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Brasília-DF. Fisiopatologia E ClíniCa Das altEraçõEs MEtabóliCas Elaboração André de Souza Mecawi Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APrESEntAção .................................................................................................................................. 4 orgAnizAção do CAdErno dE EStudoS E PESquiSA ..................................................................... 5 introdução ..................................................................................................................................... 7 unidAdE i PÂNCREAS ENDÓCRINO ...................................................................................................................... 9 CAPítulo 1 INtRODuçãO ......................................................................................................................... 9 CAPítulo 2 SíNtESE E EStRutuRA DA INSulINA .......................................................................................... 11 CAPítulo 3 REgulAçãO DA SECREçãO DE INSulINA .............................................................................. 13 CAPítulo 4 AçõES DA INSulINA ............................................................................................................. 16 unidAdE ii OBESIDADE........................................................................................................................................ 19 CAPítulo 1 INtRODuçãO ....................................................................................................................... 19 CAPítulo 2 PAtOfISIOlOgIA ................................................................................................................... 20 CAPítulo 3 DIAgNÓStICO, tRAtAmENtO E PROgNÓStICO ...................................................................... 23 unidAdE iii DIABEtES MELLITUS ............................................................................................................................. 25 CAPítulo 1 INtRODuçãO ....................................................................................................................... 25 CAPítulo 2 DIStúRBIOS mEtABÓlICOS ..................................................................................................... 27 CAPítulo 3 DIABEtES MELLITUS Em CãES ................................................................................................. 29 CAPítulo 4 DIABEtES MELLITUS Em gAtOS ............................................................................................... 35 CAPítulo 5 PROBlEmAS ASSOCIADOS COm A REgulAçãO DO DIABEtES Em CãES E gAtOS ...................................................................................................................... 41 unidAdE iV OutRAS DOENçAS mEtABÓlICAS Em CãES E gAtOS .......................................................................... 42 CAPítulo 1 CEtOACIDOSE DIABétICA (DKA) E EStADO hIPERglICEmICO hIPEROSmOlAR (hhS) ................ 42 CAPítulo 2 SíNDROmE hIPOglICêmICA .................................................................................................. 44 CAPítulo 3 INSulINOmA ......................................................................................................................... 46 CAPítulo 4 OutRAS AltERAçõES INDutORAS DE hIPOglICEmINA ........................................................... 51 rEfErênCiAS .................................................................................................................................... 55 5 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 6 organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Praticando Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer o processo de aprendizagem do aluno. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 7 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Exercício de fixação Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/ conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não há registro de menção). Avaliação Final Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso, que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber se pode ou não receber a certificação. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 8 introdução A Endocrinologia Veterinária é uma especialidade com destaque crescente nos últimos dez anos em decorrência da oferta crescente de testes diagnósticos cada vez mais apurados disponíveis em laboratórios de análises clínicas. Por conta disso, faz-se necessário uma capacitação cada vez maior do Médico Veterinário para atuar nesse campo de trabalho bem como atualizações contínuas desse profissional para lidar com as novas informações e ferramentas disponíveis para combater as afecções endócrinas. Desse modo, a especialização do Médico Veterinário em Endocrinologia representa um novo campode atuação qualificada e especializada para este profissional, além de transmitir maior credibilidade aos proprietários de animais com alterações endócrino-metabólicas. O metabolismo é o processo que o organismo usa para obter ou produzir energia a partir dos alimentos que come. Comida é composta de proteínas, carboidratos e gorduras. Enzimas do sistema digestivo quebram os alimentos em seus componentes, que por fim, servem como combustível para o organismo, que pode usar esse combustível imediatamente, ou pode armazená-lo em seus tecidos, como o fígado, músculos e adiposo. As desordens metabólicas ocorrem quando as reações bioquímicas envolvidas neste processo passam a ocorrer de modo anormal, o que é geralmente acompanho por alterações endócrinas. Essa disciplina irá tratar das principais alterações metabólicas em cães e gatos, abordando seus aspectos hormonais, fisiopatológicos, diagnóstico e tratamento. objetivos » Compreender os aspectos endócrinos e clínicos de doenças como Diabetes Mellitus; Hipoglicemia; Cetose; Dislipidemias; Síndrome metabólica e Obesidade, dos animais de companhia., 9 unidAdE iPÂnCrEAS EndÓCrino CAPítulo 1 introdução O pâncreas é um órgão essencial à vida, responsável tanto pela digestão quanto pela homeostase de nutrientes. Está localizado na região epigástrica do segmento mesogástrico da cavidade abdominal em associação direta com o duodeno e fígado, formando uma unidade funcional única (pâncreas-fígado-duodeno). Tem a forma de um V, com a parte inferior do V em contato direto com o piloro (Figura 1). figura 1. localização anatômica do pâncreas. fonte: <http://bullblogingles.com/2011/09/15/pancreatite/>, acessado em 21/8/2013.. 10 UNIDADE I │ PÂNCREAS ENDÓCRINO Na maioria dos cachorros, o pâncreas tem dois dutos secretores, em conformidade com a sua origem de dois diferentes folhetos embrionários, enquanto na maioria dos gatos apenas um duto é persistente. Existe grande variação do padrão do sistema de dutos entre espécies. O suprimento sanguíneo é feito pelo ramo celíaco e cranial das artérias mesentéricas enquanto a drenagem venosa é feita por vasos que terminam na veia porta. A função endócrina do pâncreas é realizada por diferentes tipos celulares que formam as ilhotas de Langerhans ou ilhotas pancreáticas (Figura 2). Num animal adulto as ilhotas constituem aproximadamente 1 a 2% da massa pancreática e são distribuídas irregularmente no tecido exócrino. Existem quatros tipos celulares principais nas ilhotas: células-β (as mais abundantes) que produzem insulina e amilina; células-α que produzem glucagon; células-δ que produzem somatostatina; e células-PP que produzem o polipeptídio pancreático. A maioria dos livros diz que as células-β estão localizadas no centro das ilhotas, entretanto, diversos estudo têm demonstrado uma distribuição diferenciada de acordo com as espécies. Por exemplo, em cães e gatos, elas estão localizadas na periferia das ilhotas. Vários outros peptídeos e hormônios foram identificados nas ilhotas por técnicas de imunomarcação dentre os quais o TRH, ACTH, AGRP, colecistoquinina, gastrina e pancreastatina. Pelo menos alguns desses peptídeos parecem participar da regulação da função das ilhotas e células pancreáticas. figura 2. Ilhotas de langerhans. fonte: <http://farmaciaminhavida.blogspot.com.br/2013/03/tipos-de-hormonios-insulina-glucagon.html>, acessado em 21/8/2013. As ilhotas são ricamente vascularizadas por capilares fenestrados que possuem alta permeabilidade. Um sistema portal-acinar faz a comunicação entre o tecido pancreático endócrino e exócrino. Assume-se que o sangue flui das ilhotas para os ácinos através desses capilares, levando os hormônios produzidos pelo pâncreas endócrino para o pâncreas exócrino com o objetivo de controlar a função desta porção pancreática. As ilhotas são inervadas por terminações simpáticas e parassimpáticas que influenciam grandemente na liberação dos hormônios pancreáticos. 