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TRABALHO SUCESSÃO E EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS

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SUCESSÃO E EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS
SUCCESSION AND EXCESSIVE EMBRYOS
Andréia de Fátima Selvati Bredariol[1: Acadêmica do Curso de Direito da universidade São Francisco Campus Itatiba, SP.]
Daiane Silva Berdusco Freire[2: Acadêmica do Curso de Direito da Universidade São Francisco Campus Itatiba, SP.]
Odair Bufolo[3: Acadêmico do curso de Direito da Universidade São Francisco Campus Itatiba, SP.]
RESUMO:
O direito à sucessão dos embriões excedentários não representa um tema de fácil solução no mundo jurídico, haja vista a deficiência ou mesmo ausência de legislação específica aplicada ao caso. Por inusitado, o assunto carece de jurisprudência e até entre os doutrinadores são escassas as abordagens que tragam alguma luz elucidadora em tão controversa questão. Por outro lado, os avanços da medicina, propiciando o prolongamento da vida e inovadoras técnicas na área da reprodução humana, tornam reais o que até há pouco tempo seria inimaginável, permitindo que casais inférteis realizem o sonho da maternidade/paternidade, até mesmo após o falecimento do marido. Nesse contexto, surge a questão da possibilidade ou não do direito à herança dos filhos havidos pela inseminação artificial homóloga ou provenientes de embriões excedentários, após o falecimento do marido, com todas as suas consequências jurídicas, principalmente àquelas referentes à efetivação plena dos direitos fundamentais. O presente artigo buscou, através da reflexão dedutiva, alcançar uma resposta plausível sobre o assunto, onde através da interpretação sistemática do ordenamento jurídico e de acordo com a Constituição, chegou-se a indefectível conclusão de que ao embrião excedentário deve ser garantido todos os direitos elencados na legislação ordinária e direitos fundamentais constitucionais, principalmente aquele, fundante da Nação Brasileira: A dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave: embrião excedentário. sucessão. legislação. doutrina. direitos humanos.
ABSTRACT:
The right to succession of surplus embryos is not a matter of easy solution in the legal world, given the deficiency or even absence of specific legislation applied to the case. Because it is unusual, this subject lacks jurisprudence, and even among scholars, there are few approaches that bring some elucidating light in such a controversial question. On the other hand, the advances of medicine, propitiating the extension of life and innovative techniques in the area of human reproduction, make possible what until recently would be unimaginable, allowing infertile couples to realize the dream of motherhood / paternity, even after the father is dead. In this context, arises the question whether or not the children born due to homologous artificial insemination or from surplus embryos after the death of the husband have the right to inheritance, with all its legal consequences, especially those concerning the full realization of fundamental rights. The present article sought, through deductive reflection, to reach a plausible answer on the subject, in which, through the systematic interpretation of the legal system and according to the Constitution, the uncontestable conclusion was reached that to the surplus embryo must be guaranteed all Rights listed in ordinary legislation and fundamental constitutional rights, especially the fundamental one of the Brazilian Nation: The dignity of the human being.
 
Key words: surplus embryo. succession. legislation. doctrine. human rights.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Sucessão; 1.1 Sucessão hereditária; 1.2 Fundamentos jurídicos da sucessão hereditária; 1.3 Destinatários da sucessão hereditária; 2 Embriões; 2.1 Legislação específica; 3 Embriões excedentários; 3.1 Embriões congelados; 3.2 Direito à existência e a uma vida futura; 3.3 Direito à sucessão; 4 Conclusão; 5 Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O Código Civil Brasileiro, Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002, publicada no Diário Oficial da União em 11 de Janeiro de 2002, com entrada em vigor em 10 de Janeiro de 2003, foi fruto de longo período de elaboração, de tal forma que, em sua vigência, muitos temas atuais e controversos não foram contemplados.
Os avanços da medicina, no campo da reprodução humana, com a possibilidade de manipulação das células reprodutivas e concepção extracorpórea ou mesmo após o falecimento do marido, trouxe novos elementos a serem considerados, principalmente aqueles referentes à sucessão, que a Carta Magna consagra como direito fundamental e cláusula pétrea.
Este artigo científico busca investigar o instituto da sucessão hereditária à luz da controvérsia estabelecida, partindo de seus fundamentos históricos, econômicos, sociais e principalmente jurídicos, passando pela abordagem dos destinatários da sucessão hereditária e sua evolução atual ante o Código revogado de 1916, chegando ao controverso tema, com análise da legislação protetória para os embriões produzidos “in vita”, como a Constituição Federal, Código Civil, Código Penal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei da Biossegurança e Lei dos Transplantes, e a constatação de que não existe legislação acerca da proteção aos embriões produzidos “in vitro”, principalmente quanto aos embriões excedentários, sua classificação e conceito.
Abordamos o tema sob o princípio da dignidade da pessoa humana e da realidade atual, que a partir do nascimento de Louise Brow, na Inglaterra em 1978, como o primeiro bebe de proveta da história, novos questionamento se impuseram ao mundo moderno, mormente quanto ao direito de herança dos filhos que, concebidos após o falecimento do marido, não encontram amparo jurídico e jurisprudencial, cabendo à Doutrina elaborar fundamentação para, por analogia, efetivar tais direitos.
