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AVALIAÇÃO DO TRATAMENTO DE ESGOTOS SANITÁRIOS EM LAGOAS DE ESTABILIZAÇÃO TENDO EM VISTA A UTILIZAÇÃO DO EFLUENTE NA AGRICULTURA E PISCICULTURA Rafael K. X. Bastos (*) Universidade Federal de Viçosa-MG, Brasil Paula D. Bevilacqua Universidade Federal de Viçosa-MG, Brasil Fernando L. Nunes Universidade Federal de Viçosa-MG, Brasil Glaúcio P. Soeiro Universidade Federal de Viçosa-MG, Brasil Carolina V. Silva Universidade Federal de Viçosa-MG, Brasil Anderson S. Freitas Universidade Federal de Viçosa-MG, Brasil (*)Engenheiro Civil (UFJF), Especialização em Engenharia de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ), Ph.D. em Engenharia Sanitária (University of Leeds), Professor Adjunto - Departamento de Engenharia Civil, Universidade Federal de Viçosa (UFV), Chefe da Divisão de Água e Esgotos da UFV Universidade Federal de Viçosa, Departamento de Engenharia Civil, 36571-000, Viçosa - MG. Fone/Fax: (0XX31) 3899-2356. e-mail: rkxb@ufv.br RESUM0 De outubro de 2001 a maio de 2002, procedeu-se o monitoramento de um sistema constituído por um reator anaeróbio em escala real, seguido por uma série de três lagoas de estabilização em escala piloto. O efluente é utilizado em experimentos de irrigação e piscicultura. A qualidade bacteriológica ao longo do sistema foi de: 2,4x 106 E.coli/100mL; 1,1x 105 E.coli/100mL; 1,8x 103 E.coli/100mL, 3,5x 101 E.coli/100mL (média geométrica), respectivamente, nos efluentes do reator e das três lagoas. Com um tempo de detenção total de 27 dias, a remoção de .E. coli alcançou o excelente desempenho de 99,9997%. O efluente da segunda lagoa, após 18 dias de tempo de detenção já atingia qualidade bacteriológica próxima à das recomendações da OMS para a irrigação irrestrita (103 E.coli/100mL). No efluente da primeira lagoa, ovos de helmintos foram encontrados em apenas um evento de amostragem, quando o TDH de projeto de 9,0 dias foi superado. O sistema apresentou também excelente desempenho físico-químico, alcançando os seguintes valores de remoção: 95% DBO, 89,6% DQO filtr, 87,3% N- NTK, 91,9 % N-NH3, 56% P-total, e produzindo efluentes de todo propícios à irrigação e, ou, piscicultura, tanto do ponto de vista físico-químico quanto microbiológico. Palavras Chave: Esgotos sanitários; lagoas de estabilização; tratamento; utilização agrícola e piscícola. INTRODUÇÃO Um dos aspectos mais importantes da utilização de esgotos sanitários na agricultura, o de saúde pública, é ainda objeto de grandes controvérsias no seio da comunidade científica internacional. De um lado, encontram-se as normas e padrões que preconizam a utilização de efluentes para a irrigação irrestrita com qualidade microbiológica próxima dos padrões de potabilidade de água, ou seja a, a virtual ausência de indicadores e patogênicos, incluindo vírus e protozoários (ASANO, et al., 1992; USEPA,1992). Em geral estão baseados nos critérios da Califórnia (EUA) e encontram-se justificados na teoria que se convencionou chamar de “risco nulo” (SHUVAL, 1987). De outro lado, encontram-se os critérios recomendados pela Organização Mundial da Saúde(OMS) em 1989, desenvolvidos a partir de modelos teóricos e evidências epidemiológicas, além das informações então disponíveis sobre a eficiência de remoção de patógenos, principalmente por meio de lagoas de estabilização. Com base nesta abordagem, os riscos de transmissão de doenças associados à irrigação com esgotos