11 CAPítulo 2 Síntese e estrutura da insulina A homeostase da glicose é mantida por um complexo sistema de hormônios regulatórios, dentre os quais a insulina é o mais importante. A insulina é o único hormônio que leva à diminuição da concentração sanguínea de glicose. A síntese da insulina começa no retículo endoplasmático rugoso, com a formação da pré-pró-insulina (Figura 3), que é convertida em pró-insulina pela remoção de um pequeno fragmento peptídico. A pró-insulina é posteriormente processada a insulina pela remoção de outro peptídeo, chamado peptídeo C (peptídeo conector). A insulina e o peptídeo C são empacotados e estocados em grânulos secretores e são secretados em quantidades equimolares pelo processo de exocitose. Dentro dos grânulos, a insulina coprecipita com íons de Zinco para formar hexâmetros e microcristais, mas na circulação ela é sempre um monômero. figura 3. A estrutura da pró-insulina humana, a molécula precursora da insulina. O peptídeo que conecta a amina terminal (Nh2-) da cadeia A na carboxila terminal (-COOh) da cadeia B é chamado de peptídeo de conexão (peptídeo C). A pró-insulina é convertida em insulina e peptídeo C e essas duas moléculas são carregadas juntas nos grânulos secretores. Quando a célula-β é estimulada, o peptídeo C e a insulina são secretados em proporções equimolares. Assim, os níveis de peptídeo C refletem a capacidade funcional das células beta. fonte: <http://www.medicinanet.com.br/acesso-mobile/?frm=/m/conteudos/acp-medicine/4497/diabetes_melito_tipo_1. htm>, acessado em 21/8/2013. A concentração de peptídeo C no plasma é um indicador da função das células-β, mas sua mensuração é principalmente usada na medicina humana para objetivos de pesquisa científica. A maior parte da pró-insulina é convertida em insulina antes da secreção, não sendo a pró-insulina normalmente detectável na circulação. Não se sabe ao certo se níveis elevados de pró-insulina em jejum e a relação pró-insulina/insulina ou pró-insulina/peptídeo C podem ser indicadores precoces de lesão nas células-β. 12 UNIDADE I │ PÂNCREAS ENDÓCRINO A insulina consiste em duas cadeias polipeptídicas, uma chamada A, composta por 21 aminoácidos, e outra chamada B, composta por 30 aminoácidos, conectadas por pontes dissulfeto. A molécula da insulina foi altamente conservada durante a evolução das espécies, apresentando pequenas diferenças entre a maioria delas. A insulina canina é idêntica a porcina que, por sua vez, difere em apenas um aminoácido da insulina humana. A insulina felina é mais similar a bovina, também diferindo em apenas um aminoácido, enquanto essas diferem da insulina canina em três aminoácidos. A insulina circulante é quase inteiramente livre (não ligada) com uma meia vida 5-8min, e é metabolizada principalmente no fígado e nos rins. 13 CAPítulo 3 regulação da secreção de insulina A regulação momento a momento da secreção de insulina é essencial para o controle do metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídeos. O corpo possui um complexo mecanismo que assegura a secreção basal de insulina entre as refeições, assim como o aumento da secreção de insulina após as refeições. O regulador mais importante da secreção de insulina é a concentração de glicose no sangue, o que é feito por um mecanismo de retroalimentação positiva de modo que a glicose estimula a produção de insulina (Figura 4). figura 4. Concentração plasmática de insulina em respostas a glicose, ou açucares que liberam glicose (sacarose e palatinose). fonte: <http://www.espacovolpi.com.br/emagrecimento/manutencao-niveis-regulares-glicemia-insulina.php>, acessado em 21/8/2013. A glicose é transportada para o interior das células-β por meio de uma proteína transportadora de glicose chamada GLUT-2, o que permite um rápidoequilíbrio entre as concentrações de glicose extra e intracelulares. Dentro das células-β, a glicose é metabolizada (ela é fosforilada pela glicoquinase levando a produção de piruvato) para produzir ATP. O aumento na relação ATP/ADP é seguido pelo fechamento de canais de K+ sensíveis a ATP na membrana das células-β, impedindo que os íons K+ saiam das células-β. Por sua vez, isso leva à despolarização da membrana e abertura de canais de Ca++ dependente de voltagem. O aumento do Ca++ no citosol é o responsável pela secreção da insulina (Figura 5). 14 UNIDADE I │ PÂNCREAS ENDÓCRINO figura 5: Esquema da secreção de insulina induzida pela glicose. fonte: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0004-27302000000500004&script=sci_arttext>, acessado em 21/8/2013. A secreção da insulina é bifásica após uma injeção de glicose in bolus. A primeira fase começa poucos minutos (entre 5-10 min) e envolve a exocitose da insulina pré-formada. Essa fase é seguida por um aumento lento da secreção de insulina, caracterizando a segunda fase que está diretamente relacionada à concentração de glicose sanguínea (Figura 6). A administração oral de glicose leva a uma secreção de insulina bem maior do que a injeção intravenosa. Esse fenômeno se explica pelas ações de hormônios chamados incretinas, dos quais o mais importante é o peptídeo, relacionado ao glucacon do tipo 1 (GLP1) e do polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose, também chamado polipeptídeo inibitório gástrico (GIP). As incretinas são secretadas por células endócrinas do trato gastrointestinal em resposta aos nutrientes e são, então, levadas pela corrente sanguínea as ilhotas pancreáticas, onde interagem com seus receptores nas células-β amplificando a secreção de insulina. Em diversas espécies, o GLP1 possui efeitos adicionais, como a redução da secreção de glucagon e estimulação da diferenciação e proliferação das células-β. Entretanto, esses efeitos não estão claros em cães e gatos. Adicionalmente, a glicose, outros açúcares, aminoácidos e ácidos graxos também estimulam a secreção de insulina. A estimulação pode ser direta ou via incretinas. O sistema nervoso autônomo também exerce importante modulação da secreção dos hormônios pancreáticos. Em termos gerais, a secreção da insulina é estimulada pelo nervo vago e inibida pelo sistema nervoso simpático. 15 PÂNCREAS ENDÓCRINO │ UNIDADE I figura 6. Secreção bifásica de insulina em resposta a glicose fonte: <http://www.emv.fmb.unesp.br/aulas_on_line/Endocrinologia/diabetes_mellitus/fisiopatologia.asp>, acessado em 21/8/2013. Vários outros hormônios pancreáticos influenciam a secreção da insulina, direta ou indiretamente. A amilina é um peptídeo de cadeia simples com 37 aminoácidos que é cossecretado com a insulina. Vários efeitos desse hormônio foram demonstrados em humanos e roedores, demostrando sua relevância fisiológica e a sua contribuição para regulação do metabolismo de nutrientes. Eles incluem a inibição da ingestão alimentar, modulação da secreção de glucagon e retardo do esvaziamento gástrico. A amilina e seus metabólitos podem estar diretamente envolvidos no desenvolvimento do diabetes melitus do tipo II em felinos e humanos. Glucagon é um peptídeo de cadeia simples com 29 aminoácidos. Várias evidências apontam que distúrbios na secreção desse hormônio também tem uma importante implicação no diabetes mellitus. Ele é o principal hormônio catabólico agindo antagonicamente à insulina para manter a concentração sanguínea de glicose. Após a ingestão do alimento, a secreção de insulina aumenta para conservar a energia e prevenir a hiperglicemia. Conforme o intervalo entre a última refeição aumenta, a concentração de glicose diminuí, e o glucagon é secretado com o objetivo de prevenir a hipoglicemia, além de mobilizar os estoques de energia. Mudanças na relação insulina/glucagon são intensamente controladas pela concentração de glicose no sangue e em menor intensidade pela concentração sanguínea de aminoácidos. Existe uma sinalização parácrina entre insulina e glucagon, de modo que a insulina inibe a secreção de glucagon e o glucagon estimula a secreção da insulina. A somatostatina é um peptídeo com 14 aminoácidos que está presente em diversos tecidos. A somatostatina pancreática possui efeito inibitório sobre a absorção e digestão de nutrientes e motilidade do trato gastrointestinal, além de ser um importante inibidor parácrino da secreção de insulina e glucagon. Os hormônios mencionados acima possuem efeitos adicionais e a interação entre esses e outros hormônios é complexa no controle do metabolismo energético. 16 CAPítulo 4 Ações da insulina A insulina regula várias funções metabólicas por meio da sua ligação com seu receptor na membrana celular. Esse receptor está distribuído em todo o corpo, sendo encontrado em tecidos nos quais a insulina é responsável por mediar a captação de glicose, como músculos e tecido adiposo, assim como naqueles em que ela não intercede, como fígado, cérebro, rins e hemácias. Como os receptores para outros hormônios peptídicos, os receptores para insulina estão ancorados na membrana plasmática. Esses receptores são formados por uma proteína tetramérica composta por duas subunidades α e duas subunidades β ligadas por pontes dissulfeto. As subunidades α são extracelulares e contêm o domínio de ligação da insulina, enquanto as subunidades β são responsáveis pela ancoragem do receptor à membrana plasmática. O receptor de insulina pertence a um grande grupo de receptores com atividade tirosina quinase. A sua atividade é mediada pela transferência de grupamentos fosfato para resíduos de tirosina em alvos proteicos intracelulares. A ligação da insulina às subunidades a leva à ativação da atividade tirosina quinase das subunidades β, o que, por sua vez, causa a autofosforilação do receptor insulínico e promove a atividade catalítica desse receptor. As proteínas fosforiladas pelo receptor de insulina são chamadas substratos do receptor insulínico (IRS). Elas são mediadores-chave na via de sinalização da