Num cenário de aparente contradição entre normas do Código Civil, apresentamos as posições da Doutrina acerca do direito de herança do embrião, considerando-o como ser humano pleno e sujeito de direitos que devem ser efetivados através de procedimentos próprios, e se implantado no útero materno vindo a gerar nascimento com vida, deve ter assegurado seu direito de herança, conforme consagrado na Constituição Federal em seu artigo 5º inciso XXX, como direito fundamental e cláusula pétrea.
 
1 SUCESSÃO
Sucessão em sentido amplo significa o instrumento jurídico através do qual uma pessoa, que pode ser física ou jurídica, substitui outra em seus deveres, direitos e obrigações. Neste caso, trata-se de uma relação entre pessoas vivas, onde os bens e direitos são transmitidos por ato decorrente da lei ou da convenção, sendo regulada pelo Direito da obrigações e contratos em geral, cujas normas legais encontram-se no Livro I do Código Civil, Parte Especial – DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES e na legislação pertinente.
Esse tipo de sucessão é chamada de sucessão “inter vivos” e exige o cumprimento de todos os requisitos legais para sua validade jurídica, como a vontade das partes e a observância das normas legais, podendo ser um contrato estabelecido entre as partes ou simplesmente uma decorrência da norma legal estabelecida.
1.1 Sucessão Hereditária
A sucessão hereditária é aquela que só acontece quando há o evento morte. É também uma sucessão, ou seja, a passagem de direitos e obrigações de uma pessoa para outra, mas não decorrente de um contrato, ou mesmo da vontade das partes, mas que se origina exclusivamente do evento morte. Pode ser legítima, quando determinada pela lei segundo a ordem de vocação hereditária do artigo 1.829, (casamento) e do artigo 1.790 (união estável) do Código Civil ou testamentária, que é a sucessão que decorre da vontade expressa do testador com declaração de sua última vontade, conforme descrito no artigo 1.857 do Código Civilista.
Quando uma pessoa morre, seus bens não ficam “sem dono” e sua titularidade passa para seus herdeiros que assumem a continuidade dos negócios jurídicos em sua totalidade, como bem ensina Bevilláqua (2000, p. 55) em sua clássica definição de sucessão “causa mortis”: 
A sucessão jurídica é mortiscausa ou inter vivos, segundo o fato que lhe dá origem, depende ou não da morte do sucedendo. É da sucessão mortis causa, também chamada hereditária, que se ocupa esse livro. Podemos defini-la – a transmissão dos direitos e obrigações de uma pessoa morta a outra sobreviva, em virtude da lei (legítima) ou da vontade do transmissor (testamento).
1.2 Fundamentos Jurídicos da Sucessão Hereditária
Mais que fundamentos jurídicos, o instituto da sucessão possui raiz histórica, econômica e social.
O patrimônio do falecido não fica acéfalo, morrendo, seu patrimônio passa imediatamente aos seus herdeiros, é o princípio de saisine adotado pela legislação brasileira, por um lado seus herdeiros sobrevivos possuem o direito de adquirir seus bens e obrigações, por outro a lei regula a transferência integral desses bens e obrigações àqueles que legitimamente ou por vontade do “de cujus” possuem essa faculdade.[4: SAISINA. Saisina vem do francês saisine, significando o direito de tomar posse dos bens do defunto no mesmo instante do óbito, como, aliás, está no art. 1.784 do Código Civil de 2002, em dispositivo reproduzindo o conteúdo do art. 1.572 do Código Civil de 1916: “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros, inclusive testamentários”. A regra do direito francês é a expressão le mort saisit le vif, a significar que, no mesmo instante em que se abre a sucessão, o herdeiro se investe no domínio e posse dos bens constantes do acervo hereditário. (nsf) - Silva, De Plácido e. Vocabulário Jurídico / atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Priscila Pereira Vasques Gomes – 31. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2014. Página 1889. ]
Como afirma Thiago Felipe Vargas Simões (2008) em Os Fundamentos do Direito das Sucessões:
A sucessão é uma relação jurídica complexa, com vários elementos ou condições, que são também fases pelas quais deve passar até atingir a sua finalidade: a) morte do autor da herança ou abertura da sucessão; b) devolução da herança ou vocação hereditária; c) sobrevivência e idoneidade do sucessor; d) aquisição ou aceitação da herança. Portanto, quando ocorre a substituição pelos legitimados a tal, a relação jurídica primária não sofre nenhum prejuízo, tendo em vista a permanência do objeto da relação em seu estado inicial, sendo alterado, apenas, um dos polos da relação.
Historicamente o direito à sucessão está ligado à comunidade familiar, onde os filhos continuam a obra patrimonial do pai falecido e ao mesmo tempo mantém unido o clã familiar uma vez que os bens continuam em poder do mesmo grupo.
Assim se revela a faceta econômica da sucessão, pois a expectativa do recebimento e continuação da obra familiar, favorece o empreendedorismo individual, baseado na certeza da continuidade pelos que virão a assumir o patrimônio conquistado em vida pelo falecido.
Segundo Cunha Gonçalves([19??] apud VARGAS SIMÕES, 2008):[5: CUNHA GONÇALVES, Luiz da. Tratado de Direito Civil, tomo 9, vol. 2, p. 590.]
