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REVISTA SUPERINTERESSANTE - Natureza Humana

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REVISTA SUPER INTERESSANTE 
Comportamento 
 
mar 2003 
 
Natureza humana 
Somos resultado de nossa cultura ou de nossos genes? O ser humano nasce bom ou 
ruim - ou vai se construindo ao longo da vida? Cientistas discutem um tema cada 
vez mais atual: o que nos faz ser quem somos? 
Jerônimo Teixeira 
O filho de dois consagrados astrofísicos foi perdido, ainda bebê, em uma floresta, onde 
uma matilha de lobos resolveu adotá-lo. Anos mais tarde, ele é encontrado e trazido de 
volta à civilização. Sua reeducação acontece em tempo recorde: logo está se formando 
entre os melhores de sua classe no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), uma 
das mais prestigiosas universidades norte-americanas. Um ano depois da formatura, o 
rapaz morre, tragicamente, ao perseguir a roda de um carro. 
A anedota acima apareceu na seção de correspondência da revista Time. Comentava uma 
resenha de The Blank Slate ("Tábula rasa", ainda sem versão em português), livro em que 
o psicólogo canadense (e também, claro, professor do MIT) Steven Pinker apresenta sua 
imodesta proposta para a compreensão da natureza humana. A obra investe sobre um 
velho debate científico (ou ideológico, ou ambos, conforme o ponto de vista) que, em 
inglês, é eufonicamente referido como nature x nurture. Nature é traduzido facilmente por 
natureza. Nurture é um pouco mais complicado. Inclui as noções de educar, de dar 
cuidados – comumente, nurture é o que uma mãe provê ao filho. Para nosso objetivo, a 
expressão será vertida com mais exatidão (ainda que o trocadilho se perca) como 
natureza x cultura. 
O problema é saber o que faz você, leitor, ser o que é: a cultura adquirida na família, na 
escola, na sociedade, ou o seu repertório genético? Se você fosse criado, como o sujeito 
da piada, em uma cultura canina, você faria pipi nos postes? Ou será que sua natureza 
humana imporia o uso dos urinóis? 
O debate está na mesa há muito tempo. "A dicotomia natureza/cultura é uma ressaca do 
pensamento do século 19 e está na hora de reconhecermos que a ciência já a superou", diz 
o neurobiólogo Steven Rose, da Open University, na Inglaterra. Ele não é o único a 
pensar assim. Na introdução de seu livro, o próprio Pinker lembra a reação dos colegas 
quando ele mencionava o projeto de escrever The Blank Slate: "Ah, não! Não mais um 
livro sobre natureza x cultura!", diziam. O esgotamento é compreensível. A discussão 
 2 
muitas vezes ganha os contornos áridos da minúcia estatística, na tentativa de determinar 
quanto do nosso comportamento é hereditário ou quanto da nossa inteligência é adquirida 
culturalmente. Nas instâncias mais inflamadas, o debate parece chegar ao beco sem saída 
da esterilidade argumentativa. O campo de batalha foi dividido grosseiramente em dois 
partidos intransigentes, que não se comunicam. 
De forma genérica e simplificada, temos, de um lado, o pessoal das ciências sociais – 
sociólogos, historiadores, antropólogos – e, do outro, a turma das ciências naturais – 
psicólogos evolutivos, neurocientistas, geneticistas. Para os cientistas sociais, os biólogos 
seriam reducionistas, ou seja, teriam o vício de limitar qualquer comportamento à sua 
dimensão orgânica, fazendo do ser humano uma espécie de marionete de seu código 
genético. Os cientistas sociais, na visão dos oponentes, seriam, na melhor das hipóteses, 
pouco rigorosos e, na pior, embusteiros que disfarçam proselitismo ideológico como 
pesquisa acadêmica. "Falta reconhecimento de parte a parte. Os dois lados constroem 
discursos impermeáveis", afirma o psicanalista Edson Sousa, professor da Universidade 
Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS). 