insulina e agem como acopladores proteicos entre o receptor de insulina e uma complexa rede de sinalizadores intracelulares. A desregulação dessa cascata de sinalização leva à resistência à insulina, na qual os IRS parecem ser os principais vilões. Segundos após a ligação da insulina ao seu receptor, as ações rápidas conhecidas da insulina levam à captação de glicose, aminoácidos, K+ e fosfato. Ações intermediárias ocorrem após alguns minutos, afetando principalmente o metabolismo de proteínas e glicose, seguindo-se após várias horas de um efeito mais tardio, relacionado, principalmente, ao metabolismo de lipídeos. A glicose é uma molécula polar que não se difunde por meio da membrana plasmática. O seu transporte é facilitado em diversos tecidos por uma família de transportadores de glicose (GLUT) ou (no intestino e fígado) por transporte ativo secundário acoplado ao sódio. Pelo menos 14 subtipos diferentes de GLUT foram identificados em humanos, de acordo com a ordem de seu descobrimento, chamados GLUT 1-14. Cada um parece ter um envolvimento em uma tarefa específica. O GLUT 4 é o principal transportador responsivo à insulina, sendo muito expresso nos músculos e tecido adiposo. A insulina estimula o transporte de glicose nesses dois tecidos, pois leva à translocação de moléculas de GLUT 4 de vesículas no citosol para a membrana plasmática, os quais passam a funcionar como poros para entrada de glicose. Quando os níveis de insulina diminuem, as moléculas de GLTU 4 são rapidamente removidas da membrana plasmática. Em vários outros tecidos, como cérebro, fígado, rins e trato gastrointestinal, a captação de glicose é independente da insulina e ocorre por meio de outros tipos de GLUT. O mecanismode ação da insulina esta resumido na figura 7. 17 PÂNCREAS ENDÓCRINO │ UNIDADE I figura 7. mecanismo celular da sinalização do receptor de insulina. fonte: < http://www.medicinanet.com.br/m/conteudos/acp-medicine/4497/diabetes_melito_tipo_1.htm>, acessado em 2/10/2013. A insulina é o hormônio anabólico mais importante em mamíferos e previne o catabolismo dos estoques de nutrientes. A sua principal função é garantir o estoque de glicose, como glicogênio, aminoácidos, como proteínas, e ácidos graxos, como triglicerídeos. A insulina facilita a oxidação da glicose à piruvato e da lactose por indução de enzimas, como glicoquinase, fosfofrutoquinase e piruvato quinase. A insulina promove a síntese de glicogênio por aumentar a atividade da glicogênio sintetase. A gliconeogênese é diminuída pela insulina, uma vez que ela promove a síntese de proteínas em tecidos periféricos, diminuindo a disponibilidade de aminoácidos para a gliconeogênese. Adicionalmente, a insulina diminui a atividade das enzimas hepáticas envolvidas na conversão de aminoácidos em glicose. No tecido adiposo, a insulina promove a síntese de lipídeos e inibe a sua degradação. A insulina estimula as enzimas piruvato quinase e acetil-CoA carboxilase, que promovem a síntese de ácidos graxos a partir do acetil-CoA. A insulina também aumenta a atividade da lipase lipoproteica, uma enzima localizada no endotélio capilar dos tecidos extra-hepáticos que promovem a entrada de ácidos graxos para o tecido adiposo. A inibição da lipólise é mediada pela inibição da lipase hormônio sensível. 18 UNIDADE I │ PÂNCREAS ENDÓCRINO A insulina estimula a síntese proteica, bem como inibe a degradação proteica, e assim promove um balanço positivo do nitrogênio corporal. O principal antagonista da insulina é o glucagon, que age principalmente no fígado para aumentar a gliconeogênese e a glicogenólise e diminue a síntese de glicogênio. Ele também é um hormônio cetogênico, uma vez que aumenta a lipólise. Insulina e glucagon agem em consonância após a ingestão de proteínas. Ambos são liberados quando a concentração de aminoácidos aumenta no sangue. A insulina causa a diminuição da glicose e aminoácidos no sangue, ao passo que o glucagon diminu a glicose plasmática, já que estimula a gliconeogênese hepática. Essa interação garante o crescimento e sobrevivência em condições de dieta quase exclusivamente proteicas e lipídicas. Um resumo das ações da insulina e glucagon pode ser encontrado na figura 8. figura 8. Resumo das ações da insulina e glucagon nos músculos, no fígado e no tecido adiposo. fonte: < http://www.medicinanet.com.br/m/conteudos/acp-medicine/4497/diabetes_melito_tipo_1.htm>, acessado em 2/10/2013. 19 unidAdE iioBESidAdE CAPítulo 1 introdução A obesidade é pandêmica em humanos e animais de estimação. Estes distúrbios nutricionais em gatos e cães ocorrem quando a entrada de energia – ingestão de alimentos – é maior que o gasto de energia. O excesso de energia leva a deposição de triglicerídeos no tecido adiposo. O excesso de suplemento de dietas altamente energéticas, que é atualmente oferecido à população de animais de estimação levando a um estilo de vida muito sedentário, é a causa mais provável de obesidade nesse grupo. Atualmente, já se sabe que a obesidade ocorre em um terço a metade da população de cães e gatos. É um fator de risco para várias doenças, incluindo artrite, doença cardiovascular, condições respiratórias, dermatopatias, doenças do trato urinário e câncer, sendo que, em gatos, ela aumenta em muitas vezes o risco do desenvolvimento do diabetes mellitus. São considerados como fatores de risco, tanto para cães como para gatos, o gênero, a esterilização e a idade. Em cães, as fêmeas são mais propícias a se tornarem obesas, enquanto em gatos, os machos são mais propensos. Observa-se a prevalência de obesidade em certas raças de cães, incluindo Labrador, Retriever, Cairn, Terrier, Cocker Spaniel, Sachshund e Beagle. Não há prevalência de raça documentada em gatos. Conforme aumenta o entendimento da fisiologia de cães e gatos e reconhece-se a obesidade como uma doença que deve ser registrada e monitorada, espera-se aumentar o progresso na definição dos fatores envolvidos em sua patofisiologia e desvendar o seu papel em comorbidades. 20 CAPítulo 2 Patofisiologia Entender a regulação do apetite é uma parte importante do entendimento e tratamento da obesidade. Infelizmente, não há muitos dados originais de estudos com cães e gatos e a maior parte do que se sabe sobre a regulação do apetite é deduzido de outras espécies, marcadamente humanos e roedores. O apetite é regulado por vários hormônios, bem como por fatores gastrointestinais, pelo sistema nervoso central e pelo sistema nervoso autônomo. O principal regulador central do apetite é o hipotálamo, que é capaz de perceber estímulos externos. Apenas a colecistocinina, leptina e a grelina, fatores periféricos, têm sido estudados em cães e gatos.A colecistocinina, que é secretada no duodeno, é um supressor de apetite em cães e também em gatos. A leptina é um hormônio sintetizado primariamente em adipócitos diferenciados. A grelina, muitas vezes chamada de hormônio da fome, é sintetizada em células produtoras de ácido no estômago e seu efeito estimulador de apetite é mediado pelo neuropeptídeo Y e pelo peptídeo relacionado ao agouti (AGRP). Em cães, a concentração de grelina plasmática se mostra maior quando a comida é ingerida e diminui após a alimentação, principalmente, em cães obesos. Em gatos, observou-se que a grelina, clonada e purificada, aumenta com o jejum, mas não há estudos publicados sobre a grelina em gatos obesos. O peptídeo Y (PYY) medeia o efeito supressor de apetite do dirlotapide (Slentrol, Pfizer) e mitratapide (Yarvitan, Janssen), novos agentes usados para o tratamento da obesidade canina. O dirlotapide e o mitratapide inibem a proteína transferase de triglicérideo microssomal, o que leva a acumulação de lipídeos nos enterócitos. Foi proposto que essa mudança ativa a liberação de PYY, que age como um sinal de saciedade. O desenvolvimento da obesidade leva a marcadas alterações na secreção de insulina e uma diminuição na ação da insulina, por exemplo, pelo aumento de sua resistência O mecanismo pelo qual o aumento da massa gordurosa causa essas mudanças ainda não está claro. Parece que a resistência à insulina precede mudanças na secreção de insulina, pelo menos em gatos. Um estudo recente revelou que para cada kg de ganho de peso, aproximadamente 30% da sensibilidade à insulina e efetividade da glicose são perdidas. O decréscimo na sensibilidade à insulina está associado com a lipólise aumentada no tecido adiposo e uma elevação na concentração de ácidos graxos não esterificados no plasma. Sabe-se que esse aumento contribui para a resistência à insulina, não só aumentando o consumo da glicose pelo fígado, mas também suprimindo o transporte de glicose mediado pelo transportador de glicose sensível à insulina GLUT4. Em gatos obesos, a expressão de GLUT4 diminui mesmo quando os valores de hemoglobina glicada continuam normais. Mudanças na distribuição subcelular de GLUT4 também foram observadas em cães obesos, provavelmente, por causa do aumento na secreção do fator de necrose tumoral de grandes adipócitos, que regula a lipoproteína lipase, ácidos graxos não só são depositados em células do tecido adiposo, mas também desviadas para células musculares, onde são depositados. A obesidade também leva a mudanças na secreção de insulina. Em um determinado momento, quando a concentração de glicose no plasma em jejum é mantida dentro dos padrões normais, o padrão de