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Little_-_Politica_Ambiental_-_2003

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Introdução
Os desafios da política ambiental no Brasil
Paul E Little
ACúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em
Johannesburgo, África do Sul, em agosto e setembro de 2002, contou
com a participação de mais de 100 mil pessoas (entre elas, delegados
oficiais de 189 países e milhares de representantes de organizações
da sociedade civil, ativistas arnbientais e jornalistas). Conhecido
como Rio + 10, o evento teve como um de seus objetivos principais
a avaliação dos acordos e convênios ratificados na Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ocorrida
no Riode]aneiro, em 1992, particularmente da Agenda lI, e, se fosse
possível, o delineamento dos próximos passos para a implementação
plena desses documentos. Não é um exagero se afirmarmos que os
resultados mostrados ern Iohannesburgo foram mínimos e, em alguns
casos, houve retrocessos.
Este livro também tem como proposta a avaliação das políticas
ambientais e dos passos a serem seguidos para sua plena implernen-
tação no âmbito mais restrito do Brasil. Poderíamos afirmar que o
balanço é mais alentador. Houve notáveis avanços na década de 90
no que diz respeito à colocação de temas ambientais na agenda
política nacional, ao crescimento do setor ambiental governamental
- tanto institucional quanto financeiramente - e à promulgação de
uma série de leis ambientais; práticas que colocam o país na van-
guarda de certas questões ambientais no plano mundial.
Apesar desses avanços, o Brasil ainda está longe de resolver seus
múltiplos problemas ambientais. O ritmo de contaminação e destruição
ambiental no país, na última década, roi muito acelerado, e as ações
em prol da proteção ambienta! continuam sendo débeis diante das
forças do desenvolvimento ambientalmente degradante, muitas
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Polit.cas arr-bientais no Brasil - Análises, instrumentos e experiências
vezes estimuladas pela intensa demanda procedente dos mercados
nacional e internacional. Embora os recursos financeiros para os
programas arnbientais tenham aumentado significativamente na déca-
da de 90, ainda são pífios quando comparados com os recursos
disponíveis para atividades de degradação ambiental. Em suma, dados
o tamanho dos problemas arnbientais que o país sofre e a demora
::0. resposta pua confrontá-tos, o processo de elaboração e imple-
rnentacào de políticas arnbientais eficazes no Brasil ainda está em
urna fase incipiente.
A consolidação da ação ambiental no Brasil
A preocupação com a devastação ambienta! no Brasil data de séCULOS,
como bem mostra Pádua (2002); porém essas vozes ocuparam um
lugar marginal dentro do pensamento nacional. Houve um surto de
atividade conservacionista na década de 1930, época em que os
primeiros Parques Nacionais foram estabelecidos e os primeiros códigos
ambientais, apenas promulgados. Mas, nos últimos 25 anos, houve
urna intensa preocupação com a problemática ambiental por um
amplo leque de grupos sociais, a qual está intimamente vinculada
à visibilidade da degradação arnbiental em todas as regiões do país.
Sem dúvida, foram as aceleradas taxas de desrnatamento da floresta
tropical amazônica que ganharam destaque de início, mas houve
tambén preocupação e mobilizacão social em torno de outras questões
ambientais: poluição do ar e da água nos principais centros metropo-
litanos; perigos radioativos da energia nuclear: con.aminacào dos
solos pelo uso abusivo dos agrotóxicos na agricultura; avanço da
desertificaçào nas regiões serm-áridas do país; superconcentração
demo gráfica nos grandes centros urbanos; extínção de espécies
animais: esgotamento de certos recursos naturais etc.
O crescimento do interesse por esses problemas ambientais coin-
cidiu com o surgimento de novos (ou renovados) movimentos sociais
a partir da segunda metade da década de 70. Na década de 80, houve
um fortalecimento desses movimentos mediante sua crescente
rnobihzaçào social, o que serviu para canalizar o processo da
Introdução
redemocratização da sociedade brasileira depois de duas décadas de
governos militares. O movimento ambientalista nacional, nas suas
distintas vertentes, participou ativamente desse processo e recebeu o
apoio do movimento ambienta lista internacional. Além da expansão
das vertentes conservacionista (focalizada na proteção da biodiver-
sidade) e estatista (focalizada no controle da poluição), nessa época
surgiu uma nova vertente (a socioarnbientalista) que conseguiu conju-
gar as reivindicações políticas e sociais com as de ordem territorial e
ambiental (Viola, 1992). Nessa vertente, os seringueiros da Amazônia
e omovimento dos atingidos pelas barragens destacaram-se pela maneira
com que incorporam a variável ambiental as suas lutas sociopoliticas.