Como seria de prever, The Blank Slate defende as ciências naturais. Conhecido no Brasil 
por suas obras Como a Mente Funciona (Companhia das Letras) e O Instinto da 
Linguagem (Martins Fontes), Pinker utiliza as noções de adaptabilidade e seleção natural 
para explicar a conformação da mente humana. Algumas de suas posições são certamente 
controversas: por exemplo, a sugestão de que as posições políticas radicais ou 
conservadoras que adotamos podem ser informadas por características genéticas. Ou a 
idéia de que a nossa concepção de beleza – e, por conseqüência, nossa apreciação de 
obras de arte – é inata e universal, tendo surgido como produto secundário de adaptações 
evolutivas realizadas ainda na pré-história. Concordemos ou não com proposições desse 
gênero, The Blank Slate tem o mérito de demonstrar que o debate natureza x cultura pode 
ser mais sutil do que as posições extremas sugerem. E, sobretudo, Pinker mostra como a 
relevância do problema extrapola os muros da academia. 
Da educação das crianças até a punição dos criminosos, as implicações cotidianas de 
nossa concepção de natureza humana são inúmeras. 
Mas será pertinente falar em "natureza humana"? O filósofo Renato Janine Ribeiro, da 
Universidade de São Paulo (USP), acredita que não: a diversidade de comportamentos e 
valores que encontramos em diferentes sociedades desmentiria a idéia de uma natureza 
única e imutável. Ele afirma que mesmo características tidas como universais sofrem 
alterações ao longo da história (veja lista na página 69). O amor aos filhos é um exemplo: 
em Esparta, a prática do infanticídio era comum. O filósofo Luiz Felipe Pondé, professor 
da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e pesquisador convidado da 
Universidade de Marburg, Alemanha, discorda: "Natureza humana, como todo conceito, 
pode sofrer alterações, mas acredito que uma certa permanência de comportamento 
humano possa ser confirmada. 
Mesmo acerca do relativismo antropológico, ainda que mudem os valores, o animal 
humano permanece um animal moral, o que significa que faz parte da sua natureza a 
 3 
percepção do mundo ao seu redor via estabelecimento de valores". No entanto, Edson 
Souza diz que, do ponto de vista da psicanálise, o homem é o ser mais desprovido em 
termos naturais. O bebê depende por mais tempo da mãe: "Nossa dependência em relação 
ao outro está inscrita no nosso corpo. E essa relação é mediada pela palavra, pela 
linguagem. As inscrições do código genético não são suficientes para a construção do 
objeto em que investimos o nosso afeto", afirma. 
Como se vê, há uma grande pluralidade na abordagem do assunto. De acordo com Pinker, 
porém, a visão relativista tornou-se o paradigma predominante das ciências humanas. O 
modelo corrente – que ele acredita remontar à obra do filósofo inglês John Locke (1632-
1704) – seria o da tábula rasa: o ser humano não traz nenhuma característica inata. Nasce 
como uma folha em branco, na qual a sociedade vai imprimir seus valores básicos. Dessa 
visão fundamental surgiriam duas convicções subsidiárias: a idéia de que o homem em 
estado natural é bom e a sociedade o perverte, cuja formulação mais conhecida é o "bom 
selvagem" de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). A outra é o chamado dualismo 
filosófico, de René Descartes (1596-1650): a crença de que corpo e alma são entidades 
distintas. Pinker opõe-se ao dualismo. Duramente materialista, ele crê que mente e corpo 
são uma coisa só. A "alma" seria o resultado da complexa atividade neural em nosso 
cérebro. 
O biólogo David Barash, da Universidade de Washington, Estados Unidos, em uma 
resenha de The Blank Slate publicada em Human Nature Review, afirma que Pinker força 
o argumento ao filiar as três concepções criticadas a uma única matriz. O "bom 
selvagem" não nasce como uma folha lisa: sua bondade, afinal, é congênita. Tampouco a 
crença de que o corpo é habitado pela alma é congruente com a doutrina da tábula rasa. A 
verve do polemista ofuscaria o rigor do cientista. 
Mesmo assim, há boas razões para o reducionismo ter virado um palavrão nas ciênciashumanas. As descobertas de Charles Darwin desbancaram o ser humano da sua posição 
de preferido do Criador, mas o homem branco europeu rapidamente compensou o golpe, 
deturpando a nova teoria para justificar seu ímpeto colonialista. Negros e índios eram 
vistos como um estágio intermediário entre os brancos e formas inferiores da escala 
evolucionária. A eugenia – a seleção dos melhores indivíduos para reprodução – parecia 
ser uma boa estratégia para garantir o aperfeiçoamento da humanidade. O termo eugenia, 
aliás, foi cunhado por um primo de Darwin, Francis Galton. O próprio Darwin era um 
liberal generoso, que, durante a legendária viagem do navio Beagle, se horrorizou com o 
modo brutal como os escravos eram tratados no Brasil. Mesmo assim, como lembra o 
paleontólogo Stephen Jay Gould em A Falsa Medida do Homem, Darwin deixou algumas 
páginas no mínimo ambíguas sobre o status evolutivo da raça negra. 