secreção de insulina já terá mudado em cães e gatos, quando comparados com animais 21 OBESIDADE │ UNIDADEII magros, primariamente por conta do aumento na segunda fase da liberação. A resposta das células-β é adequada para manter os níveis no jejum, mas não é adequado para manter a tolerância à glicose em todos os casos. Em um estudo com cães, a intolerância à glicose foi relacionada ao grau de obesidade e não é detectada até que o cão exceda seu peso ideal em aproximadamente 70%. Em outro estudo, a tolerância à glicose continuou normal em aproximadamente 30% de gatos obesos com um grau similar de obesidade. Nesse estudo, os gatos obesos intolerantes à glicose tiveram uma área significantemente maior sob a curva de concentração de insulina durante os últimos 30 minutos do teste e menor clearance de glicose quando estavam magros, comparado com os gatos obesos que apresentaram clearance normal de glicose. Isso sugere que as anormalidades na ação da insulina, ao invés das anormalidades na secreção da insulina, é que já estavam presentes em gatos quando eles estavam magros e predispuseram-se a mudanças mais severas quando se tornaram obesos. A resistência à insulina persistente em gatos leva eventualmente a um decréscimo na capacidade total de secreção de insulina e início do diabetes mellitus. Nesse momento, a secreção de insulina é baixa e errática. Não há dados similares para cães. Em humanos, a obesidade aumenta tanto a secreção de insulina quanto a de pró-insulina e há um aumento marcado na relação pró-insulina/insulina quando o diabetes mellitus se desenvolve. Isso sugere que a pró-insulina pode ser usada como um indicador e marcador sensível da disfunção das células-β. A pró-insulina tem se mostrado ser um marcador para a resistência à insulina, e os níveis de pró-insulina em humanos estão relacionados com arteriosclerose e doença cardiovascular. A secreção de pró-insulina aumenta também em gatos obesos, mas não se sabe se há uma mudança na relação pró-insulina/insulina com o desenvolvimento de diabetes mellitus e, portanto, se a taxa pode ser usada como um indicador da doença. Mudanças na secreção de pró-insulina durante a obesidade ainda não foram estudadas em cães. Há outras mudanças hormonais em cães e gatos obesos. Assim como os humanos, gatos e cães obesos têm baixas concentrações de adiponectina. A adiponectina é secretada pelo tecido adiposo e modula o metabolismo de lipídeos e glicose. Sua concentração é inversamente proporcional a massa corporal e positivamente relacionada com a sensibilidade à insulina. Mudanças no hormônio da tireoide também são observadas na obesidade. Os hormônios da tireoide estão envolvidos na regulação da taxa metabólica de descanso (basal), termogênese e lipólise. As concentrações e a proporção de T4 livre se mostraram ser significativamente maiores em gatos obesos, quando comparados a gatos magros, embora normalmente continuem dentro dos padrões normais até o desenvolvimento de obesidade mórbida já em pacientes clínicos. Em gatos, a tiroxina livre tem a relação positiva mais forte com os índices de gordura corporal da obesidade, índice de massa corporal, circunferência, ácidos graxos não esterificados e leptina. O gasto de energia é menor em gatos obesos do que em gatos magros e aumenta com a administração de triiodotirodina, sugerindo que hormônio da tireoide está parcialmente envolvido com a baixa produção de calor. A tiroxina plasmática total e o T3 total estão mais aumentados em cães obesos do que em cães magros, embora continuem dentro dos padrões de referência. Uma das principais questões relacionadas à progressão da obesidade compensada para o diabetes, tanto em cães quanto em gatos (e também em humanos), se refere ao papel do polipeptideo amilóide das ilhotas (IAPP), também chamado de amilina, um hormônio cossecretado com a 22 UNIDADE II │OBESIDADE insulina. Esse hormônio é o precursor do amilóide das ilhotas, que é formado quando o retículo endoplasmático não consegue processar a amilina corretamente, o que leva a formação de fibrilas tóxicas e eventualmente deposição de amilóide, com apoptose de células-β que excede a sua taxa de regeneração. Em gatos obesos, a secreção de amilina segue o padrão da insulina. Contudo não há evidência que isso leve a formação de amiloide em gatos obesos, o que sugere que nem a obesidade nem a hiperamilinemia por si só são suficientes para causar a amiloidose na presença de uma massa de células betas normais. Comparados com os magros, gatos obesos têm menor expressão de receptores ativados pela proliferação de peroxisoma (PPARs), que são fatores de transcrição envolvidos no metabolismo de carboidratos, lipídeos, proteínas e na diferenciação celular. O PPARa está envolvido com a biogênese mitocondrial adipocítica e com a regulação pra cima de genes envolvidos com a oxidação de ácidos graxos. A baixa expressão sugere que adipócitos de gatos obesos são menos metabolicamente ativos do que os de gatos magros. O PPARy é altamente expresso no tecido adiposo e está envolvido com a diferenciação de adipócitos. Ele é ativado pelas tiazolidinedionas, drogas que aumentam a sensibilidade à insulina em muitas espécies, incluindo gatos. A baixa concentração de PPARy vista em gatos obesos confirma a resistência à insulina. Ainda faltam informações sobre a expressão de PPAR em cães, embora tenha sido mostrado que o agonista do PPARa, fenofibrato, diminua a concentração de colesterol e triglicerídeos nessa espécie. A obesidade é caracterizada, tanto em gatos quanto em cães, por alterações no metabolismo de lipídeos e lipoproteínas. Aumentam a concentração plasmática de ácidos graxos não esterificados (NEFAs), que acrescem a síntese de VLDL, e aumentam os triglicerídeos plasmáticos, mudança associada principalmente ao aumento no número de partículas de médio e grande porte de VLDL que tem sido associadas com doença cardiovascular em humanos. A superprodução de VLDL também tem sido associada com a diminuição da expressão de PPARa. A aterogênese e a doença da ateria coronária são características da obesidade felina ou diabetes mellitus, e gatos diabéticos não estão propensos a ter pressão alta ou complicações como retinopatia ou proteinúria. Tem havido descobertas contrastantes relacionados ao colesterol. Em cães obesos, o colesterol plasmático se apresenta maior ou igual ao de cães magros e a fração de HDL, que representa o colesterol, aumenta em alguns relatos enquanto diminui em outros. Assim como em humanos, a hipertensão e a aterosclerose também têm sido relatadas em cães obesos com dieta rica em gorduras, sugerindo que a dislipidemia de obesidade é mais importante em cães que em gatos. Em gatos recentemente obesos, o colesterol plasmático é aumentado pelo colesterol HDL também alto. Uma diminuição significante do HDL colesterol é vista na obesidade de longo prazo em gatos. Entretanto, ao contrário dos humanos, cães e gatos têm concentrações muito maiores de HDL do que de LDL colesterol e o último continua alto, apesar de uma eventual redução da obesidade. O tipo de deposição de gordura tem recebido grande atenção na medicina humana porque a gordura visceral tem um papel primário na resistência à insulina. A gordura visceral é resistente aos efeitos antilipocíticos da insulina e levam a muitas anormalias metabólicas em humanos obesos, como extração de insulina hepática reduzida, aumento na gliconeogênese e perturbações no metabolismo de lipídeos. Entretanto, a deposição de gordura abdominal em gatos é igualmente dividida entre subcutânea e intra-abdominal, independente da dieta. Em cães obesos, resistentes à insulina alimentados com uma dieta rica em gorduras, a gordura abdominal subcutânea aumentou mais que a gordura visceral, o que argumenta contra o papel primário da deposição de gordura visceral na mudança da sensibilidade à insulina em ambas as espécies. 23 CAPítulo 3 diagnóstico, tratamentoe prognóstico Há métodos subjetivos e objetivos para avaliar a composição corporal. Uma escala corporal de nove pontos é o método mais frequentemente usado em clínicas particulares, mas tem a desvantagem de ser subjetivo. Também é difícil avaliar animais que ganharam peso recentemente ou que tem pelo longo. Em gatos, uma pontuação entre 1-3 indica um animal desnutrido e cujas costelas estão visíveis (1) ou que tenham cobertura de gordura mínima e são facilmente palpáveis (3). A condição corporal ideal é (5), que indica um gato bem proporcional cuja cintura é facilmente percebida. Gatos sobrenutridos entram no grupo 7-9, dependendo da quantidade de gordura: 7 se as costelas não são facilmente palpáveis e nove se não se pode apalpá-las de forma alguma por causa dos depósitos de gordura. Em cães, 1-3 indica um animal desnutrido: 1 se há perda de massa muscular e gordurosa e 3 se as costelas são facilmente apalpáveis. Uma pontuação de 4 ou 5 indica uma condição corporal ideal: as costelas são palpáveis e tem alguma cobertura de gordura, a cintura não é facilmente notada e o arregaçamento abdominal é evidente. Registros de 6-9 indicam que o cão está sobrenutrido: 6 se as costelas são dificilmente apalpáveis, 9 se elas não podem ser apalpadas, não há cintura observável e há deposição de gordura em todo o corpo. Também há métodos objetivos para julgar a obesidade em cães e gatos, alguns requerem equipamento