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Capitalismo Tardio e as veias abertas da Amazônia Brasileira Welbson do Vale Madeira1 PALAVRAS-CHAVES: CAPITALISMO TARDIO; AMÉRICA LATINA; AMAZÔNIA BRASILEIRA 1 – INTRODUÇÃO No ano de 1970, em um contexto histórico marcado por golpes militares e ditaduras sangrentas a serviço das grandes empresas transnacionais em vários países, Eduardo Galeano ousou publicar a hoje célebre obra “Las venas abiertas de América Latina”. De forma clara, para que muitos explorados e oprimidos pudessem ler o livro, mas, ao mesmo tempo, sem ser panfletário, o autor mostra de forma contundente como desde a chamada colonização as riquezas naturais da América e a exploração da sua força de trabalho têm favorecido a concentração interna de renda e a acumulação capitalista nos países centrais. Nas palavras do autor, “a história do subdesenvolvimento da América Latina integra (...) a história do desenvolvimento do capitalismo mundial” (GALEANO, 2004, p. 14) Enquanto “ponto de apoio” do “desenvolvimento” capitalista a Amazônia Brasileira, espaço localizado no norte do Brasil, aparece em dois momentos na obra de Galeano (2004): por ocasião do chamado “Ciclo da Borracha”, da década de 1890 até o início da década de 1920, e a partir da década de 1950 – quando o governo dos Estados Unidos e algumas grandes empresas deste país constataram a viabilidade econômica de explorar diversos recursos minerais (ferro, ouro, prata, manganês, bauxita, etc.) na parte oriental da Amazônia, e se articularam com as classes dominantes brasileiras e com o governo federal no sentido de implementar isso. Neste artigo discute-se este segundo momento. Considera-se que a dinâmica da Amazônia neste segundo período mencionado é essencialmente um reflexo das novas características do Capitalismo no Brasil a partir da década de 1950, quando o Estado passou a cumprir novas funções em favor do capital. Este fato, por sua vez, é melhor compreendido a partir do referencial teórico da Economia Política Crítica. Em particular, entende-se que a intervenção do Estado na parte oriental da Amazônia representa uma boa ilustração de algumas idéias apresentadas em uma outra grande obra: O Capitalismo Tardio, de Ernest Mandel. Desta forma, este texto está estruturado da seguinte forma: partindo de Galeano (2004), após esta introdução apresenta-se uma síntese do processo de “abertura das veias da Amazônia Brasileira”, desde o final do século XIX até o início da década de 1980; em seguida analisam-se as mencionadas novas características do capitalismo no Brasil a partir da década de 1950, ressaltando-se o caráter classista do Estado e suas formas de intervenção na economia, principalmente por meio do II Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico (1975 – 79); Na penúltima parte, busca-se entender melhor, porque o Estado no Brasil passou 1 Professor e ex-chefe do Departamento de Economia da Universidade Federal do Maranhão/Brasil. a ter essas feições anteriormente descritas. Nessa perspectiva, resgatam-se idéias de Marx, Engels e de autores que dialogaram com os mesmos na perspectiva de analisar o Estado Capitalista. Por fim, são feitas as considerações finais acerca da atualidade das obras de Galeano (2004) e Mandel (1982) para entender as veias abertas da América Latina, e em particular da parte oriental da Amazônia Brasileira. 2 – O PROCESSO DE “ABERTURA DAS VEIAS” DA AMAZÔNIA BRASILEIRA Do “período colonial” até a primeira metade do século XIX, na região amazônica foram desenvolvidas basicamente atividades ligadas ao extrativismo, com limitadas repercussões econômicas. Conforme Weinstein (1993, p.30) “a Amazônia continuou a ser, comercialmente, um lugar atrasado até o momento em que a inaudita demanda do mundo industrializado pela borracha bruta tornou lucrativa a extração em larga escala”. Como a região brasileira era rica na planta posteriormente denominada hevea brasiliensis, que proporcionava o látex, se consolidou como a maior produtora mundial desta matéria-prima até