Certo é que não se pode imprimir a este fundamento outro caráter senão o que tenha fundo econômico. O instituto da sucessão é o complemento necessário do direito de propriedade, conjugado, ou não, com o direito de família. Este último é invocado pela lei, ora para conter em justos limites o exercício do direito de testar, ora para suprir a ausência de vontade do proprietário, de harmonia com os seus sentimentos e instintos naturais e normais. Propriedade que se extingue com a morte do seu titular e não se transmite ao seu sucessor, por sua vontade expressa ou presumida pela lei, não é propriedade; é usufruto vitalício.
Juridicamente falando, podemos afirmar que o direito sucessório está fundamentado na Constituição Federal que em seu artigo 5º inciso XXX diz textualmente “é garantido o direito de herança” e regulado pelas leis 8.971 de 29 de dezembro de 1994 que regula o direito de herança dos companheiros não casados e 9.278 de 10 de maio de 1996 que reconhece a união estável como entidade familiar e que em seu artigo 7º parágrafo único reconhece o direito real de habitação pelo companheiro sobrevivente, quando a união estável for dissolvida pela morte de um dos conviventes. Com o advento do Código Civil de 2002, o direito sucessório passou a ser regido em sua totalidade pelo livro V que tem por título, Do Direito das Sucessões. 
1.3 Destinatários da Sucessão Hereditária
Para entender o caminho da sucessão hereditária ou a quem ela se dirige, basta mudar a pergunta no sentido de buscarmos qual a ordem das pessoas que preferencialmente vão receber os bens da herança. O Código Civil em seu artigo 1.798 elenca os seus destinatários: as pessoas nascidas, ou seja as pessoas vivas e as pessoas já concebidas (nascituro) no momento da abertura da sucessão, este, somente receberá seu quinhão se nascer com vida. 
Quanto à ordem sucessória, que o Código Civil chama de vocação hereditária, notamos que no Código revogado de 1916 a ordem era a seguinte, segundo o artigo 1603:[6: BRASIL. Lei nº 3.071 de 1º de Janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Código Civil e Legislação Civil em Vigor. Teotônio Negrão et al. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.]
I- aos descendente;
II- aos ascendentes;
III- ao cônjuge sobrevivente;
IV- aos colaterais;
V- aos Municípios, ao Distrito Federal ou à União.
O cônjuge somente era beneficiado na ausência de descendentes e ascendentes, sendo beneficiado com o direito de usufruto da quarta parte dos bens do “de cujus” se o casamento não era no regime da comunhão universal e assegurado o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família.
Com a vigência do Código Civil de 2002 a ordem da sucessão legítima segundo o artigo 1.829 passou a ser a seguinte:[7: BRASIL. Lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 19.02.2017.]
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
O cônjuge concorre portanto com os descendentes e os ascendentes estabelecendo a seguinte ordem: descendentes e cônjuge ou companheiro, ascendentes e cônjuge ou companheiro, cônjuge sozinho, colaterais até o quarto grau e companheiro e, por fim, o companheiro sozinho.
Assim, vemos que o Código Civil de 2002 estabeleceu que cônjuge e companheiro são herdeiros em concorrência com descendentes ou ascendentes, observando quanto ao companheiro o prescrito no artigo 1.790, uma vez que prevê regras distintas para cônjuge e companheiro. Além disso, a Fazenda Pública deixou de ser herdeira, uma vez que somente se beneficiará se declarada vacante a herança, não constando mais, como previsto no rol taxativo do artigo 1.603 de Código Civil de 1916.
2 EMBRIÕES
Podemos afirmar que existem duas categorias de embriões humanos: aqueles produzidos espontaneamente pelo aparelho reprodutivo, consequência natural da união do gameta masculino com o gameta feminino no interior do corpo da mulher, embrião criado “in vita”, que na definição de De Plácido e Silva (2014, p. 802), lemos: 
EMBRIÃO. No processo de concepção, é assim denominado quando existe um botão embrionário, isto é, compreende todo o desenvolvimento situado entre o aparecimento do botão embrionário e o término do surgimento de todas as partes do corpo, no final do segundo mês.
 Por outro lado há aquele produzido por efeito da manipulação humana, produzido em laboratório ou “in vitro”. São embriões resultantes da retirada de óvulos do corpo feminino, para em ambiente extra corpóreo serem submetidos à penetração do espermatozoide masculino. Falamos assim da chamada técnica de reprodução assistida, como descreve SamanthaK. C. Dufner (2015, p. 59):
A ciência evoluiu de modo espetacular, e na atualidade, verificamos com sucesso, formas de reprodução humana em clínicas especializadas, via métodos artificiais que manipulam os materiais genéticos masculino e feminino, utilizados in natura ou após congelamento, chamado de criopreservação. Os métodos são variados, a depender das necessidades dos envolvidos, dos custos assumidos – já que tais procedimentos são caros no Brasil – e das recomendações médicas consideradas a saúde dos pacientes.
O embrião é um ser vivo com toda a certeza, porém sua natureza jurídica encontra controvérsias. Maria Eldavacy Pinto Marinho em, Embrião - A busca de um estatuto (2005, p. 02) assim expressa:
 O embrião é ser humano? Ser humano potencial? Objeto? A definição da natureza do embrião humano está na determinação de quando ocorre o início da vida, de quando se pode dizer que há um ser humano. Os parâmetros utilizados para determinação possuem, em sua maioria, fundamentos religiosos não aplicáveis a todas as comunidades. Essa pode ser apontada como uma das razões para o tema ser tão polêmico. 