Em seu livro, Gould mostra que a neutralidade ideológica da ciência é relativa. "A 
ciência talvez não consiga ser sempre ideologicamente neutra, mas ela tenta ser", afirma 
Pinker. "Pressões políticas e sociais têm o seu papel, tanto quanto outras fragilidades 
humanas, como a ambição e a busca de respeito. O objetivo da ciência é minimizar esses 
fatores. O fato de que tantas descobertas científicas já tenham subvertido a sabedoria 
convencional das classes dominantes mostra que ela geralmente tem sucesso." 
 4 
Muitos acreditam que a eugenia é uma bandeira exclusiva dos extremismos de direita. Na 
verdade, ela foi saudada com entusiasmo pela esquerda no início do século 20. Socialistas 
famosos como H.G. Wells e George Bernard Shaw acreditavam no aprimoramento 
biológico. Esse fato ficou obscurecido pela conseqüência mais radical e sinistra do 
pensamento eugênico: os campos de concentração nazistas. As teorias racistas estão hoje 
amplamente desacreditadas, mas a sombra da suástica parece perseguir os biólogos. 
Qualquer pesquisa que sugira a existência de diferenças comportamentais entre os sexos 
ou causas genéticas para a criminalidade está fadada a balançar os esqueletos do armário. 
A sugestão de que temos uma natureza humana desenhada pelo DNA pode ser 
inquietante. Se todos compartilhamos um substrato biológico comum, é possível que 
também as nossas diferenças sejam determinadas pela genética. O temor é de que isso 
venha a minar na base os ideais humanistas de igualdade. 
Mas The Blank Slate se dedica a exorcizar esses velhos fantasmas. O fato de que não 
somos iguais não invalidaria a idéia moral de que devemos ter igualdade de direitos. 
Pinker argumenta que a doutrina da tábula rasa também gerou seus pesadelos políticos. A 
concepção do homem como um ser plástico, a ser moldado pela sociedade e aperfeiçoado 
pela cultura, teria servido de base para as ditaduras comunistas. Mao Tsé-tung definiu o 
homem como uma "folha em branco" na qual "os mais novos e belos desenhos podem ser 
pintados". O construtivismo social – concepção segundo a qual noções como sexo não 
são inatas, mas construídas culturalmente – também gerou aberrações. O caso de David 
Reimer (veja "O terceiro sexo", na Super 185, edição de fevereiro) costuma ser citado 
para ilustrar o erro do construtivismo extremo. Ainda bebê, David perdeu parte do pênis 
em uma circuncisão mal-realizada. 
Aconselhada por John Money, um sexólogo da Universidade Johns Hopkins, a família 
submeteu-o a uma operação de mudança de sexo e o criou como se fosse uma menina. 
Pinker lembra que, quando era estudante de psicologia, essa experiência era tida como 
um exemplo do sucesso da perspectiva construtivista. Mais tarde, revelou-se que a 
infância de David fora um pesadelo. A natureza masculina por fim se fez ouvir. Ele 
reverteu a operação de mudança de sexo e hoje está casado com uma mulher. 
Mas nem todos os que criticam a moderna biologia por suas tendências reducionistas 
estarão dando seu voto à nefasta engenharia social de um tirano chinês ou aos delírios de 
sexólogos charlatães. O debate não está polarizado apenas entre ciências sociais e 
biológicas. Algumas das críticas mais contundentes ao reducionismo partiram de 
darwinistas de carteirinha. A época heróica desses debates foram os anos 70. Em 1975, 
Edward O. Wilson lançava Sociobiology ("Sociobiologia", sem tradução em português), 
livro que buscava entender o comportamento social de variadas espécies a partir de uma 
base evolutiva. No ano seguinte, surgiria uma das obras mais influentes da biologia 
moderna, O Gene Egoísta, de Richard Dawkins. Wilson e Dawkins foram acusados de 
ressuscitar o velho darwinismo social, segundo o qual é a seleção natural que determina 
quem será rico ou pobre. 