aproximadamente 1912. Por outro lado, como demonstra MARQUES (2007), durante quase todo o ciclo mais de 50% da renda interna da Amazônia foi transferida para outras regiões brasileiras ou para outros países. A produção e a exportação da matéria-prima amazônica basearam-se em um sistema econômico e social relativamente complexo e com pouca circulação monetária em sua base, denominado “Sistema de Aviamento”, que envolvia o trabalhador direto na floresta e os vários intermediadores da exportação. Enquanto resultado imediato do ciclo da borracha verificou-se o enriquecimento e a extravagância de uma elite na região norte brasileira, paralelamente ao máximo da degradação humana de centenas de milhares de trabalhadores2. Por outro lado, este ciclo também se constituiu enquanto saída emergencial para praticamente viabilizar o início da indústria automobilística mundial (FURTADO, 1991; WEINSTEIN, 1993; GALEANO, 2004). Em 1913 teve início a decadência da produção da borracha na Amazônia e nos últimos anos da década de 1920 esta atividade experimentou um último suspiro a partir dos devaneios de Henry Ford, que tentou construir no meio da selva a sua “ Fordlândia” – para viabilizar a oferta de látex para as suas fábricas. Todavia, falhas no planejamento e, principalmente, o nível de exploração e opressão dos trabalhadores, acabaram por frustrar os objetivos do capitalista estadunidense (GRANDIN, 2010). Deste período até a década de 1950 a Amazônia Brasileira passou por um processo de involução econômica. O segundo momento histórico importante da Amazônia teve início na segunda metade da década de 1950, quando aumentaram os investimentos e o fluxo migratório para região e foram iniciadas pesquisas para verificar a viabilidade econômica da exploração de recursos naturais. Esses elementos se constituem em marcos da nova expansão da fronteira econômica da Amazônia, pois foram determinantes para a incorporação de novos territórios e da própria região “às estruturas produtivas e ao mercado global” (REGO, 2002; CASTRO, 2007; BECKER, 2007; SILVEIRA, 1993). Relacionando-se a isso, passaram a ser tomadas várias iniciativas políticas por parte do governo federal e dos governos locais. Em 1950 o Banco de Crédito da Borracha foi transformado em Banco de Desenvolvimento da Amazônia, e em 1953 foi criada a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA). Após o golpe militar de 1964 aumentou ainda mais o nível de intervenção estatal na região amazônica. 2 Conforme Galeano (2004), de forma paralela a um regime análogo à escravidão, os “barões da borracha” mantiveram um padrão de consumo semelhante aos ricos dos países centrais e tiveram um notável desprezo pela cultura e pela gente local. Em 1966 foi criada a “Operação Amazônia”, com o objetivo declarado de modernizar a economia regional e implantar grandes projetos que contribuíssem para o processo de substituição de importações. Como desdobramentos da Operação, foram estabelecidos incentivos fiscais e tributários, abertura de linhas de crédito e projetos de melhoria de infra-estrutura. A SPVEA foi transformada em Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), estabeleceu-se o Fundo de Investimentos Privados no Desenvolvimento da Amazônia (FIDAM) e reorganizou-se o Banco da Amazônia. Esse processo se constituiu no marco da expansão do grande capital na Amazônia (SILVEIRA, 1993; REGO, 2002; MARQUES, 2007). Em 1967 foram feitas descobertas de grandes reservas de minérios na parte oriental da Amazônia, em especialna localidade Serra dos Carajás3, no Estado do Pará, e foi estabelecido um primeiro Plano de Desenvolvimento da Amazônia (1967 – 1971). No início da década de 1970 foi estabelecido o I Plano de Desenvolvimento da Amazônia (I PDA - 1972 – 1974) e a partir de políticas estabelecidas no II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND – 1975 - 1979) posteriormente foram criados o II PDA (1975 – 1979) e o Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (POLAMAZÔNIA). De acordo com as avaliações oficiais a parte