Consideramos importante a definição jurídica do início da vida, eis que reflete em questões importantes, principalmente àquelas referentes a ética e suas consequências no agir humano e o posicionamento do Direito em face de tão polêmica questão. No Brasil há quem defenda que a Suprema Corte tenha adotado a teoria concepcionista, como a propósito escreve Danubia Cantieri Silva (2013) em A tutela jurídica do embrião implantado à luz da dignidade da pessoa humana:
Restou demonstrado que, as teorias acerca do início da vida são várias. Todavia, foram citadas as principais teorias: Teoria Concepcionista, Teoria da Nidação, Teoria Gradualista, Teoria das Primeiras Atividades Cerebrais, Teoria Natalista. Nesse contexto, em análise as Teorias do início da vida, a Teoria Concepcionista é a mais adequada em tutelar os direitos do embrião implantado, pois considerando-o pessoa humana em estado de latência. Assim, tendo em vista o embrião como pessoa em potencial, ele merece o respeito e dignidade que é dado a todo homem.
Adepta a esse entendimento também está a Suprema Corte que na ADPF n. 54, ora demonstrada, firmou sua decisão no sentido de que ao embrião é garantido o direito à vida. Tal questão, envolve a proteção da vida consagrado constitucionalmente e em diversos tratados internacionais subscritos pelo Brasil, inclusive a Convenção Americana de Direitos Humanos.
Porém prevalece o entendimento de que a vida se inicia com a nidação, ou seja, não basta o óvulo ser fecundado, mas é necessário sua fixação na parede uterina, o que ocorre por volta de 14 dias da fecundação, quando então se inicia as primeiras atividades cerebrais, como restou determinado no julgamento da ADIN 3.510 pelo Supremo Tribunal Federal que definiu a legalidade constitucional da pesquisa para fins científicos utilizando-se das células tronco de embriões congelados a mais de três anos. Para efeito ilustrativo, transcrevemos alguns trechos da ementa da referida Adin 3.510, cujo acórdão possui mais de 500 páginas, onde transborda tal entendimento:[8: Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade, nº 3.510 Distrito Federal, Tribunal Pleno, 25.08.2008.][9: Ibidem...]
[...]O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva (teoria "natalista", em contraposição às teorias "concepcionista" ou da "personalidade condicional”) ... Mas as três realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana. O embrião referido na Lei de Biossegurança (“in vitro" apenas) não é uma vida a caminho de outra vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas, sem as quais o ser humano não tem factibilidade como projeto de vida autônoma e irrepetível. A Lei de Biossegurança não veicula autorização para extirpar do corpo feminino esse ou aquele embrião. Eliminar ou desentranhar esse ou aquele zigoto a caminho do endométrio, ou nele já fixado. Não se cuida de interromper gravidez humana, pois dela aqui não se pode cogitar. A "controvérsia constitucional em exame não guarda qualquer vinculação com o problema do aborto." 
2.1 Legislação Específica
O Código civil em seu artigo segundo determina que a personalidade civil começa com o nascimento com vida, mas a lei protege desde a concepção os direitos do nascituro. Maria Helena Diniz comentando este artigo assim se expressa:
Poder-se-ia até mesmo afirmar que, na vida intrauterina, tem o nascituro, e na vida extrauterina, tem o embrião, personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos personalíssimos, ou melhor, aos da personalidade, visto ter a pessoa carga genética diferenciada desde a concepção, seja ela in vivo ou in vitro... Ante as novas técnicas de fertilização in vitro e do congelamento de embriões humanos, houve quem levantasse o problema relativo ao momento em que se deve considerar juridicamente o nascitum, entendendo-se que a vida tem início, naturalmente, com a concepção no ventre materno. Assim sendo, na fecundação na proveta, embora seja a fecundação do óvulo, pelo espermatozoide, que inicia a vida, é a nidação do zigoto ou ovo que a garantirá; logo, para alguns autores, o nascituro só será “pessoa” quando o ovo fecundado for implantado no útero materno, sob a condição do nascimento com vida. O embrião humano congelado não poderia ser tido como nascituro, apesar de dever ter proteção jurídica como pessoa virtual, com uma carga genética própria. Embora a vida se inicie com a fecundação,-e a vida viável com a gravidez, que se dá com a nidação, entendemos que na verdade o início legal da consideração jurídica da personalidade é o momento da penetração do espermatozoide no óvulo, mesmo fora do corpo da mulher. Pelas razões antes expostas, oferecemos ao Deputado Fiuza a seguinte sugestão legislativa: Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do embrião e os do nascituro. (Grifo nosso).
 O artigo 542 determina que a doação pode ser feita ao nascituro, desde que aceita pelo seu representante legal. No artigo 1597, em seus incisos III e IV, trata da presunção de serem concebidos na constância do casamento, portanto herdeiro necessário, os filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido e a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga. À respeito da concepção artificial homóloga assim se expressa Samantha K. C. Dufner (2015, p. 95):
A concepção ocorrerá em dois momentos: quando o pai estava vivo e o embrião foi congelado para implantação futura (neste caso não haverá conflito com o direito sucessório porque a prole foi concebida antes da abertura da sucessão) ou após o seu falecimento, e o embrião, porque excedentário, foi mantido congelado para implantação futura. [...] Disso resultam efeitos jurídicos imediatos e muitos questionamentos. O embrião gerado a partir de qualquer das técnicas descritas acima, goza inexoravelmente de presunção de paternidade e por clara disposição da lei, vide artigo 1597, incisos III e IV, do Código Civil.