O Congresso Constituinte de 1987-88 foi um fator culminante
dessa fase da política nacional e resultou na promulgação de uma
nova Constituição Federal, a qual incorporou muitas das reivindica-
ções da sociedade civil. Quanto à problemática ambiental, o artigo
225 foi dedicado exclusivamente ao meio ambiente e estabeleceu,
pela primeira vez na história do país, que "todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida".
Nessa mesma década, o ambientalismo ganhava força no plano
internacional, particularmente no âmbito das Nações Unidas. A
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, estabe-
lecida em 1983 para avaliar e fazer recomendações sobre o estado
dos embates entre desenvolvimento e meio ambiente no planeta,
contou com a participação de vários brasileiros e realizou uma visita
investigativa ao país antes de publicar seu relatório final, em 1987,
intitulado Nosso Futuro Comum (CMMAD, 1988). O conceito de
desenvolvimento sustentável foi estabelecido no relatório como uma
meta fundamental para todos os países. Com a realização no Rio de
Janeiro, em 1992, da Conferência das Naçôes Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento e do Fórum Global, nos quais milha-
res de representantes governamentais e da sociedade civil reuniram-
se e discutiram uma ampla pauta de temas ambientais, o Brasil
tornou-se uma referência importante nas discussões mundiais sobre
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Políticas ambientais no Brasil - Análises, instrumentos e experiências
o meio ambiente, fator que serviu para fortalecer o movimento
ambientalista nacional.
Um dos resultados práticos dessas múltiplas discussões, pressões
políticas e mobilizações sociais em torno da questão ambiental foi
a expansão da ação governamental brasileira na área. Nos anos
posteriores à Constituinte, vários programas e instituições governa-
mentais foram estabelecidos para atender à crescente demanda por
soluções para os problemas ambientais do país. A criação do Ibama,
mediante a fusão de quatro agências, e a implementação do programa
Nossa Natureza, ambos em 1989, foram seguidas, em 1990, pelo
estabelecimento do Fundo Nacional do Meio Ambiente, como pane
do Programa Nacional do Meio Ambiente, para financiar variados
projetos ambientais com base nas solicitações procedentes das organi-
zações governamentais e não-governamentais brasileiras.
Em 1992, o acordo que criava o Programa Piloto para a Proteção
das Florestas Tropicais do Brasil foi assinado - porém, só começou
a funcionar em 1995 - e recebeu apoio financeiro do Grupo dos Sete
Países lndustrial izados (G-7) e do governo brasileiro. Em 1993, a
Secretaria de Meio Ambiente foi transformada em Ministério de Meio
Ambiente e ampliou suas responsabilidades. Dois programas de finan-
ciamento ambiental- o Projeto de Conservação e Utilização Sustentá-
vel da Diversidade Biológica Brasileira (Probio) e o Fundo Brasileiro
para a Biodiversidade (Funbio) - foram estabelecidos em 1996 para
dar apoio à Política Nacional de Biodiversidade. É importante ressaltar
que o crescimento na ação ambientalista governamental aconteceu
na contramão da ideologia neoliberal- em voga durante toda a
década de 90 - que pregava a redução no tamanho e no orçamento
do Estado, mostrando, assim, a força com que o tema ambiental
entrou no país (Ribeiro &: Little, 1998).
A consolidação institucional da maneira pela qual o governo
deveria tratar as questões ligadas ao meio ambiente, na primeira
metade da década de 90, foi seguida pela atualização da legislação
ambienta} na segunda metade dessa mesma década. Em quatro anos
consecutivos, uma importante legislação foi promulgada - Lei de
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Introdução
Recursos Hídricos (n? 9.433 de 1997), Lei de Crimes Ambientais (n?
9.605 de 1998), Lei de Educação Ambiental (n? 9.795 de 1999), Lei
do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (n? 9.985 de 2000).