especializado, outros não. O índice de massa corporal (BMI) é bem conhecido na medicina humana, o qual é amplamente usado para avaliar a adiposidade. Também é calculado em gatos de acordo com a fórmula: BMI = peso corporal (kg)/largura corporal (m) x altura corporal (m). Considera-se a altura a distância do ombro passando pelo cotovelo até o limite do metacarpo da pata e a largura é a distância do ombro até o ísquio tubérculo. O BMI correlaciona-se bem com outros índices de obesidade, mas só dentro de populações bem definidas, por causa da grande variação de tamanho dentro de população geral de animais de estimação. A obesidade é avaliada medindo a circunferência corporal ou circunferência imediatamente caudal até a última costela e correlaciona-se bem com as medidas de gordura corporal e absormetria de raio X duplo (DEXA). A circunferência e o BMI não requerem equipamento especializado. Uma avaliação de adiposidade altamente sofisticada é conseguida com o DEXA e ressonância magnética de imagem (MRI). O MRI pode prover quantificação exata de depósitos de adipócitos específicos dentro do corpo. Assumindo que a obesidade é a doença primária e não a secundária ao hipotireoidismo ou hipercortisolismo, o objetivo do tratamento é diminuir a entrada de energia e aumentar a saída. Isso é alcançado pelo manejo da dieta e estilo de vida, e recentemente, a intervenção terapêutica também foi disponibilizada para cães. A dieta deve ser concentrada em proteína, o que aumenta o gasto de lipídeos e preserva a massa magra tanto em cães como em gatos. Recentemente, foi mostrado que uma dieta alta em fibra e alta em proteínas levou a maior redução na ingestão voluntária de comida do que as dietas com proteína alta/fibra moderada ou proteína moderada/fibra alta. Como diferentes fontes de proteínas e fibras foram usadas para cada uma das três dietas nesse estudo, não está claro qual efeito pode ser atribuído a proteínas ou a fibras. A restrição de energia deve ser procedida 24 UNIDADE II │OBESIDADE lentamente para evitar o desenvolvimento de lipidose hepática, especialmente em gatos. Uma perda de peso entre 1 e 1,5% foi relatada como sendo segura. A eficiência da adição de substâncias como ácido linoléico conjugado ou creatina precisa ser avaliado em estudos bem controlados. Há varias dietas comerciais para perda de peso disponível para cães e gatos. Essas dietas proporcionam os nutrientes necessários apesar da ingestão calórica reduzida. Também há muitos programas de computador que podem ajudar donos de gatos e cães a desenvolver um programa de perda de peso para seus animais. Os donos de gatos não castrados devem estar atentos que a castração diminui a demanda energética e aumenta o apetite. Muitos donos de animais de estimação acreditam que é mais fácil aumentar o gasto de energia em cães do que em gatos, porque cães podem ser levados para passear e muitos cães apreciam atividades físicas, como nadar. Gatos de apartamento são mais limitados na atividade, mas os donos também podem encorajar o exercício físico, dando brinquedos para o animal e colocando pequenas quantidades de comida ao redor da casa ao invés de em um único prato. O dirlotapide e o miratapide foram recentemente aprovados para tratar cães obesos. Essas drogas aumentam a absorção de gordura no intestino pela inibição da transferase de triglicerídeo microssomal. A acumulação de lipídeos nos enterócitos aumenta a concentração do peptídeo YY no plasma, resultando em saciedade. A dose de dirlotapide é titulada individualmente dentro dos valores 0,01-0,2 ml/kg. A solução de mitratapide está disponível em frascos de três tamanhos para facilitar a administração da dose na comida de acordo com o peso do cão. O tratamento é feito por três semanas e então interrompido por duas semanas para avaliar a demanda nutricional do animal. A dieta é combatida de acordo com a demanda e o mitratapide é reiniciado por três semanas adicionais. Não há droga similar para uso em gatos no momento. Para que o tratamento para obesidade seja bem-sucedido, é importante que o veterinário e o dono reconheçam que a obesidade é uma doença e terá consequências deletérias para o animal se não for tratado. O veterinário precisa monitorar e registrar os índices de obesidade nos check- ups e apresentar avaliações para o dono durante o curso da perda de peso. Exercício é uma parte importante de qualquer programa e beneficiará tanto o animal quanto o dono. 25 unidAdE iiidiABEtES MELLITUS CAPítulo 1 introdução Tradicionalmente o diabetes mellitus em cães e gatos foi categorizada mais ou menos de acordo com o esquema utilizado em humanos. Entretanto, há muito tempo não se sabe se essa classificação é justificável, principalmente por conta da escassez de estudos sobre a etiopatogênese do diabetes em animais de companhia. Estudos recentes demonstraram uma similaridade do diabetes humano com o diabetes canino e felino. Embora ainda haja muito para se esclarecer, a classificação humana pode ser usada para facilitar o reconhecimento e diferenciação das várias formas dessa doença. O comitê de especialistas de diagnóstico e classificação de diabetes mellitus da Associação Americana de Diabetes, trabalhando em estreita colaboração com a Organização Mundial da Saúde, definiu o diabete mellitus no seu último relatório de 2008 como um grupo de doenças metabólicas caracterizadas pela hiperglicemia resultante do déficit de secreção de insulina, ação insulínica ou ambos. O mesmo comitê abandonou o termo usado por anos: Diabetes Mellitus insulino dependente ou insulino independente e, desde então, a nomenclatura é baseada no tipo de tratamento ao invés da etiologia, resultando em mais confusão do que ajuda. A maioria dos casos de diabetes humano pertence a essas duas categorias, agora chamadas de tipo I e II. Isso também é aceito para o diabetes em cães, sendo similarmente classificado em tipo I, enquanto o diabetes em gatos é mais próximo ao tipo II. O diabetes tipo I, que é responsável por aproximadamente 10% dos casos em humanos, é causado pela deficiência absoluta de secreção de insulina devido à destruição autoimune das células-β. O marcador dessa doença é a presença de anticorpos relacionados às ilhotas, tais como anticorpos anti-ilhota, anti-insulina, anti-GAD e anti-tirosina fosfatase. Existe uma contribuiçãogenética e o processo autoimune é iniciado por fatores ambientais até então mal definidos. A doença é tipicamente diagnosticada em adolescentes e crianças, mas também pode ter um desenvolvimento lento ou um inicio tardio, com manifestação apenas na vida adulta. Existe um subgrupo do diabetes tipo I chamado idiopático, que é herdado sem evidência de envolvimento autoimune. O diabetes tipo II, que é idêntico ao que era chamado diabetes mellitus insulino independente, é responsável por 90% dos casos de diabetes mellitus em humanos. Ele é caracterizado por dois tipos de efeitos: resistência à insulina e disfunção das células-β. Ambos são identificados no diagnóstico, embora não se saiba qual é a causa primária. Os principais sítios de resistência são fígado, músculo 26 UNIDADE III │ DIABETES MELLITUS e tecido adiposo. A resistência à insulina em humanos tem uma grande base genética e é promovida pela obesidade, inatividade física, algumas drogas e altos níveis de glicose. Dentre esses fatores, a obesidade é o mais importante. A obesidade é uma área de intensa pesquisa, em particular, desde a descoberta de que o tecido adiposo é um importante liberador de grandes quantidades de ácidos graxos não esterificados e proteínas chamadas adipocinas. Algumas adipocinas, como a adiponectina e leptina, podem aumentar a sensibilidade à insulina, enquanto os ácidos graxos não esterificados e citocinas pró-inflamatória TNF-a e IL6 induzem ou agravam a resistência à insulina. A disfunção das células-β é essencial para o desenvolvimento do diabetes tipo II. Uma caraterística presente é a perda da primeira fase da secreção de insulina induzida pela glicose. A segunda fase também é bloqueada, mas em menor intensidade. As razões para a falência das células-β são desconhecidas. Hiperglicemia e hiperlipidemia podem ser danosas (referente a glico e lipotoxicidade). Outro fator sugerido é a deposição amiloide nas ilhotas devido à polimerização da amilina. Em contraste ao diabete tipo II, o tipo I pode ser manejado facilmente com a administração de insulina permanentemente. Além disso, o risco de cetoacidose é muito maior no tipo II. A terceira categoria de diabetes refere-se ao diabetes que é desenvolvido em associação a outros fatores ou doenças, o que os impede de ser classificados em tipo I ou II. Esse tipo de diabetes é importante em cães e gatos. O diabetes pode ser desenvolvido secundariamente a outras disfunções do pâncreas exócrino (pancreatite e carcinoma pancreático), hipersecreção de hormônios contrarreguladores (hipertireoidismo, hipercortisolismo e hipersomatotropismo) e a administração de glicocorticoides e/ou progestágenos. Algumas síndromes genéticas também são incluídas nessa categoria. O nível de intolerância a glicose varia muito e a terapia com insulina pode ser necessária ou não. O diabetes diagnosticável só se desenvolve nesses indivíduos se eles tiverem susceptibilidade a essa doença. Essas doenças associadas devem ser diferenciadas de uma possível coexistência com o diabetes do tipo I, como no caso de doenças endócrinas que resultam de processos autoimunes, por exemplo, diabetes com hipotireoidismo ou doença de Addison. A quarta categoria de diabetes mellitus em humanos é o diabetes gestacional, mas não é muito importante em cães e gatos. Entretanto, o diabetes associado ao diestro em cães pode ser considerado equivalente ao diabetes gestacional em humanos. 