 O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90 em seu artigo sétimo, protege a criança e o adolescente, garantindo-lhes a vida e a saúde nestes termos: “a criança e o adolescente tem direito à proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso em condições dignas de existência” (Grifo nosso). Vemos assim que ao nascituro está garantido o direito à vida e ao nascimento,sendo obrigação do Estado oferecer políticas públicas que materializem tal situação, interessante o posicionamento de Maria Viviane de Vasconcelos e Flamínio Ferreira Pessoa Filho em ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: Do Direito à Vida e à Saúde (2010)[10: BRASIL, Lei 8.069 de 13 de Julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm. Acesso em 23.02.2017.]
O artigo 7º além de garantir a Vida e a Saúde a criança e o adolescente, possui duas peculiaridades que não podem deixar de ser comentadas, a primeira delas é relacionada à vida do nascituro, onde o artigo impõe ao Estado o dever de oferecer serviços e programas de assistência pré-natal e pós-natal. A segunda delas diz respeito a garantia de que toda criança e adolescente tenham direito a um nascimento e desenvolvimento harmonioso, não admitindo, porém o artigo 7º que a vida e o desenvolvimento de tais seres sejam desumanamente materializados. Rezando então que não basta ter vida e saúde, se não gozar desses dois direitos de forma digna e humana. Garantindo também que tais direitos sejam garantidos por meio de políticas sociais públicas.
Também na seara penal, o embrião encontra-se protegido, conforme prevalece no artigo 124 do Código Penal: “provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque, pena de 01 (um) à 03 (três) anos de detenção”. A Lei 11.105/2005, Leia da Biossegurança, em seu artigo quinto, autoriza a utilização de células tronco embrionárias de embriões humanos fertilizados “in vitro” e congelados a mais de 3 anos, lei que foi objeto da ADIN 3.510 de 29 de maio de 2008, analisada em tópico acima. A lei 9.434/97 (Lei dos transplantes), em seu artigo nono parágrafo sétimo diz: “É vedado à gestante dispor de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo vivo, exceto quando se tratar de doação de tecido para ser utilizado em transplante de medula óssea e o ato não oferecer risco à sua saúde ou ao feto”. (Grifo nosso).
A legislação protege, com certeza, o embrião, desde que implantado no útero materno, seja ele concebido naturalmente ou por mãos humanas, ‘in vitro”. A questão controvertida situa-se no campo dos embriões não implantados, conservados no congelamento. Já foram portanto concebidos, uma vez que houve a união do gameta feminino com o gameta masculino, porém encontram-se temporária ou permanentemente fora do corpo feminino. A respeito escreve Danubia Cantieri Silva (2013) em A tutela jurídica do embrião implantado à luz da dignidade da pessoa humana:
Dessa forma, se entende a doutrina majoritária que o embrião implantado tem a mesma natureza do nascituro, ser humano já concebido e cujo nascimento é dado como certo. Já o embrião humano resultado da fertilização in vitro, enquanto não for implantado no organismo materno, não goza da proteção conferida ao nascituro, pois a ele não se equipara. Não pode ser considerado ente humano por nascer.
Tal controvérsia, com foco no Direito sucessório deverá ser analisada no próximo tópico.
3 EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS
Buscando a definição própria do termo, voltamos ao Vocabulário Jurídico do mestre De Plácido e Silva (2014, p. 802) onde encontramos:
EMBRIÃO EXCENDENTÁRIO. Referido no art. 1.597 do Código Civil de 2002, o embrião excedentário é aquele resultante de inseminação artificial e excedente do número de embriões que podem ser utilizados, sendo guardado em processo de conservação para posterior utilização. (nsf)
Conforme já analisado, o embrião obtido por manipulação humana, conserva todas as características do status de ser humano, em que pese as diversas considerações e teorias sobre a hora exata do início da vida, uma vez que acontece a fecundação, ou seja, a união do gameta feminino com o gameta masculino, operando o milagre da criação e o surgimento de um ser humano único, pois diferenciado de todos os demais, possuindo material genético (DNA) irrepetível. Importante destacar depoimento da Doutora Lenize Garcia professora do Departamento de Biologia Celular da Universidade de Brasília, constante do voto do relator da ADIN 3.510, Ministro Aires Brito:[11: Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade, nº 3.510 Distrito Federal, Tribunal Pleno, 25.08.2008. Página 18.]
"Nosso grupo traz o embasamento científico para afirmarmos que a vida humana começa na fecundação, tal como está colocado na solicitação da Procuradoria. (...) Já estão definidas, aí, as características genéticas desse indivíduo; já está definido se é homem ou mulher nesse primeiro momento (...). Tudo já está definido, neste primeiro momento da fecundação. Já estão definidas eventuais doenças genéticas (...). Também já estarão aí as tendências herdadas: o dom para a música, pintura, poesia. Tudo já está ali na primeira célula formada. O zigoto de Mozart já tinha dom para a música e Drummond, para a poesia. Tudo já está lá. É um ser humano irrepetível".
