nasalou a vogal anterior e caiu (em muitos dos casos a ressonância nasal desapareceu: Ponere > pôr, Persona > pessoa, General > geral): Lana > lã Manu > mão Nas terminações -inu e -ina desenvolveu-se em NH: Vinu > vinho Regina > rainha 2.2.7. r- permaneceu: Hora > hora Arena > areia 2.3. Em posição final (consoantes finais), as consoantes latinas sofreram apócope. Apenas se conservaram no português as consoantes -m, -n, -r e -s: 2.3.1. M: conservou-se nos monossílabos como simples ressonância nasal: quem > quem cum > com 2.3.2. N: permaneceu como ressonância nasal, ora representada por til, ora por M: in > en > em non > não 2.3.3. R: permaneceu, mas sofrendo metátese (isto é, passando para antes da vogal precedente): inter > entre semper > sempre quattuor > quator > quatro 2.3.4. S: permaneceu como marca de plural, mas também nos nomes próprios, nos verbos e advérbios: Aves > aves Deus > Deus Marcus > Marcos debemos > devemos magis > mais Observação: As nossas consoantes finais L, R, S e Z são resultantes de uma apócope da vogal E latina: male > mal Regale > real Mare > mar Amare > amar Mense > mese > mês Voce > voze > voz II. GRUPOS CONSONANTAIS: Entende-se por grupo consonantal a reunião de duas ou mais consoantes no corpo do vocábulo. Os grupos consonantais podem ser: 1. HOMOGÉNEOS. __ quando formados por consoantes iguais ou geminadas, como sucede, por exemplo, com: ille, stuppa, bucca, etc. Os grupos consonantais heterogéneos, na passagem do Latim para o Português, reduziram-se a consoantes simples: LATIM: .......................... PORTUGUÊS: sabbatu > bb...................... > b: sábado bucca > cc........................... > c: boca additione > dd..................... > d: adição effectu > ff........................... > f: efeito aggravare > gg..................... > g: agravar illa > ll.................................. > l: ela flamma > mm........................ > m: chama pannu > nn........................... > n: pano stuppa > pp.......................... > p: estopa gutta > tt............................... > t: gota NOTA: No Português moderno não existem consoantes geminadas. O caso do s e do r duplos (ss, rr) têm normalmente ou valor distintivo em relação às respectivas consoantes simples (caro / carro; grosa / grossa) 2. HETEROGÉNEOS. __ quando o grupo consonantal é constituído por consoantes diferentes, como acontece em: persona, clave, etc. 3. LATINOS. __ aqueles que existiam no latim, como: persona, clave, etc. 4. ROMÂNICOS. __ aqueles que resultaram da síncope de uma vogal: oculu > oclo; auricula > auricla; etc. 5. PRÓPRIOS. __ os que são formados por uma oclusiva (p, b, c, g, t, d) ou por F mais uma consoante líquida __ L ou R: placere, premere, flamma, etc. As modificações a que foram sujeitos têm a ver com facto de os mesmos se encontrarem em posição inicial ou medial. 5.1. Em posição inicial: 5.1.1. Se os grupos são formados por uma oclusiva ou f, seguidas da líquida R, não há qualquer alteração: braciu > braço breve > breve cruce > cruz credere > crer dracone > dragão drama > drama fructu > fruto frenu > freio gradu > grau granu > grão pratu > prado probare > provar tres > três truncu > tronco 5.1.2. Com os grupos em que entra a líquida L, temos a considerar o seguinte: 5.1.2.1. CL, PL e FL sofreram palatalização, isto é, converteram-se em CH: clave > chave clamare > chamar flamma > chama flagrare > cheirar pluvia > chuva plenu > cheio Em algumas palavras a líquida L deu lugar à sua congénere R: Placere > prazer Fluxo > frouxo Clavicula > cravelha Flor > frol (arcaico) 5.1.2.2. BL e GL a) ou transformaram-se, respectivamente, em BR e GR: blandu > brando blancu > branco glute > grude b) ou reduziram-se, respectivamente, a L e a N:glattire > latir globellu > novelo 5.2. GRUPOS EM POSIÇÃO MEDIAL 5.2.1. Os grupos próprios internos contendo a líquida R, quando precedidos