sanitários foram assim categorizados, de acordo com os respectivos agentes etiológicos: (i) alto risco - helmintos; (ii) médio - bactérias e protozoários; (iii) baixo – vírus ; em resumo, prescrevem a virtual ausência de parasitas nos efluentes (< 1 ovo de helmintos/L), reconhecidos como agentes dos principais problemas de transmissão de doenças, e adotam um padrão bacteriológico bem mais flexível (< 1.000 CF/100 mL). Desde a publicação das recomendações da OMS, diversos estudos vêm sendo conduzidos no sentido de sua avaliação, desde o ponto de vista de riscos potenciais e reais à saúde (AYRES et al., 1992; BASTOS & MARA, 1995; BLUMENTHAL et al, 1992; 1996). O estado da arte do conhecimento sobre os riscos de saúde associados à utilização de esgotos sanitários para irrigação, sugere as seguintes observações em relação às recomendações originais da OMS: (i) validação do padrão bacteriológico (103 CF/100 mL) para irrigação irrestrita; (ii) a propriedade do estabelecimento de um padrão parasitológico mais exigente (≤ 0,1 ovo de helmintos /L) para a irrigação irrestrita; (iii) a propriedade do estabelecimento de um padrão bacteriológico (≈104 CF/100 mL) para a irrigação restrita; (iii) a confirmação da inexistência de justificativas epidemiológicas para o estabelecimento de um padrão explícito para vírus; (iv): a persistência de dúvidas em relação à necessidade de um padrão explícito para protozoários .(BLUMENTHAL, et al, 2000). Os critérios de qualidade microbiológica originalmente sugeridos pela OMS para a utilização de efluentes na piscicultura foram os seguintes : ≤ 103 CF/100 mL no tanque de piscicultura ou ∼104 CF/100 mL no afluente ao tanque de piscicultura e ausência de ovos de helmintos (trematóides) (WHO,1989). À exemplo da utilização agrícola, diversos estudos vêm sendo conduzidos no sentido da avaliação dos critérios da OMS, desde o ponto de vista de riscos potenciais e reais à saúde (MOSCOSO et al, 1990; BLUMENTHAL et al, 1992; EDWARDS, 1992; STTRAUSS, 1995). O estado da arte do conhecimento, sugere as seguintes observações em relação às recomendações originais: (i) validação do padrão bacteriológico (103 CF/100 mL no tanque de piscicultura); (ii) a propriedade do estabelecimento de um indicador auxiliar, por exemplo, contagem total de bactérias heterotróficas na água (UFC/100 mL) e no músculo de peixes (UFC/g). Vários autores têm se dedicado à modelagem da remoção de indicadores e patógenos em lagoas, contribuindo para o estabelecimento de bases racionais de projeto. Em geral, os modelos de remoção de matéria orgânica e coliformes em lagoas de estabilização admitem cinéticas de remoção de primeira ordem (von SPERLING, 1996) e, dentre os fatores intervenientes, além do tempo de detenção hidráulica, ganha cada vez mais destaque a profundidade das lagoas, sendo que em lagoas mais rasas os seguintes mecanismos vêm-se potencializados: penetração dos raios ultravioletas, elevação do pH e do OD (von SPERLING, 2000). Mais recentemente, surgiram também as primeiras contribuições de modelos e critérios racionais de projeto para a remoção de helmintos em lagoas (AYRES et al., 1992; SAQQAR e PESCOD, 1992). Alguns questionamentos têm sido levantados em relação à suficiência de dez dias de tempo de detenção para se obter um efluente com < 1 ovo de helminto/L (GRIMASON et al., 1995; SAQQAR e PESCOD, 1992), muito embora outros estudos sugiram o contrário (BASTOS et al.,1998). Por outro