Nota-se a força argumentativa da teoria concepcionista do início da vida, fundada em base científica irrefutável. Importante diferenciar os termos início da vida e início da personalidade jurídica da pessoa humana, esta última explicitada no artigo segundo do Código Civil, onde expressa que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, porém a lei ressalva os direitos do nascituro.
Conforme explica Samantha K. C. Dufner (2015, p. 91), a teoria natalista é adotada pela nossa lei civil, tendo por base o referido artigo civilista, porém em reiteradas decisões jurisprudenciais, nossos Tribunais Superiores bem como a Doutrina, manifesta inclinação pela teoria concepcionista.
3.1 Embriões Congelados
Com o desenvolvimento das pesquisas na área da reprodução humana, foi possível alcançar a mais controvertida de todas as técnicas de reprodução artificial, a chamada fertilização in vitro, ou seja fora do útero materno, onde o óvulo e o espermatozoide, previamente extraídos do corpo da mulher e do homem são aproximados em tubo de ensaio com determinadas técnicas e condições, acontecendo então a fecundação e por consequência a formação do embrião. Tudo começou com as pesquisas desenvolvidas pelo o embriologista Robert Edwards e o ginecologista Patrick Steptoe, pesquisadores ingleses que estavam desenvolvendo um novo método de fertilização e que em dezembro de 1977 anunciaram ao mundo a gravides de Lesley Brow, que após muitos procedimentos e falhas, mais de 50 tentativas, finalmente alcançaram sucesso. O mundo acompanhou estupefato a grande notícia: O nascimento de Louise Brow após uma cesariana eletiva, no dia 25 de julho de 1978. Embora pequena, com apenas 2,608 kg, Louise era perfeita. Seu nome do meio, Joy, do inglês, alegria/felicidade, foi sugestão do próprio Dr. Steptoe, satisfeito com o sucesso das suas pesquisas em parceria com o Dr.Edwards. Assim o mundo conheceu o primeiro bebe de proveta da história que atualmente tem 38 anos e goza de excelente saúde.
No estágio atual da medicina, é possível a produção em grande quantidade de embriões, que por óbvio não serão implantados, e por consequência seu destino provisório será o congelamento. Importante a reflexão que nos traz Samantha K. C. Dufner (2015, p. 69):
A maior de todas as complicações geradas a partir do procedimento é identificar que não é o embrião um mero objeto de estudo científico, nem objeto para pré-implantação, muito menos para produção em massa por questões de conveniência e oportunidade, tampouco para descarte futuro, pois trata-se de vida humana concebida com DNA único e distintivo, que apenas não se desenvolverá porque não introduzido no útero. Ele será criopreservado e assim permanecerá com todas as condições potenciais de evolução dessa vida, observados o direito de nascer, ser protegido e tratado com dignidade.
Como não existe no Brasil nenhuma legislação que normalize a produção de embriões através da doação de material por um casal em clínicas de reprodução assistida, é certo que são produzidos em número excedente ao utilizado, é certotambém que, nas palavras de Samantha K. C. Dufner (2015, p. 70), “sem nenhum regramento estão formando seres humanos para congelamento, que poderão vir a nascer, ser descartados...ou destinados a pesquisa científica”.
3.2 Direito à Existência e à uma Vida Futura
Como vimos anteriormente, a lei brasileira em diversos diplomas legais, protege o nascituro, ressalvando seu direito à vida, ao nascimento em condições dignas e a reserva legal de bens para efeitos sucessórios. Porém ao embrião, considerando que esteja fora do útero materno e concebido “in vitro” nada é previsto.
Em nada difere o embrião “in utero” do embrião “in vitro” no que concerne às suas características genéticas. Ambos possuem DNA irrepetível, expectativa de pleno desenvolvimento de vida futura com todas as suas potencialidades e desdobramentos. Como seria possível, à luz do ordenamento jurídico interpretado de maneira sistemática e observando os direitos fundamentas negar-lhes os mais elementares direitos como o de viverem plenamente em uma existência normal e saudável? Samantha K.C. Dufner (2015, p. 123) lista esse direitos, em analogia aos direitos consagrados ao nascituro. Como o direito de nascer e desenvolver-se de forma sadia e harmoniosa, com saúde, com alimentos, com proteção integral, em convivência familiar, com identidade própria, com direito de não ser tratado como objeto, nem transformar-se em objeto de pesquisa ou descartado e direito de não ser morto.
3.3 Direito à Sucessão
Em princípio vale lembrar que o direito de herança está inserido no título dos direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal, precisamente no artigo 5º, inciso XXX, como direito fundamental e cláusula pétrea.
O Código Civil em seu artigo 1.597, admite a procriação artificial e póstuma e presume a paternidade na constância do casamento aos filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido e a qualquer tempo quando se tratar de embriões excedentários decorrentes de concepção artificial homóloga. Se filhos são, decorre por inferência lógica todos os direitos de filiação, inclusive os direitos hereditários sucessórios elencados no artigo 1.829 do Código Civil onde a sucessão legítima defere-se obrigatoriamente, em primeiro lugar aos descendentes. 
Importante considerar que o artigo 227, parágrafo 6º da Constituição Federal proíbe qualquer designação discriminatória relativas à filiação, conservando os mesmos direitos aos filhos havidos ou não da relação do casamento ou por adoção.