de consoante, não sofrem modificação: membru > membro mostrare > mostrar scribire > escrever exfricare > esfregar 5.2.2. Mas se o referido grupo é precedido de vogal, a primeira consoante passa a ser tratada com intervocálica, e, neste caso, além de poder sofrer síncope, pode igualmente a) ou sonorizar-se (sofre sonorização: passa de surda a sonora): latrone > ladrão lacrima > lágrima capra > cabra libru > livro b) ou vocalizar-se (transforma-se em vogal): flagrare > cheirar cathedra > cadeira integru > inteiro c) ou manter-se inalterável: integru > íntegro nigru > negro d) e, em certos casos, a líquida R, da sílaba átona, pode desaparecer por dissimilação total: aratru > arado fratre > frade cribru > crivo rostru > rosto matrastra > madrasta 5.2.3. Quanto aos grupos formados pela líquida L, temos a distinguir: 5.2.3.1. Os grupos CL, PL e FL, se precedidos de consoante, palatalizam em CH: masculu > masclu > macho fasculu > fasclu > facho macula > mancula > mancla > mancha inflare > inchar Nota: Em casos como afflare, que palatizou em CH (achar), é necessário ter em conta que que o duplo f resulta da assimilação da consoante d(adflare), pelo que o primeiro f equivale precisamente a uma consoante. 5.2.3.2. Se esses mesmos grupos se encontram antecedidos por uma vogal, a palatalização acontece em LH: scopulu > iscoplu > escolho oculu > oclu > olho auricula > ouricla > orelha apicula > apicla > abelha macula > macla > malha 5.2.3.3. Os grupos BL, GL e TL, quando precedidos de vogal, palatalizam em LH: tribulo > triblu > trilho tegula > tegla > telha coagulare > coaglar > coalhar vetulu > vetlu > velho (é provável que TL tenha primeiro passado a CL __ veclu) rotula > rotla > rolha Em algumas palavras a líquida L deu lugar à sua congénere R: Nobile > noble > nobre Regula > regla > regra Obligare > obrigar Diabolu > diablo > diabro (arcaico; de onde derivará diabrete, diabrura, emdiabrar). 5.3. GRUPOS IMPRÓPRIOS 5.3.1. Os grupos consonantais iniciados por S impuro, recebem o e protético (também chamado vogal de apoio): scutu > escudo scorpione > escorpião sponsa > esposa spatio > espaço stella > estrela stare > estar Mas se a palavra se inicia pelo grupo SC, seguido de i ou de e, o S sofre aférese (cai): scientia > ciência scena > cena 5.3.2. Nos grupos formados por uma oclusiva e outras consoantes, verifica-se o seguinte: __ PS: sofre assimilação: Ipse > esse Ipsu > isso Gypsu > gesso __ CT: vocaliza-se: Nocte > noite Octo > oito Respectu > respeito __ PT: __ ora vocaliza-se: conceptu > conceito acceptu > aceito __ ora sofre assimilação: septe > sette > sete captare > cattare > catar __ GN: __ ora vocaliza-se: regnu > reino Agnese > Aines > Inês __ ora palataliza-se: pugnu > punho agnu > anho signa > senha __ CS (= X): passa a IX, IS ou SS: saxu > seixo mataxa > madaixa > madeixa laxare > leixar (arcaico) Sex > seis Dixi > disse Sexaginta > sessaenta > sessenta Nos grupos resultantes dos prefixos ad, sub, e ab, dá-se, geralmente, a assimilação: Substare > sustar Subterrare > soterrar Advocatu > avogado (arcaico) Adversu > avesso Subjectu > sujeito E, raramente, a vocalização: Absentia > ausência 5.3.3. Nos grupos formados por constritivas e outras consoantes verificam-se os seguintes casos: __ RS: assimila-se: persicu > pêssego persona > pessoa __ MN: assimila-se: somnu > sono autumnu > outono __ RB: o B sonoriza em V: arbore > árvore turbare > turvar carbone > carvão __ LB: o B sonoriza em V: albu > alvo silbar > silvar __ NS: síncope do N: mensa > mesa ansa > asa __ SC (+ e ou i): __ ora assimila-se: patescere > padecer merescere > merecer cognoscere > conecer > conhecer __ ora passa a IX: pisce > peixe __ LT: o L vocaliza-se: Alteru > altru > outro Multu > muito __ LC: o L vocaliza-se: Falce > fauce > foice __ LP: o L vocaliza-se: Palpare > paupare > poupar Os grupos ML e MR, resultantes da síncope de uma vogal desenvolvem uma consoante de transição B: simulante > sim'lante > semblante umeru > um'ro > ombro 5.4. GRUPOS DE CONSOANTES + SEMIVOGAL Se tomarmos, por exemplo a palavra "miliu", constatamos que ela tem três sílabas, dado que o encontro final é em hiato: mi-li-u. Este hiato final desaparecerá, pela passagem da vogal i a semivogal / j /, originando ditongo: mi-lju (com duas sílabas apenas). Depois, este encontro entre a consoante L com a semivogal / j / sofre palatalização em LH: miliu > milho. 