lado, o emprego do padrão < 1 ovo de helminto/L como indicador da remoção dos diversos organismos sedimentáveis também vem sendo motivo de questionamento, principalmente em relação aos cistos de protozoários (GRIMASON et al., 1993) Efluentes de lagoas de estabilização, potencialmente, contêm nutrientes suficientes para atender as demandas na aplicação para fins produtivos (agricultura e piscicultura). Na agricultura, o manejo –chave encontra-se no balanço adequado entre a demanda de água e de nutrientes das plantas, sendo, em geral, o nitrogênio o fator limitante. Outros aspectos relativos à qualidade da água para irrigação, dizem respeito aos riscos de salinidade, sodicidade e toxicidade (AYERS & WESTCOT, 1991). Sais em excesso podem se acumular no solo em torno da zona radicular, prejudicando a absorção de água pelas plantas; excesso de sódio em relação às concentrações de cálcio e magnésio podem prejudicar a permeabilidade do solo, além de em si, apresentar toxicidade às plantas.Em relação à qualidade da água para a piscicultura, novamente o nitrogênio aparece como fator limitante, dado seu potencial tóxico para os peixes, principalmente na forma de amônia (TAVARES,1995). Neste sentido, o tratamento de águas residuárias em lagoas de estabilização ganha destaque, particularmente em lagoas rasas, em vista da elevada capacidade de remoção de nitrogênio, essencialmente por volatilização de amônia. Em que pese a grande experiência acumulada no Brasil em lagoas de estabilização, alguns refinamentos fazem-se necessários; por exemplo, o ajuste de modelos estimativos da qualidade microbiológica e físico-química de efluentes, com vistas ao planejamento integrado de sistemas de tratamento e reuso de águas residuárias, adaptáveis às diferentes regiões do país, dada a grande variedade de condições climáticas. DESCRIÇÃO DA UNIDADE EXPERIMENTAL A unidade experimental localiza-se no bairro Violeira da cidade de Viçosa, Estado de Minas Gerais, Brasil. A estação de tratamento de esgotos (ETE) experimental é constituída por um reator anaeróbio em escala real, pré- fabricado em aço, seguido de uma série de três lagoas de estabilização em escala piloto, pré-fabricadas em fibra de vidro, com as seguintes características: volume (V) = 14,6 m3; altura de lâmina (h) = 0,90 m; área superficial = 16,22 m2; comprimento/largura (L/B) = 1,8. O reator anaeróbio recebe a contribuição de esgotos sanitários de cerca de 600 habitantes, sendo que, do efluente do reator, em torno de 2m3/dia são encaminhados ao sistema de lagoas. O sistema entrou em operação no dia 30.08.2001, sendo inicialmente controlado de forma a garantir o funcionamento da lagoa 1 como facultativa – controle de vazões e cargas orgânicas afluentes, resultando em flutuações no tempo de detenção hidráulica (TDH) da série de lagoas (Tabela 1). O efluente da terceira lagoa alimenta a unidade de piscicultura, em experimentos de avaliação de produtividade e da qualidade sanitária de tilápias do Nilo. O efluente da terceira lagoa é também utilizado na irrigação de milho e feijão, em experimentos de avaliação de produtividade agrícola. Adicionalmente, os efluentes das três lagoas são utilizados na irrigação de hortaliças em experimentos de avaliação da qualidade sanitária das culturas irrigadas. TABELA 1: Características operacionais do sistema de lagoas de estabilização Período Vazão (m3 /dia TDH (dias) 08-.09 2001 0.81 18 09-10 2001 1.08 13.5 10 2001-05 2002 