Enfim o artigo 1.798 do Código Civil descreve os legitimados à sucessão: as pessoas nascidas ou já concedidas no momento da abertura da sucessão. Aqui temos um problema a resolver. Com o avanço da medicina e a possibilidade da fertilização e consequente criação de embriões fora do corpo da mulher, surge a possibilidade de, a abertura da sucessão acontecer antes da concepção do filho do casal, como informa Samantha K. C. Dufner (2015, p. 136):
Dos procedimentos de concepção artificial, contudo, não resultam apenas filhos fecundados antes do falecimento do genitor, pois o congelamento do sêmen e do oócito possibilitam a fertilização depois do óbito do pai. Assim sendo, pela interpretação literal ou gramatical do artigo 1.798 do Código Civil, os filhos concebidos depois de aberta a sucessão, não possuem legitimidade para herdar.
 Porém o inciso IV do artigo 1.587 do Código Civil, presume que a pessoa humana resultante da implantação de embrião excedentário decorrente de concepção artificial homóloga é filho do casal nascido na constância do casamento. Se é filho, certo também é que possui todos os direitos decorrentes da filiação, entre os quais o de ser o primeiro na ordem da vocação hereditária da sucessão legítima segundo o artigo 1.829 do Código Civil.
 Suplantando a letra fria da lei e buscando uma interpretação com base no todo do sistema legal, com primazia do texto constitucional que não autoriza tratamento distintivo e discriminatório entre os filhos, conforme lemos no artigo 227, parágrafo sexto da Constituição Federal, chegaremos sem dúvida à superação do aparente conflito entre as normas civilistas, para reconhecer todos os direitos inerentes à filiação, seja ela dos filhos havidos ou não do casamento, dos filhos adotivos e no caso específico deste artigo científico dos filhos havidos a qualquer tempo, por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido ou decorrente, a qualquer tempo, de embriões excedentários.
Na mesma linha de pensamento, Andréa e Silva Azevedo e Marília Martins Soares de Andrade, (2010, p. 08) conclui:
O Direito à sucessão antes de ser tratado como instituto civil, está consolidado na Constituição Federal (CF) no seu art. 5°, inciso XXX. Assim, está incluído entre as garantias fundamentais, devendo possuir eficácia máxima e imediata. O art. 227, § 6° da CF, assegura a igualdade de direito entre todos os filhos, havidos ou não da relação de casamento ou por adoção, inclusive em relação aos direitos sucessórios. Portanto, a grande controvérsia relacionada à reprodução assistida post mortem é referente aos direitos sucessórios das crianças concebidas por meio da referida técnica.
Porém, na lacuna jurídica existente, a controvérsia doutrinal se estabelece e a falta de regulamentação jurídica quanto aos direitos sucessórios dos embriões concebidos após o falecimento do marido estabelece posições contraditórias entre os doutrinadores. A primeira defende que o concebido “post morten” nunca poderá herdar, atropelando obviamente os princípios do melhor interesse da criança, da igualdade entre os filhos e da dignidade da pessoa humana, sob a alegação de que se assim não o for causará insegurança jurídica, pois o surgimento de um novo herdeiro, anos depois da morte do doador sujeitaria os herdeiros a aguardar por tempo indeterminado o nascimento da criança, ficando o patrimônio indivisível.
Nesse sentido Carlos Roberto Gonçalves (2009, p.291):
Não se pode falar em direitos sucessórios daquele que foi concebido por inseminação artificial post mortem uma vez que a transmissão da herança se dá em consequência da morte e dela participam “as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão” (art.1798)
E na mesma linha Gama (2003 apud Andréa e Silva Azevedo e Marília Martins Soares de Andrade, 2010):[12: GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.]
[...] a despeito da proibição no direito brasileiro, se eventualmente tal técnica for empregada, a paternidade poderá ser estabelecida com
base no fundamento biológico e o pressuposto do risco, mas não para fins de direitos sucessórios, o que pode conduzir a criança prejudicada a pleitear a reparação dos danos materiais que sofrer de sua mãe e dos profissionais que a auxiliaram a procriar utilizando-se do sêmen de cônjuge ou companheiro já falecido, com fundamento na responsabilidade civil [...].
A segunda corrente entende que não faria sentido excluir da sucessão os filhos concebidos após o falecimento do marido, diante dos princípios consolidados pela Constituição Federal, afirmando a igualdade entre os filhos e tendo o Código Civil disposto que os filhos havidos da concepção artificial homóloga, mesmo que falecido o marido ou provenientes de embriões excedentários são filhos presumidamente concebidos na constância do casamento, mesmo que contraditoriamente, o artigo 1.798 dispor que só poderão legitimar-se à sucessão as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da sucessão.
Segundo Heloísa Helena Barboza (2008 apud Dufner, 2015 p. 141): [13: BARBOZA, Heloisa Helena; Aspectos controversos do direito das sucessões: considerações à luz da Constituição da República; In: TEPEDINO, Gustavo (org) Direito Civil Contemporâneo. Novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo: Atlas. 2008,p.312.]
A conjugação literal de ambos os dispositivos (arts. 1.597 e 1.798) não apresenta problemas: os concebidospost mortem, assim como os nascidos a qualquer tempo, presumem-se concebidos na constância do casamento, e por conseguinte, antes da abertura da sucessão. Contudo, ainda que se estabelecesse uma ficção jurídica, em lugar de uma presunção, o problema de ordem prática, assim gerado, não estaria resolvido. Observe-se que a presunção, no caso, só tem utilidade exatamente para fins de fixar a época da concepção, posto que inócua para estabelecer a paternidade diante da certeza genética, em face do acima destacado (o material genético é do marido).