5.4.1. LY (L + I com valor de semivogal) sofre palatalização em LH: filiu > filyu > filho palea > palya > palha consiliu > consilyu > conselho 5.4.2. NY (N + I com valor de semivogal) sofre palatalização em NH: ciconia > ciconya > cegonha teneo > tenyo > tenho verecundia > verecunya > vergonha linea > linya > linha seniore > senyor > senhor aranea > aranya > aranha 5.4.3. CY e TY assibilam-se ora em C (Ç) ora em Z: facio > facyo > faço lancea > lancya > lança pretiu > pretyo > preço gratia > gratya > graça palatio > palatyo > paaço > paço capitia > capitya > cabeça sperantia > sperantya > esperança bellitia > belitya > beleza jaceo > jacyo > jazo judiciu > judicyo > juízo 5.4.4. O encontro DY: 5.4.4.1. Ou assibila-se em C (Ç): audio > audyo > ouço ardeo > ardyo > arço (arcaico) verecundia > verecundya > vergonça (arcaico) 5.4.4.2. Ou palataliza-se em J: insidio > ensedyo > ensejo hodie > hodye > hoje invidia > invidya> inveja 5.4.5. GY palataliza-se em J: fugio > fugyo > fujo angelu > angeo > angyo > anjo spongia > spongya > esponja NOTA: Há no entanto casos em que o D e G, nos encontros DY e GY, foram tratados como consoantes intervocálicas, sofrendo, por isso a síncope (o que quer dizer que a vogal I não passou para IODE, isto é, não se consonantizou): Radiu > radio > raio Badiu > badio > baio Navigiu > navigio > navio Exagiu > exagio > ensaio 5.4.6. SY passou a IJ: baseu > basiu > basyo > baijo > beijo caseu > casiu > casyo > caijo > queijo ecclesia > igreija (arcaico) > igreja 5.4.7. SSY passou a IX: russeu > russiu > russyo > roixo > roxo passione > passyone > paixão METAPLASMAS PRÓPRIOS DA LINGUAGEM CORRENTE No registo oral há manifesta tendência para a manifestação dos seguintes MATAPLASMAS: 1) SINALEFA. __ Consiste na elisão da vogal átona final da palavra diante de vogal inicial da palavra seguinte: pau de água > pau d' água minha alma > minh' alma outra hora > outrora aquele outro > aqueloutro me o > mo de o > do etc. 2) ECTLIPSE. __ Consiste na supressão do "m" final de palavra diante de vogal da palavra seguinte: com a > coa com o > co' o com os > co' os e c' os etc. "O sol é grande; caem co' a calma das aves" (Sá de Miranda) "Onde co' o vento a água se meneia" (Camões) "Crendo c' o sangue só da morte indina" (Camões) 3) Casos de desarticulação, considerados outrora vícios de prosódia: 3.1) AFÉRESE: Está > tá Espera > péra José > Zé Ainda > inda Etc. 3.2) APÓCOPE ou ensurdecimento: bobagem > bobage etc. 3.3) PRÓTESE recear > arrecear renegar > arrenegar lagoa > alagoa etc. 3.4) EPÊNTESE: pneu > peneu obter > obeter etc. 3.5) DITONGAÇÃO: saudar (sa-u-dar) > sau-dar arruinar (ar-ru-i-nar) > ar-rui-nar etc. 3.6) MONOTONGAÇÃO: feixe > fexe doutor > dotor etc. 3.7) PALATALIZAÇÃO António > Antonho Etc. 3.8) ASSIMILAÇÃO: também > tamém etc. 3.9) DISSIMILAÇÃO: pílula > pírula barganha > breganha estrambótico > estrambólico etc. 3.10) HIPÉRTESE: meteorologia > metereologia lagartixa > largatixa etc. 3.11) METÁTESE: perguntar > preguntar barganha > braganha prateleira > parteleira etc. 3.12) ROTACISMO: falta > farta almoço > armoço alface > arface 3.13) HAPLOLOGIA: entretenimento > entretimento paralelepípedo > paralepípedo infalibilidade > infabilidade 3.14) DESDOBRAMENTO: sintaxe ('sintasse') > 'sintacse' máximo ('mássimo') > 'mácsimo'
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