oriental da Amazônia teria sete núcleos com “vocação econômica industrial”, em função de suas disponibilidades de recursos minerais estratégicos, facilidades para os transportes ferroviário, hidroviário e rodoviário e produção de energia elétrica com baixo custo. Desta forma, o II PND estabeleceu o aproveitamento destas ditas “Vantagens Comparativas”, inclusive na perspectiva contribuir para superávits na balança comercial brasileira, e indicou que fosse construído um complexo minero-metalúrgico para o minério de ferro e a siderurgia, compreendendo o esquema integrado Carajás, no Estado do Pará, ao Porto de Itaqui, no Estado do Maranhão. Foi instituído, portanto, o Programa Grande Carajás (PGC) por meio do Decreto-Lei 1.813, de 24/11/1980, abarcando partes dos Estados do Pará, Tocantins e Maranhão (SUDAM, 1976; BRASIL, 1981; FEITOSA, 1998; JICA, 1985; CASTRO e SOUZA, 1985). Por outro lado, a partir do final da década de 1970 verificou-se uma reestruturação em termos espaciais da indústria de alumínio em âmbito mundial4, e como conseqüência as grandes empresas reduziram suas produções nos E.U.A. e Europa e inauguraram plantas industriais nos países periféricos. Incorporando-se aos PDA e ao PGC, na parte oriental da Amazônia Brasileira foram instalados os empreendimentos MRN – Mineração Rio do Norte, para a produção de bauxita em Oriximiná (PA), ALUNORTE - A Alumina do Norte do Brasil S.A., em Barcarena (PA); ALBRAS - Alumínio Brasileiro S.A., na cidade de Barcarena (PA), e em São Luís o Consórcio de Alumínio do Maranhão (ALUMAR), do grupo estadunidense Aluminium Company of América (Alcoa). Todos os grandes projetos da indústria de alumínio na Amazônia nasceram subordinados às grandes corporações transnacionais do setor5, e para produzirem de forma lucrativa necessitaram de subsídios. E de fato, receberam amplo apoio do governo federal e dos governos estaduais e municipais, e foram beneficiados através de energia barata, cessão de terras públicas, autorização para coleta praticamente ilimitada de água e auto- monitoramento de suas poluições (MOREIRA, 1989; BECKER, 2009). 3 Em 1970 foi formada uma joint venture entre a então empresa estatal Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e a estadunidense US Steel, para exploração e exportação dos minerais. 4 Segundo Lima e Mota (2009) dada a sua complexidade e os altos custos envolvidos, a produção industrial de alumínio somente se tornou viável economicamente no século XX, através de grandes corporações transnacionais capazes de obter economias de escala e de escopo, e que formam um cartel em âmbito mundial. 5 Já em 1974 a CVRD estabeleceu acordos com grupos japoneses para a produção de alumina na Amazônia. Como resultado verificou-se a participação do governo do Japão e de um consórcio formado por 33 empresas japonesas, denominado Nippon Amazon Aluminiun Corporation (NAAC), na Albrás e na Alunorte. (MONTEIRO & MONTEIRO, 2009, p. 17-18) Há uma interpretação majoritária de que em geral os custos econômicos e sociais das políticas dos governos brasileiros para a Amazônia Oriental foram maiores que os benefícios. Na verdade praticamente foram estabelecidas “Economias de Enclaves” na região, que permanece subdesenvolvida e periférica (SILVEIRA, 1993; ALMEIDA, 1995; MONTEIRO, 2004). Na medida em que os elementos elencados deixam claro o papel do Estado no “sangramento das veias da Amazônia brasileira”, há necessidade de se refletir sobre o seu caráter classista, bem como sobre suas particularidades no Brasil. Fazemos isso a seguir. 