1.50 9.7 05 202 - 2.00 7.3 AVALIAÇÃO DO SISTEMA DE TRATAMENTO E ANÁLISES LABORATORIAIS O sistema vem sendo monitorado semanalmente, por meio de amostragem composta, de 8:00 as 18:00h. Essencialmente, as análises físico-químicas e bacteriológicas seguiram as prescrições do Standard Methodos for the Examination of Water and Wastewater (APHA, 1999). A pesquisa de coliformes foi realizada utilizando o método cromogênico (Colilert e, ou, Fluorocult). A pesquisa de Salmonella obedeceu ao seguinte protocolo: pré-enriquecimento em água peptonada tamponada, enriquecimento seletivo em Rappaport- Vassiliadis e Caldo Selenito Cistina, plaqueamento diferencial em Ágar Xilose Lisina Desoxiciolato (XLD) e Ágar Bismuto Sulfito (BS), confirmação de colônias típicas em Ágar Tríplice Açúcar ferro (TSI), teste da uréase e testes sorológicos somático e flagelar polivalente. As análises parasitológicas foram realizadas com o emprego do método de Bailenger modificado (AYRES & MARA, 1996). RESULTADOS E DISCUSSÃO Na Tabela 2, encontram-se resumidos os resultados da caracterização físico-química do sistema de tratamento, no período de setembro de 2001 a fevereiro de 2002 O potencial fertilizante dos efluentes pode ser ilustrado a partir do seguinte exercício: considerando uma demanda de água para o cultivo de milho de 600 mm (0,6 m3/m2) e os teores de NPK registrados na Tabela 2, poder-se-ia estimar que ao final do período de irrigação teriam sido aplicados: L3: 30 kg N/ha, 20,4 kg P/ha, 78,9 Kg K/ha; L2: 52,8 kg N/ha, 30,9 kg P/ha; L1: 151,6 kg N/ha, 37,2 kg P/ha. Para o cultivo de feijão, considerando uma demanda de água de 450 mm: L3: 22,5 kg N/ha, 15,3 kg P/ha, 59,2 Kg K/ha; L2: 39,6 kg N/ha, 23,2 kg P/ha; L1: 100,35 kg N/ha, 27,9 kg P/ha. Por outro lado, a recomendação de adubação para o milho seria de 65 kg N/ha, 26 kg P/ha, 38 Kg K/ha e, para o feijão, de 55 kg N/ha, 31 kg P/ha, 37 Kg K/ha (CFSEMG, 1989). Em resumo, a fertirrigação com o efluente da terceira lagoa, não seria suficiente para satisfazer as demandas de N e P; com o efluente da segunda lagoa permaneceria algum défice de N, principalmente para o feijão e, de outro lado, com o efluente da primeira lagoa haveria aplicação em excesso de N. TABELA 2: Caracterização físico-química dos efluentes do sistema de tratamento (médias) (set 2001- maio 2002) Parâmetro EB RA L1 L2 L3 DBO 326,5 93,90 64,25 32,10 17,13 DQO 648,80 258,85 203,80 180,60 115,40 DQO filtr - - 70,82 69,90 67,20 N-NTK 21,0** 39,25 22,30 8,80 5,00 N-NH3 17.60** 36,23 17,60 5,40 2,95 N-0rg 3.40** 2,10** 4,70 3,35 1,95 N-N03 2,10** 1,10 1,03 1,34 0,70 P-total 6,20** 7,75 6,20 5,15 3,40 K - - - - 13,15 SS** - - 108,70 54,70 82,70 Clorofila** - - 1.153,99 1.171,71 1.420,95 pH - 7,2 8,1 8,8 9,8 Ca - - - - 7,0 Mg - - - - 2,11 Na - - - - 43,65 RAS - - - - 2,79 Cu - - - - ND Mn - - - - ND Fe - - - - 0,14 Zn - - - - 0,001 CE - - - - 297,17 EB: esgoto bruto; RA: reator anaeróbio; Li: efluentes da primeira, segunda e terceira lagoas. *resultados em mg/L, exceto pH, RAS ( adimensional), clorofila (µg/L), condutividade elétrica (µS/cm) ** período de fev-maio 2002 Com base nas diretrizes para interpretar a qualidade da água para irrigação (AYERS & WESTCOT, 1991), a condutividade elétrica (CE) do efluente final apresentaria grau de restrição para uso (problemas potenciais de salinidade) apenas de ligeira a moderada; analisando em conjunto os valores da razão de adsorção de sódio (RAS) e CE, não