 5 
Opondo-se à sociobiologia, surgiu um movimento chamado ciência radical, que 
congregava nomes do porte do paleontólogo Stephen Jay Gould e do geneticista Richard 
Lewontin, também professor de Harvard. 
Em seu livro, Pinker reconstitui as brigas da época com franca parcialidade. Wilson e 
Dawkins são seus heróis e ele sugere que os opositores da sociobiologia seriam, no 
fundo, partidários da tábula rasa. "Pinker está brigando com espantalhos. Nem eu, nem 
Lewontin, nem qualquer biólogo que eu conheça acredita que o ser humano é uma tábula 
rasa", diz Steven Rose, um dos mais destacados membros da ciência radical. A despeito 
de todos os protestos e da celebridade de seus críticos, as teorias de Wilson e Dawkins 
sobreviveram e são as mais influentes nos departamentos de biologia. 
Na verdade, a sociobiologia foi rebatizada como psicologia evolutiva e é um dos campos 
de pesquisa mais promissores da atualidade. Na busca de entendimento dos 
comportamentos sociais a partir de pressupostos darwinistas, ela em certa medida disputa 
terreno com as ciências humanas. "Há um certo medo do materialismo biológico por 
parte das ciências humanas, devido ao fato que as ciências duras têm melhor desempenho 
epistemológico", diz Luiz Felipe Pondé. A evolução poderia mesmo explicar nosso 
comportamento social? Pinker responde invocando a necessidade de diferentes níveis de 
análise: "Estudos sociais não podem ser reduzidos à psicologia ou à biologia, mas 
precisam levar essas áreas em consideração. A biologia não pode ser reduzida à física, 
mas qualquer teoria biológica que contradiga ou ignore as leis da física será uma perda de 
tempo. Também é assim com as ciências sociais. 
A maior parte dos fenômenos que elas estudam jamais seria entendida só a partir da 
psicologia evolutiva, mas ao mesmo tempo elas serão cegas se ignorarem a natureza 
humana ou fingirem que ela não existe". O geneticista e professor da UFRGS Renato 
Zamora Flores compara: "Para entender os conflitos do Oriente Médio, não basta saber 
que a violência é uma constante humana". 
Renato diz que a linguagem de alguns cientistas, especialmente aqueles ligados à biologia 
molecular, é de um "reducionismo extremo". De outro lado, falta aos cientistas sociais 
um conhecimento mais rigoroso de análise estatística, que permita entender as causas 
múltiplas de certos comportamentos. No complexo cruzamento entre biologia e 
sociedade, a violência é, ao lado das diferenças sexuais, um dos pontos mais sensíveis. 
Pesquisas recentes mostram, por exemplo, que uma determinada conformação genética – 
um alelo menos eficiente da enzima MAO-A – aumenta o risco de um adolescente 
apresentar desordens de conduta em 2,8 vezes, e de ser preso por crime violento em 9,8 
vezes, mas apenas quando o indivíduo foi maltratado na infância. Na ausência de maus-
tratos, não se produz nenhuma diferença estatística relevante na tendência a 
comportamentos anti-sociais. 
É um exemplo de interação complexa entre os genes e o ambiente. 
A violência potencial pareceser uma característica inata do ser humano. Pinker insiste na 
base biológica dessa tendência. Seria uma atitude compartilhada com outras espécies 
 6 
próximas. O primatologista holandês Frans de Waal documentou verdadeiras guerras 
entre chimpanzés. Dentro de um mesmo grupo, na disputa pelo status de macho alfa, a 
macacada chega até mesmo a fazer conspirações e alianças de ocasião, numa versão 
símia do que estamos acostumados a ver em Brasília ou Washington. A idéia de que 
índios ou tribos pré-históricas viviam em um estado de paz idílica foi derrubada pela 
paleontologia e pela antropologia mais recentes. Já foram desencavados ossos humanos 
pré-históricos que traziam evidências de assassinatos brutais. Alguns desses ossos 
mostravam inclusive sinais de raspagem, como se encontraria em um animal cuja carne 
comemos. Na opinião de Pinker, não deveríamos perguntar por que existe violência, mas, 
como é que a violência pode ser evitada. 