27 CAPítulo 2 distúrbios metabólicos A hiperglicemia é desenvolvida quando a secreção de insulina é ausente ou inadequada ou é inadequada por conta da resistência insulínica. Inicialmente, a resistência à insulina pode ser compensada por aumento da secreção de insulina, mas em algum momento essa resposta não será suficiente. De modo absoluto ou relativo, a insulina possui um efeito pronunciado sobre o metabolismo de carboidratos, ácidos graxos e proteínas. A hiperglicemia resulta em parte da redução de entrada de glicose nos músculos e tecido adiposo. A absorção intestinal de glicose não é afetada, assim como a entrada de glicose no cérebro, rins e hemácias. A segunda e, potencialmente, a mais importante causa de hiperglicemia é uma produção excessiva de glicose no fígado via gliconeogênese e glicogenólise. O glucagon contribui para o aumento da produção de glicose, assim como hormônios relacionados ao estresse. Quando a capacidade renal de absorção de glicose é excedida, a glicose é excretada pela urina. Isso resulta em uma diurese osmótica compensada pelo aumento da ingestão de água e essa polidipsia pode se tornar severa. A perda de energia pela glicosúria é compensada pelo aumento da ingestão alimentar. A estimulação do apetite pelo hipotálamo ocorre devido à utilização deficiente da glicose. O desequilíbrio do metabolismo de lipídeos exerce papel principal no desenvolvimento do diabetes e suas complicações, e o diabetes é frequentemente associado a deficiências no metabolismo de lipídeos ao invés de carboidratos. O déficit intracelular de glicose e a falta da secreção de insulina aceleram o metabolismo de lipídeos. O aumento da disponibilidade de glicerol acelera a gliconeogênese hepática. Os níveis elevados de ácidos graxos não esterificados são transportados para o fígado também. No fígado, eles sofrem β-oxidação à acetil-CoA. A quantidade de acetil- CoA pode exceder a necessidade para produção de ATP pela oxidação no ciclo de Krebs. Isso causa uma mudança na produção de corpos cetônicos o que, por sua vez, pode resultar em cetoacidose. A concentração elevada de ácidos graxos hepáticos também resulta no aumento da síntese de triglicerídeos e lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL). As consequências são esteatose hepática e hiperlipidemia. O metabolismo de proteínas é alterado com a diminuição da síntese de proteínas e aumento da proteólise. A alta disponibilidade de aminoácidos também pode levar à aceleração da gliconeogênese hepática. As consequências são balanço negativo de nitrogênio, perda de massa muscular e possível caquexia. Em humanos diabéticos existem complicações severa que podem afetar a qualidade e a expectativa de vida. Essas afetam principalmente o sistema vascular (doenças microvasculares e macrovasculares), o sistema nervoso e o cristalino. A principal hipótese para explicar essas alterações é baseada no aumento da atividade da via do poliol com acúmulo de sorbitol e diminuição do status oxidativo. As várias complicações crônicas em humanos (nefropatia e doenças cardiovasculares) são raras em cães e gatos diabéticos, muito provavelmente por causa do seu menor período de vida. A principal complicação em cães diabéticos é a catarata (Figura 9). Estudos recentes demonstraram que a 28 UNIDADE III │ DIABETES MELLITUS atividade da enzima aldose redutase no cristalino aumenta, o que por sua vez leva ao acúmulo de sorbitol. Uma vez que o sorbitol é hiperosmótico, ele leva ao aumento do influxo de água e estiramento e ruptura das fibras do cristalino, alterando a sua permeabilidade. A atividade da aldose redutase é baixa no cristalino de gatos velhos o que pode, pelo menos em parte, explicar porque gatos possuem quadros de catarata diabética muito menos severos do que cães. figura 9. Cão com catarata diabética. Estudos de microscopia eletrônica de nervos periféricos revelaram que mais de 90% dos gatos diabéticos possuem neuropatias similares as encontrada em humanos diabéticos. Embora a neuropatia seja raramente reconhecida clinicamente em cães, esse é um problema comum em gatos, mas razões para essa diferença ainda são desconhecidas. 29 CAPítulo 3 diabetes mellitus em cães O diabetes mellitus é uma das doenças endócrinas mais comuns em cães, com prevalência de 0,3-0,6%. Em muitos cães, a doença é similarao diabetes tipo I em humanos, que é causado pela destruição autoimune das células-β em indivíduos geneticamente pré-dispostos. Anticorpos contra as células-β e vários componentes das ilhotas (insulina e GAD65) são frequentemente encontrados no plasma de cães com diagnóstico precoce de diabetes, sugerindo que esses antígenos estão envolvidos neste processo autoimune. A observação que certas raças de cães são pré-dispostas ao diabetes levou ao desenvolvimento de estudos genéticos nesse campo. O risco de diabetes é associado com alguns haplótipos de antígenos de leucócitos caninos. Uma vez que a maioria dos cães já atingiu meia idade (ou já estão idosos) no momento do diagnóstico, o diabetes canino tipo I se parece mais com um subgrupo do diabetes tipo I chamado de autoimune latente em humanos adultos. Cães com diabetes podem ter outras doenças endócrinas concorrentes, possivelmente também com uma etiologia autoimune (como hipotireoidismo e doença Addison). Essa combinação é similar à síndrome poliendócrina autoimune tipo II em humanos. Humanos que carregam HLA (complexo de histocompatibilidade) específico possuem um maior risco de diabetes, uma situação que também acontece em cães haploides para DLA (complexo de histocompatibilidade canina). O diabetes mellitus ocorre ocasionalmente em cães com menos de 12 meses de idade e, provavelmente, não é devido a um distúrbio autoimune, mas sim a uma aplasia ou atrofia das células-β. Não há evidência do desenvolvimento de diabetes equivalente ao diabetes tipo II humano em cães. Outra forma de diabetes (chamada de diabetes secundária) incluí a destruição pancreática devido a uma doença aguda ou crônica do pâncreas (pancreatite ou neoplasia pancreática) e resistência à insulina devido a influência de outros fatores. Evidências para a pancreatite aguda e crônica foram encontradas em 13% dos cães com diabetes mellitus, em um estudo, e em 28% dos cães, num outro estudo. Entretanto, a relação causa-efeito ainda não foi esclarecida e, enquanto o diabetes é um conhecido fator de risco para pancreatite, a pancreatite também pode ser a responsável pela destruição das células-β e o surgimento do diabetes. Também foi aventado que a produção de antígenos contra as células-β no processo inflamatório pode estimular a reação imune, que por sua vez exacerba a destruição das células-β. A insuficiência pancreática exócrina também pode ser uma sequela da pancreatite o que é ocasionalmente observado em cães diabéticos. O aumento dos níveis de progesterona durante o diestro em cadelas resulta no aumento dos níveis circulantes do hormônio do crescimento (GH) proveniente da glândula mamária. Esse é, a princípio, um evento fisiológico, mas alguns cães desenvolvem diabetes durante essa fase do ciclo devido às ações diabetogênicas do GH. Os sintomas de acromegalia causada pelos efeitos de crescimento do GH também são pronunciados nessa fase. Antes do início do desenvolvimento do diabetes, pode ter havido sintomas moderados na fase do diestro precedente que não foram devidamente observados. A remissão da doença é possível promovida pela castração rápida após o diagnóstico, se as células-β remanescentes ainda estiverem funcionais. A intolerância a glicose e o diabetes também podem ser induzidos pelos glicocorticoides. Na maioria dos cães com hipercortisolismo, entretanto, a 30 UNIDADE III │ DIABETES MELLITUS concentração de glicose é normal ou apenas levemente elevada. O desenvolvimento do diabetes desse tipo acontece em aproximadamente 10% dos cães. Do mesmo modo, a administração de progestágenos e ou glicocorticoides também pode induzir diabetes, mais frequentemente em gatos do que em cães. Sinais e sintomas clínicos O diabetes ocorre normalmente em cães de meia idade e cães mais velhos, com maior frequência em animais com mais de 5 anos de idade e raramente em cães com mais de 12 meses. A proporção de fêmeas diagnosticadas é entre 50% a 70%, menos em cadelas, provavelmente por causa da maior frequência de esterilização precoce e consequente diminuição do diabetes associado ao diestro. Samoiedos e várias outras raças como Terrier, Beagles e Poodles têm alto risco de diabetes. O Boxer, o Pastor Alemão e o Golden Retriever parecem estar em um grupo de baixo risco. Estudos genéticos preliminares sugeriram um componente genético tanto para a susceptibilidade quanto para a resistência ao diabetes. Os quatro sintomas típicos do diabetes mellitus são poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso. Esses sintomas são muitas vezes ignorados até que o cão desenvolva cegueira por conta das cataratas diabéticas. Aproximadamente 