3 – DINÂMICA CAPITALISTA NO BRASIL E O “PAPEL” DA AMAZÔNIA Diversos autores, como por exemplo Furtado (1975), Tavares (1977), Afonso e Souza (1977), Mantega e Moraes (1979) e Dreiffus (1981) entendem que na segunda metade da década de 1950 começou uma nova fase nas relações capitalistas no Brasil, marcada pela disputa de vários setores da economia deste país por oligopólios mundiais e pela atuação conjunta destes com grandes empresas brasileiras e com o Estado, formando o chamado “tripé econômico”. Certamente se relacionando ao aumento de empresas estrangeiras no Brasil a partir da década de 1950, verificou-se o início da hegemonia de pessoas ligadas às mesmas nas direções da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e a criação do Conselho das Classes Produtoras (CONCLAP), em 1955. Além disso, conforme Dreiffus (1981), foram criadas duas das entidades da “elite orgânica” no Brasil: O Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), e o Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (IPES). A terceira entidade da “elite orgânica”, na opinião do autor, foi a Escola Superior de Guerra (ESG), fundada em 1948, e que até 1960 teve a presença de oficiais do exército dos E.U.A. em sua direção. Todos estes fatos, por sua vez, se refletiram na ocupação de diversos cargos no governo federal por pessoas ligadas às grandes empresas e suas associações classistas a partir desta fase. O IPES reuniu em seus quadros um conjunto de pessoas ligadas às grandes empresas, que passaram a assumir alguns dos cargos mais estratégicos em praticamente todos os governos após o golpe de 1964. Além de terem elaborado as linhas gerais das políticas que foram adotadas pelo primeiro governo pós-golpe, membros do IPES ou seus aliados ocuparam os Ministérios do Planejamento, da Fazenda, das Relações Exteriores, da Educação e da Saúde, a maior parte da diretoria do Banco Central, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), da Agência Especial de Financiamento Industrial (FINAME), do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal (CEF), do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária e da Superintendência Nacional de Abastecimento (SUNAB). Também foram majoritários no Conselho Nacional de Economia, posteriormente transformado em Conselho Monetário Nacional (DREIFFUS, 1981). A “conquista do Estado” por grandes grupos capitalistas evidentemente teve conseqüências em termos das políticas econômicas que passaram a ser adotadas. Um dos primeiros elementos neste sentido foi a Instrução 113/55, da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), através da qual as empresas estrangeiras puderam importar máquinas e equipamentos (em alguns casos obsoletos em seus países de origem) pagando taxas de importação 45% menores do que as pagas por empresas brasileiras. Esse mecanismo foi fundamental para o Brasil receber um grande volume de investimentos externos diretos no período de 1955 a 1962 (BANDEIRA, 1975; DREIFFUS, 1981). Após o golpe de 1964 aumentaram os incentivos fiscais e creditícios para entrada do capital estrangeiro, e com a Lei 4.390/64 a remessa de lucros com base em reinvestimentos aumentou de 10% para 12%. Com todo esse processo houve aquisição em massa de várias empresas brasileiras por corporações transnacionais, o que levou uma Comissão Parlamentar de Inquérito em 1966 a concluir que havia “(...) rápido processo de desnacionalização, entendido esse não apenas como aquisição de empresas nacionais por estrangeiras, como tambémo controle de importantes setores da economia brasileira pelos capitalistas do exterior” (BANDEIRA, 1975, p. 107) 6. Além disso, a partir da segunda metade da década de 1960 várias empresas estrangeiras passaram a atuar no Brasil sob a forma de joint-ventures com o Estado, o que lhes possibilitou captar recursos públicos e diminuir riscos em empreendimentos que demandavam altos volumes de capital. Marini (2000, p.19) avalia que em troca de capitais estrangeiros considerados necessários, a burguesia brasileira “deu ampla liberdade de ingresso e de ação” aos grupos estrangeiros, “renunciando, portanto, à política nacionalista que havia se esboçado com Getúlio Vargas”. Cardoso (1977) identifica alianças entre frações da burguesia brasileira, envolvendo “os interesses do setor internacionalizado da burguesia e das burocracias públicas e de empresas estatais” aos quais se juntaram os burgueses ligados às empresas nacionais. Evans (1982) também avalia que os representantes do capital estrangeiro se incorporaram