haveria qualquer restrição de uso em termos de problemas potenciais de infiltração. Em resumo, na seleção de culturas dever-se-ia evitar as mais sensíveis e, em tese, o efluente poderia ser aplicado aos mais diversos tipos de solo. Cabe registrar que as culturas deste experimento, milho e feijão, poderiam ser classificadas, respectivamente, como moderadamente sensível e sensível. A eventual deficiência de nutrientes para a fertirrigação encontra justificativa no excelente desempenho do sistema, sendo que a remoção total dos diversos parâmetros alcançou os seguintes valores: 95% DBO, 89,6% DQO filtr, 87,3% N-NTK, 91,9 % N-NH3, 56% P-total. As próprias características do sistema de lagoas - escala piloto, baixa profundidade (0,90 m) - propiciando uma intensa produção de algas e elevação significativa do pH e OD, ajudam a explicar os reduzidos teores de nitrogênio na “ponta” do sistema. A 20 o C e pH em torno de 9,5, cerca de 50% da amônia encontra-se na forma de NH3 (volatilizável) e 50% na forma de NH4+ . Em lagoas de maturação, o mecanismo da volatilização da amônia tende a ser acentuado, já que, em profundidades mais reduzidas, a intensa atividade fotossintética e, consequentemente, a considerável elevação de pH, distribui-se ao longo de toda a coluna d’água. Adicionalmente, nas lagoas de maturação, o desprendimento de bolhas de oxigênio da fase líquida supersaturada pode acelerar o desprendimento de NH3 (van HAANDEL e LETTINGA, 1994). Em geral, admite-se que a eficiência de remoção de nitrogênio situe-se entre 30-50% e 70%, respectivamente, em lagoas facultativas e de maturação (van HAANDEL e LETTINGA ,1994; SOARES et al, 1995), o que, em linhas gerais, encontra correspondência nos resultados da Tabela 2, se considerarmos a primeira lagoa como facultativa e as demais como de maturação. A remoção média de amônia naslagoas 1,2 e 3 foi de, respectivamente, 51%, 70% e 46%. A título de comparação, os valores obtidos para as lagoas 1 e 2 encontram razoável congruência com modelos sugeridos de remoção de amônia em lagoas (equações 1 e 2), enquanto o da lagoa 3 revela-se algo inferior. ] 6,6)(pH x (1,540 e . (A/Q) . 3-5,035x10 [1 oC eC −+ = equação (1) }]6,6)(pH x60,6 t[K.{ oe e.CC −+−= equação (2) onde: Co = concentração afluente (mg/l) Ce = concentração efluente (mg/l) Q = vazão afluente (m3/d) A = área superficial da lagoa (m2) T = temperatura do líquido (oC) pH = pH na lagoa t = tempo de detenção hidráulica na lagoa (d) K = coeficiente de remoção (d-1), sendo K = 0,0064x1,039 (T-20) A remoção de fósforo decorre, essencialmente, da precipitação de fosfatos em pH elevado, geralmente superiores a 9. Em lagoas facultativas, a eficiência de remoção é, usualmente, inferior a 35%, mas em lagoas de maturação mais rasas pode alcançar 60 - 80% (von SEPRLING, 1996). Novamente, os resultados obtidos encontram certa consistência com os registros de literatura – remoção crescente ao longo do sistema de lagoas, de 20-30% Os teores de nitrogênio reconhecidamente tóxicos para peixes situam-se em torno de 0,5 mg/L de nitratos e 0,6-2,0 mg/L de amônia (TAVARES,1995). Admitindo que da concentração total de amônia, cerca de 83% encontre-se na forma de amônia não-ionizada (NH3) – a forma tóxica aos peixes, sua concentração no efluente da lagoa 3 , seria em torno de 2,45 mg/L (equação 3) (THURSTON et al, 1981), próxima aos limites tóxicos, assim como a de nitrato. Entretanto, nos tanques experimentais de