Renato Janine Ribeiro, no entanto, afirma que a idéia de uma base biológica para o 
comportamento violento pode ser enganosamente confortadora: "É tranqüilizador pensar 
que o criminoso que nos perturba é um monstro, ou que a violência é uma constante 
natural, pois, desta maneir a, a sociedade é inocentada. Assim como é mais tranqüilizador 
tomar Prozac do que fazer análise". 
"As quatro dimensões da vida humana – três no espaço e uma no tempo – não podem ser 
lidas a partir do DNA unidimensional, com seus cerca de 30 milhões de genes", diz Rose. 
Pinker, ao contrário, sugere que nossa natureza está em grande parte contida no material 
genético. Francis Fukuyama, o cientista político que ficou famoso ao afirmar que a 
história chegou ao fim, dedicou sua mais recente obra – Our Posthuman Future ("Nosso 
futuro pós-humano", inédito no Brasil) – a especulações sobre a possibilidade de os 
avanços da biotecnologia colocarem em risco a natureza e dignidade humanas. Para 
Pinker, essa é uma chance bastante remota: "Os genes alcançam seus efeitos agindo em 
conjunto, em combinações demasiado complexas". Não existe um gene da inteligência, 
da agressividade ou do talento misucial, o que torna a manipulação de características 
como essas muito difícil, senão impossível. 
De qualquer modo, o racismo eugênico parece estar fora de cena. Para Luiz Felipe Pondé, 
a tecnologia genética será um bem de mercado e não um instrumento de Estados 
totalitários. Em países com grandes desigualdades, como o Brasil, deveríamos nos 
preocupar antes com o fato de que os mais privilegiados, com seus seguros de saúde, em 
breve terão acesso exclusivo à genética preventiva, abrindo ainda mais o fosso entre ricos 
e pobres. "A diferença econômica se transformará em biológico-adaptativa", afirma. A 
biologia, cada vez mais, é um problema social. 
 
Na livraria 
The Blank Slate - The Modern Denial of Human Nature, Steven Pinker, Viking, 2002 
Our Posthuman Future, Francis Fukuyama, Farrar, Straus and Giroux, 2002 
Lifelines: Biology Beyond Determinism, Steven Rose, Oxford University Press, 1997 
 7 
A Falsa Medida do Homem, Stephen Jay Gould, Martins Fontes, 1997 
 
Na internet 
www.mit.edu/~pinker 
www.edge.org/3rd_culture/pinker_rose/pinker_rose_p1.html 
 
Steven Pinker apresenta, em The Blank Slate, uma lista de características humanas que 
seriam universais. Compilada pelo antropólogo Donald E. Brown, da Universidade da 
Califórnia, Estados Unidos, ela foi publicada pela primeira vez no livro Human 
Universals ("Universais humanos", sem tradução no Brasil), de 1991. Abaixo, adaptamos 
as mais importantes – e curiosas – das características que seriam comuns a todas as 
culturas do planeta. 
ABSTRAÇÃO na fala e no pensamento 
ARMAS – criação e utilização 
CIÚME – e o sentimento de posse 
CRENÇA no sobrenatural ou em religião 
CRENÇAS relacionadas à morte 
CLASSIFICAÇÃO das pessoas por idade 
CLASSIFICAÇÃO das cores 
CLASSIFICAÇÃO das pessoas por grau de parentesco 
COMPLEXO de Édipo 
DIVISÃO do trabalho entre os membros do grupo 
ESTUPRO (e também sua proibição) 
GOSTO por doces 
INCESTO entre filho e mãe considerado tabu 
LÍDERES – e a disputa pelo poder 
 8 
LINGUAGEM – a boa utilização é forma de prestígio 
LUTO – formas de externar a dor pela perda 
MACHOS mais agressivos e com maior tendência a praticar formas letais de violência 
(em comparação às fêmeas) 
MEDO de cobras 
MEDO infantil de ruídos altos 
MÚSICA e dança 
NOÇÃO do passado, presente e futuro 
NEPOTISMO (predileção por filhos ou parentes) 
PIADAS – narrativas humorísticas 
PROIBIÇÃO do assassinato 
SENTIMENTOS morais 
VIOLÊNCIA – e a proibição de algumas formas 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Disponível em: http://super.abril.com.br/superarquivo/2003/conteudo_275078.shtml

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