de forma definitiva à ordem econômica, política e social do Brasil após o golpe de 1964, sendo o “tripé econômico” a manifestação da aliança entre frações da burguesia, o que denominou de “tríplice aliança”. Um dos elementos mais marcantes da intervenção estatal na economia brasileira durante a ditadura militar, com repercussões na Amazônia, foi o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND – 1975 – 1979). Na opinião de Castro e Souza (1985) o II PND fez o Brasil andar em “marcha forçada” na segunda metade da década de 1970. De fato, com o aprofundamento da crise capitalista mundial foi ficando cada vez mais claro ser impossível manter os níveis de crescimento econômico do período do chamado “Milagre Econômico Brasileiro” (1968 – 1973). Ou seja, para que o “carro” continuasse “andando” era preciso “forçar a marcha”, ou melhor: era necessária uma “força extra, e isso se concretizou exatamente por meio do aumento das intervenções estatais. Entretanto, o real significado do II PND é um pouco mais complexo. Por um lado o Plano envolveu interesses de grupos que buscavam se legitimar politicamente no contexto da ditadura militar, para os quais era importante que a economia continuasse em crescimento. Dessa forma, o II PND foi anunciado pelo governo enquanto uma possibilidade doBrasil “nadar contra a corrente” da economia mundial, na medida em que a maior parte dos países já estava sofrendo as conseqüências do ciclo recessivo. Uma das estratégias neste sentido foi aumentar os investimentos estatais, na perspectiva de compensar o declínio dos investimentos privados. Outro ponto central foi abrir ainda mais a economia brasileira para o capital estrangeiro, e atraí-lo para associações com as empresas estatais, que ficaram com a incumbência de captar recursos no exterior (FURTADO, 1982; GREMAUD, 1999; BAER, 1988; GOLDENSTEIN, 1994; REICHSTUL e COUTINHO, 1993; CASTRO e SOUZA, 1985). As estratégias de financiamento do II PND, todavia, acabaram por colocar o Brasil em uma armadilha. Com o agravamento da crise capitalista mundial a partir do final da década de 1970, manifestado, entre outras coisas através do aumento das taxas de juros de títulos públicos dos governos dos E.U.A. e da Inglaterra, houve um aumento dramático da dívida externa brasileira, e o governo passou a enfatizar mais a necessidade dos projetos vinculados ao Plano favorecerem a resolução deste novo problema. De acordo com Castro e Souza (1985, p. 55) na opinião do então Ministro da Fazenda, Delfin Neto, por exemplo, o 6 Relacionado a este último aspecto, segundo Bandeira (1975), também aumentaram as compras de terras no Brasil por empresas estrangeiras, principalmente após a descoberta de minerais na região amazônica com base em estudos feitos pela Força Aérea dos Estados Unidos. Programa Grande Carajás deveria ser uma prioridade nacional, e a partir de suas exportações “a ele caberia equacionar o problema da dívida externa”. Por outro lado o “problema da dívida externa” e a necessidade de legitimação política de grupos locais, com as suas conseqüentes estratégias, não são suficientes para explicar a maior abertura da economia brasileira. Na verdade, as tomadas de empréstimos pelo governo federal, as captações de recursos no exterior através das empresas estatais, assim como o aumento das benesses às empresas estrangeiras, decorrem essencialmente do próprio caráter do Estado no Capitalismo. Na seção seguinte problematizamos um pouco mais isso do ponto de vista teórico. 