piscicultura, os teores de amônia sofreram decréscimo adicional, mantendo-se entre 0,4-0,6 mg/L. pH - 273,20)] (T / 2729,92 [0,0918 101 1 3NH % +++ = equação (3) TEIXEIRA FILHO (1991) adaptou para a piscicultura, a metodologia de cálculo do Índice de Qualidade da Água (IQA) - tradicionalmente utilizada na avaliação da tratabilidade da água para consumo humano (equação 4), considerando os seguintes parâmetros: coliformes fecais, pH, DBO, Nitrogênio total, Fósforo, temperatura, turbidez, sólidos totais, OD. Aplicando tal metodologia às características do efluente da lagoa 3, o mesmo poderia ser classificado com de boa qualidade para a piscicultura. IQA = Π n. qi wi equacão (4) i=1 sendo n= número de parâmetros wi= peso atribuído a cada parâmetro qi= índice de qualidade em função da concentração de cada parâmetro Os coeficientes de decaimento bacteriano (Kbcalc 20) de cada lagoa foram determinados a partir do modelo de escoamento em fluxo disperso e do resultado do monitoramento. Para efeito de comparação, a partir das características das lagoas, foi estimado os coeficiente de decaimento bacteriano (Kbest 20 = 0,52 d-1) com base no modelo proposto por von SPERLING (2000) (equação 5). Os valores de Kbcalc20 e a respectiva eficiência de remoção de coliformes encontram-se na Tabela 3; ilustra-se na Figura 1 o decaimento bacteriano, com base na médias geométricas de densidades de coliformes em todo o período de operação do sistema. Kbcalc 20 foi determinado para cada evento de amostragem e, a partir dos quais, os respectivos valores médios mensais e de todo o período. As temperaturas médias mensais da água residuária nas lagoas foram as seguintes: out.2001 - 23,7oC, nov 2001 - 25,7oC, dez 2001 - 25,5oC, jan 2002 - 26,0oC, fev 2002 - 27,0oC, mar 2002- 26,5oC, abr 2002 - 27,0oC, mai 2002 - 19,9oC. Kb disp = 0,917 H – 0,877. TDH – 0,329 equação (5) Os valores de Kbcalc20 guardam boa correspondência com o modelo teórico até a lagoa 2, enquanto na lagoa 3 o coeficiente calculado revelou-se bem superior ao estimado. O sistema demonstrou um excelente desempenho de remoção bacteriana (crescente ao longo da série de lagoas), o que também pode ser creditado às suas próprias características ─ profundidade reduzida, intensa produção de algas e elevação significativa do pH e OD (também crescente ao longo da série ). É de se notar o decaimento mais acentuado de E.coli em relação aos coliformes totais ao longo do sistema. Em cerca de 18 dias de TDH, o sistema já produz um efluente final próximo ao recomendado para a irrigação irrestrita e plenamente de acordo com os critérios sugeridos para a piscicultura. No esgoto bruto e no efluente do reator, helmintos (preponderantemente Ascaris lumbricoides) e cistos de protozoários foram, respectivamente, sistemática e eventualmente detectados. No efluente da primeira lagoa, ovos de helmintos foram encontrados em apenas um evento de amostragem (19.04 – 1,6 ovos Ancilostomídeo/L), quando inadvertidamente, por falhas no controle da vazão afluente, o TDH de 9,0 dias foi superado. Salmonellae mostraram-se presentes, de forma errática, apenas em amostras do esgoto bruto e no efluente do reator anaeróbio. Os resultados corroboram a sugestão da suficiência de TDH de 10 dias para a remoção de parasitas. 