Essas e outras leis, com várias medidas provisórias, não só normati-
zaram as ações ambientais no país, mas - o que é mais importante
ainda - criaram novos instrumentos políticos e instâncias públicas
para sua efetiva implementação.
O setor empresarial também começou a preocupar-se com a
problemática ambiental, embora não com a mesma força da socieda-
de civil e do governo, em parte devido à sua situação de fonte
importante de poluição e destruição ambiental. Todavia, um "merca-
do verde" ~ isto é, demanda por produtos que contenham algum tipo
de valor ambiental agregado - cresceu na década de 90, e um núcleo
pequeno de empresas brasileiras começou a atendê-lo. Esse mercado
incluiu os "produtos certificados", em que um determinado bem
recebe um selo que garante que sua produção foi feita com base em
um sistema de manejo ambiental e/ou beneficiou um grupo social
que cumpre funções de proteção a~biental. Outro tipo de certifica-
ção é o selo ISO 14000, outorgado pela lnternational Standards
Organization, certificando que os bens em venda foram produzidos
de maneira que minimizaram o dano ambiental.
Os desafios sociais e técnicos das políticas ambientais
A consolidação da ação ambiental por parte da sociedade civil orga-
nizada, nas décadas de 70 e 80, juntamente com a expansão, nas
décadas de 80 e 90, das agências e instituições de financiamento
ambientais governamentais conduziram a uma ampliação significativa
do espaço público dedicado à questão ambiental. Nesse novo momen-
to, o conceito do "público" não fica restrito ao âmbito do Estado,
mas incorpora as porções da sociedade civil e do setor privado
preocupadas com a qualidade do meio ambiente como bem coletivo.
O conceito de "políticas" também amplia-se para referir-se às normas
técnicas e sociais, estabelecidas por uma coletividade pública, a
serem utilizadas na administração do domínio público. Assim, o
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Políticas ambientais no Brasil - Análises, instrumentos e experiências
conceito de "políticas públicas" ganha um novo sentido: o conjunto
de decisões inter-relacionadas, definido por atores políticos, que tem
como finalidade o .ordenarnento, a regulação e o controle do bem
público. Para tanto, "políticas ambientais" seriam aquelas políticas
públicas que procuram garantir a existência de um meio ambiente
de boa qualidade para todos os cidadãos do país. Desse novo e
ampliado conceito de políticas ambientais, surge uma série de de-
safios sociais e técnicos.
O primeiro desafio consiste em lidar com um conjunto heterogêneo
de atores políticos, sejam eles instituições e agências governamen-
tais, movimentos sociais, entidades produtivas, sindicatos, organiza-
ções ambienta listas, cientistas e pesquisadores ou simplesmente grupos
de cidadãos atingidos ambientalmente por uma determinada ativida-
de. Ou seja, elaboração e implernentação de políticas ambientais
fundamentam-se em um processo social que envolve todos os atores
sociais afetados por uma problemática ambiental determinada. Na
medida em que os interesses desses variados grupos são divergentes,
ou mesmo contraditórios, a meta comum de um meio ambiente sadio
para todos teria de nortear os debates e as ações.
Com a incorporação dessa diversidade de alares sociais no plano
das políticas arnbientais, a questão de sua participação efetiva na
elaboração e implementação dessas políticas surge como outro desa-
fio. Nos últimos anos, a temática da participação tem sido muito
importante no âmbito das políticas ambientais, porém nem sempre
foi implementada de forma a garantir uma participação consciente
e efetiva. Em muitos casos, a participação limita-se à realização de
uma audiência pública, na qual muitas pessoas conseguem expressar
sua opinião, para depois criar-se um pequeno grupo de pessoas que
toma a decisão final com base nos seus próprios critérios. Para ser
realmente plena, a participação requer envolvimento em todas as
etapas do processo de formulação e gestão de políticas ambientaís:
desde a fase de elaboração, passando pela implementação e conti-
nuando no monitorarnento e na avaliação. A eficácia da participação
também depende do acesso de todos à informação de boa qualidade
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Introduçáo
e da institucionalização de mecanismos de poder sobre a tomada
de decisões.