4 – ESTADO CAPITALISTA E INTERVENÇÃO ESTATAL Em “O Manifesto Comunista” (1848), Marx e Engels enfatizaram a importância da luta de classes ao longo de toda a história da humanidade, a tendência à mundialização do capital e que “o poder executivo do Estado moderno não passa de um comitê para gerenciar os assuntos comuns de toda a burguesia” (MARX e ENGELS, 1996, p.12). A maneira contundente como a idéia foi exposta contribuiu para que alguns críticos avaliassem que Marx e Engels negligenciaram a complexidade do Estado no capitalismo. Todavia, essa questão foi tratada de forma menos simplificada em outras obras dos próprios autores e de outros que se referenciaram na Economia Política Crítica. Antes mesmo do “Manifesto”, por exemplo, Marx e Engels já admitiam que: Como o Estado é a forma na qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses comuns e na qual se resume toda a sociedade civil de uma época, segue-se que todas as instituições comuns são mediadas pelo Estado e adquirem através dele uma forma política. Daí a ilusão de que a lei se baseia na vontade e, mais ainda, na vontade destacada de sua base real – na vontade livre (MARX E ENGELS, 1986, p. 98) Além disso, tomando como base empírica de análise a ascensão ao governo de Luis Bonaparte na França, no início da década de 1850, Marx (1978) ressalta as tensões institucionais e deixa clara a importância de considerar os conflitos e alianças entre frações das classes dominantes na disputa pelo Estado. As idéias centrais de Marx e Engels foram expressas em outras obras suas, e também foram compartilhadas posteriormente por vários autores, que em muitos casos tentaram contextualizá-las dentro do capitalismo contemporâneo. Poulantzas (1978), por exemplo, admite as características centrais do capitalismo contemporâneo, na forma expressa por Lênin (1987), e ao mesmo tempo ressalta que o Estado não é um simples aparelho da fração monopolista do capital, mas sim que o mesmo tem algumas ações relativamente autonômas na perspectiva de conciliar interesses de diferentes frações da burguesia. Enquanto isso, propondo-se a contribuir para o entendimento da dinâmica do capitalismo Pós-Segunda Guerra Mundial a partir das formulações de Marx, Mandel (1982) entende que o Estado funciona como uma espécie de “capitalista total ideal”, cujas decisões têm conseqüências sobre os interesses de diferentes frações do capital – o que leva às intervenções políticas dos grupos organizados de capitalistas dentro das instituições. A partir desse entendimento critica Poulantzas (1978) por este supostamente ter supervalorizado as funções políticas do Estado, e salienta que “a autonomia do poder do Estado na sociedade burguesa é decorrência da predominância da propriedade privada e da concorrência capitalista. Mas essa mesma predominância impede que essa autonomização deixe de ser relativa” (MANDEL, 1982, p. 337). Segundo Mandel (1982), a redução do tempo de rotação do capital fixo, a aceleração da inovação tecnológica e o aumento dos custos dos principais projetos deacumulação de capital têm por conseqüência “aumentar não só o planejamento econômico do Estado, como também a aumentar a socialização estatal dos custos (riscos) e perdas em um número constantemente crescente de processos produtivos” inclusive “grandes projetos industriais” caracterizando o que denomina de “fase do capitalismo tardio” (MANDEL, 1982, p. 339). Considera-se que as teses centrais de Mandel (1982) são pertinentes e de fato compatíveis com as concepções de Marx e Engels acerca do Estado Capitalista. Por outro lado, podem ser complementadas por elaborações de alguns outros autores, na perspectiva de favorecer o entendimento das razões da maior “abertura das veias da Amazônia Brasileira” a partir da segunda metade da década de 1950. As formulações de Mathias e Salama (1983), por exemplo, são compatíveis com as de Mandel (1982), e nelas há um destaque para a relação orgânica entre acumulação de capital e Estado. Para estes autores a intervenção estatal é determinada a partir da lei da queda tendencial da taxa de lucro, do diferencial das taxas de lucro e do nível atingido pelas forças produtivas. Destacam que a intervenção no setor produtivo dos países “subdesenvolvidos” em geral é mais importante do que a existente nos mais “desenvolvidos”, pois naqueles o modo de produção foi trazido do exterior e “resulta dessa particularidade que a difusão das relações mercantis é incompleta e específica” (MATHIAS e SALAMA, 1983, p. 29) Fernandes (1977) também destaca as particularidades do capitalismo