50% dos cães diabéticos desenvolvem catarata dentro dos primeiros 6 meses e aproximadamente 70% dentro dos primeiros 12 meses depois do diagnóstico. Devido ao risco potencial da uveíte induzida pela catarata, os olhos devem ser monitorados de perto durante o curso do diabetes. O risco de ruptura de cápsula parece ser particularmente alto em cães com catarata de progressão rápida. O prognóstico que se segue à intervenção cirúrgica preventiva é normalmente bom. Além da catarata, outros sintomas e sinais dependem da duração e da severidade do diabetes e possíveis doenças concorrentes como pancreatite ou infecções. Um cão diabético pode ser obeso, de peso normal ou magro. A sua pelagem pode ser opaca e a hepatomegalia pode ser palpável. O cão com a doença conhecida como diabetes não complicada possui boas condições físicas. Em contraste, cães com diabetes complicadas por cetoacidose ou síndrome não cetônica hiperosmolar apresentam normalmente letargia, anorexia, polidipsia e vômito. diagnóstico e tratamento O diabetes é diagnosticado com base em sintomas e sinais apropriados, hiperglicemia persistente e glucosúria. Não existem diagnósticos padrões para o diabetes em cães como existem em humanos e, por isso, o nível de glicose no sangue como único indicador para diabetes é impreciso. A maior parte dos cães diabéticos não é levada para exame veterinário até que a concentração de glicose no sangue excede a capacidade renal de reabsorção de glicose (aproximadamente 10 mmol/l) e, portanto poliúria e polidipsia estão normalmente presentes. O estresse de hiperglicemia não é um diagnóstico diferencial relevante para cães, como o é em gatos. A concentração de glicose no sangue também pode estar elevada por ansiedade e outras doenças, mas essa hiperglicemia é passageira ou a sua causa é facilmente diagnosticada. Se a hiperglicemia leve (7-9 mmol/l) persiste em um cão 31 DIABETES MELLITUS │ UNIDADE III não estressado e que de outra forma não apresentaria esse sintoma, a investigação de doenças que causam resistência à insulina, tal como hipercortisolismo, pode ser requerida. A glucosúria por si só é insuficiente para o diagnóstico do diabetes, já que a doença também pode ser causada por defeitos renais e algumas drogas. A aferição de frutosamina não é necessária para o per se em cães, mas é útil no tratamento de longo prazo, e, nas aferições iniciais, fornece um ponto de referência e, portanto, é recomendada. A frutosamina é o produto de uma reação irreversível entre a glicose e o grupo amino de proteínas plasmáticas e ela reflete a concentração média de glicose no sangue nas últimas duas semanas (aproximadamente). Ela não é afetada pelas mudanças em curto prazo nas concentrações de glicose no sangue. Parâmetros de referência diferem pouco entre os laboratórios, estando normalmente entre 200-350 mmol/l. Não é incomum que um cão ou gato diabético tenha níveis normais de frutosamina no momento do diagnóstico, mas o diabetes de duração muito curta (menor que 5 dias) ou hipoproteinemia são possíveis causas. Em um cão que foi recentemente diagnosticado com diabetes, a frutosaminaé normalmente maior que 400 mmol/l chegando a ser maior que 1000 mmol/l. A hemoglobina glicada é outro bom indicador de controle metabólico em longo prazo, mas, por razões técnicas, é raramente usado na medicina veterinária. O acompanhamento posterior deve responder às seguintes questões: » Quão severa é a doença? Por exemplo, o diabete cetoácido está presente? » Há outras doenças concorrentes, como gastrite, gengivite ou infecção do trato urinário? Qual poderia atrapalhar o tratamento do diabete? » Há evidências de doenças concorrentes? Qual poderia ter causado o diabetes? Drogas diabetogênicas, pancreatite, hipercortisolismo, diestro? A hematologia de rotina, bioquímica do plasma ou do soro, urianálise e cultura de urina devem ser feitos. Achados comuns incluem estresse no leucograma, hiperlipidemia, elevação leve a moderada de alanina amino transferase e fosfatase alcalina, gravidade específica da urina maior que 1,02 apesar da poliúria, glicosúria, proteinúria e bacteriúria com ou sem piúria. Pode haver traços de corpos cetônicos na urina mesmo em casos de diabetes não complicada. Procedimentos de diagnóstico adicionais que podem ser indicados incluem radiografias, ultrassonografia abdominal, mensuração da imunoreatividade tripsina-like e imunorreatividade da lipase pancreática canina. Testes para hipercortisolismo devem esperar até que o tratamento para o diabetes esteja estabilizado. A mensuração das concentrações circulantes de insulina não é útil na maior parte dos casos. tratamento O objetivo da terapia é eliminar os sintomas e sinais do diabetes mellitus e prevenir as complicações de curto prazo (hipoglicemia e cetoacidose), dessa forma permitindo ao animal ter uma boa qualidade de vida. Não é necessário manter níveis de glicose normal ou próximo ao normal, como é o objetivo em humanos, já que a maior parte dos cães e gatos diabéticos sobrevive bem quando a 32 UNIDADE III │ DIABETES MELLITUS glicemia varia entre 15 mmol/l antes da administração de insulina e 5 mmol/l no momento do nadir de glicose (= a menor concentração de glicose no plasma). O tratamento bem-sucedido requer o compromisso e a motivação do dono e do veterinário, que devem seguir um protocolo estrito. O tratamento consiste em terapia de insulina, administração de dieta específica, redução de peso corporal se o animal estiver acima do peso, exercícios diários, cessação das drogas diabetogênicas e o controle de problemas concorrentes não associados. Todos os cães com diabetes devem ser tratados com insulina. Drogas hipoglicemicas orais não são efetivas para o controle metabólico, apesar de que inibidores da α-glucosidase ou cromo podem ter efeitos auxiliares discretos. As preparações de insulina são categorizadas, de acordo com a duração da ação, como curta, intermediária e longa. Em cães com diabetes não complicada, o tratamento começa com a insulina de ação intermediária, que é derivada de porcos, e insulina tipo lente, licenciada para uso em cães. A insulina lente é uma mistura da insulina cristalina amorfa de curta ação (30%) e de longa ação (70%). A dose inicial é de 0,25-0,5 U/kg, administrada duas vezes por dia. A administração de uma dose maior, uma vez por dia, não é recomendada porque aumenta o risco de hipoglicemia. O paciente diabético deve receber refeições de composição e conteúdo calóricos constante, alimentado no mesmo horário todos os dias, um pouco antes de receber as doses de insulina. Uma dieta rica em fibras é recomendada. Para simplificar o tratamento, dá-se de comer aos cães duas refeições de tamanho igual. Para aqueles que estão obesos, as refeições devem ser reduzidas para atingirem 1% de redução de peso por semana. Doenças severas concomitantes como pancreatite ou falência renal normalmente requerem um regime dietético diferenciado, que tem prioridade sobre o tratamento dietético do diabetes. Cadelas virgens que desenvolveram diabetes durante o diestro devem ser castradas o mais rápido possível, no fim de dois ou três dias de estabilização com insulina. A maior parte permanece hiperglicêmica depois da castração e precisam de tratamento com insulina, mas a resistência à insulina pode diminuir gradualmente no decorrer de alguns dias ou algumas semanas de tratamento e a completa remissão do diabetes pode ser alcançada por meio de monitoramento e ajuste apropriado das doses de insulina com atenção e cuidado. Todas as cadelas virgens com diabetes deveriam ser castradas, mesmo não havendo relação temporal óbvia entre o diestro e o início do diabetes. Embora a remissão do diabetes não seja normalmente alcançada pela castração, essa é necessária para prevenir a hipersecreção do GH derivado da glândula mamária durante o diestro e subsequente resistência à insulina, assim como a interrupção do tratamento. No exemplo raro, no qual a castração não é possível, o uso da aglepristone, antagonista do receptor da progesterona, é uma alternativa razoável. A aglepristone pode também ser dada para cães que desenvolveram diabetes durante o tratamento com progestágenos. Depois do diagnóstico de diabetes, o cão pode ser mantido no hospital por um ou dois dias para começar a terapia com a insulina e completar o tratamento. Durante esse tempo, as concentrações de glicose no sangue devem ser medidas de 3 a 4 vezes ao longo do dia e a dose de insulina reduzida se a concentração sanguínea de glicose cair abaixo de 5mmol/l. Não é necessário aumentar a dose de insulina se a glicemia permanecer alta, porque a ação total da insulina desenvolve-se em alguns dias. Um dos períodos mais importante no cuidado que o dono deve prestar a um animal diabético é 33 DIABETES MELLITUS │ UNIDADE III o momento em que o veterinário ou enfermeira ensinam os aspectos técnicos do tratamento. O dono precisa poder conseguir preparar a insulina corretamente (rolando lentamente e não balançando), carregar a seringa sem bolhas de ar, administrar uma injeção subcutânea na parede lateral do peito, saber como lidar com problemas como a dor da injeção ou sangramento e injeção no pelo ao invés subcutâneas. O dono precisa reconhecer os sintomas de hipoglicemia, recorrência de poliúria e polidipsia e sintomas de cetoacidose diabética e entender que esses sintomas demandam