Sustenta assim a autora a irrelevância de a concepção ter ocorrida após o falecimento do marido, pois por força da presunção imposta pelo artigo 1.597 do Código Civil, o filho é considerado concebido na constância do casamento, portanto anterior a abertura da sucessão.
Por fim Samantha K. C. Dufner (2015, p. 184/186) salienta:
Ainda que várias possam ser as respostas da análise do conjunto normativo dos artigos 1.597, II e IV, 1798, I e 1845 do Código Civil, a única interpretação que cumpre o texto constitucional é aquela que aponta para o deferimento de direito de herança ao filho surgido pelas técnicas de reprodução assistida homóloga post mortem. Posto que interpretação diversa nos conduzirá a tratamento distintivo entre os filhos, violando o artigo 227, parágrafo 6º da Constituição Federal, maculando sua dignidade, artigo 1º, inciso III da Constituição federal, por lhe suprimir o conjunto de bens e direitos. [...] Até porque esse filho já nascerá sem o direito de convivência com esse pai, com mais razão, necessita da herança para compor o necessário a sua existência, o que equivale a reafirmar que todos os seres humanos são dignos desse mínimo existencial para si, também composto por bens materiais como herança e propriedade.
Conclui a autora pela necessidade materializar o direito fundamental, eis que não basta sua positivação sem encontrar paralelo na vida real.
 Assim o direito de herança do embrião, por tudo que foi dito, deve encontrar sua materialidade através da reserva de bens em processo de inventário e Ação de Petição de Herança, para que a dignidade da pessoa humana seja plenamente observada. Tal procedimento, por inusitado, não encontra exemplos na jurisprudência, à espera de que combativos defensores, em atitude de vanguarda, provoque o judiciário para enfim obtermos resposta satisfatória, que só virá com o debate construtivo e a busca da efetivação de todos os direitos fundamentais, principalmente daqueles que por estarem congelados em fase embrionária, mas possuindo toda a dignidade de pessoa humana, não podem permanecer eternamente prisioneiros no mundo gelado, sem desabrochar para a plenitude da vida, com todos os seus inerentes direitos.
CONCLUSÃO
O instigante tema, sucessão e embriões excedentários, figura como verdadeiro desafio aos operadores do Direito, buscando uma resposta que satisfaça à luz da dignidade da pessoa humana tão específico questionamento.
Buscamos nesse artigo analisar o tema que se apresenta controverso, mas que não pode fugir da orientação garantidora dos direitos fundamentais e que deve buscar, na lacuna normativa, o entendimento que contemple a maior satisfação dos direitos constitucionais e que podem ser encontrados dentro do próprio ordenamento jurídico.
De fato, o embrião humano, seja ele concebido “in vita”, através de relações sexuais, ou “in vitro”, pelas modernas técnicas médicas de reprodução humana é sujeito de direitos, pois é plenamente ser humano e como tal deve ter garantido todos os direitos a ele inerentes, mesmo que aparentemente haja conflito entre normas do Código Civil, mas que à luz de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico e segundo a Constituição, não podemos chegar a outra conclusão a não ser aquela que garanta o direito de herança ao embrião, seja ele concebido em vida dos cônjuges, até a abertura da sucessão, conforme prescreve o artigo 1.798 do Código Civil ou mesmo que falecido o marido ou proveniente de embriões excedentários.
O progresso da medicina, capaz de realizar o sonho da maternidade e da paternidade àqueles que por vias naturais são impossibilitados, e ainda mais inusitado, mesmo após o falecimento do marido, não pode trazer a consequência de gerar um filho sem o fundamental direito da herança, fazendo-o privado da convivência do pai e das condições que poderão garantir sua existência digna, seu mínimo existencial, composto pelos bens materiais.
Se a legislação atual é omissa quanto a esses direitos ou mesmo contraditória, apresentando dispositivos conflitantes, devemos analisar o ordenamento jurídico como um todo, não permitindo tratamento desigual entre os filhos, sejam eles concebidos em vida ou “post mortem”.
Na falta de legislação que garanta tais direitos, cabe aos doutrinadores investigarem a realidade e as novas situações impostas pelo mundo moderno, na busca da solução que pode ser encontrada dentro do próprio ordenamento jurídico, que supre lacunas existentes ou harmoniza aparentes conflitos de normas e aos operadores do Direito, que em atitude de vanguarda, devem provocar o judiciário, para a obtenção na prática da garantia positivada, conforme insculpido na carta Magna em seu artigo 5º, XXXV, “ a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”.
Contudo, outros questionamentos surgem, pois as técnicas modernas de reprodução assistida, sem controle legal, acabam por desrespeitar regras éticas, e um contingente de embriões, confinados “in vitro”, sem supervisão, constituem verdadeiro arsenal de seres humanos congelados, presos indefinidamente, ou sem nenhum controle, destinados ao comércio ou pesquisa científica, sendo-lhes negado os mais elementares direitos humanos: direito de nascer, de progredirem numa vida plena, com acolhimento familiar e desabrocharem para uma existência onde todos as expectativas possam ser realizadas, principalmente aquela, sob a qual funda-se a nação brasileira, a dignidade da pessoa humana.
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