na América Latina, e entende que as classes dominantes desta região são obrigadas a dividir o excedente com segmentos burgueses dos países centrais. Avalia que se consolidou um padrão de acumulação de capital associado e com relações de dependência (econômica, política e cultural) que tenderiam a ser redefinidas historicamente, mas manteriam a sua essência. Como resultado, haveria nos países da América Latina uma dependência em relação aos dinamismos externos e uma permanente desnacionalização do crescimento e do desenvolvimento, com as classes dominantes só se propondo a resolver os “problemas nacionais” que se relacionassem “com seus próprios interesses de classes” (FERNANDES, 1977, p. 212). Com base em Mandel (1982), Mathias e Salama (1983) e Fernandes (1977), conclui- se que o permanente escoamento de riquezas da Amazônia Brasileira para outras regiões e, principalmente para o exterior, decorre da dinâmica geral do capitalismo. Em última instância, na verdade, representa um dos fatores de contratendência de queda da taxa de lucro (MARX, 1986). Por outro lado, como ressaltam Mathias e Salama (1983) e Fernandes (1977), a intervenção estatal na América Latina tende a ser no sentido de conciliar interesses de frações locais da burguesia com setores burgueses dos países centrais. Desta forma, e por fim, consideram-se relevantes as elaborações de Gramsci. De acordo com este o autor: Todo grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camada de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e político: o empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista da economia política, o organizador de uma nova cultura, de um novo direito, etc. (GRAMSCI, 2001, p. 15) Com base em Gramsci (2001), Dreiffus (1986) apresenta o conceito de “elite orgânica”, que seria constituída por “agentes coletivos político-ideológicos especializados no planejamento estratégico e na implementação da ação política de classe, através de cuja ação se exerce o poder de classe” (DREIFFUS, 1981, p. 24). Esse agrupamento teria a função principal de coordenar a defesa dos interesses gerais da burguesia, mediando os conflitos entre as diversas frações e fazendo com que os interesses dessa classe parecessem ser de toda a sociedade. E de fato, a “conquista do Estado” (Dreiffus, 1981) pelas organizações capitalistas ligadas ao capital estrangeiro a partir da década de 1950 se constituiu no fator decisivo para o nível e a forma de intervenção estatal na Amazônia. 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora esteja completando 40 anos em 2010, “Las venas abiertas de América Latina”, permanece enquanto obra de referência para conhecer o histórico processo de escoamento de riquezas da nossa região em favor de grandes grupos capitalistas da Europa, Japão e E.U.A. Por outro lado, obviamente, também são necessários outros estudos para melhor entender este processo. Entende-se que a Economia Política Crítica oferece as análises fundamentais neste sentido. Além da atualidade das formulações de Marx, considera-se que as análises de Mandel (1982) são fundamentais para entender o capitalismo contemporâneo, principalmente em função de suas crises a partir do final da década de 1970. Desta forma, pode-se afirmar que a intervenção relacionada aos “Grandes Projetos” na parte oriental da Amazônia Brasileira, aumentando a “abertura de suas veias”, é essencialmente uma manifestação do Estado na fase do Capitalismo Tardio. 6 – REFERÊNCIAS AFONSO, Carlos A, SOUZA, Herbert. O Estado e a crise capitalista no Brasil: a crise fiscal. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Carajás: a guerra dos mapas (2ª ed.). Belém: Seminários Consulta, 1995. BAER, Werner. A industrialização e o desenvolvimento econômico do Brasil (7ª ed.). Tradução de Paulo de Almeida Rodrigues (7ª ed.). Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1988. BANDEIRA, Moniz. Cartéis e desnacionalização. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1975. 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