Além dos desafios de ordem social, existem outros de ordem
técnica. Os problemas ambientais não são adequadamente tratáveis
mediante abordagens setoriais, tal como ocorre nos setores de agricul-
tura, indústria, energia, minas ete. O fator "meio ambiente" afeta
cada setor de maneira diferente, de tal modo que, idealmente, cada
setor deve incorporar a dimensão ambiental às suas ações. O setor
agrícola teria um conjunto próprio de políticas diante dos problemas
produzidos, por exemplo, pelos agrotoxícos, diferente do conjunto
de políticas adotado pelo setor industrial para confrontar o problema
dos poluentes industriais. Em outras palavras, os problemas ambientais
cruzam transversalmente todos os setores produtivos e, por esse
motivo, precisam ser resolvidos em cada setor com base em um
programa integrado de políticas arnbientais.
A transversalidade conduz diretamente a outro desafio: revisar
e modificar as formas vigentes de desenvolvimento econômico
fundamentadas em séculos de práticasdestruidoras do meio biofisico.
O discurso do desenvolvimento sustentável, que se consolidou na
década de 80, representa um passo nessa. direção, mas não és Iiciente
para responder a esse dilema. A experiência dos últimos dez anos
mostrou que é muito mais fácil falar sobre desenvolvimento susten-
tável do que colocá-lo em prática. Mudar as práticas vi gentes de
desenvolvimento requer que as formas atuais de atividade produti-
va, sustentadas por pesados interesses econômicos, sejam confronta-
das. Essa tarefa tem sido extremamente difícil, como demonstram
os embates internacionais no âmbito das negociações em torno das
mudanças climáticas.
Outro desafio refere-se aos diversos níveis nos quais a política
ambienta! se faz: local, estadual, regional, nacional, continental e
mundial. Cada nível tem seus problemas arnbientais próprios e, por-
tanto, atores sociais especificas para atendê-Ias. Assim, as políticas
ambientais precisam ser moldadas para responder à especificídade
de cada nível. Em muitos casos, políticas que funcionam no nível
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Políticas ambientais no Brasil - Análises, instrumentos e experiências
local não são aplicáveis no nível nacional; e as do nível nacional,
por sua vez, não são adequadas para responder aos problemas pla-
netários. Vinculado a este desafio está o estabelecimento de meca-
nismos específicos de participação para cada nível.
Sobre este livro
Os autores dos artigos aqui reunidos são profissionais que trabalham
diariamente com políticas ambientais, seja no âmbito do governo
federal, estadual ou municipal, seja no âmbito da sociedade civil
organizada. As experiências analisadas gozam de um profundo conhe-
cimento por parte dos autores, por serem eles atores sociais diretamente
envolvidos com elas. Além disso, os autores procedem das cinco
regiões do país, oferecendo, assim, uma visão sobre os problemas
específicos de cadaregião, juntamente com óticas próprias para sua
solução, o que facilita comparações entre a situação ambiental de
cada uma delas.
Quando tomados no seu' conjunto, os artigos apresentam um
grande mosaico das políticas ambientais do Brasil. Tratam de seis
temáticas que demandam ações urgentes e qualificadas: políticas
de desenvolvimento, políticas ambientais locais, áreas protegidas,
recursos hídricos, análise crítica de políticas ambientais e desen-
volvimento sustentável. Dados a diversidade de experiências que
os autores trazem para reflexão e o alto grau de comprometimento
que eles têm com a problemática ambiental, o leitor encontrará
neste livro um claro viés crítico, fundamentado no interesse cole-
tivo dos autores em melhorar o quadro de políticas ambientais do
país. Mas eles não ficam simplesmente no plano crítico. Os autores
fazem propostas, lançam recomendações e, é claro, polemizam com
os poderes estabelecidos, sempre com o intuito de ampliar nosso
entendimento geral sobre as políticas ambientais e de facilitar o
processo de participação.
Em suma, o leitor tem em mãos uma série de reflexões profun-
das sobre as políticas ambientais no Brasil. Este livro não pretende
ser um exame exaustivo das políticas ambientais. Pelo contrário,
20
Introdução
consideramos que representa o início de um longo e necessano
debate sobre esse tema, do qual toda a sociedade brasileira está
convidada a participar.
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