1,00E+00 1,00E+01 1,00E+02 1,00E+03 1,00E+04 1,00E+05 1,00E+06 1,00E+07 1,00E+08 C.T E.coli C.T 7,71E+07 8,63E+06 3,87E+05 1,89E+04 9,18E+02 E.coli 1,30E+07 2,45E+06 1,10E+05 1,86E+03 3,53E+01 E.B R.A L1 L2 L3 Figura 1: Decaimento de coliformes ao longo do sistema de tratamento (médias geométricas). TABELA 3: Coeficientes de decaimento bacteriano e eficiência de remoção no sistema L1 L2 L3 Kb CT Kb E.coli Kb CT Kb E.coli Kb CT Kb E.coli 0,51 d-1 0,60 d-1 0,66 d-1 0,61 d-1 1,06 d-1 1,57 d-1 E(%) E(%) E(%) CT E.coli CT E.coli CT E.coli 95,521 95,523 95,121 98,300 93,943 98,109 E acumulada (%) E acumulada (%) 99,781 99,924 99,943 99,9986 E total (%) Li= lagoas em série; E acumulada = no sistema de lagoas E total= em relação ao esgoto bruto 99,9985 99,9997 Na tabela 4, apresenta-se a caracterização parasitológica do esgoto sanitário TABELA 4: Pesquisa parasitológica Mês 0rganismos encontrados Esgoto bruto Efluente do reator Lagoa 1 10/01* 10,3 ovos helmintos 5,5 cistos Giardia 5,5 ovos helmintos ND 11/01 ND ND ND 12/01** larvas Enterobius (2) larvas Enterobius (1) ND ½** ovos Ancilostomídeo(2) larvas Strongyloides cistos Entamoeba (1) larvas Strongyloides ovos Enterobius (1) ND 02/02* 3,8 ovos helmintos 1,7 ovos helmintos ND 03/02* 4,1 ovos helmintos 0,8 ovos helmintos ND 04/02* 4,7 ovos helmintos 3,7 ovos helmintos 1,6 ovos helmintos *** 05/02* 40,8 ovos helmintos 2,0 ovos helmintos ND *método Bailenger modificado ** Lâmina *** amostra pontual ( 10.04) CONCLUSÕES Os resultados obtidos confirmam a capacidade de sistemas de lagoas de estabilização em produzir efluentes de excelente qualidade físico-química e microbiológica e de todo propícios à prática da irrigação e, ou, piscicultura. A elevada remoção de amônia e o acentuado decaimento bacteriano, resultaram em um efluente final, cuja qualidade, permite sua aplicação na irrigação irrestrita (inclusive de culturas ingeridas cruas) e na piscicultura, sem maiores preocupações de riscos potenciais à saúde associados à qualidade dos produtos cultivados (alfaces e tilápias), além de problemas potenciais de toxicidade aos peixes (assertivas estas confirmadas em experimentos complementares). Por outro lado, o excelente desempenho do sistema na remoção de nutrientes pode levar à inversão de um dos problemas-chave na fertirrigação com esgotos sanitários: o nitrogênio, em geral em excesso pode se tornar escasso. De toda sorte, os resultados indicam a plena possibilidade da otimização e planejamento integrado de sistemas de tratamento em lagoas de estabilização e aplicação produtiva na agricultura e piscicultura. Na mais complexa, ou completa, das situações pode-se muito bem imaginar a múltipla utilização de efluentes deséries de lagoas para a irrigação restrita e, ou, irrestrita, de acordo com a respectiva qualidade microbiológica, adequando-se, além disso, a seleção de culturas e, ou, a opção pela piscicultura aos variados teores de nutrientes possíveis de serem obtidos. Para tanto, torna-se necessário o ajuste e o refinamento de modelos de decaimento bacteriano e remoção de N e P, cujas variáveis de possível manipulação e de maior destaque seriam o tempo de detenção e a profundidade das lagoas. Agradecimentos. – Este trabalho é parte de um projeto de pesquisa no âmbito do PROSAB - Programa de Pesquisa em Saneamento Básico, financiado e gerenciado pela FINEP- Financiadora .de Estudos e Projetos do Ministério de Ciência e Tecnologia. Os autores agradecem o apoio, aporte de recursos e de bolsas de pesquisa. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS APHA, AWWA, WEF. 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