consulta no hospital. O dono também deveria saber que a insulina deve ser armazenada no refrigerador, na porção mais fria, que a caninsulina é uma U-40 insulina, em contraste com as U-100 insulinas para humanos, e que somente a seringa de U-40 deve ser usada. Normalmente são necessários de dois a três meses para que um controle glicêmico razoável seja atingido, mas a supervisão e ajuste de terapia ao longo de toda a vida é quase sempre necessário, exames de acompanhamento devem ser feitos um, três, seis, oito e dez a doze semanas depois do diagnóstico e então, aproximadamente, a cada quatro meses. Os exames incluem avaliação das observações do dono sobre os sintomas, medidas de peso corporal e medidas de concentração de frutosamina e glicose. A presença ou ausência de poliúria, polidipsia, polifagia, letargia e perda de peso são usadas para avaliar a qualidade do controle metabólico. A concentração de frutosamina aumenta quando o controle glicêmico piora e diminui quando o controle glicêmico melhora. Uma vez que mesmo cães diabéticos bem controlados estão levemente a moderadamente hiperglicêmicos ao longo do dia, a frutosamina não atinge níveis completamente normais durante a terapia. Assim a descoberta de uma concentração normal de frutosamina (especialmente na metade inferior do espectro de referência) deve levantar preocupação sobre a possibilidade de longos períodos de hipoglicemia devido à overdose de insulina. Níveis de frutosamina entre 350-450 umol/l indicam bom controle metabólico,níveis de 450-550 indicam controle moderados e aqueles acima de 500 indicam controle ruim. Níveis altos de frutosamina indicam controle pobre, mas não ajudam a identificar a causa e, portanto, todas as possibilidades devem ser consideradas: curta duração do efeito da insulina, subdose de insulina, doenças causando resistência à insulina e efeito Somogyi. As medidas de glicose são necessárias para caracterizar o problema e avaliar a ação da insulina. Uma única medição é suficiente quando os sintomas do diabetes foram resolvidos e a glicemia está entre 10-15 mmol/l no momento da administração de insulina e ainda quando a frutosamina está entre 350-450 umol/l. Por um lado, esse quadro indica controle satisfatório e outras aferições não são necessárias. Por outro lado, curvas seriadas de glicemia (BCG), para as quais a glicose é medida a cada 1-2h, devem ser realizadas em animais com poliúria, polidipsia e perda de peso persistente assim como níveis de frutosamina acima de 550 umol/l. A insulina e o alimento são administrados em casa e as medições para BGC são iniciadas logo em seguida. As variáveis mais importantes avaliadas pelo BGC são a eficácia da insulina, o nadir de glicose e a duração do efeito. A eficácia da insulina (diferenças entre a concentração mais alta e mais baixa de glicose no dia) é interpretada com referência a concentração mais alta de glicose e dose de insulina. Uma diferença pequena (por exemplo 3 mmol/l) é aceitável se a glicemia mais alta for menor que 12 mmol/l mas não é aceitável se for maior que 17 mmol/l. Uma diferença de 6 mmol/l deveria indicar eficácia satisfatória da insulina em uma animal recebendo uma dose maior que 1,5 U/kg. No último caso, problemas técnicos e fase contrarregulatória do efeito de Somogyi também devem ser considerados. 34 UNIDADE III │ DIABETES MELLITUS O nadir de glicose, que deve ser interpretado em seguida, é idealmente 5-8 mmol/l. Um nadir mais baixo pode ser cauculado por uma dose muito alta de insulina, redundância excessiva das ações da insulina, fala de ingestão de comida e exercícios excessivos. Um nadir de glicose maior que 9 mmol/l pode ser o resultado de uma dose baixa de insulina, estresse, a fase contrarregulatória do efeito Somogyi, além de problemas técnicos por parte dos donos. Em um animal que já está sendo tratada com altas doses, a resistência à insulina ainda é uma possibilidade. É muito importante identificar a causa, para que se corrija o tratamento. A duração do efeito da insulina é definida como o tempo da injeção, passando pelo nadir de glicose até que a concentração de glicose retorne a 12-15 mmol/l. Se a duração for menor que 8-10h, provavelmente está ocorrendo polidipsia e poliúria e outros sintomas do diabetes; mais do que 14h indica um grande risco de poliglicemia ou efeito Somogyi. Pode ser possível melhorar a duração da ação manipulando a dieta, mas caso isso não funcione, recomenda-se a mudança da insulina para alguma com perfil de ação diferente. Dependendo dos resultados do BGC, uma mudança na dose de insulina e às vezes uma mudança na preparação da insulina serão necessárias. Como regras, mudanças na dose devem ser da ordem de 10-25%, mas seguindo hipoglicemia ou efeito de Somoguyi, a dose deve diminuir em 50%. Mudanças em intervalos menores que 5-7 dias não devem ser feitas, exceto em caso de hipoglicemia recorrente. No passado, os BGCs eram realizados, via de regra, em hospitais veterinários, porque a maior parte dos donos não conseguia coletar sangue venoso. Mesmo assim, a abordagem era demorada e cara e, portanto, provavelmente não era tão realizada quanto deveria ser. Além disso, os resultados desses BGCs podem ser influenciados pelo estresse, falta de exercício e diferenças na rotina de alimentação. Felizmente, há agora métodos disponíveis para permitir que o dono meça a glicemia em casa. Sangue capilar é coletado do ouvido interno do cão usando um dispositivo de punção e a glicemia é medida com um medidor de glicose portátil (PBGM). Por outro lado, alguns donos podem ser treinados para coletar de um vaso periférico com agulha e seringa. Em qualquer um dos casos, o monitoramento caseiro da glicemia pode ser um desafio para os donos e todos os esforços devem ser feitos para minimizar as dificuldades técnicas. O dono deve receber acesso rápido ao suporte veterinário sempre que for necessário. Numa clínica de pequenos animais da Universidade de Zurich, o monitoramento em casa não começa antes da terceira semana de tratamento. O que permite ao dono se familiarizar com a doença e ganhar experiência com a injeção de insulina. Uma vez que o dono esteja confortável com o procedimento, ele ou ela mede a concentração de glicose em jejum do animal duas vezes por semana e a BGC uma vez por mês. Os primeiros servem para detectar a hipoglicemia matinal e, caso seja detectada, os donos são instruídos a contatar a clínica. Para a determinação do BGC, a glicemia é medida antes da injeção de insulina (jejum) e então a cada duas horas até a próxima injeção. A interpretação do BGC segue as mesmas regras das usadas no hospital. Pode ser considerado uma variabilidade diária de glicemia devido à diferença na absorção de insulina e diferentes níveis de estresse e exercícios. Curvas individuais podem, portanto, não refletir uma situação glicemia verdadeira, independente se eles estão no hospital ou em casa. Entretanto, uma das maiores vantagens do monitoramento em casa é que ele permite que o BGC seja feito frequentemente, o que pode ser de importância particular para animais com dificuldade de regular a glicemia ou nos quais a resistência à insulina tem chance de diminuir e que precisam de atenção especial. 35 CAPítulo 4 diabetes mellitus em gatos O diabetes mellitus é uma doença endócrina comum em gatos. O diabetes tipo I parece ser bastante raro em gatos, em contraste com o que acontece em cães. Anticorpos contra as célula-β e a insulina não são encontrados em gatos com infiltração linfocítica, um marcador da destruição imuno-mediada, tendo sido descrito somente em um pequeno número de casos. Assume-se atualmente que, em aproximadamente 80% dos gatos, a doença se assemelha ao diabetes tipo II, baseado em características clínicas e histologia das ilhotas. O diabetes tipo II é uma doença heterogênica envolvendo a combinação de bloqueio da ação da insulina (resistência à insulina) e falência das células-β. Fatores ambientais e genéticos têm um importante papel no desenvolvimento deste tipo de diabetes, mas os fatores genéticos ainda não foram estabelecidos em gatos. Os argumentos mais convincentes para a existência de fatores genéticos derivam de estudos na Austrália e no Reino Unido com gatos Burmese, nos quais a frequência de diabetes mostrou-se 4 vezes maior que em gatos domésticos. Fatores de risco adicionais incluem envelhecimento, sexo masculino, castração, inatividade física, administração de glicocorticoides e progestágenos e obesidade. Assim como em humanos, o fator de risco mais importante em gatos é a obesidade e mostrou-se que gatos obesos têm 3,9 vezes mais chances de desenvolver diabetes do que qualquer gato com peso normal. Em experimentos com gatos saudáveis uma média de ganho de peso de 1,9 kg durante o teste de alimentação foi associada com mais de 50% de diminuição na sensibilidade à insulina. Gatos machos tendem a ter menor sensibilidade à insulina antes do teste e ganharam mais peso do que as fêmeas, o que pode explicar o seu maior risco de diabetes. É atualmente aceito que em humanos o tecido adiposo é um órgão endócrino importante, produtor de vários fatores que coletivamente são chamados adipocinas que influenciam a sensibilidade à insulina. Dentre eles estão a leptina, adiponectina e citocinas pró-inflamatórias como TNF-a e IL-
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